Em Defesa dos Animais

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Em Defesa dos Animais

Caderno Terra Livre nยบ 4 2011


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Índice

Introdução

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No Dia dos Animais, desafio aos Candidatos e às Candidatas às Câmaras Municipais de São Miguel

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A Campanha SOS - Cagarro e os Ambientalistas de Alcatifa

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APA- Associação Renascimento?

Açoreana

de

Protecção

dos

Animais:

Estagnação

ou

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Defesa dos Animais dos Açores: uma reflexão

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A Sociedade Protectora dos Animais de Angra do Heroísmo

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O Jornal Vida Nova (1908-1912) e a Protecção dos Animais

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Alguns Apontamentos sobre a Sociedade Micaelense Protectora dos Animais

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A Criação do Hospital Veterinário Alice Moderno

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A Propósito do Dia do Animal

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Manifesto em defesa dos animais

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Alice Moderno (1867-1946) - uma singela homenagem

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Caça ou “Birdwatching”?

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Reflexão sobre a caça nos Açores

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Introdução

Como consta dos princípios orientadores do CAES, “é o modelo actual de produção e consumo o responsável pela violação dos direitos humanos e ambientais da maior parte da humanidade, sendo também responsável pelo sofrimento infligido aos animais”. Embora, na sociedade capitalista em que vivemos, seja cada vez maior o número de pessoas e entidades que tem aderido à causa da protecção dos animais, acreditamos que só chegaremos a bom porto se aliarmos a luta pela defesa dos animais ao combate anticapitalista. Só com bem informados podemos lutar com coerência por uma sociedade nova. Nesse sentido, achamos por bem apresentar uma colectânea de textos que dão a conhecer não só alguns apontamentos sobre a história da protecção dos animais nos Açores, mas também um pouco do que se vai fazendo por cá.

6 de Março de 2011 J.S.

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No Dia dos Animais, desafio aos Candidatos e às Candidatas às Câmaras Municipais de São Miguel

Desde 1930, em vários países do mundo, o dia 4 de Outubro é dedicado aos animais. Neste dia, são homenageados os nossos amigos animais que, infelizmente, continuam, ainda hoje, a ser desrespeitados por muitos humanos. Nós, grupo de cidadãos e cidadãs residentes em São Miguel, neste dia 4 de Outubro de 2009, apelamos, aos futuros autarcas a eleger nas próximas eleições, para que tomem medidas para que num futuro próximo os direitos dos animais sejam devidamente respeitados. Além disso, embora a questão do bem-estar animal e dos direitos dos animais seja da responsabilidade de toda a sociedade, desafiamos os candidatos e as candidatas às Câmaras Municipais de São Miguel a, publicamente, responderem às seguintes questões:

1- Um dos problemas existentes em alguns concelhos é o do número de animais de companhia (cães e gatos) que são anualmente abandonados. Que medidas irão tomar para reduzir aquele número? 2- Como é do conhecimento público estão longe de ter terminado os maus tratos aos animais. O que pensam fazer para que os seus munícipes passem a melhor respeitar os animais? 3-

Como é de todos conhecido as touradas não constituem qualquer tradição a ilha de São Miguel e em nada contribuem para educar os cidadãos e as cidadãs para respeitar os animais, para além de causarem maus tratos aos animais e porem em risco a vida das pessoas. Vão apoiar, com dinheiros públicos, ou promover touradas no seu concelho?

4- Os canis municipais na maior parte dos casos não passam de depósitos de animais. Que actividades pensam fazer para dinamizar o canil e alterar a situação actual? 5- Considerando que as questões do bem-estar animal/ direitos dos animais devem ser resolvidos em conjunto com a comunidade, que pensam fazer para envolver as pessoas do seu concelho? Ponta Delgada, 4 de Outubro de 2009 (Texto colectivo)

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A Campanha SOS - Cagarro e os Ambientalistas de Alcatifa

Em Novembro de 1993, coordenada pelos Amigos dos Açores, teve inicio a campanha "A Escola e o Cagarro", no âmbito da qual foi aplicado um inquérito, sobre a espécie, destinado a alunos das escolas, nomeadamente do 1º e 2º ciclos do ensino básico, e distribuídos 10 mil folhetos. Foi esta iniciativa, que teve como principal mentor o Eng. Luís Monteiro, do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, que deu origem à actual campanha “SOS - Cagarro”. Esta tem como objectivo principal salvar o maior número possível de cagarros, a ave marinha mais abundante dos Açores, cujo número se encontra em regressão a nível mundial. Não sendo o cagarro propriedade de ninguém, das entidades oficiais espera-se, apenas, a disponibilização de informação e meios ao cada vez maior número de voluntários que todas as noites, nos meses de Outubro e de Novembro, se disponibilizam para participar nas brigadas que se têm constituído para a recolha de cagarros e sua posterior devolução ao mar. Para além dos voluntários já referidos, é de louvar o papel de algumas associações ou grupos informais, como os Amigos dos Açores e os Amigos do Calhau, de São Miguel, e o CADEP, de Santa Maria, que têm coordenado o trabalho voluntário e promovido a defesa daquela espécie sobretudo no Grupo Oriental dos Açores. De igual modo, embora não seja de estranhar, as mais de trinta associações reconhecidas como tal pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores mantêm um silêncio absoluto sobre o assunto e têm-se abstido de qualquer participação activa nesta campanha. Embora respeitemos a pluralidade do denominado movimento ambientalista, não compreendemos a sua descoordenação e muito menos a tentativa periódica, de alguns, de criar estruturas que têm apenas como o objectivo de lá se colocarem com vista a tornarem-se visíveis para posteriores voos. A obsessão em serem representantes de outros em comissões ou nos variados conselhos consultivos e a fobia em trabalharem no terreno, junto das populações, onde estão 6


localizados os problemas ambientais, que mais não são do que problemas sociais, faz com que eles pertençam a uma tipologia especial: a dos ambientalistas de alcatifa. T. Braga (Publicado no Jornal Terra Nostra, nº 429, p. 20, 30 de Outubro de 2009)

Foto: L.V.

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APA- Associação Açoreana de Protecção dos Animais: Estagnação ou Renascimento?

