Em defesa das Lagoas: os primeiros cinco anos

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Teófilo José Soares de Braga

Lagoa dos Nenúfares, 1991

Em defesa das lagoas: os primeiros cinco anos (1988-1992)

11 de Setembro de 2011


Em defesa das lagoas: os primeiros cinco anos (1988-1992) Teófilo José Soares de Braga

Nota Prévia O texto, que abaixo apresento, não pretende ser a história do movimento de defesa das lagoas já que não tenho disponibilidade nem formação para tal. Pretendo tão só o dar meu modesto contributo para dar a conhecer uma parte muito incompleta do que terá ocorrido ao longo dos primeiros cinco anos de luta em defesa das lagoas da ilha de São Miguel. As limitações deste trabalho prendem-se com o facto do mesmo ter sido foi elaborado apenas com recurso ao meu arquivo pessoal e ao que foi divulgado pelos jornais. Pretendo, se me for possível, enriquecer o que agora divulgo, os primeiros cinco anos de luta em defesa das lagoas de São Miguel, e continuar a relatar o que terá ocorrido pelo menos até ao final do século passado.

Os primeiros passos: da denúncia pública do problema ao surgimento do SOS Lagoas Em Julho de 1988, pela mão da então denominada associação “Amigos da Terra” foi pela primeira vez denunciado publicamente o facto de algumas lagoas de São Miguel, nomeadamente a das Furnas e a das Sete Cidades, apresentarem sintomas de eutrofização. Na ocasião, a direcção1 daquela organização apelou, em comunicado 1

Em 1988 a direcção dos Amigos da Terra era composta por Teófilo José Soares de Braga (hoje, professor na Escola Secundária das Laranjeiras e activista do movimento ecologista e de protecção dos animais, foi uma das pessoas que esteve na origem do SOS Lagoas), Francisco Manuel Sousa Botelho (actualmente vogal do Conselho de Administração da EDA e membro da Assembleia Municipal da Ribeira Grande, eleito em lista do Partido Socialista), Lúcia Maria Oliveira Ventura (hoje lecciona na


publicado na imprensa de São Miguel e em ofício dirigido a diversas entidades governamentais ou não para que unissem esforços com vista à “implementação de acções de carácter técnico, formativo e informativo tendentes a melhorar o cada vez mais degradante estado da água de algumas das nossas lagoas”. A posição dos Amigos dos Açores teve como suporte a informação prestada por diversos cientistas e técnicos que tinham visitado os Açores, a observação do estado da água de algumas delas, durante os passeios pedestres organizados, e o acesso a um estudo da bacia hidrográfica da Caldeira das Sete Cidades, da autoria da Engª do Ambiente Regina T. da Cunha2 que apontava um conjunto de medidas para a recuperação das lagoas, “cuja aplicação ordenada e adequada importa iniciar, logo que possível, numa atitude de responsabilidade perante o lamentável e degradante estado das águas daquelas lagoas”. O apelo lançado pelos Amigos da Terra caiu em saco roto pois nenhuma das entidades contactadas (SRES, SREC, Universidade dos Açores, Câmaras Municipais, Associações de Agricultores/Lavradores, ACRA, Associações Culturais e Recreativas e Associações de Escuteiros), se deu trabalho de dar qualquer resposta ao ofício enviado. A 20 de Agosto de 1988, o jornal Açoriano Oriental publica um texto da Secretaria Regional do Equipamento Social que refere que havia solicitado ao DCEA Departamento de Ciências e Engenharia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa uma avaliação do estado trófico das lagoas das Furnas, Sete Cidades e Fogo e que só após a realização do estudo poderia “equacionar medidas preventivas e/ou curativas para o controlo a curto e a longo prazo da eutrofização. O mesmo comunicado informa, ainda, que, entre os dias 7 e 9 de Abril do mesmo ano, uma equipa de técnicos do DCEA tinha estado em São Miguel, tendo efectuado uma apreciação sumária das três lagoas atrás mencionadas.

Escola Secundária da Lagoa), George Robert Eyre Hayes (actualmente aposentado) e José António Vieira da Silva Contente (hoje é Secretário Regional da Ciência, Tecnologia e Equipamentos. Tanto quanto é do meu conhecimento nenhum dos membros da direcção dos Amigos dos Açores, em 1988 tinha qualquer ligação partidária. 2

Hoje, é Professora Assistente do Departamento de Biologia da Universidade dos Açores.


