Unipautas nº 09 (2017/1)

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JORNAL DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL • CAMPUS FAPA • SEMESTRE 2017/1 • ANO V • NÚMERO 9

Sociedade

da

violência

LE PETIT JOURNAL. SUPPLÉMENT DU DIMANCHE. 09/06/1907. SOURCE GALLICA.BNF.FR / BIBLIOTHÈQUE NATIONALE DE FRANCE (IMAGEM EM DOMÍNIO PÚBLICO)

unipautas


2 /// UNIPAUTAS /// JUNHO 2017

OPINIÃO

CRIME ORGANIZADO

SÓ É PERMANENTE O QUE SE RENOVA

Controle que vem das

F

az algum tempo ouvi uma frase que me marcou e que carrego comigo até hoje: só é permanente o que se renova. Mais do que um esforço retórico pela alteração, o que as palavras trazem é um misto de resiliência e humildade - não se cristalizar e se permitir mudar. É o que acontece agora com o Unipautas. Depois de muita conversa e reflexões com os colegas do corpo docente, entendemos a necessidade de mexer no layout, com impacto no conteúdo. O cenário do jornalismo pede um olhar atento ao consumo de informação e, evidentemente, os produtos impressos são os primeiros no radar da digitalidade dos processos e de suas reconfigurações de rotinas. O que pode um curso de Jornalismo se não tensionar o seu ambiente em busca do novo sem perder no horizonte a qualidade narrativa e a ética? O nosso norte com o novo projeto gráfico foi propor a valorização das imagens, dados e textos de modo ainda mais equilibrado e atraente a você, leitor. No diálogo produtivo e permanente que traçamos entre a acadêmia e o mercado, destacamos as influências da revista americana New Yorker, com o emprego de ilustrações – como na capa desta edição, e jornais europeus como o português Expresso e o francês Libération, em que imagens e infográficos não estão subalternizados aos textos. Assim, esperamos que a sua experiência de leitura permita uma imersão ainda mais agradável nos conteúdos produzidos pelos nossos inquietos. E desde o semestre anterior, reforçamos nossa posição editorial de ser uma publicação semestral temática, dando espaço para reportagens que revelem diferentes ângulos de questões sociais emblemáticas. Nesta edição, o tema foi “todas as formas de violência”. Nossa intenção foi desvendar histórias de agressões psicológicas e físicas, das ocorridas dentro do lar às praticadas pelo Estado – ou por sua omissão. São 16 páginas elaboradas para trazer um cuidadoso recorte da realidade que, por vezes, escapa aos nossos olhos ou que não deveria se naturalizar. Bem-vindos ao novo Unipautas e a experiência ímpar da prática do jornalismo impresso universitário que mexe com a sua vida! Leandro Olegário Coordenador dos cursos de Jornalismo e Produção Audiovisual

ULISSES MIRANDA

O

Presídio Central mudou de nome. Desde o dia 13 de janeiro deste ano passou a se chamar Cadeia Pública de Porto Alegre. Os problemas, no entanto, são antigos e bastante conhecidos. O primeiro e mais lembrado deles é a superlotação. O local disponibiliza 1.824 vagas, mas a lotação ultrapassa regularmente os 4,6 mil detentos, dispostos em galerias onde já não existem mais celas. Os pavilhões são controlados por organizações criminosas. De lá, as facções comandam o crime nos bairros da Capital. “Começou a haver uma interligação entre uma região da cidade e uma galeria: quem manda naquela região, manda

galerias

naquela galeria e vice-versa”, afirma o juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, Sidinei Brzuska. Essa correlação, segundo o magistrado, teve início com criminosos ligados ao tráfico na Vila Conceição. A polícia prendia os envolvidos dessa região e os colocava na mesma galeria do Central – por não conseguir prover a segurança de todos, caso fosse “misturá-los”. Atualmente, essa situação é comum a todas as facções. Formada em Direito, Ciências Sociais e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS, Marcelli Cipriani aponta em seu estudo que 35 bairros da Capital estão sob domínio de

uma ou mais facções. Somadas, as populações destes logradouros correspondem a pouco mais da metade da população total de Porto Alegre. Como evidenciam os números, a Capital está dividida – e, claro, em constante disputa. Mas só há aparente desorganização criminosa do lado de fora (confira o mapa). Dentro do Central, cada espaço tem um dono. “O tamanho das facções dá-se pelo tamanho da área mais externa de domínio do que interna, mas são interligados”, explica Brzuska. Desde que a gestão do então Presídio Central passou das mãos da Superintendência dos Serviços Penitenciários

O domínio das facções nos bairros de Porto Alegre

MAPA PRODUZIDO PELA PESQUISADORA MARCELLI CIPRIANI (2016)

(Susepe) para a Brigada Militar (BM), em 1995, após uma rebelião que acabou em fuga, a forma de lidar com a população carcerária mudou. Na tentativa de amenizar anos marcados por mortes, motins, fugas e tentativas de fugas, a BM abriu diálogo com os presos. Entre as tratativas, se percebeu a necessidade de separar aqueles apenados com algum tipo de desavença. Aos poucos, as galerias foram formadas conforme as “afinidades”. A BM conseguiu, enfim, controlar a situação que era violenta, embora não seja o estado o responsável por manter os presos seguros. “Quem assegura a integridade física do preso é a facção, portanto, se você quer desmanchar a facção, você precisa assegurar a integridade física do preso”, provoca o juiz Brzuska. Mas não é só isso: há outro déficit no que se refere aos serviços prestados pelo Estado. Mesmo que o artigo 12 da Lei de Execuções Penais determine que “a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”, o governo estadual, que oficialmente é o responsável pela unidade, fornece apenas energia elétrica, água e alimentação básica para os presos. Por isso, em dias de visitas, familiares e amigos dos presos levam roupas, calçado, colchões, sabonete e toda uma série de produtos que são, por lei, de obrigação do Estado prover. Esse “modelo de gestão” é amplamente discutido – e criticado. Em janeiro de 2013, entidades que compõem o Fórum da Questão Penitenciária denunciaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) a grave situação do presídio. Essas são algumas das falhas que contribuem para a expansão das facções em Porto Alegre. Os apenados que não recebem assistência do Estado dentro do sistema prisional acabam sendo recrutados por grupos criminosos.


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PRESÍDIO CENTRAL

MIRELLA ROCHA

O

À espera da humilhação

véspera do Dia das Mães, algu- Um scanner corporal foi adquimas delas precisaram disputar o rido para que a revista manual espaço da calçada com comer- não fosse mais necessária. Pociantes locais que vendiam sa- rém, o que é previsto em lei está colas e roupas aceitas na revista, distante da realidade. classificadas por muitas como O juiz da 1ª Vara de Execuhumilhante. ções Criminais de Porto Alegre, “O que a gente não faz por que é responsável pelo Presídio amor?”, comentou com um Central, Sidinei Brzuska, explileve sorriso a visitante D.F., 21, ca o motivo desses abusos ainda que preferiu não ser identifica- ocorrerem. “Essa é uma quesda. Ela relata que a aquisição tão que está muito enraizada dos equipamentos de revista na cultura. Muitas vezes, troca eletrônica não bastou para o servidor ou assumem novos detetnos em 109 casas prisionais que as humilhações acabassem. servidores que não sabem disso “Eles já colocaram o scanner e acabam submetendo o visipara evitar o constrangimento, tante a essa revista, sendo que Perfil da população carcerária no RS mas não mudou nada. A gente existem decisões judiciais que FAIXA ETÁRIA passa pela esteira e depois leproíbem isso”. Para ele, há uma Idade Faixa Etária Mais de 60 anos 46 - 60 anos18 - 24 anos 23,12 vanta o sutiã, baixa a calça até falha na instrução dos profissio2% 9% 25 - 29 anos 21,54 18 - 24 anos 30 - 34 anos 20,37 os joelhos, aí tem que abrir os nais que acabam cometendo os 23% 35 - 45 anos 24,16 cabelos e mostrar a língua, por- equívocos. Entretanto, apesar 35 - 45 anos 46 - 60 anos 9,2 24% Mais de 60 anos 1,59 que elas (as Policiais Militares de ter atuado para o fim das População carcerária do Estado é de 36,3 mil detetnos em 109 casas prisionais Sexo Sexo responsáveis pela revista) não revistas íntimas, mesmo com Masculino 94,84 sabem olhar ali na máquina”, novas denúncias sobre excessos, Feminino 5,16 desabafa a visitante. nenhuma intervenção foi feiTotal (%) 36351 100 Até 2014, os visitantes po- ta por parte da Vara para que 25 - 29 anos 22% diam ser obrigados a se despir, FAIXA ETÁRIA servidores, mesmo que recémino Mais de 60 anos 60 anos 30 - 34 anos agachar e tossir46 -algumas vechegados, estejam cientes das 2% 9% 20% 18 - 24 anos de zes. Esse processo ocorria para regras. Um dos promotores SEXO 23% se certifi que não estavam Justiça da fiscalização de presíFeminino 35 -car 45 anos 5% tentando 24% ingressar com drogas dios do Ministério Público do e outros materiais ilícitos den- Rio Grande do Sul responsável tro da unidade penitenciária. pela fiscalização do Presídio Como resultado de um pro- Central, Luciano Pretto, lacesso judicial em fevereiro do menta que isso ainda seja uma 25 - 29 anos mesmo ano, esse tipo de pro- realidade e expõe as limitações 22% cedimento foi vetado em todo da Promotoria em combater Masculino 30 34 anos 95% o sistema carcerário20%gaúcho, esses abusos. “Infelizmente nós FONTE: SUSEPE/RS inclusive no Presídio Central. não podemos fazer muito por LÚCIA HAGGSTROM

36,3 mil detentos distribuídos em 109 casas prisionais

artigo 5º da Constituição Federal determina que a pena deve ser cumprida pelo detento e mais ninguém. Em frente à entrada do Presídio Central, no entanto, em dias de visita, centenas de pessoas, a maioria mulheres, se organizam em uma fila dupla de aproximadamente 200 metros, carregando sacolas plásticas com comidas, roupas e dinheiro para entregar a seus familiares apenados. Expostas à fina garoa e a brisa gelada, no sábado de