No passado dia 18 de Novembro realizou-se, em Ponta Delgada, uma Assembleia Geral da Associação Açoreana de Protecção dos Animais aberta a outras pessoas interessadas pela protecção dos animais. Para mim foi uma agradável surpresa pelo facto de como associado não ter tido qualquer notícia da associação há já algum tempo. Positivo é também o facto de a associação, de acordo com os novos estatutos aprovados em assembleia, ter por objecto, não só a defesa e protecção dos animais abandonados e a preocupação com os maus tratos de que aqueles são alvo, mas também “contrariar legalmente todo o género de eventos culturais e desportivos que tenham como objectivo a exploração, o sofrimento e a violação da integridade física dos animais”, embora discorde da redacção já que cultura e desporto são uma coisa e tortura ou mau trato outra bem diferente. Muitas dúvidas e algum desencanto surgiram no decorrer da reunião, nomeadamente devido à presença de um membro proposto para os órgãos sociais que como deputado foi subscritor de uma proposta que pretendia legalizar, nos Açores, a sorte de varas e à pouca intervenção dos associados presentes. Relativamente à primeira questão houve um esclarecimento e uma inequívoca afirmação por parte da pessoa em causa de que tal não voltará a acontecer e, no que toca ao segundo caso, acho compreensível já que a assembleia referida era a segunda que a associação realizava desde a sua criação em 2002. Depois da reunião, em conversa com alguns dos presentes não membros, notei algum desapontamento e algum descrédito na capacidade futura da APA para alterar o actual estado associativo e contribuir de modo significativo para alterar as mentalidades que ainda persistem em considerar os animais como coisas e não como seres vivos. Embora também mantenha algumas reservas, dado do elevado número de presentes não membros da APA e dado o número crescente de pessoas despertas para as questões dos direitos dos animais, a APA tem todas as condições, caso esteja disposta a abrir-se à sociedade, a pautar a sua acção pela independência face aos vários interesses instalados (políticos, económicos ou outros), a procurar parcerias junto de associações que 8


prossigam os mesmos objectivos ou outros afins, a usar a comunicação social como veículo de divulgação das suas actividades e como meio de denunciar todos os atropelos que estão a ser cometidos, doa a quem doer, etc., para renascer e tornar-se numa associação de referência no, infelizmente pobre, panorama do associativismo açoriano. Teófilo Braga (texto publicado no Jornal “Correio dos Açores, nº26358, p. 11, de 20 de Novembro de 2009)

Foto: J.S.

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Defesa dos Animais dos Açores: uma reflexão “A grandeza de uma nação e o seu progresso moral podem ser julgados pela forma como os animais são tratados” (Mahatma Ghandi).

No arquipélago dos Açores existem, de acordo com as nossas informações, quatro associações de protecção dos animais legalizadas, a AFAMA- Associação Faialense dos Amigos dos Animais, que tem por objecto a “defesa e protecção dos animais com vista a melhorar por todas as formas do seu alcance, as condições de vida destes”, a AAIT – Associação dos Amigos dos Animais da Ilha Terceira, que, entre outros, tem como objectivo “solicitar e actuar junto das entidades oficiais competentes no sentido da adopção de medidas que visem impedir e reprimir a crueldade para com os animais”, a APA- Associação Protectora dos Animais dos Açores, que entre outros, tem por objecto contrariar legalmente todo o género de eventos culturais e desportivos que tenham como objectivo a exploração, o sofrimento e a violação da integridade física dos animais e a SMPA- Sociedade Micaelense Protectora dos Animais, de que não nos foi possível encontrar qualquer elemento que nos permitisse fazer uma caracterização. Para além destas associações existem dois blogues: Arquipélago dos Animais, aparecido em Julho de 2009, da responsabilidade do Colectivo de Defesa dos Animais de São Miguel, “um grupo de cidadãos/cidadãs que apoia todas as associações, entidades e tod@s aqueles que trabalham em prol da defesa e respeito pelos animais” e Açores Melhores sem Maltratos Animais, que surgiu em Março de 2009, da iniciativa de um grupo de participantes na campanha contra a introdução da sorte de varas e dos touros de morte nos Açores. A este blogue está associada uma lista de discussão, onde os seus participantes, para além de apresentarem denúncias de atropelos ao bem- estar e aos direitos dos animais, trocam textos com carácter informativo e formativo.

Tal como se passa a nível nacional, as associações dos Açores não têm uma visão global das questões associadas aos animais e raras vezes tem havido uma intervenção que abranja o todo regional. Assim, a grande preocupação de todas elas tem sido o abandono de animais (cães e gatos) e o funcionamento dos canis, sendo duas delas, a AFAMA e a AAIT, responsáveis pela gestão de dois. A APA e da SMPA, de acordo com notícia publicada no jornal Açoriano Oriental, de 2 de Agosto de 2003, suportavam, na altura, 10


os desparasitantes, os antibióticos, a castração, a vacinação e outros tratamentos veterinários necessários para os animais do Canil Municipal de Ponta Delgada.

Face aos problemas que se têm mantido nos Açores e face à tentativa, que mais cedo ou mais tarde voltará, de introduzir as touradas picadas como primeiro passo para as de morte, em primeiro lugar seria importante a conjugação de esforços entre todos os açorianos que subscrevem a Declaração Universal dos Direitos dos Animais com vista a alterar a situação dos animais na Região. Assim, para além de uma troca de experiências e uma possível coordenação entre as associações de defesa dos animais existentes, as de defesa do ambiente que se têm preocupado com a causa dos animais e os dois blogues anteriormente referidos será importante uma actuação que se faça a vários níveis, como o político, o jurídico, o legislativo e o mediático.

Para além do referido, é importante também procurar apoios, sugerindo-se desde já, a nível nacional, o contacto com associações como a LPDA- Liga Portuguesa dos Direitos do Animal, a associação Animal e outras e a nível internacional, o Eurogroup for Animal Welfare, etc..

Mas dada a situação em que nos encontramos, por onde começar?

Sem nunca descurar a intervenção na sociedade, e para que esta seja eficaz, é importante começarmos pela formação dos activistas, não só em questões relacionadas com a biologia das espécies em causa, mas sobretudo em aspectos que os capacitem para agir tendo em conta os vários níveis de intervenção, como a utilização dos meios de comunicação social, o uso das TIC, a intervenção junto dos políticos e dos governantes e a sensibilização junto dos mais novos, etc.

Que áreas prioritárias de intervenção deveremos escolher para a nossa actuação de imediato?