A 20 de Outubro de 1988, o Eng.º Luís Eduardo Moura3, em artigo publicado no jornal Açoriano Oriental, depois de afirmar que o problema da eutrofização não podia ficar à espera de resultados de longos estudos “visto a destruição estar a acontecer a um ritmo exponencial”, defendeu que, de imediato, deviam ser tomadas as seguintes medidas: 1- Impedir o influxo de esgotos, pesticidas, adubos e outros produtos ricos em nutrientes para as lagoas; 2- Educar a população no sentido de não usar as lagoas como quartos de banho, zonas de despejo ou cozinhas; 3- Impedir o acesso às margens das lagoas ao gado por intermédio de vedações; 4- Reduzir o acesso às margens das lagoas a campistas, piqueniquistas e veraneantes. A 13 de Abril de 1989, o jornal Açoriano Oriental publica um pequeno texto intitulado “Lagoas das Furnas e Sete Cidades poluídas – indica estudo do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente” que nada acrescenta ao texto publicado no mesmo jornal, a 20 de Agosto do ano anterior. Distracção do jornalista ou manobra de diversão, por parte da tutela, com o objectivo de demonstrar que o assunto estava a ser tratado? Numa reportagem da autoria de Ana Paula Fonseca, publicada no jornal “Açoriano Oriental”, de 28 de Fevereiro de 1991, o presidente da Junta de Freguesia das Sete Cidades, Artur Freitas, afirmou o seguinte: “…o mais grave é que a própria lagoa está poluída devido ao escoamento de adubos vindos dos terrenos agrícolas e à grande quantidade de limos” e informou que a Junta de Freguesia já havia contacto os serviços Florestais e a Direcção de Hidráulica e aquelas entidades declinaram a sua competência para a resolução do problema. A 14 de Abril de 1991, em resposta a uma solicitação do Presidente do Governo Regional dos Açores, Dr. João Bosco Mota Amaral, uma delegação da Direcção dos

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Filho do Eng.º Eduardo Moura e da Dr.ª Otília Moura, antiga professora na Escola Secundária Antero de Quental, hoje radicado nos Estados Unidos da América.


Amigos dos Açores4, composta por Teófilo Braga, George Hayes e Weber Borges, participou num passeio de barco na Lagoa das Furnas5, tendo aproveitado a ocasião para entregar ao Chefe do Governo o documento/apelo intitulado “Salvemos as nossas Lagoas” onde menciona que, em 1988, já havia manifestado a sua preocupação pelo avanço do estado de degradação das lagoas das Furnas e Sete Cidades e se havia disponibilizado para participar numa campanha em sua defesa e que a sua proposta não havia recebido qualquer resposta. Para memória futura, deixamos aqui um extracto do documento: “Aproveitamos a oportunidade deste passeio na Lagoa das Furnas para apelar a V. Exª. no sentido do seu empenho pessoal e do seu Governo para implementar, quanto antes, todas as acções de carácter técnico, formativo e informativo tendentes a solucionar aquele grave problema. Amanhã poderá já ser tarde demais…” A 6 de Novembro de 1991, o Eng.º Eduardo Moura6, como membro da comissão que estava a estudar a eutrofização das lagoas da ilha de São Miguel anunciou, através de reportagem publicada no Açoriano Oriental, a construção de uma barreira por baixo da ponte da lagoa das Sete Cidades, procedendo assim à separação da Lagoa Verde da Lagoa Azul. Assim, seria possível estudar com mais pormenor a Lagoa Azul que era a mais poluída. Como primeira medida, para as Sete Cidades, foi apontada a construção de uma rede de saneamento básico que desviaria os esgotos da freguesia para os Mosteiros, através do túnel. A segunda medida era a construção de bebedouros para o gado de modo a não permitir que fossem beber água directamente das lagoas. A terceira medida seria a construção de bacias de retenção e a compra de terrenos localizados de 50 a 100 m da lagoa para serem arborizados. Por último, seria a aquisição de novos terrenos para a 4

Em 1991 a direcção dos Amigos dos Açores era composta por Teófilo José Soares de Braga, Francisco Manuel Sousa Botelho, Lúcia Maria Oliveira Ventura, Weber Eduardo da Rocha Borges, João Manuel Gonçalves Cabral e George Robert Eyre Hayes. 5 Alguns membros dos órgãos sociais dos Amigos dos Açores, incluindo da direcção, acharam que a aceitação deste convite significou uma “perda de independência” dos Amigos dos Açores e uma cedência ao Presidente do Governo. Mal sabíamos nós que eles já estavam a preparar a sua vida futura ao serviço de um então partido da oposição. 6 Foi quadro superior da EDA e Director Regional das Infra-estruturas Portuárias e Aeroportuárias da Secretaria Regional da Habitação e Obras Públicas