Mulheres aguardam em fila na calçada do Presídio Central para passar pela revista policial

elas porque a maioria não quer se identificar para não sofrer represálias. E sem essa identificação, a Promotoria fica de mãos atadas”, defende Pretto. Além dos relatos de uso inadequado do equipamento, ainda há reclamações a respeito da falta de critério para entrada de visitantes. M.R.B., 49 anos, visita seu irmão pela segunda vez no presídio. “Na verdade, não tem um padrão, elas (as PMs) definem na hora se tu vai ou não entrar, me parece um abuso de poder”, afirma. O diretor do Presídio Central, tenentecoronel Gayer, defende que a postura é adequada. “O tratamento que é dado para elas é digno, mas não é de amizade. É de carcereiro, de sempre achar que vai entrar material ilícito”. No entanto, os relatos não são de encarcerados, mas de seus visitantes. De acordo com dados oficiais, apenas 10% dos objetos cuja entrada é proibida ingressam no Presídio Central em visitas. O promotor Luciano Pretto avalia que esse número ainda é muito baixo e não justifica o rigor das revistas vexatórias. Segundo ele, o ideal seria que o visitante não tivesse acesso aos locais do preso, mas que o apenado se deslocasse até um local destinado para a visita, só que não há condições para isso nas casas prisionais gaúchas.


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ESPORTE NA MÍDIA

A espetacularização

das brigas entre torcedores pela imprensa VICTÓRIA ALFAMA

E

stádio Beira-Rio, dia de clássico Gre-Nal: 1o de março de 2015. A Geral do Grêmio, acompanhada do restante da torcida gremista, se desloca desde o ponto de encontro no antigo Olímpico, no bairro Azenha, em Porto Alegre. Na chegada, confronto entre torcedores. Uma pessoa é ferida por uma pedrada. Arena do Grêmio, dois anos antes, outro Gre-Nal: torcedores marcam uma briga na estação de metrô de Sapucaia do Sul, da Trensurb. Dois torcedores são presos e 11 vidros de um vagão, estilhaçados. Horas depois, relatos sobre as cenas de violência já podiam ser encontradas em sites dos principais jornais, dividindo espaço com as informações sobre as partidas. É neste momento, segundo especialistas, que, em alguns casos, os setoristas de esporte estão pisando na bola. Narrando cenas de brigas, os repórteres trabalham como

correspondentes de guerras em dias de clássicos na Capital. A narração das brigas sem contextualização e o uso de termos como “rivais”, “guerra” e “batalha”, muitas vezes, serve mais para promover os integrantes das torcidas envolvidos em confrontos do que para buscar soluções. Diante de diversas coberturas da imprensa local, muitos concordam em mudar a forma como ocorre a apuração das brigas. “Vários fatores precisam ser questionados. Desde a forma como os clubes financiam as Organizadas, passando, inclusive, pelo clima de guerra proporcionado pelos veículos de comunicação”, afirmou Sandra de Deus, coordenadora do Curso de Especialização e líder do grupo de pesquisa em Jornalismo Esportivo da UFRGS. Para Sandra, brigas não devem ser consideradas como um acontecimento alheio ao futebol. Segundo a jornalista, não existe a “diminuição” da gra-

vidade das brigas; existe, sim, uma cobertura irreflexiva, onde a espetacularização dos fatos se sobrepõe à apuração jornalística. Visão semelhante pode ser encontrada no Ministério Público. Segundo o promotor responsável, Márcio Bressani, a forma de abordagem da imprensa frequentemente é equivocada, tomando proporções descabidas. “Existe, por vezes, uma desproporção. Questões positivas são deixadas de lado

e as questões negativas acabam tomando o lugar”, relatou o promotor. Questionado sobre a possível influência que matérias negativas podem ter nos leitores, Bressani afirma: “sem dúvida nenhuma. Existem pessoas que não possuem discernimento para entender que aquilo é uma questão negativa e já pensam em vingança”. “Nós acompanhamos as brigas, acompanhamos a punição e o cumprimento da punição”, relatou o editor Diego Araújo,

“Existe uma apelação para aumentar a gravidade e existe preguiça em ir além do espaço do campo” Sandra de Deus, pesquisadora

VICTÓRIA ALFAMA

Para especialistas, falta investigação jornalística sobre os casos recorrentes

sobre a cobertura na editoria de esporte da Zero Hora. Desde 2012, o jornal possui um grupo de investigação para cobrir este o polêmico dentro do futebol, sempre dando espaço para o contraponto dos envolvidos. Segundo Araújo, o grupo investiga o fato com falas de todas as partes envolvidas, inclusive da torcida organizada. Além do acompanhamento das situações de violência, a equipe relatou casos de dinheiro entre clubes e torcidas organizadas e falhas no cumprimento de punições de torcedores que não poderiam frequentar os estádios. Os jornalistas realizam a cobertura normal em dias de jogos e, em casos de matérias especiais, se infiltram entre os torcedores. “Fizemos uma série de reportagens sobre as torcidas organizadas há nove anos. Nos infiltramos e descobrimos como elas funcionam”, explicou ainda Cid Martins, repórter da Rádio Gaúcha. Outras iniciativas passam pela aproximação dos repórteres com as torcidas nas arquibancadas. Um exemplo é o trabalho feito por jornalistas da Rádio Gaúcha. “Trouxemos a identificação com o torcedor nas arquibancadas. Faz parte do nosso acompanhamento”, relatou Kelly Matos, repórter da Gaúcha. Já no Correio do Povo, diante do fato, após a localização dos participantes, os repórteres escutam os agressores, os seguranças, o Ministério Público e a Federação Gaúcha de Futebol. “Jornalista não é o dono da verdade. Ouvimos todos os lados e tu tens a tua opinião. Não necessariamente, na maioria das vezes, é a melhor opinião ”, comentou Hiltor Mombach, editor de esporte do Correio do Povo. Para os especialistas, no entanto, caberia aos jornalistas a melhor apuração dos fatores ligados à violência fora dos gramados, como as origens dos episódios de brigas nas torcidas e os incentivos que os clubes dão às torcidas organizadas, compreendendo a relação entre os envolvidos para além da troca de socos.


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CINEMA

DIVULGAÇÃO/UNIPAUTAS

A 60 quadros por segundo Cidade de Deus é um dos primeiros filmes desta fase do cinema brasileiro

BRUNO RAUPP

A

violência é brutal no Brasil, e o nosso cinema tem banalizado este problema em prol do sucesso comercial e renome mundial. A ferocidade presente no dia a dia e a selvageria que assola o cidadão brasileiro viraram mero produto de entretenimento produzido por estúdios tupiniquins. Ao analisar o cinema nacional atual, a violência é um assunto recorrente entre as produções cinematográficas. Desta prerrogativa surge uma questão importante: o cinema brasileiro debate a violência como um problema intrínseco à sociedade ou reproduz uma estética criada com o intuito de lucro na bilheteria? Um dos expoentes do cinema brasileiro em trazer a violência para as salas de cinema é o filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. Lançado em 2002, a obra captura, através de sua narrativa, a violência do tráfico nas favelas e a violência causada pelas diferenças entre classes sociais. Por mais que outros filmes já tivessem

debatido a violência urbana - Central do Brasil, de Walter Salles, de forma mais contida, e Pixote, a Lei do Mais Fraco, de Héctor Babenco, de forma mais explícita - foi Cidade de Deus que alcançou tanto sucesso de crítica quanto de público, gerando uma alta receita e disputando variados prêmios de renome internacional. Com o lançamento de Tropa de Elite, de José Padilha, em 2007, essa estética catapultada por Cidade de Deus ganhou ainda mais força. Uma década após o seu lançamento, o cinema nacional foi inundado por filmes com temáticas similares, mas que falham em debater a violência como problema social, criando apenas um produto que busca o entretenimento e lucro com um viés violento. Para o professor do Departamento de Sociologia da UFRGS, Alex Niche Teixeira, a discussão sobre a violência no cinema se estende ao escopo político e seu atual estado de polarização. “A possibilidade de discussão do sistema como

um todo ficou para o segundo Tropa de Elite e exige um tipo enquadramento que tem sido equivocadamente rotulado co­ mo de esquerda e, com isso, vinculado aos porta-vozes desta abordagem nos espaços político-partidários, como aqueles com envolvimento com o petismo e a defesa de ‘vagabundo’”, comenta o professor. Em 2015, foi lançado o filme Operações Especiais, de Tomás Portella, protagonizado por Cléo Pires. Cléo, na película, representa uma policial honesta que deve sobreviver a um sistema corrupto. Essa premissa possui dois pontos interessantes de se debater. Por um lado, o papel principal de um filme policial pertencer a uma mulher é um saldo positivo, pois instituições como a polícia são notoriamente conhecidas pela sua hierarquia sexista e misógina. Porém, ao debater a violência de forma maniqueísta, a obra abandona sua função de ferramenta de argumentação e acaba perdendo seu posto de legitimar causas sociais que sofrem com os mais

diversos tipos de violência, o que acaba gerando estereótipos e falácias que prejudicam a narrativa cinematográfica e o cinema nacional no geral. Segundo o professor do Departamento de Antropologia da UFRGS, Marcelo Tadvald, “tanto o cinema quanto outras mídias tendem a reforçar ou fortalecer padrões disponíveis na sociedade, e isso vale para linguagem, comportamento, mo­da e assim por diante. Justamente tal aspecto caracteriza e potencializa o papel do cinema como ferramenta de discussão e transformação social de forma especial, pois ele convoca o grande público ao debate sobre questões sociais e artísticas prementes. O cinema se constitui, assim, em um verdadeiro panóptico do social”. Outro problema decorrente é o fato de que filmes com este tipo de abordagem tornam-se um padrão estabelecido de sucesso comercial. “O fato é que vivemos em um país violento. Não faltam manchetes de jornais e programas sensacionalis-

tas de televisão descrevendo crimes brutais. Mas normalmente, quando essas histórias não tratam sobre tráfico de drogas, elas nem são contadas no cinema”, criticou o cineasta Lucas Reis. Isso afeta diretamente a produção nacional e o movimento cinematográfico. A mera reprodução ou a imitação unidimensional dos problemas relacionados à violência que emergem da sociedade acabam por não gerar reflexão alguma. Todavia, nos últimos dois anos, uma nova cena vem ganhando forças com filmes como Aquarius, de Kleber Mendonça Filho e Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert. Isso demonstra uma nova etapa para o cinema nacional, pois ambos debatem diferentes problemas sociais com abordagens inusitadas para as produções brasileiras. Movimento importante, pois o cinema, dizem os especialistas, é uma poderosa ferramenta de argumentação, com capacidade de inspirar muitos debates sociais relevantes.