1- Fauna local - Continuar a campanha SOS- cagarro; - Ter em especial atenção as duas rapinas existentes nos Açores: milhafre e mocho e continuar a sensibilizar para a sua importância; 11


- Continuar a sensibilizar para a importância da protecção e recuperação do habitat do priôlo; - Retomar a campanha “Um espaço para o garajau”.

2- Animais de companhia - Manter uma vigilância sobre os canis municipais e outros “depósitos” de animais; - Divulgar a campanha de esterilização de animais abandonados, em curso a nível nacional; - Promoção da adopção de animais abandonados; - Campanha permanente contra o abandono de animais;

3- Espectáculos com animais

- Impedir a realização de rodeios; - Denunciar e combater a utilização de dinheiros públicos (através do Governo Regional, Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia e Hospitais) em touradas, vacadas, etc. - Apoiar circos que não usem animais selvagens.

4- Animais em cativeiro - Denunciar as situações ilegais (?) existentes: macaco (?) na Lagoa, Parque Zoológico da Povoação, futuro Parque Zoológico de Nordeste, Lojas que vendem animais, etc. 5- Animais de “produção” - Estar atento e denunciar a situação do gado bovino maltratado (mantido em lama), sobretudo no Inverno, etc. - Associado ao gado bovino, intervir na questão dos cães vadios, que são resultado do abandono, alguns por parte de caçadores no fim da época de caça.

TB Novembro de 2009 12


A Sociedade Protectora dos Animais de Angra do Heroísmo

Aos 22 dias do mês de Maio de 1911, foi criada em Angra do Heroísmo a SPAAH Sociedade Protectora dos Animais de Angra do Heroísmo, instituição que tinha por fim, de acordo como art. 1 dos seus estatutos, “proteger dos maus tratos todos os animais não considerados daninhos… e animar o exercício da caridade para com os animais, estabelecendo para isso prémios e recompensas sempre que permitam os recursos da sociedade”. E quem era o publico alvo dos prémios e recompensas referidos? A leitura do artigo 11º é esclarecedora quando menciona que poderão recebê-los lavradores, pastores, cocheiros, carroceiros e quaisquer outras pessoas cuja conduta para com os animais ia ao encontro aos fins da SPAAH. Curioso é conhecermos o que consideravam os estatutos mais tratos. Abaixo, transcrevemos o que consta do artigo 32º: 1- Ferir, espancar, aguilhoar violentamente e usar de violências reprovadas para com os animais; 2- Oprimi-los com trabalho ou cargas superiores às suas forças; 3- Privá-los de alimentação e dos cuidados ordinários quer na saúde quer na doença; 4- Expô-los ao frio ou ao calor excessivo, sem reconhecida necessidade; 5- Fazer trabalhar os animais feridos, estropiados ou aleijados e pôr os arreios sobre as feridas; 6- Obrigá-los a uma fadiga excessiva sem o indispensável descanso; 7- Fazê-los levantar do chão à força de pancadas, quando caem extenuados pelo peso da carga; 8- Abandoná-los quando estropiados ou doentes; 9- Abatê-los por meios que não produzem a morte instantânea. Com a mecanização de toda a vida, alguns dos maus tratos mencionados, por recaírem sobre animais usados no transporte de cargas diversas, já não estarão na ordem do dia. Hoje, para além de casos de pura malvadez, os principais problemas serão o abandono de animais de companhia, o tratamento “desumano” a que é submetido o gado bovino, 13


nomeadamente quando é forçado a conviver com lama até aos “joelhos” e a tortura a que é submetido o gado bravo nas touradas de praça, etc. Relativamente às touradas, nos estatutos da SPAAH, não há qualquer menção, o que não deixa de ser curioso e ainda hoje acontece, isto é, para a maioria das associações defensoras dos animais, os alvos da sua acção são apenas os cães e os gatos. O que é, quanto a nós, uma discriminação que não faz qualquer sentido. Teófilo Braga São Miguel, 8 de Julho de 2010

Foto: L.V.

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O Jornal Vida Nova (1908-1912) e a Protecção dos Animais

O Jornal Vida Nova, “órgão do operariado micaelense”, publicou-se, em Ponta Delgada, entre 1908 e 1912, tendo como director e proprietário Francisco Soares Silva e como administrador António da Costa Mello. A protecção dos animais, preocupação a que algumas correntes anarquistas são sensíveis, foi uma das temáticas que foi tratada nas páginas do Vida Nova, através do seu colaborador João H. Anglin. Dada a actualidade do teor de um texto, do autor mencionado, publicado no número 48 do mencionado jornal, datado de 15 de Agosto de 1910, abaixo transcrevemos um longo excerto: “Uma das mais manifestas provas da ignorância do nosso povo é a feroz brutalidade que usa com os pobres animais que na maioria dos casos lhe são um valioso auxílio na luta quotidiana pela vida. Esses repugnantes espectáculos que diariamente se repetem nas ruas desta cidade nada atestam a favor da nossa boa terra, antes a desconceituam aos olhos dos estrangeiros que nos visitam os quais nos terão na conta de brutos a julgar por estas cenas bárbaras de que são vitimas os pobres animais indefesos. Com isto não queremos dizer que o povo seja mau, porque de há muito está provado que não há homens maus. O que há apenas é a crassa ignorância, por cuja perpétua conservação tanto se empenham os políticos e governantes”. Ainda no mesmo texto, João H. Anglin fala na necessidade do aparecimento de Sociedades Protectoras de Animais para acabar com todas as atrocidades e refere-se ao facto de alguém já ter tentado criar uma e ao que lhe parece já estarem redigidos os respectivos estatutos. No número 51 do Vida Nova, de 15 de Outubro de 1910, surge a informação da realização, em breve, sessões para a elaboração e discussão de estatutos para uma

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Sociedade Protectora de Animais e apresenta António José de Vasconcellos, como a pessoa que iria ser convidada para presidir à instituição. Naquela altura, 1910, a preocupação principal era para com os animais usados como auxiliares dos homens no seu trabalho, como poderemos deduzir através da leitura de outro excerto do texto do autor referido acima: “…era bom que alguma coisa se fizesse no sentido de melhorar a sorte desses pobres seres que tantos serviços prestam ao homem e que em recompensa recebem forte pancadaria quando porventura se encontram impossibilitados de trabalhar tanto quanto os seus donos exigem”. Teófilo Braga São Miguel, 9 de Julho de 2010

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Alguns Apontamentos sobre a Sociedade Micaelense Protectora dos Animais