construção do parque de campismo. Com excepção da primeira, todas as outras medidas também seriam implementadas nas Furnas. A 16 de Novembro de 1991, Afonso Pimentel, jornalista da Agência Lusa, em texto publicado no Correio dos Açores, dá a conhecer que o estudo efectuado pela Universidade Nova de Lisboa e que havia sido encomendado em 1988, já estava pronto e apontava um “variado conjunto de medidas preventivas a acrescentar ao tratamento das águas”. No mesmo texto que não acrescenta nada ao já referido no ano anterior pelo Eng.º Eduardo Moura, é mencionada a intenção do Governo Regional dos Açores de investir, em 1992, cerca de 50 mil contos num programa específico de gestão dos recursos hídricos, que inclui a protecção de nascentes e captações e combate à erosão hídrica. De acordo com o Correio dos Açores de 13 de Dezembro de 1991, o deputado Cunha de Oliveira proferiu no Parlamento Europeu a seguinte afirmação: “É de lamentar que na minha região dos Açores as nossas mais belas lagoas estejam em grave risco, justamente por causa dos agroquímicos que as chuvas para ali arrastam”. A 2 de Janeiro de 1992, depois de ter assistido ao Workshop “Eutrofização nas Lagoas de São Miguel”, promovido pela Secretaria Regional do Turismo e do Ambiente, no Hotel Terra Nostra, o membro do Circulo dos Amigos das Furnas, José Manuel Oliveira Melo7, escreve, no Açoriano Oriental, um texto intitulado “Elas vão morrer?”, onde a dado passo escreve: “… apresentavam as suas comunicações […] que colocaram o signatário mergulhado numa dor de profunda tristeza, pelo estado da sua querida Lagoa das Furnas, que momentos antes tinha observado como sendo o maior espectáculo que a natureza privilegiou, a humanidade em especial os nascidos na sala de visita dos Açores”.

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Empresário, Presidente do Conselho Fiscal da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada.


Outro elemento do Circulo de Amigos das Furnas, Hermenegildo Galante8, no mesmo dia e no mesmo jornal, num texto intitulado “Ambiente (Sem Política) ” malha, sem dó nem piedade, no Governo Regional dos Açores, tendo afirmado a dado passo: “Torna-se cada vez mais prática a teoria de que, afinal, não existe política ambiental no arquipélago, prevendo-se mesmo que a destruição latente da cobertura vegetal e o descontrolo absoluto na utilização de adubos e pesticidas, como apanágio e protecção desmedida à lavoura local, (agora sob pena e ameaça de tributo), leve à eutrofização total desses melindrosos ecossistemas que são as Lagoas micaelenses, num processo que pela sua rapidez e eficácia é hoje considerado quase irreversível”. E continua, no mesmo tom: “…fomos nós micaelenses, que protegidos por uma (a)política de ambiente e ao som tradicional da “chamarrita” “POLUIMOS os EX-LÍBRIS da paisagem Açoreana perante a impassividade prolongada, bolorenta e por vezes mal cheirosa da respectiva secretaria regional que neste aspecto, confirme-se em abono da verdade, não teve “nem uma ideia, nem uma obra” nem sequer um discurso – foi exactamente igual a si própria – para desgraça do nosso ambiente, mal dos nossos pecados e redenção das nossas vaquinhas, que a sair da sua cinzenta crise parecem irremediavelmente condenadas a um futuro bem mais negro.” O furnense Luís Quental9, num texto datado de 9 de Janeiro de 1992, publicado no Açoriano Oriental, no dia seguinte, reforça o que disseram os dois membros do Circulo de Amigos das Furnas referidos anteriormente e afirma que é urgente “reconhecer a tradição secular

do

Vale das

Furnas

e denunciar

a sua

(in)discutível

incompatibilidade com a Monocultura intensiva e industrial da vaca, a maior ingenuidade politica da Adolescente Autonomia Açoreana”. No final do seu texto, Luís Quental propõe a reflorestação da área circundante, como já havia acontecido com a Lagoa de Santiago, como solução para o problema. Por fim, o

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Hoje é membro do Secretariado de Ilha de São Miguel do Partido Socialista e Chefe de Gabinete do Secretário Regional da Presidência. Foi uma das pessoas que esteve na origem do SOS Lagoas. 9 Gestor e membro da Assembleia Municipal da Povoação, eleito em lista do Partido Social Democrata.