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PEDOFILIA NA REDE LEONARDO FERREIRA

“Tu pensa assim, que horror, olha o que eu vi. Mas que bom que eu vi!” Mãe de vítima de assédio

Monstros dentro do computador LIDIANE MORAES

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ara muitos pais, uma criança não corre risco ao se divertir em um computador, celular ou tablet. Entretanto, pesquisas mostram o contrário. Os apontamentos do site não governamental Safernet revelam que a internet é onde as crianças podem estar mais vulneráveis. Em 2016, o site processou 56.924 denúncias anônimas de pornografia infantil na internet. Um aumento de 0,31% em relação ao ano anterior; 15,9% das denúncias estavam hospedadas na rede social Facebook. O Brasil ocupa o terceiro lugar, com maior número de hosts (hospedeiro) denunciados, conforme ranking divulgado na página. As denúncias foram feitas através da

Central de Denúncias, software desenvolvido pela plataforma para computar e monitorar as informações que são disponibilizadas para qualquer cidadão que quiser acessar. O diretor de Prevenção e Atendimento da Safernet, Rodrigo Nejm, explica que a coleta das informações tem o intuito de facilitar e colaborar com o trabalho do Ministério Público e da Secretaria de Direitos Humanos. As ações são realizadas para que o estado brasileiro tenha soluções efetivas para o problema. Rodrigo ressalta que a ONG não tem nenhum poder de remoção de conteúdo. As remoções só podem ser feitas pelo sistema judiciário ou pela própria plataforma. “Nosso sis-

tema verifica se as páginas que foram denunciadas continuam no ar, fazemos a verificação para o usuário que denunciou através do protocolo da denúncia”, explica. Para a delegada da Delegacia de Polícia para Crianças e Adolescentes de Porto Alegre (DECA), Laura Lopes, a orientação é que os pais evitem que os filhos fiquem expostos a estas situações. O monitoramento das redes é a principal forma de evitar o contato com estranhos, já que a maioria dos casos que recebe na delegacia é de perfis falsos, usados como forma de atrair as vítimas. “Tu pensa assim, que horror, olha o que eu vi. Mas que bom que eu vi!”. Foi assim que Rita

descobriu uma conversa de um estranho com seu filho, de 14 anos. Embora ela monitorasse com frequência as redes sociais do menino, devido à correria do dia a dia, não o havia feito naquela semana. Foi somente em uma das faxinas semanais no quarto do filho, que o inesperado aconteceu. Nas mensagens do Facebook, encontrou conversas com um rapaz mais velho. Além das conversas, algumas ligações também teriam sido feitas para o celular de seu filho, inclusive de madrugada. Nas conversas o homem propunha um jogo de adivinhações: quem errasse mandava foto “como o outro quisesse”. Comportamentos como o das conversas encontradas pela mãe no celular do menino são comuns entre pedófilos, apesar de não ser possível traçar um perfil exato do agressor. Uso de elogios excessivos e tentativa de agradar às crianças são comuns nos casos de pedofilia na internet. A empresa de segurança japonesa Trend Micro, disponibilizou em seu site uma cartilha mostrando um monitoramento feito com as perguntas mais comuns e o que elas queriam dizer. Questionamentos de onde o computador fica instalado na casa, por exemplo, pode demonstrar interesse em uma conversa longe dos pais, alertam especialistas. Ofertas de carreira de modelo também são uma das táticas usadas. Na maioria dos casos, os agressores

fazem ameaças às vítimas para que não desistam das conversas. É o que explica Luciana Tisser, doutora na área de Ciências da Saúde e professora no Centro Universitário Ritter dos Reis. Mesmo com um relacionamento aberto com os pais, as crianças podem ficar reféns do agressor. Ao questionar o filho sobre os motivos da conversa com o estranho, o menino explicou à Rita que não contou, pois achou que era apenas um jogo. Rita fez a denúncia da página do homem para o Facebook. O acionamento da escola também foi necessário, já que vítima e o aliciador estudam no mesmo local. A instituição prometeu observá-los e mantê-los distantes. Atitude que, para a mestre em Educação e coordenadora do curso de Pedagogia da UniRitter, Lenir dos Santos Moraes, foi totalmente errada. “Em casos graves, quando as partes envolvidas são da mesma instituição, a escola deve se posicionar; jamais se omitir. Se alguma denúncia deste tipo chega ao Ministério Público, a escola é implicada junto”. Rita ainda não recebeu retorno sobre o andamento do caso por parte da delegacia, não sabendo os rumos da investigação, mas está feliz por ter agido a tempo de evitar algo pior. A evolução na relação entre pais e filhos deve acompanhar a velocidade em que a internet se expande.


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ESQUECIDOS

Trapaças, furtos e abandono familiar atormentam idosos em Porto Alegre ARIEL FREITAS E WILLIAN CARDOSO

A

o aguardar sua vez para ser atendido na Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso, Bartolomeu, 74 anos, ex-pedreiro e viúvo, entrava oficialmente para as estatísticas de violência contra idosos em Porto Alegre neste ano. Vítima de ameaças constantes, o senhor que reside no bairro Nova Gleba, zona leste da capital, revela que possui causa de receio por uma disputa de terreno entre familiares. Grande parte das 1.062 ocorrências registradas até meados de maio denuncia agressões cometidas nos locais onde as vítimas deveriam se sentir seguras: dentro de suas próprias casas. Familiares que deveriam assegurar a proteção, reproduzir o sentimento de afeto e garantir as necessidades básicas são os agressores mais frequentes. Em alguns casos, segundo especialistas, os agressores passaram por uma infância conturbada em que o único contato os pais acabou sendo o momento em que eram repreendidos com violência física e psicológica. Quando adultos, acabam por reproduzir a experiência. Esse círculo vicioso se torna difícil de ser interrompido sem a procura de uma ajuda profissional. “Isso gera uma cicatriz profunda e fica difícil cessar sem o auxílio de sessões de terapia”, explica a psicóloga Elisabeth Mazeron. Casos como o de Bartolomeu acabam se tornando frequentes na cidade em que 15 idosos são atendidos diariamente na delegacia especializada. Segundo dados obtidos da Polícia Civil, os crimes mais cometidos contra idosos são os de ameaça, maus-tratos, abandono, injúria, apropriação de bem, negligência, omissão na assistência ao idoso, discriminação de pessoa idosa, lesão corporal, perturbação da tranquilidade e estelionato. Só em janeiro deste ano,

CAINAN XAVIER

Muitas histórias terminam em asilos da Capital

foram registradas 225 ocorrências na Delegacia do Idoso, sendo 51 direcionadas ao tema de ameaças. No mês de fevereiro, foram 238 queixas, 23 de maus-tratos. Em março, o pior mês, foram 288 acusações, 23 delas por injúrias contra idoso. As mulheres são as vítimas mais comuns. Entre elas, está dona Neta, como é conhecida, uma senhora de 90 anos que procurou em maio a delegacia. Vítima constante de estelionato, não recorda quantas vezes já pensou em fazer denúncias contra seu filho mais novo. “No fundo eu não tenho coragem, apesar de fazer essas coisas, ele é um bom filho”, desabafa. Casos como de Dona Neta se tornam frequente entre os idosos que vão até a DPPI, mas acabam não fazendo a denúncia. Dona Neta, viúva, cozinheira aposentada, explica que o filho constantemente furtava seus cartões bancários, fazendo realizações de empréstimos indevidos em nome da idosa, comprometendo sua renda. Das ocorrências registradas,até o final da apuração desta matéria, 16 de maio, 16,6% são denúncias voltadas ao teor de violência financeira, totalizando 83 queixas. Casos que preocupam, pois a população idosa atual do Rio Grande do Sul já corresponde a 17,3% de toda população: 1,9 milhão de habitantes com mais de 60 anos, segundo dados do último censo do IBGE, de 2015. Segundo alguns estudos, a violência financeira, geralmente, ocorre quando o idoso por necessitar de ajuda, acaba confiando nas pessoas próximas (familiares, cuidadores) que deveriam lhe auxiliar, mas acabam se aproveitando da fragilidade dos idosos roubando ou furtando os seus bens. Uma investigação doutoral feita por Verônica Bohm, do Centro de

Ciências Humanas e Educação, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), analisou a violência contra pessoas idosas e revelou que os aspectos mais comuns para os maus-tratos contra pessoas mais velhas são baseados no consumo excessivo de drogas

ilícitas ou de álcool pelos agressores, a presença do desemprego na familia, ou familiares que carregam as lembranças de terem sido vítimas de violência em outras fases das suas vidas. A violência financeira foi citada em 12,4% dos registros

feitos por Verônica. Cenário de desamparo enfrentado por instituições como o Asilo Padre Cacique, que buscam acolher vítimas de maus-tratos e abandono. Em muitos casos, elas se tornam o último lar de idosos esquecidos por suas famílias. CAINAN XAVIER