Um texto, da autoria de João Anglin, publicado no Jornal Vida Nova, em 15 de Agosto de 1910, que foi transcrito por Alice Moderno no seu jornal A Folha, foi a primeira pedra na

construção do que viria a ser a SMPA-Sociedade Micaelense Protectora dos Animais. Depois de elaborados os estatutos, por Maria Evelina de Sousa, directora da Revista Pedagógica, que terão tido como modelo os da Sociedade Protectora dos Animais de Lisboa, realizou-se a primeira reunião a que assistiram um representante de cada uma das seguintes publicações: Diário dos Açores, O Correio Micaelense, Revista Pedagógica, A Persuasão e A Folha, bem como Amâncio Rocha, Fernando de Alcântara, Henrique Xavier de Sousa e Manuel Botelho de Sousa. Legalizada a SMPA, a 13 de Setembro de 1911, foram seus fundadores: Caetano Moniz de Vasconcelos (governador civil), Alfredo da Câmara, Amâncio Rocha, Augusto da Silva Moreira, Fernando de Alcântara, Francisco Soares Silva (director do jornal anarquista Vida Nova), José Inácio de Sousa, Joviano Lopes, Manuel Botelho de Sousa, Manuel Resende Carreiro, Marquês de Jácome Correia, Miguel de Sousa Alvim, Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa. De entre estes, destacaram-se pelo seu empenho na criação da sociedade, Maria Evelina de Sousa que se responsabilizou por toda a parte burocrática e Augusto da Silva Moreira que adiantou a verba necessária para o arranque. Os primeiros três anos de vida da SMPA foram de quase apatia. De acordo com Maria da Conceição Vilhena, no seu livro “Alice Moderno, a Mulher e a Obra”, muito pouco foi feito e tanto o primeiro presidente, António José de Vasconcelos, como o segundo, Tibúrcio Carreiro da Câmara, terão manifestado falta de iniciativa e entusiasmo. Com a presidência de Alice Moderno, a partir de 1914, a vida da SMPA alterou-se por completo, tanto no que diz respeito à tomada de medidas conducentes a acabar com os maus tratos que eram alvo os animais usados no transporte de cargas diversas, nomeadamente os que transportavam beterraba para a fábrica do açúcar, à educação dos mais novos através do envio de uma comunicação aos professores “pedindo-lhes para que, mensalmente, façam uma prelecção aos seus alunos, incutindo no espírito dos mesmos a bondade para com os

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animais, que não é mais do que um coeficiente da bondade universal”e à criação de condições para o seu funcionamento, como foi a aquisição de uma sede e mobiliário. Em Agosto de 1945, ter-se-á realizado a última reunião assistida por Alice Moderno, com a presença de Olga Amélia Lima, Francisco Silveira Rodrigues, José Soares de Albergaria e Luciano Mota Vieira e Maria Evelina de Sousa, em representação de Oliveira S. Bento, na qual foi debatido o problema que preocupou a sociedade desde o início, o peso excessivo da carga que os animais eram obrigados a suportar. No final da década de oitenta do século passado, a sociedade possuía cerca de 600 sócios com as quotas em dia, tendo-se a partir daí assistido ao seu declínio de tal modo que hoje não se conhece qualquer actividade. Desaparecidos os problemas associados ao transporte de cargas, hoje a atenção deverá recair sobre o abandono de animais domésticos, o tratamento dos animais de produção e o retrocesso civilizacional que se está a assistir com a tentativa de introduzir touradas onde não são tradição e de agravar a tortura dos touros bravos, com a legalização da sorte de varas e touros de morte. Face ao exposto, seria de todo o interesse o ressurgimento ou a reactivação da Sociedade Micaelense Protectora dos Animais. Todos são poucos para o que urge fazer. Teófilo Braga Pico da Pedra, 17 de Julho de 2010

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A Criação do Hospital Veterinário Alice Moderno

Em texto anterior fizemos referência ao contributo ímpar de Alice Moderno para a criação e para as actividades da Sociedade Micaelense Protectora dos Animais, que como simples associada, quer, depois, como presidente da mesma. Neste texto, mencionaremos as suas diligências no sentido da criação de um posto veterinário para tratamento de todos os animais. Dizemos todos os animais porque Alice Moderno não fazia discriminação, as suas preocupações não se limitavam apenas a alguns, mas a todos, incluindo os humanos: “caridade não é apenas a que se exerce de homem para homem: é a que abrange todos os seres da Criação, visto que a sua qualidade de inferiores não lhes tira o direito aos mesmos sentimentos de piedade e de justiça que prodigalizamos aos nossos semelhantes”. Para além de, no seu jornal “A Folha”, divulgar a experiência de associações congéneres, como a Sociedade Protectora dos Animais do Porto que possuía um posto veterinário onde, em 1913, foram prestados 515 serviços, foram muitos os apelos feitos por Alice Moderno, junto das Câmaras Municipais, no sentido da criação do ambicionado posto veterinário. Embora os apelos não tenham surtido qualquer efeito, podemos dizer que foram dados os primeiros passos, através da disponibilização de um veterinário, a partir de 1934, para tratamento dos animais. Poucos dias antes da sua morte, a 31 de Janeiro de 1946, Alice Moderno deixou os seus bens, em testamento, à Junta Geral Autónoma do Distrito de Ponta Delgada, com a obrigação daquela entidade instituir um hospital para animais, no prazo máximo de dois anos. Em Janeiro de 1948, foi fundado o Hospital Veterinário Alice Moderno, que começou a funcionar, primeiro num pequeno pavilhão na Rua Coronel Chaves, nas antigas instalações do CATE, e que agora funciona, em São Gonçalo, em instalações pertencentes aos Serviços de Desenvolvimento Agrário. De acordo com um texto de Ana Coelho, publicado em 2009, no jornal Correio dos Açores, ficámos a saber que embora o sonho de Alice Moderno se mantenha vivo, o número de atendimentos estava a diminuir, apesar de não ser cobrado nada a quem “não

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tem condições económicas para pagar os tratamentos ou vacinas dos seus animais de estimação”. Teófilo José Soares de Braga 6 de Agosto de 2010

Foto: T.B.