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INTOLERÂNCIA

ROBSON HERMES

A

LEONARDO FERREIRA

cada 27 horas, uma lésbica, gay, bissexual ou transexual é morto no Brasil. Segundo o relatório do Grupo Gay da Bahia referente a 2015, o número de assassinatos de LGBTs é alto. O país, segundo alguns estudos, seria o que possui a maior taxa de crimes contra transexuais e travestis, concentrando 50% dos crimes cometidos pelo mundo. Mas o número real pode ser maior, pois o país ainda não possui dados estatísticos oficiais. A violência que essa população sofre não se resume apenas a violência física. As humilhações e violências psicológicas também fazem parte do cotidiano dessa minoria. Os órgãos legislativos garantem direitos igualitários a algumas minorias. Hoje, o racismo é crime, assim como agredir uma mulher ou abusar de um menor de idade. O mesmo não acontece ao rapaz que sai de mãos dadas com o namorado. Essa demonstração de afeto desencadeia, muitas vezes, humilhações públicas e, nos piores casos, lesões corporais graves. As iniciativas legislativas são

Faltam leis, sobram preconceitos


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Não existe uma legislação consolidada. Existem, ainda, tentativas de reverter aquilo que se conseguiu por decisão judicial raras e esbarram na intolerância. Na Câmara dos Deputados, um projeto de lei, apresentado pela ex-deputada Iara Bernardi, em 2006, buscava mudar as coisas, tornando crime quaisquer atos discriminatórios em razão de identidade de gênero e opção sexual. A proposta, como muitas outras, foi arquivada. Outra proposta, da deputada Manuela D’ávila (PCdoB/ RS), tentava equiparar direitos para casais homossexuais, permitindo à inscrição como entidade familiar nos programas de habitação do Estado - como o Minha Casa, Minha Vida – ainda aguarda análise na Comissão de Direito e Justiça. Propostas que não vingam devido à resistência da bancada evangélica e membros mais conservadores do legislativo. O deputado federal Jair Bolsonaro, ativo opositor das tentativas de avanço em direitos dos LGBT, tem se manifestado contra projetos progressistas. Em alguns dos seus discursos na Câmara, Bolsonaro argumenta que as propostas que abordam direitos e tentativas de inclusão LGBT ferem os valores da família. “Essa onda de querer combater a homofobia está estimulando o homossexualismo, a pederastia, a baixaria”, disse Bolsonaro em discurso na Câmara, na votação da primeira tentativa de inserir nas escolas públicas o kit anti-homofobia, em 2010. A equipe de reportagem tentou contato, por diversas vezes, com o deputado federal (PSC/ RJ) Jair Bolsonaro, mas não obteve resposta. Como não há amparo legal específico para a população LGBT, muitas demandas são direcionadas ao Poder Judiciário. Nesse âmbito, a população LGBT tem encontrado amparo, como o reconhecimento de união estável, a autorização de cirurgia de mudança de sexo pelo SUS e a possibilidade de adoção. Foi essa a saída encontrada por Ana Naiara Malavolta para ter reconhecida legalmente sua união com sua companheira. Ana optou por oficializar sua união para ajudar na criação de jurisprudência. “Todos os direitos que são

garantidos para a população LGBT são frutos de decisões judiciais. Não existe uma legislação consolidada. Existem, ainda, tentativas de reverter aquilo que se conseguiu por decisão judicial”, analisou. Ana se refere ao Estatuto da Família, PL de 2013 do deputado Anderson Ferreira (PR/PE), aprovado recentemente Câmara dos Deputados. O projeto define como entidade familiar núcleos formados por um homem e uma mulher em um casamento ou união estável, ou separadamente com seus descendentes. O projeto, ainda, visa garantir direitos prioritários às famílias que se encaixarem à normativa. Para a deputada federal Maria do Rosário (PT/RS), o projeto é retrógado, pois rotula as famílias e exclui da tutela do Estado a maioria das famílias brasileiras. “Ele (o projeto) desconhece os diferentes arranjos familiares, como os movidos por relações afetivas. Para atingir, que este era o objetivo, as pessoas homossexuais, ele atinge essas pessoas, retira-lhes direitos e, ao mesmo tempo, tira direitos de famílias que são diferenciadas, como as formadas por grupos de irmãos”, critica a deputada, que é conhecida pela defesa dos direitos humanos. As ONGs também tentam preencher as lacunas deixadas pelo Estado, atuando na área da informação, educação, cultura e visam lutar pelos direitos dessa população. Essas instituições também possuem papel importante na mensuração e criação de estatísticas. Uma vez que, não há legislação específica, há, consequentemente, invisibilidade na coleta de dados. Logo, não havendo essa mensuração de dados estatísticos sobre esses crimes, não há como ter embasamento para que se criem políticas públicas para a demanda da população LGBT. Em contrapartida à realidade da escassez de dados oficiais, a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro é vanguardaa ao adicionar o item de crimes motivados por homofobia nos boletins de ocorrência. Um exemplo ainda não seguido pela grande maioria dos Estados.

Quando a

homofobia começa em casa WALTER DE SOUZA

U

ma pessoa LGBT morre por dia no Brasil. É o final de uma cadeia de violência que pode começar em casa contra lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Em Porto Alegre, a falta de leis e projetos para proteção e combate à homofobia doméstica deixam crianças, adolescentes e até mesmo adultos desamparados, já que a prática ainda não é criminalizada no país. Pedro Riiks, estudante de 18 anos, foi vítima de homofobia ao assumir ser homossexual para a sua família em 2014. O jovem relata que ficou um ano sem manter contato com o seu pai, pois ele rejeitava a sua se-

Cotidiano de agressões e humilhações, muitas vezes, começam no lar ainda na adolescência, apontam especialistas

xualidade, mas que atualmente, possuem uma boa relação. “Meu pai no começo não aprovava. Fui agredido tanto verbalmente como fisicamente. Casado com outra pessoa que o ajudou a aceitar a minha condição, construímos uma relação mais estável”, explica Pedro. O discente também conta que apesar de seu padrasto não o aceitar na condição de homossexual por ter tido uma criação diferente ambos possuem um bom relacionamento. O coordenador da ONG Nuances, Célio Golin, relata que a falta de dados impede que tanto a instituição, como outras ONGs, obtenha um número de pessoas para saber se há uma demanda necessária para que seja criado um projeto parecido com a Casa1, centro de cultura e república de acolhimento para LGBT em situação de risco fundado em São Paulo, no dia 25 de janeiro deste ano. O projeto foi idealizado pelo jornalista e militante dos direitos humanos, Iran Giusti, em parceria com Otávio Salles, e financiado através de uma campanha de financiamento coletivo na internet. A mesma teve a duração de um mês e arrecadou 112 mil reais para manutenção do local e o aluguel da casa. O restante é financiado por Iran com recursos próprios. Para Sylvia Severo, da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, a falta de dados em relação à violência doméstica sofrida por homossexuais tem relação também com uma espécie de constrangimento, afinal, a vítima estará denunciando um membro

de sua família. “Entendemos que, por ser uma denúncia contra a família, a vítima se sentirá constrangida. Mas frisamos que o mesmo deve sempre denunciar toda e qualquer tipo de agressão”, enfatiza Sylvia. Psicólogo e professor da Fadergs, Eduardo Marodin, acredita que as escolas devem se envolver com a causa. Os alunos podem ter seu desempenho prejudicado devido algum processo de ansiedade ou até mesmo depressão que possam ser causados devido à falta de aceitação dos pais. Marodin também acredita que há duas medidas viáveis que as escolas podem adotar para dar suporte a alunos homossexuais vítimas de agressão. A primeira é discutir sobre diversidade de gênero tanto com os alunos quanto com os pais. E a segunda é formar um grupo de apoio, com alunos e até professores que sejam LGBT, para que a escola já esteja preparada e tenha alguém responsável para dar suporte ao aluno e, ao mesmo tempo, permitir que o discente não tenha seu rendimento escolar prejudicado. Já o psicólogo Vinicius Pasqualin conta que quando recebe um paciente homossexual agredido, a primeira medida é verificar a capacidade que o mesmo tem em lidar com o problema. De acordo com especialistas, casos como o de Riiks são mais comuns do que se imagina. A solução, segundo eles, passa pela criação de projetos sociais nas escolas, como grupos de apoio e discussão sobre diversidade de gêneros em aula, envolvendo pais e alunos.


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MACHISMO MATA

Feminicídio em alta no RS LEONARDO FERREIRA

NATHALIA KERKHOVEN

A

cada quatro dias uma mulher é assassinada no Rio Grande do Sul pela condição de ser mulher. As motivações do feminicídio são, geralmente, o ódio, desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres. Comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis de discriminação ao sexo feminino, como no Brasil, ocorrem em grande parte na intimidade dos relacionamentos. Foram 22 casos no Estado apenas no primeiro trimestre deste ano. Precedido por outras formas de violência, como abusos físicos e psicológicos, o feminicídio é a última fase do ciclo de violência contra a mulher. Ele visa submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e um padrão cultural que a subordina. O impacto do crime é silenciado. Praticado sem distinção de lugar, cultura, raça ou classe. Para Beatriz Lobo, professora de psicologia na UniRitter, apesar de o abuso psicológico ser algo muito intenso, é difícil para as mulheres o identificar, fator que intensifica essa violência com o tempo. No Brasil, segundo o Mapa da Violência 2015 (Flacso/ONU Mulheres), de 2003 a 2013, o número de feminicídios cresceu 21%, de 3.937 para 4.762 casos (registrados). Em média, são 13 feminicídios por dia no Brasil. Mestranda em ciência política do Núcleo Indisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero (NIEM - UFRGS), Florencia Guarch, acredita que o Brasil compõe a lista por conta de uma negligência do Estado que não age efetivamente ou não tem políticas públicas reais para as mulheres. “A lei vem em função de um constrangimento internacional sofrido pelo Brasil. Depois de tudo que a Maria da Penha sofreu, de ter que recorrer a uma côrte internacional, só assim o Brasil se viu pressionado a tomar alguma medida. Eu acho que existe uma negligência, mas também fatos históricos da própria construção social das sociedades da Amé-


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INIMIGO ÍNTIMO

rica Latina como um todo”, completa. Nos últimos dez anos, o feminicídio de mulheres negras aumentou 54%. Por isso, a efetividade das políticas públicas depende do reconhecimento da diversidade do público alvo. No caso do enfrentamento da violência de gênero é preciso perceber que raça, classe social e orientação sexual não são meras diferenças entre as mulheres, mas elementos que facilitam ou dificultam o acesso à rede de serviços. As mulheres negras têm, em geral, condição social e escolaridade mais baixas. Em 2016, 96 mulheres foram vítimas de feminicídio no RS. Em 29% dos casos, a justiça já havia decretado medida protetiva. A juíza Traudi Grabin, que atua em ações contra violência doméstica e familiar no Estado, conta que a justiça está trabalhando em um aplicativo, já que na prática, a medida protetiva não é totalmente eficaz. Atualmente, ele

O ciclo da violência contra a mulher, muitas vezes, começa em casa. Milhares de casos são registrados em delegacias especializadas da Polícia Civil no Rio Grande do Sul

atende apenas um bairro de Porto Alegre, mas a intenção é estender para toda a cidade. O problema é que para isso, a justiça depende da Secretaria de Segurança Pública e do trabalho da Brigada Militar, porque o aplicativo não é suficiente se a BM não tiver condições de ir até o local atender a vítima. A proposta também deve chegar aos nove juizados especializados do estado. Para Lívia de Souza, pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre a Mulher (NEPEM - UFMG), a alteração do Código Penal que tipificou o crime de feminicídio tem extrema importância para que homens que matam mulheres não sejam beneficiados por argumentos como “defesa de honra” ou crime motivado por “violenta emoção”. A criação de um tipo penal específico se dá, principalmente, para tirar crimes como o da invisibilidade. “O crime de feminicídio não visa o aumento da punição, mas a criação de um marco legal que reconhece a violência contra a mulher como crime de ódio”, aponta. Em uma geração de jovens tão engajados em questões sociais, é difícil compreender que os números de feminicídios, sigam crescendo. Conforme Beatriz Lobo, professora de Psicologia da UniRitter, vê a resposta na micropolítica e ressalta a importância de falar sobre o assunto nas rodas de amigos. “Precisamos falar disso. As pessoas precisam ir a debates e conversas. As redes sociais também têm uma função muito importante” e completa dizendo que precisamos de ações que coloquem o assunto em pauta. Florencia também acredita que as redes sociais e a internet, de modo geral, sejam uma boa ferramenta para as novas gerações. “Essa geração de mulheres, da minha em diante, tem informações que as mulheres de antes não tinham; a gente até pode ter que questionar a veracidade dessas informações, mas saber que tem isso é muito importante”, diz.

Violência doméstica LARISSA MASCOLO

E

m briga de marido e mulher, deve-se sim meter a colher. Por trás das estatísticas, é possível evidenciar as violências cometidas por parceiro e ex-parceiros. Foram mais de 10 mil ameaças e 6,2 mil agressões físicas registradas apenas neste ano no Estado, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública. Os depoimentos expostos na recente exposição ‘Agora ou na hora de nossa morte’, realizada no Palácio da Justiça, no Centro Histórico de Porto Alegre, refletem sobre o que muitas mulheres sofrem dentro de suas casas, o lugar que, muitas vezes, é considerado como o mais seguro. Realizado pelo Data Popular e o Instituto Patrícia Galvão, em 2013, a pesquisa ‘Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de mulheres’ revelou que, para 70% da população, a mulher sofre mais violência dentro de casa do que em espaços públicos no Brasil, e metade avaliou que as mulheres, de fato, se sentem mais inseguras dentro da própria casa. Ainda de acordo com esta pesquisa, 54% disseram conhecer uma mulher que já foi agredida por um parceiro, e 56% um homem que já agrediu uma parceira. Para a juíza-corregedora e chefe da Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça, Traudi Beatriz Grabin, “a gente sabe que na prática a medida protetiva não é uma coisa 100% eficaz, mas ela é uma das melhores alternativas que se tem hoje para prevenir a agressão em relação à mulher, principalmente essa agressão maior que é contra a vida dela, que é o feminicídio”.

10 mil ameaças e 6,2 mil agressões registradas pela Polícia Civil nos primeiros três meses de 2017 no Rio Grande do Sul Um dos reforços para o combate da violência doméstica e familiar contra a mulher na Capital foi a implantação da Patrulha Maria da Penha, criada em 2012 pela Brigada Militar, e que hoje está presente em 27 municípios. De acordo com a coordenadora do serviço, Clarisse Heck, “até o início do trabalho da Patrulha Maria da Penha poucas mulheres tinham conhecimento dos benefícios de que poderiam dispor”. Só em 2016, explica ela, foram 15.195 atendimentos. “A lei Maria da Penha é uma lei muito boa, mas é uma lei muito boa aplicada num Estado que não só negligência, mas também que é reprodutor desse sistema patriarcal, desse machismo, dessa violência, então a gente vê a violência contra a

mulher em várias esferas dentro do Estado”, destaca a integrante do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher e Gênero da UFRGS, Florência Guarch. Esses crimes são julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica contra a Mulher, que foram criados a partir dessa legislação, e nas cidades em que ainda não existem, são julgados nas Varas Criminais. Segundo dados do TJRS, 30% desses crimes ocorrem porque o autor não aceita a separação, ou por discussões/ brigas; ainda de acordo com os dados, 89,4% dos agressores são homens. Em Porto Alegre, o Poder Judiciário é um dos poucos no Brasil que possui nove Juizados Especializados em Violência Doméstica e Familiar distribuídos pelo Estado nas comarcas da Capital. São elas: Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria, Canoas, São Leopoldo, Novo Hamburgo, e Rio Grande. Ao final de 2006 (ano de início da vigência da Lei Maria da Penha), foram requeridas 109 medidas protetivas. Depois de dez anos, das 51.219 medidas protetivas solicitadas em 2016, 28.104 foram concedidas, o que representa 54,8% de medidas aprovadas pelos magistrados. No Rio Grande do Sul, de acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública, no Poder Judiciário do Estado, em 2016, foram iniciados 156 processos que apuram feminicídios (tentados e consumados). Os agressores têm idade entre 25 a 39 anos, representando 33,7%, de acordo com dados do Tribunal de Justiça do Estado, e ainda, 21,1% das vítimas têm filhos com o agressor.


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VIOLAÇÃO

Um estupro a cada 11 minutos ANDREZA FERRAZ

D

ébora se lembra de cinco estupros. Desde os oito anos, ela sofre o abandono da família, Estado, amigos e colegas. O seu caso não é raro. Segundo as estatísticas recolhidas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a cada 11 minutos uma mulher é estuprada neste país. São 130 mulheres estupradas todos os dias. Esses são dados subnotificados, porque as pesquisas mostram que apenas 10% das mulheres violentadas e estupradas têm coragem de denunciar. Outro dado: apenas 35% das mulheres que apanham dos seus companheiros têm coragem de delatar. E os números não param por aí: 70% dessas vítimas de estupro são crianças e adolescentes, mais de 80% do sexo feminino. Mulheres de diferentes classes e raças são violentadas, embora as negras sejam as principais vítimas letais. A música ‘’Maria, Maria’’ de Milton Nascimento, que em um trecho diz: ‘’De uma gente que ri, quando deve chorar, e não vive, apenas aguenta’’, traduz a história de vida de Débora. Com oito anos, a menina que já possuía responsabilidades e obrigações de um adulto, que sorria mesmo tendo mil motivos para chorar, foi morar sozinha nas ruas do centro de Porto Alegre, por um motivo comum quando ocorre abuso sexual dentro de casa: sua mãe não acreditou que o seu companheiro abusava da filha. Então a expulsou de casa. De lá para cá, Débora foi vítima de estupro por mais quatro vezes durante toda a sua vida. O último foi aos dezenove anos quando aceitou uma carona de moto. Com quinze anos descobriu que era portadora de HIV, por conta dos abusos sofridos, pois não havia nascido com a doença. Mesmo sendo muito nova, a vítima tinha consciên-

cia de que ser tocada por um homem mais velho estava errado. Ela não entendia o motivo para ele estar fazendo aquilo com ela. Milhares de mulheres não denunciam os seus agressores por medo. Esse é o sentimento que acompanha as vítimas dia e noite, sem parar. Por se sentirem envergonhadas, culpadas e muito abaladas psicologicamente, elas acabam não prestando queixa na polícia. Em 2012, foram 1.437 casos de estupro no Rio Grande do Sul, segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP). Em 2013, foram 1.424 casos; em 2014, foram 1.373; em 2015, foram 1.432; em 2016, foram 1.472; e durante janeiro, fevereiro e março de 2017, foram 341 casos de estupros registrados em delegacias. No seu cotidiano era possível enxergar, naturalmente, o lado indesejável da vida. Sua casa era cercada de pessoas des­ conhecidas, drogas e mortes. Não era necessário abrir a porta de casa para ser vítima desse ciclo que cerca a sociedade. A mãe de Débora já havia sido abusada durante sua infância, e anos depois, sua filha passou pelo mesmo trauma. Mas Débora não atribui esses fatos a alguma falta de cuidado ou irresponsabilidade da sua base familiar. Acha que foi azar do destino, infelicidade. A assistente social Larissa Ferreira, atualmente funcionária educadora social num Abrigo Residencial, fala sobre a sua experiência em trabalhar no Hospital de Clínicas de Porto Alegre no setor de Violência sexual contra Criança e Adolescente. Para a assistente social, geralmente, ou quase sempre, as famílias não conseguem cuidar das vítimas e acabam expondo-as para a situação mais grave, o abuso sexual. A

violência sexual é cometida por pessoas próximas às crianças e adolescentes. Depois de ter passado por tantas experiências ruins, Débora se entregou às drogas. Começou a usar crack para fugir dos problemas que a cercavam

24h por dia. Vendeu os móveis da casa, brigava com os familiares, não conseguia cuidar dos filhos, passou fome e não aguentava a sequência de tratamentos em hospitais. Por último, ficou hospitalizada no Hospital Mãe de Deus por 28 dias. Hoje, com

28 anos, Débora é mãe de quatro filhos. Está saudável e esperançosa. Dois filhos moram com famílias diferentes e os outros dois vivem com ela. O Unipautas conversou com Débora, confira trechos da entrevista à reportagem.