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A Propósito do Dia do Animal

“É bendita a propaganda que se faça a favor dos animais; e é bendita, porque significa Bondade, porque sobretudo tende a minorar o sofrimento dos maiores amigos do homem” (Alice Moderno)

No próximo dia 4 de Outubro celebra-se o Dia Mundial do Animal que, de acordo com algumas fontes, terá sido declarado em 1929, num Congresso de Protecção Animal realizado na Áustria. A escolha do dia está relacionada com a data da morte de São Francisco de Assis, 4 de Outubro de 1226, que em sua vida amou e protegeu os animais, tendo chegado a comprar aves engaioladas apenas com o objectivo de as soltar e as ver de novo em liberdade. Nos Açores, a comemoração do Dia do Animal tem de estar associada à homenagem a todos os que ao longo da sua vida tudo fizeram para que os animais tivessem uma vida mais digna. Entre estas pessoas, destaca-se a figura de Alice Moderno, fundadora e grande dinamizadora da SMPA- Sociedade Micaelense Protectora dos Animais. Durante a presidência de Alice Moderno, entre 1914 e 1946, foram criadas as condições para o funcionamento da SMPA, como a aquisição de uma sede e de mobiliário e foram tomadas medidas conducentes a acabar com os maus tratos que eram alvo os animais usados no transporte de cargas diversas, nomeadamente os que transportavam beterraba para a fábrica do açúcar e para a educação dos mais novos, através do envio de uma comunicação aos professores “pedindo-lhes para que, mensalmente, façam uma prelecção aos seus alunos, incutindo no espírito dos mesmos a bondade para com os animais, que não é mais do que um coeficiente da bondade universal”. Outra das preocupações de Alice Moderno foi a criação de um posto veterinário para tratamento de todos os animais o que se veio a concretizar dois anos após a sua morte. Hoje, praticamente ultrapassados os problemas com os animais de tiro, há situações que continuam a merecer a nossa atenção, como a tentativa de incrementar as touradas onde não são tradicionais, a pretensão de legalizar as touradas picadas e os touros de morte e o abandono de animais de companhia. 21


Para tentar acabar ou pelo menos minimizar o problema e por não ser aceitável a política seguida actualmente para combater o abandono, que tem por principal pilar os abates dos animais que entram nos canis e que não conseguem ser adoptados, propomos que a nível regional, seja lançada uma campanha de esterilização com vista a adequar o número de animais de companhia ao dos donos responsáveis. Esta campanha, tal como é defendido a nível nacional, deverá assentar em três pontos: 1.Esterilização obrigatória de todos os animais que os canis municipais dão em adopção; 2. Celebração de protocolos entre as Câmaras Municipais e as associações de protecção animal com vista à esterilização dos animais abandonados que estas recolhem; 3. Esterilização gratuita dos animais para as famílias com dificuldades económicas, por parte das Câmaras Municipais.

Pico da Pedra, 26 de Setembro de 2010 Teófilo Braga (Publicado no jornal Terra Nostra, nº 477, 1 de Outubro de 2010)

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Manifesto em Defesa dos Animais Desde 1930, em vários países do mundo, o dia 4 de Outubro é dedicado aos animais. Neste dia, são homenageados os nossos amigos animais que, infelizmente, continuam, ainda hoje, a ser desrespeitados por muitos humanos e nalguns casos por entidades públicas que deveriam dar o exemplo à restante sociedade.

Hoje, 4 de Outubro de 2010, o grupo de pessoas individuais e colectivas manifesta a sua preocupação relativamente as seguintes problemas e situações de maus tratos aos animais ao seguinte:

1- Abate de animais domésticos. Todos os anos ultrapassa largamente um milhar o número de animais de companhia (cães e gatos) que são abandonados, acabando na sua maioria por serem abatidos nos canis municipais ou atropelados nas estradas. O esforço que é feito pelas associações de protecção dos animais, que se debatem com faltas de meios e de apoios públicos, acaba por ser inglório pois através dele só uma pequena parte dos animais abandonados consegue um novo lar.

Não estando de acordo com a política seguida actualmente para combater o abandono que tem por principal pilar os abates, pois até hoje não tem resolvido nada, consideramos necessário que a nível regional seja lançada uma campanha de esterilização com vista a adequar o número de animais de companhia ao número efectivo de donos capazes de cuidar deles de forma responsável;

2- Promoção pública da tortura animal. Ao longo dos séculos da história dos Açores, a tauromaquia tem sofrido uma evolução no sentido da diminuição dos maus tratos aos touros, não constituindo qualquer tradição na maioria das nossas ilhas. Em 2009, contrariando a evolução que se assiste a nível internacional, onde aquela actividade é cada vez mais repudiada, e ao arrepio dos ensinamentos da própria história insular, um grupo de deputados pretendeu legalizar a sorte de varas. Gorada a sua intenção, a minoria de industriais que aposta no incremento da tortura animal, tenta ganhar adeptos

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sobretudo em São Miguel, tendo conseguido promover algumas touradas à corda com a colaboração sobretudo de autarquias e de comissões de festas de cariz religioso.

Considerando que as touradas, qualquer que seja o seu tipo, em nada contribuem para educar os cidadãos e as cidadãs para o respeito aos animais, para além de causarem maus tratos aos mesmos e porem em risco a vida das pessoas, não podemos admitir a na sua realização sejam usados dinheiros públicos;

3- Mortalidade provocada na fauna selvagem. O cagarro é uma ave oceânica que vem a terra apenas durante a época de reprodução. Este período decorre entre Março e Outubro, altura em que as crias já suficientemente desenvolvidas partem com os seus progenitores em direcção ao mar, dispersando-se pelo Oceano Atlântico e regressando apenas no próximo ano. Realizando-se a sua partida de noite, muitas crias são atraídas pelas luzes das nossas vilas e cidades, acabando por cair em terra e ser frequentemente atropeladas se não forem ajudadas.

Considerando a importância que o salvamento do maior número de cagarros tem para a conservação da natureza e o respeito pelos animais, apelamos à participação de todos nas campanhas que ainda este mês serão postas em marcha pelas mais diversas entidades, nomeadamente pelas organizações não governamentais de ambiente.

4- Cativeiro de animais não domésticos. A criação de parques zoológicos nos séculos passados respondia ao propósito de mostrar ao público uma colecção de animais exóticos que de outra maneira nunca seriam vistos nem conhecidos. Na actualidade isto deixou de fazer qualquer sentido. Agora as leis exigem obrigatoriamente aos parques a realização de programas de conservação, educação ambiental e bem-estar animal. Como consequência disto, nos Açores têm vindo a ser fechados núcleos zoológicos que incumpriam estas exigências. No entanto, ainda continua a existir um núcleo zoológico na Vila da Povoação (São Miguel).