“É por nada que as coisas estão acontecendo hoje em dia”, desabafa vítima Unipautas - Se acontecesse hoje, tu denunciarias na delegacia da mulher? Débora - Sim. Hoje existe muita coisa, hoje é diferente. Eu assisto muita televisão, presto bem mais atenção nas coisas. Hoje talvez eu arrancasse o cabelo do estuprador para ter uma chance de fazer DNA. Arranharia, para pelo menos ter uma chance de saber quem é a pessoa. Hoje eu também conversaria com ele. Pediria para não me matar, porque eu tenho família, e para usar camisinha, porque eu tenho medo. Unipautas - Desde o primeiro abuso, até o último, o que mudou na tua vida? Qual foi a experiência adquirida com este trauma? Débora - Eu me tornei uma pessoa melhor. Eu não sou uma pessoa ruim, eu não sou uma pessoa má, mas poderia ser. Se precisar tirar a roupa do corpo para ajudar alguém, eu tiro. Todo mundo gosta de mim, mas eu não me misturo com ninguém porque tenho medo. Eu só vou a festas com o meu marido, porque tenho

medo de alguém fazer alguma coisa contra mim. Eu só não quis ter a vida que a minha mãe levou... Eu fui tentar levar a vida que ela levou, a vida do lado ruim, mas consegui reverter para o lado do bem. Unipautas - O que tu deseja para os estupradores? Débora - Eu queria que existisse pena de morte. Às vezes, o juiz não tem certeza se ele cometeu o crime, libera e ele faz de novo. Mas ninguém sabe a dor que a pessoa está passando e a família. Se um dia a minha filha me contar que algo de errado aconteceu com ela, eu vou acreditar nela. Diferente da minha mãe, que não acreditou em mim. Se depender de mim, a pessoa vai presa. Unipautas - Hoje tendo filhos, o cuidado é redobrado para que esse ciclo de traumas não se repita na sua família? Débora - Claro. Eu morro de medo que façam alguma coisa para a minha filha, e protejo ela demais. Quando ela crescer, de repente possa achar que eu a sufoquei demais, mas vai entender quando eu

explicar como a vida funciona. Quando o meu filho for ter a primeira relação, eu vou dizer para ele usar camisinha, para não ter a mesma doença que a mãe dele tem. Eu não quero que os meus filhos passem o que eu passei. Unipautas - Se tu pudesses deixar uma mensagem de alerta para as pessoas que vão ler essa entrevista, qual seria? Débora - Tomar cuidado pelas ruas, não andar pela escuridão. Esse negócio de internet... Não marcar encontro com ninguém. Não tenho muito o que dizer, porque, às vezes nem dá tempo de nada. É por nada que as coisas estão acontecendo hoje em dia. Unipautas - Qual é a vida que tu desejas seguir daqui pra frente? Objetivos, sonhos, amor, família. Débora - O meu sonho já vai ser realizado daqui a pouco: é que o meu marido saia da cadeia, e que eu não use mais drogas. O meu objetivo é conquistar tudo que eu perdi há um mês (bens materiais e dignidade). Dar o melhor que eu puder para os meus filhos, ajudar o meu irmão, meu pai.


UNIPAUTAS /// JUNHO 2017 /// 13

POR DINHEIRO

LEONARDO FERREIRA

Mortes viram rotina em assaltos na Capital gaúcha

ANA PAULA LIMA

A

cada dez dias, um gaúcho morre em assalto na capital. De Janeiro a abril de 2017, ocorreram nove crimes de latrocínio, que é o roubo seguido de morte, na cidade de Porto Alegre. Segundo indicadores criminais divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), em 2016 o número foi de 15 latrocínios (roubo com morte). A Capital não é a única cidade gaúcha a apresentar casos de latrocínios neste ano: em todo o RS, nos primeiros meses, foram de 42 vítimas. A maioria dos nove crimes aconteceu durante o dia em bairros como o Centro, considerado um dos lugares mais perigosos da cidade, onde foram registradas duas mortes. As vítimas tinham idades entre 20 a 67 anos e foram mortas a facadas ou tiros. Na mira dos assaltante, quase sempre, carros, dinheiro e celulares. O diretor da Delegacia Regional de Porto Alegre, Eduar-

do Hartz, disse que o principal fator para o crescimento de latrocínio seria o aumento populacional relacionado à diminuição do policiamento ostensivo. No entanto, o crescimento populacional nos últimos anos está distante da explosão do número de latrocínios. Hartz afirmou que dos nove casos na Capital, quatro casos já estão resolvidos e os criminosos presos. Os outros cinco estavam em fase de investigação no mês de maio. No ano de 2016, em torno de 70% dos casos foram elucidados e 30% estão ainda em investigação. Hartz ressalta que muitas vezes o ladrão é iniciante e está sob o efeito do crack. “Temos percebido que o perfil do assaltante tem sido de um bandido jovem, entre 18 e 19 anos, pessoas que não possuem uma perícia sobre a arma”, explica ele. Por isso, o roubo algumas vezes resulta em morte, no nervosismo e com medo de que a vítima reaja, o bandido

atira. “Nós ouvimos da maioria dos agressores o seguinte argumento: eu não queria matar, mas achei que ele fosse reagir e meu dedo estava no gatilho e quando vi aconteceu”, finaliza Eduardo Hartz. O psicólogo Carlos Marcírio Naumann Machado acredita que, muitas vezes, a carreira delitiva tem como um de seus precursores o desajuste familiar.. “Existem famílias completamente desregradas, situações de pais que abandonam, se envolvem no crime e a criança desde pequena é carente, ela não tem os cuidados essenciais. E o Estado não apresenta uma cobertura a falhas familiares”. Já na percepção do doutor em sociologia com pós-doutorado em criminologia, Rodrigo Azevedo, o debate está muito mais ligado à existência de uma cultura de sociabilidade violenta, dentro de determinadas áreas, onde o Estado não está presente e quando aparece, geralment,

é de forma violenta. Muito novas, as pessoas entram em contato com a violência em seu cotidiano: acabam se socializando num contexto onde há arma de fogo e a violência vira um mecanismo de acerto de contas e administração de conflitos. Para a resolução e a diminuição dos crimes de latrocínios em Porto Alegre, o delegado Hartz conta que é preciso colocar mais policiais da Brigada Militar nas ruas. “O policial fardado inibe o crime”. Também fala que o sistema prisional da capital gaúcha sofre certa deficiência, que deveria ter uma maior efetividade para que os agressores pudessem cumprir a pena imposta. Além disso, o sistema deveria oportunizar formas e projetos, para que o apenado volte para a sociedade reabilitado, reduzindo o índice de reincidência criminal O sociólogo Azevedo apontou ainda outras soluções, colocando em questão a necessi-

dade de atuação da polícia para recolher as armas de fogo que estão circulando de forma ilícita. Conforme o relatório preliminar sobre o ranking sobre o controle de armas nos Estados, divulgado no Fórum de Segurança Pública, mostra que o Rio Grande do Sul ainda possui centenas de milhares de armas ilegais. Para Azevedo, a redução da violência deve iniciar com um investimento em políticas sociais e uma melhora na oferta de ensino, especialmente nas áreas mais periféricas. Conforme os especialistas, para que haja uma redução nos crimes de latrocínio, entre outras medidas, é preciso uma preocupação maior do Estado com a questão, com aumento e qualificação do policiamento, reforma do sistema prisional, ampliação das redes de ensino e proteção em áreas onde o Estado está ausente, além da retiradas de circulação de armas ilegais.


14 /// UNIPAUTAS /// JUNHO 2017

banalidade do mal

DRAMAS INVISÍVEIS

As ruas da Capital se tornaram inóspitas para os porto-alegrenses. Viver aqui é contar com a sorte. Nesta seção, de nome inspirado no livro de Hannah Arendt, revelamos algumas destas histórias invisíveis da cidade MATHEUS CLOSS

Amigo de Pelezinho, Édson Campos encara a violência diariamente para vender seus exemplares do Boca de Rua nas ruas da capital

O silencioso grito pelo direito de (sobre)viver MATHEUS CLOSS

I

nvisíveis perante a sociedade, mas não frente ao ódio. Moradores de rua são alvos constantes da violência. Passava das 21 horas do dia 18 de março deste ano. Rodrigo da Silva Veloso, também conhecido como Pelezinho, se posicionava em uma sinaleira próxima a usina do gasômetro. Feliz com a vitória do Internacional, que acabara de bater o São Paulo de Rio Grande, não titubeou ao vestir sua camisa vermelha para trabalhar. Rodrigo vendia jornal. Ao oferecer o jornal a um ônibus de linha que passava no local, teve um exemplar roubado. Rodrigo seguiu vendendo. Pelo menos até outro ônibus

passar. Desta vez, um ônibus de torcedores, e novo roubo. Enfurecido, atirou uma pequena pedra no veículo. Mesmo sem estragos, o ônibus parou. De seu interior, portando pedaços de pau, torcedores correram em sua direção. Rodrigo foi brutalmente espancado e, após uma semana em coma no hospital, morreu. Rodrigo morava nas ruas. O assassinato de Pelezinho, presenciado por testemunhas e registrado em câmeras de segurança, não ganhou manchetes em grandes veículos, tampouco foi lamentado pela sociedade. O morador de rua em Porto Alegre vive esquecido entre o sucateamento dos serviços de assistência social e a banalidade da situação em que se encontra. Nos primeiros cinco meses de 2017, além de Pelezinho, são pelo menos outros seis assassinatos. No caso de Pelezinho, as imagens do local que poderiam ajudar na identificação do ônibus, não foram divulgadas. O

Diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil, delegado Paulo Grillo, explica que cada caso recebe uma estratégia diferente de investigação. Dos sete homicídios, pelo menos quatro possuem fortes suspeitas de que a motivação seja o envolvimento com o tráfico de drogas, o que demonstra a vulnerabilidade frente ao consumo de entorpecentes. O estudo quanti-qualitativo da FASC aponta que 24% dos moradores de rua que participaram da pesquisa afirmaram serem usuários de drogas. Outro aspecto comum, porém, aos sete assassinatos: todas essas vítimas tiveram seus perfis limitados a condição de moradores de rua. A população de rua não é apenas invisível à sociedade, mas também para o poder público. Nos últimos cinco anos, a população de rua em Porto Alegre aumentou em 56%, segundo estudo quanti-qualitativo de 2016 realizado através do Contrato entre Fundação de Assistência Social e

Cidadania (FASC) e UFRGS. São 2.115 adultos em situação de rua – embora o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) afirme que são entre 5 mil e 6 mil. Números altos que passam longe de serem devidamente assistidos. Durante o dia, a Capital dispõe do Serviço Especializado de Atendimento à População Adulta em Situação de rua – ou CentroPop. São apenas 10% dos moradores de rua alcançados diariamente por estes serviços. À noite, Porto Alegre conta com cerca de 350 vagas permanentes em três abrigos – um municipal e dois conveniados – e ainda há a possibilidade de abertura de 90 vagas para o inverno, segundo a FASC. Veridiana Machado, educadora social da FASC há 15 anos, reclama ainda da falta de recursos básicos como papel higiênico e produtos de lavanderia. Procurada, a FASC não se pronunciou sobre a situação. O problema é dos moradores de rua, mas não somente deles.


UNIPAUTAS /// JUNHO 2017 /// 15

DRAMAS INVISÍVEIS

É preciso compreender estes, como cidadãos iguais a qualquer outro, com os mesmos direitos e deveres. “Eles são parte da sociedade simplesmente. O problema é transformá-los em um problema, diz Ivaldo Gehlen, professor do Departamento de Sociologia da UFRGS.

Qual o lugar do indígena em Porto Alegre? DEISE FREITAS

C

aminhar pelas ruas de Porto Alegre é parte da rotina da população da capital gaúcha. Mas o seu caminho pode estar sendo vigiado se você pertencer a uma minoria. Para os grupos indígenas que trabalham no centro de Porto Alegre, os olhos não são lá muito amistosos. Eles vêm carregados de uma coisa muito antiga: o preconceito. No Centro de Porto Alegre, aos poucos o sol vai nascendo. As lojas abrem suas portas, pessoas caminham apressadas de um lado para outro, o movimento é constante. Toda essa cena está comandada pelo relógio. No meio do caos programado, há quem observa e segue no seu próprio tempo. Uma família indígena chega, são mulheres, homens e uma grande quantidade de crianças. Sem nem um comprometimento com o relógio, estende uma toalha bem simples. Em cima do pequeno pedaço de pano são cuidadosamente colocados alguns artesanatos. A família devidamente instalada está pronta para ser ignorada. A Constituição de 1988 alterou como o indígena era visto pelo Estado e trouxe transformações às leis vigentes no Estatuto do índio de 1973. A principal mudança foi o reconhecimento do índio como índio. Parece estranha essa última frase, mas antes disso a identidade cultural dos povos indígenas não era respeitada.

Vistos como incapazes e fadados ao desaparecimento, os índios ficaram por muito tempo na sombra da existência. Finalmente conquistou-se o direito a organização social, aos costumes, línguas, crenças e tradições. Mas quão assegurados os indígenas estão? Qual o suporte que o Estado lhes oferece para usufruir dos seus direitos pelas ruas da Capita? Durante a semana, famosa entre os porto alegrenses, a rua da praia é ponto de comércio para Guarani, Kaigangue e Charrua. No final de semana o destino é o Parque da Redenção, onde a concentração de pessoas é grande - assim como o comércio ambulante. Além da venda de artesanatos, há apresentações de música e de dança indígenas. O que eram para ser locais de trabalho, acabam se transformando em lugares de violência social. O cacique da Aldeia Cantagalo, Jaime Vherá Guyrá, relata as dificuldades que os indígenas passam ao tentar o sustento de suas famílias no centro de Porto Alegre. O descaso vem também de quem, por lei, tem compromisso de assistência: a prefeitura. “Com muita briga, a gente teve muita briga pra ver se deixavam o indígena que está no meio do centro vender seu trabalho. Nunca recebemos com dignidade”, relata o cacique. Mas mesmo com a conquista, Jaime denuncia o descaso, a falta de apoio. Outra reclamação de Jaime é como os índios se sentem sob os olhares dos não indígenas (juruá em guarani). A falta de conhecimento da cultura indígena leva ao preconceito, e às vezes até a uma ação mais ríspida. Furh relata que a população liga para a prefeitura “denunciando” grupos indígenas pela forma que vivem no centro da capital gaúcha. Seja por estarem ocupando um espaço público ou pela presença das crianças, que costumam ficar brincando sem restrição de caminhada. O novo coordenador municipal dos Povos Indígenas, Guilherme Fuhr, concorda com

o cacique da aldeia Cantagalo. Para ele, deve existir um apoio da prefeitura. “Não pode haver um retrocesso no que já foi conquistado”, salienta o coordenador. Como nova proposta de atuação para seu mandato, Guilherme Fuhr tem ideia de transformar o mês de abril no mês da cultura indígena. O antropólogo, Sérgio Baptista, explica melhor a relação do indígena na cidade com base em artefatos guaranis encontrados pela região do centro. “Foi sobre as aldeias indígenas guarani que a cidade se erigiu e se impôs. Igualmente, a presença deles continua após a fundação de Porto Alegre”, esclarece. E certamente mantendo seus antigos costumes, como o de criar os filhos de forma livre “não compreendendo como os juruá deixam seus filhos em creches”.

Sem direito de ir e vir OSMAR MARTINS

A

sensação de insegurança é constante e caminha ao lado da população porto-alegrense, como se fosse uma sombra. O fenômeno da violência é tão abrangente que quase não há como citar este ou aquele bairro, uma zona ou outra. O problema é geral. A mobilidade é afetada desde as simples mudanças de trajeto por medo, passa por contratações de serviço privado buscando segurança, restrições históricas de localidade, até áreas inteiras dominadas por facções criminosas. O impacto macro ainda é incalculável, interferindo nos âmbitos social, econômico e psicológico. Somente em 2017, segundo levantamento de dados realizado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP), já foram consumados e registrados mais de 15 mil ocorrências entre furto e roubo, sendo 7021 furtos e 9552 como roubo. Mudanças de trajeto, contratação de serviços de transporte, medo e insegurança constantes e restrição de liberdade estão entre os principais resultados do aumento da criminalidade. A violência nos últimos anos levou Porto Alegre postular um posto entre as cidades mais perigosas do mundo. Viver aqui é contar com a sorte. Após ter

sido assaltada pela manhã, no caminho de sua faculdade, onde foi agredida, Kátia Patuzzi, 44 anos, estudante de direito da PUCRS, conta que os impactos sofridos pelo trauma transcendem o âmbito social, passando pelo também pelo econômico e psicológico. Não só dela, mas de toda a sua família. Falando sobre as mudanças provocadas pelo trauma, Kátia ressalta: “hoje não consigo andar na rua de noite. Se vou na esquina, já fico me cuidando, olhando para os lados o tempo todo. Sofri um abalo psicológico muito forte. Desde o ocorrido, não consigo passar pelo local”. Ainda sobre a mobilidade que está sendo abalada em sua vida, diz: “hoje vou de kombi e volto de ônibus da faculdade. No curso à noite, vou de ônibus e volto de Uber. Minha filha racha gasolina com as colegas. Todo esse orçamento é em decorrer da violência”, salientando também o impacto econômico causado pelo fenômeno. Para dimensionar com mais precisão o impacto psicológico provocado pela demasiada violência nas ruas de Porto Alegre, entrevistamos Iolaine Lagranha, formada em psicologia, ela é dona do Espaço ReConhecer, centro de valorização do indivíduo, localizado em Canoas. Conversamos com ela sobre o quê pode provocar a incidência deste fenômeno de andar na rua com medo, pânico, insegurança, entre outros sentimentos e sensações. Iolaine foi clara ao afirmar que “a rotina do medo tem se tornado cada vez mais presente. Isso aumenta a demanda de tratamento para transtornos de pânico ou ansiedade generalizada, decorrente do estresse diário ou pós-traumático, podendo gerar diversas reações, dependendo do indivíduo”, avalia a psicóloga, observando que cada pessoa tem a sua resistência psicológica, podendo variar o impacto causado pela violência ou por traumas, de indivíduo para indivíduo. Com a finalidade de tentar mapear os pontos de maior incidência criminal em Porto Alegre e os locais onde a mobilidade é mais ou menos afetada pela violência, buscamos o contato da Polícia Civil. Eduardo Hartz, diretor regional das delegacias distritais de Porto Alegre, afirmou que os dados são sigilosos e servem para subsidiar as ações de planejamento da corporação. Falando sobre a si-

tuação dos bairros onde há conflito por zonas de domínio de facções criminosas, Hartz disse que a maior parte dos líderes está presa, mas os coletivos criminosos renovam rapidamente seus membros nas ruas. Hartz acredita ainda que não podemos reduzir o tema somente a um contexto policial. “Essa seria a última razão a ser utilizada, depois de todos os outros meios terem falhado”, diz o delegado. Ele atribuiu também, possivelmente, o contexto criminal a ausências de políticas públicas nas áreas de educação, saúde e habitação.