Apesar do referido parque encontrar-se já embargado pelas autoridades e apesar de ser de titularidade pública, o recinto continua ainda hoje aberto ao público. Pelo manifesto

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desrespeito às leis e aos animais, consideramos que o parque deve ser imediatamente fechado e os animais conduzidos a umas instalações apropriadas que garantam o seu bem-estar.

5- Modelos intensivos de produção animal. A exploração agrícola de animais constitui historicamente um importante sector económico nas nossas ilhas. Se bem que os relatos de maus tratos a estes animais têm vindo a diminuir nas últimas décadas, evidenciando uma notável evolução da sociedade, subsistem ainda bastantes situações penosas. Para além disso, a introdução de técnicas de produção intensiva tem vindo a piorar as condições de vida de muitos deles, limitando a sua vida ao reduzido espaço duma gaiola.

Tendo em conta a imagem de proximidade à natureza que tanto caracteriza os Açores no exterior, consideramos que se deve reforçar o modelo tradicional de criação de animais, modelo que garante sempre a mais alta qualidade. Devem também ser criadas e publicitadas novas formas de certificação nas explorações que valorizem devidamente ante o consumidor os seus níveis de qualidade ambiental, alimentar e de respeito pelo bem-estar animal.

6- Falta de respeito com a vida animal. Numa sociedade em que tudo se compra e se vende, os animais são tratados muitas vezes como simples mercadorias e rebaixados à categoria de simples objectos. Só uns poucos animais domésticos conseguem as vezes escapar a esta visão. Na realidade, como já foi demonstrado pela ciência há longos anos, os animais são os irmãos com os quais o homem comparte a natureza. O desrespeito para com os animais é também o desrespeito para com os homens, como partes integrantes da mesma natureza.

Consideramos que o tratamento legal dado aos animais deve fugir da visão redutora que os converte em simples objectos. A nossa sociedade deve evoluir para padrões éticos nos quais os animais sejam respeitados em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais.

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Açores, 4 de Outubro de 2010

Subscritores colectivos: Grupo pelo Bem-Estar Animal, Amigos dos Açores – Associação Ecológica CADEP-CN (Clube dos Amigos e Defensores do Património - Cultural e Natural de Santa Maria) APA - Associação Açoriana de Protecção dos Animais Amigos da Caldeira de Santo Cristo, Ilha de São Jorge Gê-Questa - Associação de Defesa do Ambiente CAES- Colectivo Açoriano de Ecologia Social (este texto foi também subscrito por 180 pessoas a título individual)

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Alice Moderno (1867-1946) - uma singela homenagem “Lembra-te sempre que ao maltratares um animal vais ferir a tua própria dignidade” (Alice Moderno)

Hoje, 5 de Outubro de 2010, quando se comemoram 100 anos de implantação da República, aproveitamos o dia para prestar uma singela homenagem a Alice Moderno. Mas quem foi Alice Moderna para que estejamos, aqui, a recordá-la? Para além da sua actividade de jornalista, escritora, agricultora e comerciante, Alice Moderno foi uma mulher que pugnou pelos seus ideais republicanos e feministas, sendo uma defensora da natureza e amiga dos animais. Como precursora dos actuais movimentos de defesa do ambiente, de que muitos de nós somos membros, Alice Moderno, no início da segunda década do século passado, já pensava que uma árvore de pé poderia ter mais valor do que abatida. Vejamos o que dizia a propósito: “Plantar árvores é não só amar a natureza. Mas ainda ser previdente quanto ao futuro, e generoso para com as gerações vindouras. Cortá-las ou arrancá-las a esmo, sem um motivo justo, é praticar um acto de selvajaria”(A Folha, 16/2/1913). “A árvore é confidente discreta dos namorados e a desvelada protectora dos pássaros – esses poetas do ar. A árvore é a maior riqueza da gleba, o maior tesouro dos campos e o maior encanto da paisagem!” (A Folha, 15/3/1914).

Como amiga dos animais, Alice Moderno foi mais sobretudo uma mulher de acção. Com efeito, embora fundada em 1911, a Sociedade Micaelense Protectora dos Animais esteve quase inactiva até 1914, data em que Alice Moderno assumiu a sua presidência. Durante a presidência de Alice Moderno, foram criadas as condições para o funcionamento da SMPA, como a aquisição de uma sede e de mobiliário e foram tomadas medidas conducentes a acabar com os maus tratos que eram alvo os animais usados no transporte de cargas diversas, nomeadamente os que transportavam beterraba para a fábrica do açúcar, e para a 27


educação dos mais novos através do envio de uma comunicação aos professores “pedindolhes para que, mensalmente, façam uma prelecção aos seus alunos, incutindo no espírito dos mesmos a bondade para com os animais, que não é mais do que um coeficiente da bondade universal”. Mas, Alice Moderno não se preocupava apenas com os animais de tiro, pois uma das suas preocupações foi a criação de um posto veterinário para tratamento de todos os animais. A propósito dizia ela: “Caridade não é apenas a que se exerce de homem para homem: é a que abrange todos os seres da Criação, visto que a sua qualidade de inferiores não lhes tira o direito aos mesmos sentimentos de piedade e de justiça que prodigalizamos aos nossos semelhantes”. A evolução da sociedade fez com que quase desaparecessem os problemas associados ao transporte de cargas. Hoje toda a nossa atenção deverá recair sobretudo sobre o abandono de animais domésticos, o tratamento dado aos animais de produção e ao retrocesso civilizacional que se está a assistir com a tentativa de introduzir touradas onde não são tradição e de agravar a tortura dos touros bravos, com a legalização da sorte de varas e touros de morte. Alice Moderno, também não foi indiferente às touradas. Foi convidada e assistiu contrariada a uma tourada, na ilha Terceira, e não ousou comunicar aos seus amigos, considerando-os “semi-espanhóis no capítulo de los toros”, o que pensava pois, escreveu ela, “não compreenderiam decerto a minha excessiva sentimentalidade”. Na sua carta XIX, referindo-se à tourada a que assistiu escreveu o seguinte: “É ele [cavalo], não tenho pejo de o confessar, que absorve toda a minha simpatia e para o qual voam os meus melhores desejos. Pobre animal, ser incompleto, irmão nosso inferior, serviu o homem com toda a sua dedicação e com toda a sua lealdade, consumindo em seu proveito todas as suas forças e toda a sua inteligência! (…) Agora, porém, no fim da vida, é posto à margem e alugado a preço ínfimo, para ir servir de alvo às pontas de uma fera, da qual nem pode fugir, visto que tem os olhos vendados!”