Motoristas sofrem com constante insegurança EVELYN LUCENA

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otoristas de aplicativo estão com medo de circular na cidade. Enquete feita pelo Unipautas com 86 condutores revelou que 11,4% deles já foram vítimas de roubo na Capital. Hoje a Uber conta com cerca de 8 mil motoristas em Porto Alegre. A insegurança teria aumentado, segundo os motoristas, a partir de novembro do ano passado, quando a Uber começou a aceitar dinheiro nas viagens. O condutor da Uber Joel Teixeira, 59 anos, explica a preocupação: “o recebimento do dinheiro em espécie abriu uma porta para que o pessoal nos aborde sabendo que estamos com dinheiro, já aconteceu com vários colegas de serem assaltados por chamada em dinheiro”. Procurada pela reportagem, a Uber não se manifestou. Dados de um formulário social elaborado pela reportagem do Unipautas mostram que 64,4% dos motoristas já sofreram algum tipo de violência psicológica, onde acharam que seriam assaltados ou que estavam correndo algum tipo de risco enquanto trabalhavam. Muitos deles passaram a deixar de trabalhar até tarde ou de madrugada. Bom Jesus (87,2%), Cruzeiro (81,4%) e Mario Quintana (73,3%) estão entre os três lugares que os motoristas costumam achar mais perigosos e, por conta disso, evitam aceitar as corridas.


16 /// UNIPAUTAS /// JUNHO 2017

DEBATE CIENTÍFICO

Origens da violência Por que vivemos em uma sociedade hostil e intolerante?

DIEGO RODRIGUES

expediente

no controle dos indicadores criminais em áreas mais atingidas pelo crime organizado. Mas como compreender a rotina de violência, muitas vezes, revelada na vida cotidiana, em casa, no trabalho, em estádios de futebol? A resposta é complexa. “Uma perspectiva individualista é o senso comum como justificativa para que atos violentos sejam cometidos. Fatores genéticos, transtornos, frustrações e traumas podem justificar atitudes tomadas. Porém, nem sempre a motivação se justifica de forma individualizada”, diz o psicólogo e membro do Núcleo de Pesquisa em Trauma e Estresse da Escola de Humanidades (NEPTE), da PUCRS, Gustavo Ramos Silva. Outro fator importante é o processo de socialização na infância e adolescência. Se houver um modelo violento para uma criança, ponderam especialistas, há chance de ela ter um futuro violento. O efeito é em cascata. A violência cresce em níveis alarmantes, segundo as estatísticas. O Atlas da Violência 2017 aponta que, em 2015, no Brasil, ocorreram 59.080 homicídios. O que equivale a uma taxa de 28,9 por 100 mil habitantes. O número aponta que, no ano de referência, a cada uma hora, aproximadamente sete pessoas

eram mortas neste país. Os números mostram que negros têm mais chance de serem assassinados. De cada 100 pessoas vítimas de homicídio no Brasil, 71 são negras. De 2005 a 2015, houve um aumento de 18,2% na taxa de homicídio de negros. Mulheres e a população LGBT estão entre as vítimas mais frequentes. A violência não é algo que preocupa somente a população brasileira. Segundo dados apresentados pelo Global Peace Index (GPI) 2017, o ano que se passou mostrou uma ligeira melhora na pontuação geral no índice de paz mundial. A pesquisa indica que esta é a primeira melhoria na paz global registrada desde 2014. Fato considerado de maior importância é o número de países que apresentaram melhora, 93, em comparação com aqueles que se deterioraram, 68. Com os dados apresentados, conclui-se que o mundo melhorou um pouco no quesito paz de 2015 para o ano passado, porém, tornou-se menos pacífico na última década. A Islândia segue no topo como país mais pacífico do mundo, posição esta que ocupa desde 2008. No ranking, é seguida por Nova Zelândia, Portugal, Áustria e Dinamarca. Na parte inferior do índice, comparado

O jornal Unipautas é um projeto da Escola de Reportagem III – Impresso em parceria com Planejamento Visual para Impresso, disciplinas do curso do Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (FACS) do Centro Universitário Ritter do Reis – UniRitter/Laureate International Universities. A atual edição foi produzida por alunos dos turnos manhã e noite do Campus Fapa. Projetos editorial e gráfico foram desenvolvidos pelos jornalistas e professores Francisco Amorim e Rogério Grilho. UNIRITTER/LAUREATE INTERNATIONAL UNIVERSITIES /// CAMPUS FAPA /// Av. Manoel Elias, 2001, Alto Petrópolis, Porto Alegre/RS, CEP 91240-261, Fone: (51) 3230-3333 /// Reitora: Laura Coradini Frantz /// Pró-Reitora Acadêmica: Bárbara Costa /// Diretor da Escola de Ciências Humanas e Sociais: Marc Antoni Deitos /// Coordenador de Curso de Jornalismo: Leandro Olegário dos Santos /// Coordenador de Curso de Publicidade e Propaganda: Geferson Odirlei Barths /// Coordenador de Curso de Relações Públicas: Tânia Silva de Almeida. UNIPAUTAS /// Supervisão Editorial: Francisco Amorim /// Supervisão de Planejamento Gráfico: Rogério Grilho /// Diagramação: alunos da disciplina de Planejamento Visual para Impresso /// Edição de textos: Ariel Freitas, Bruno Raupp, Diego Rodrigues, Matheus Closs e Victória Alfama. Fale conosco jornalismograd@uniritter.edu.br

ao ano anterior, houve pouca mudança. A Síria continua a ser o país mais violento do mundo, seguido de Afeganistão, Iraque, Sudão do Sul e do Iêmen. O ranking demonstra o quanto as guerras presentes nos países com menor índice de passividade afetam na paz mundial. O Brasil ocupa a posição de número 105, superado na América Latina como menos pacífico somente por Venezuela e Colômbia, 144 e 147 no ranking, respectivamente. Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e em Políticas Públicas da UFRGS e diretor do Instituto Latino-americano de Estudos Avançados (ILEA), José Vicente Tavares dos Santos diz que a violência é um comportamento justificado por um determinado código social. As pessoas, quando cometem um ato de violência, de algum modo, têm interiorizadas um código de conduta que as autorizam a cometer o ato. A violência não é um ato irracional. Por que existe tal cultura de recorrer à violência para solucionar uma disputa, conflito ou desavença? Esta é a grande questão a ser respondida, diz o professor. A primeira conclusão baseia-se na reprodução da violência dentro do grupo familiar, onde, por vezes, a palmada é a

versão digital

H

istoriadores, filósofos, sociólogos, psicólogos, entre outros cientistas, buscam há séculos explicações sobre as causas da violência. Seríamos naturalmente violentos ou aprendemos a ser ao longo da vida? Há o que ser feito? Como fazemos? Muitas perguntas, algumas respostas e uma certeza: compreender esse fenômeno social de modo complexo definirá os rumos da Humanidade. Crises institucionais, crime organizado, violência doméstica, ataque a minorias nos acompanham há muito tempo. Em um contexto de globalização, a intolerância não apenas ficou mais evidente, mas foi potencializada, acreditam os especialistas. Vivemos uma sociedade do conflito, a conflitualidade aparece em quase todos os momentos das relações humanas. A violência passou a ser forma corrente de exercício de poder. Mas seria possível acabar com a violência? Para o doutor em Sociologia e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UniRitter, Dani Rudnicki, é praticamente impossível. Conforme ele, no entanto, um dos caminhos seria o controle por meio da redução das assimetrias sociais. O professor aponta a criação de “territórios de paz”, por exemplo, como um projeto que ajudou

forma de educar uma criança. No outro extremo, os idosos também são vítimas de pessoas dentro de casa. Outro fator é reprodução da violência pelos meios de comunicação, pois a mídia atua como agente de socialização. O romance policial também tem impacto no fenômeno social. Livros e séries de TV romantizam e dramatizam atos violentos e, muitas vezes, os apontam como solução para conflitos. Assim, há enorme produção de significados que legitimam a violência como código ordenador de condutas. Todos esses são fenômenos que propagam a produção da cultura da violência. Como passar a viver então em uma cultura de paz? Para o sociólogo, o primeiro passo é o diagnóstico, identificação e nomeação do que realmente é um ato violento para, aos poucos, desconstruir a cultura de violência. Isso depende da criação de uma cultura de paz, mostrando que há alternativas. Mediação e arbitração de conflitos seriam fundamentais, neste sentido, no desenvolvimento de uma cultura de tolerância e, por consequência, de paz. Segundo José Vicente, a violência é um ato que destrói a cidadania do outro. A cultura da paz, por sua vez, é reconhecer o outro como diverso.

Confira outras reportagens na versão digital do Unipautas, além de versões ampliadas, com conteúdos exclusivos, das matérias publicadas nesta edição impressa. ASSÉDIO EM ESPAÇOS PÚBLICOS (BRUNNA LIMA DE OLIVEIRA), GUERRA NAS CICLOVIAS (FABIO RICHARD RITTA MASIERO), BRIGA DE TORCIDAS (GABRIELA FERREIRA SOARES), GASLIGHTING (GIOVANA ANTUNES MORAES), INTOLERÂNCIA RELIGIOSA (GUILHERME TELMO), VIOLÊNCIA CONTRA OS ANIMAIS (LIEGE AUGUSTIN DOS SANTOS), QUANDO O INCENTIVO VIRA ABUSO (LUANA MEIRELES CARVALHO), SUICÍDIO E MÍDIA (MARINA HOFFMANN DA ROCHA), A QUESTÃO CARCERÁRIA FEMININA (MIRELLA unipautas.uniritter.edu.br SILVA E SILVA), TRANSFOBIA NO BRASIL (NICOLE ESCOUTO FANTINEL), EDUCAÇÃO ESPECIAL NA CAPITAL (PATRICK JULIAN DA ROSA), VIOLÊNCIA NA ESCOLA (RENATO DOS SANTOS KUBASZEWSKI), ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO (THAIS DE CARVALHO RODRIGUES), VIDA DOS SENEGALESES NO RS (VITORIA KAROLINE DA FONSECA BATISTA), RACISMO E LGBTFOBIA (WILLIAM DA SILVA CORREA).


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