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“E esta fera [touro], pobre animal, também, foi arrancada ao sossego do seu pasto, para ir servir de divertimento a uma multidão ociosa e cruel, em cujo número me incluo! (…) Entrará assim em várias toiradas, em que será barbaramente farpeada até que, enfurecida, ensanguentada, ludibriada, injuriada, procurará vingar-se, arremessando-se sobre o adversário que a desafia e fere. Depois de reconhecida como matreira, tornada velhaca pelo convívio do homem, será mutilada”. Que o exemplo de Alice Moderno nos dê forças para os combates em que estamos envolvidos, por uma terra mais limpa, justa e pacífica.

Ponta Delgada, 5 de Outubro de 2010 Teófilo Braga

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Caça ou “Birdwatching”?

Como já por várias vezes escrevi, não temos um Governo Regional nos Açores, mas sim vários. Uns mais ambientalistas, outros mais anti-ambientalistas, sendo que, de uma maneira geral os meios e os montantes usados na protecção do ambiente são menores do que os usados na destruição da natureza, que é, diria eu, lenta mas “sustentável. Vem esta introdução a propósito de uma proposta que mantém como espécies cinegéticas várias espécies de patos, alguns deles com ocorrência muito rara nos Açores, o que a ser aprovada entrará em contradição com o investimento que a região tem feito no turismo de natureza. No caso presente, temos a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar a inviabilizar o trabalho da Secretaria Regional da Economia, através da Direcção Regional do Turismo. A caça em todo o mundo está a sofrer uma enorme pressão por parte de uma nova geração mais sensibilizada para a defesa do património natural, sendo substituída por outras actividades como o pedestrianismo, com mais de 15 milhões de participantes, e o Birdwatching ou Observação de Aves, praticada por mais de 80 milhões de pessoas. Mesmo alguns caçadores desportivos têm diminuído a sua prática ou mesmo abandonado o seu “hobby”, trocando-o pela observação de aves, pela “caça” fotográfica ou pela realização de filmagens. Por seu lado, a observação de aves, embora seja uma actividade com alguns impactos ambientais negativos, sempre muito menores do que, por exemplo a caça ou a pecuária intensiva, para além de trazer riqueza para as populações das várias localidades onde aquela é feita, pode contribuir para a conservação do ambiente, a longo prazo, pois os praticantes, normalmente pessoas com algum poder económico e elevado grau de instrução, para além de estarem dispostos a pagar para a conservação dos lugares que visitam, poderão ser preciosos auxiliares na fiscalização das zonas visitadas. Embora não tenha sido nossa intenção esgotar os argumentos para justificar a necessidade da promoção de actividades mais saudáveis e mais respeitadoras do ambiente e dos animais, como são o pedestrianismo e a observação de aves, em detrimento de uma outra actividade, a caça, com maiores impactos ambientais e que 30


provoca alguma insegurança (para não mencionar os acidentes e mortes) derivada do uso de armas, pensamos que os mesmos são mais do que suficientes para que o Governo Regional retire todas as espécies de patos na lista de aves cinegéticas. Por último, pensamos que caberá a todos nós - não caçadores, ambientalistas consequentes, ecologistas de vários matizes, birdwatchers, defensores do património natural ou simples amantes da natureza – manifestar o nosso repúdio pela aprovação de uma legislação que vai contribuir para o empobrecimento da biodiversidade dos Açores e impedir o próprio desenvolvimento de toda uma região para benefício de uns poucos. Pico da Pedra, 26 de Dezembro de 2010 Teófilo Braga

Foto: L.V.

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Reflexão sobre a caça nos Açores

A caça nos Açores começou com o povoamento das ilhas. Com efeito, tal foi possível, no que diz respeito aos mamíferos, após a introdução do coelho bravo que foi intencionalmente introduzido em todas as ilhas, com excepção do Corvo. É precisamente o coelho a espécie cinegética mais caçada nos Açores e a que mobiliza mais caçadores. A caça se para os mais urbanos e com mais posses foi (é) uma actividade “desportiva”, para os homens do campo, sobretudo os das classes sociais mais baixas, mais do que uma actividade de ocupação dos seus tempos livres era um complemento aos seus fracos rendimentos. Com efeito, lembro-me muito bem que no meio rural de São Miguel, na década de sessenta e início da de setenta do século passado, a carne, sobretudo a de vaca, só chegava ao prato de muitas famílias nas épocas festivas e a de porco um pouco mais de vezes para as famílias que tinham a possibilidade de os criar. Assim, caçar coelhos era também uma forma de enriquecer a dieta alimentar e conseguir algum dinheiro para complementar os magros salários com a venda de algumas peças de caça. Era precisamente a situação de penúria em que viviam muitos agregados familiares, sobretudo de pequenos camponeses e camponeses sem terra que fazia com que eram poucas as licenças de caça existentes nos meios rurais e eram muitos os caçadores furtivos, alguns deles utilizando “técnicas” de caça ao coelho proibidas por lei e criticadas pelos restantes habitantes das diversas localidades, como era o uso do laço. Ainda nos primeiros anos da década de oitenta, devido à situação social descrita, na localidade onde vivia eram poucas as licenças de caça e havia apenas uma ou duas espingardas, caçando a maioria dos caçadores apenas com recurso a cães e a furão. A deslocação para as zonas de caça, Sanguinal, Monte Escuro, Lagoa da São Brás, etc., era feita a pé ou, com alguma sorte, apanhando boleia nas carrinhas de alguns lavradores. Era revoltante ter de percorrer vários quilómetros a pé, e o regresso era mais duro porque para além da distância a percorrer havia o peso dos coelhos a vencer, enquanto os caçadores da “cidade” ou os “senhores” caçadores passavam nas suas viaturas. 32


Mais tarde, o Estado, sempre ao serviço dos que mais têm e dos apetites de uns poucos, decidiu investir em repovoamentos de espécies com o único objectivo de serem caçadas. Em 2008, o Secretário Regional da Agricultura e Florestas estimava em 4500 o número de exemplares criados em cativeiro, esquecendo-se de mencionar os custos envolvidos. A situação referida no parágrafo anterior demonstra que estamos perante uma política de desvios de dinheiros públicos e comunitários que poderiam ser usados em benefício de toda a população dos Açores e que acabam por beneficiar uma minoria dentro da minoria que são os caçadores de algumas aves, pois como já vimos a esmagadora maioria caça apenas coelhos. Com efeito, podemos dizer, mesmo, minoria absoluta pois, segundo informações que consideramos fidedignas e tendo em conta o ano de 2009, nos Açores existiam 3 714 caçadores com carta válida o que correspondia a cerca de 1,5 % da população. É importante referir que a situação actual, de beneficiar os que mais podem e têm, é muito pior do que a existente em plena ditadura fascista como se pode comprovar através da leitura do jornal “A caça” que se publicou em Ponta Delgada em 1936 e 1937. Com efeito, segundo o referido jornal eram os próprios caçadores, ao contrário do que actualmente ocorre, quem tomava a iniciativa e suportava os repovoamentos com perdizes através de subscrições públicas. Hoje, são pouco válidos os argumentos dos defensores da caça pretensamente desportiva sobretudo quando aplicados a uma região “pobre” do ponto de vista faunístico como são os Açores quando comparados com outras paragens. Com efeito, caído por terra o argumento da tradição face aos avanços sofridos pela sociedade, hoje o principal argumento, que é também o de alguns “passarinheiros” e de alguns ambientalistas acéfalos suportes do status quo, é o de que com a caça valoriza-se os espaços e recursos florestais e mantém-se as populações de várias espécies controladas. Se este último argumento poderá ser aplicado às populações de coelhos, gostaríamos que nos explicassem o seu uso quando estão em causa algumas aves residentes cuja população é reduzida e espécies migratórias, cuja ocorrência em alguns casos é diminuta.

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Tendo conhecimento de um apelo lançado com vista a evitar que espécies migratórias e outras de ocorrência diminuta sejam excluídas da lista de espécies cinegéticas, não estranhamos que o mesmo tenha sido deturpado por parte de alguns devotos de Santo Huberto, para arrebanhar adeptos à sua causa junto de outros caçadores sensíveis e que concordam com o mesmo, bem como as pressões que têm sido exercidas sobre alguns dos primeiros subscritores. Para terminar, apresentamos uma citação de um texto publicado, em 1926, no Suplemento Literário Ilustrado de “A Batalha”: “Conhecemos alguns desses furiosos “desportistas” que aliam à sua qualidade de caçadores a qualidade de membros da Sociedade Protectora de Animais. Não compreendemos como se possam conjugar essas duas funções: a de matar e a de proteger seres vivos”. Ribeira Grande, 21 de Janeiro de 2011 J.S.

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COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL Princípios orientadores

Embora plural no que diz respeito à forma de pensar e viver o ecologismo, consideramos que não se pode separar os ecossistemas naturais da vida do homem na sociedade, não esquecendo que a crise ecológica global não atinge de igual modo as pessoas no mundo.

É o modelo actual de produção e consumo o responsável pela violação dos direitos humanos e ambientais da maior parte da humanidade, sendo também responsável pelo sofrimento infligido aos animais Defendemos uma nova relação do homem com o ambiente, assegurando que todos os recursos estejam equitativamente repartidos entre todas as pessoas, tanto as do Norte como as do Sul, não esquecendo as gerações vindouras. Pensamos que um mundo mais justo, pacífico e ecológico só será possível através do contributo de todas as pessoas e não apenas das opiniões dos técnicos ou especialistas. Assim, consideramos importante que sejam respeitados os seguintes pontos:

1. O capitalismo, seja ele liberal ou de estado é o responsável pela crise global que afecta todos os habitantes do Planeta. A política e a economia deverão sofrer alterações profundas, contemplando o desenvolvimento humano e a satisfação equitativa das necessidades, ultrapassando a sua obsessão pelo crescimento ilimitado.

2. Consideramos que é fundamental o respeito do homem para com os restantes animais domésticos e selvagens, assim é imprescindível promover uma educação, cultura e legislação que garantam os direitos dos animais. A sociedade, que defendemos, não pode aceitar espectáculos onde se torturem animais, como as touradas, etc.

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3. Hoje, a nível mundial, assiste-se à crescente extinção de espécies da fauna e flora, o que se traduz numa perda incalculável de património genético e à delapidação de recursos geológicos do planeta. Consideramos imprescindível a tomada de medidas com vista à conservação da biodiversidade e da geodiversidade.

4. Defendemos uma agricultura sustentável, orientada para a protecção da biodiversidade e do direito dos povos à soberania sobre o seu património genético comum. Assim, consideramos que a aposta deverá ser na soberania alimentar e na agricultura biológica. Opomo-nos ao cultivo e uso na alimentação de Organismos Geneticamente Modificados.

5. A única energia limpa é a que não é consumida. Assim, defendemos um modelo energético alternativo ao actual, com produção descentralizada e baseado na poupança e eficiência energética e nas energias renováveis. Opomo-nos à utilização da energia nuclear, tanto para a produção de electricidade como para a construção de armas, não só pelos riscos envolvidos, mas também por fomentar um modelo de sociedade militarizada e monopolista. 6. A terra é de todos os seus habitantes, daí que sejamos solidários com todos os povos do mundo, defendendo o seu direito à autodeterminação, o respeito às suas culturas autóctones e seus modos de vida. Rejeitamos os impedimentos à livre circulação das pessoas e defendemos que nenhum ser humano possa ser considerado ilegal. 7. Defendemos um modelo de democracia real, onde a participação cidadã e o acesso o mais amplo possível e livre à informação seja a coluna vertebral de todas as deliberações. Não aceitamos os totalitarismos políticos e a acumulação de poder, defendemos a máxima descentralização e pugnamos por um associativismo livre e independente. 8. Somos pacifistas, consequentemente defendemos a solução não-violência dos conflitos e opomo-nos à militarização das sociedades e ao uso da ciência e da tecnologia para fins militares. Advogamos o fim dos exércitos e denunciamos o impacto social e ambiental da indústria militar e do comércio de armas. 9. Defendemos para todas as pessoas trabalhos, dignos e livres de exploração, que contribuam para a satisfação das aspirações individuais e colectivas. 10. Reclamamos uma educação integral e multidisciplinar que torne responsável e consciente o indivíduo da sua posição na natureza e que não reproduza a actual sociedade, discriminatória e competitiva. 36


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