autor dá o exemplo da “Lagoa do Carvão, que existindo ainda, já não é mais do que um pequeno poço atulhado de lixo onde alguns pequenos peixes teimam em sobreviver”. Américo Natalino Viveiros, Secretário Regional da Habitação e Obras Públicas que visitou as Sete Cidades, no dia 7 de Fevereiro de 1992, de acordo com o Açoriano Oriental do dia seguinte, comunicou ao Presidente da Junta de Freguesia que iria “tentar arrendar os terrenos existentes em redor da Lagoa e depois comprá-los para fazer bacias de retenção das águas das chuvas”. Hermenegildo Galante, passados dois meses, a 22 de Março de 1992, volta a manifestar a sua opinião sobre a não ou a má intervenção do Governo Regional no Vale das Furnas e não esquece o tema da Lagoa. Aqui fica um elucidativo extracto: “Numa altura em que se tornou impossível baixar o nível das águas da Lagoa das Furnas, porque o lodo, o mau cheiro e os mosquitos tornam insuportável a presença nas proximidades das usas margens de qualquer ser humano com o mínimo de sensibilidade e narinas desobstruídas, o Sr. Secretário Regional do Turismo e Ambiente, um ano depois das promessas solenes da Presidência Aberta, continua recolhido na sua obstinação de condenar a Lagoa das Furnas à morte lenta, mas certa. Não se viu ainda um único esforço na contenção do assoreamento, no controlo dos fertilizantes ou em qualquer outra medida que vise evitar os ameaçadores arroteamentos” João Paz, em reportagem publicada no Açoriano Oriental de 12 de Maio de 1992, relata uma visita à Lagoa das Furnas e afirma que o governo está a adiar a deseutrofização. Segundo ele, a aprovação do plano exigiria um dispêndio de uma verba muito superior ao orçamento previsto para o ano em questão que era apenas de 5 mil contos. Três dias depois, a 15 de Maio de 1992, segundo noticia o Açoriano Oriental, a Secretaria Regional da Habitação e Obras Públicas estava a estruturar o plano de deseutrofização das lagoas das Furnas e das Sete Cidades. De entre as medidas já implementadas ou a implementar, apontam-se a aquisição de um terreno para o parque de campismo nas Sete Cidades, a proibição do acesso do gado à lagoa, o desvio dos esgotos da freguesia, a construção de um posto de abastecimento de água para os lavradores das Sete Cidades. Para a Lagoa das Furnas, estava a ser estudada a


canalização das águas das caldeiras para “o esgoto da lagoa que vai até ao mar através da ribeira do Sanguinhal”, a construção de bacias de retenção nas principais linhas de água e o desvio dos campistas das margens da lagoa, através da aquisição de um terreno para um parque de campismo” No dia 5 de Junho de 1992, Mota Amaral, aquando da reabertura do Pinhal da Paz afirmou que a solução para as lagoas seria uma solução prioritária para o próximo governo. De acordo com Manuel Moniz, no mesmo dia os Amigos dos Açores haviam entregado ao Presidente do Governo Regional dos Açores uma petição que recolheu seis mil e quinhentas (6 500) assinaturas que apelava para a protecção da vegetação endémica dos Açores. A 21 de Novembro de 1992, altura em que já estava em gestação o SOS LAGOAS, João Paz, num pequeno texto publicado no suplemento do Açoriano Oriental “Primeira Mão” a que intitulou “Os “pântanos” açorianos do futuro”, depois de afirmar que no século XXI as Lagoas das sete Cidades e a das Furnas poderão tornar-se em pântanos escreve o seguinte: “Todos os estudos oficiais e não oficiais indicam que o seu grau de eutrofização já é preocupante. De tal forma que hoje já é tarde para a sua recuperação. O suplemento referido transcreve um texto, cuja leitura se recomenda, do Prof. João Mora Porteiro10, da Secção de Geografia do Departamento de Biologia da Universidade dos Açores. Dada a extensão do mesmo, apenas, aqui deixo um excerto das considerações finais: “A Lagoa das Furnas, na ilha de São Miguel, apresenta-se gravemente debilitada, não escondendo todos os sintomas de um estado de eutrofização acelerado. A necessidade da sua reabilitação é um facto evidente, não só pelas razões apontadas, como também pela urgência em que ela volte a existir como laboratório natural de grande valor paisagístico, científico e ambiental. Continuamos a pensar que a melhor forma de intervir neste processo é através de instrumentos activos e medidas correctoras, dirigidos aos factos geradores dos desequilíbrios, com o objectivo de corrigir os desvios desencadeados no sistema. A origem primeira desses fenómenos ocorre na Bacia

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Foi uma das pessoas que esteve na origem do SOS Lagoas.


Hidrográfica, razão pela qual devemos controlá-los antes que afectem a água da Lagoa”.

Numa reportagem publicada no Açoriano Oriental, de 26 de Novembro de 1992, Manuel Moniz levanta duas questões que, segundo ele preocupam “alguns sectores sociais” e a “comunidade científica açoriana”11. A primeira questão levantada prende-se com a origem do mais de um milhão e meio de contos necessários para salvar as lagoas numa altura em que o orçamento regional não tem disponibilidade e a outra com o facto de “ o projecto de salvamento das lagoas poderá não se compadecer com eventuais erros de planeamento ou decisões não reflectidas à luz da Ciência”. A 2 de Dezembro de 1992, uma reportagem da autoria de Manuel Moniz dá conta de uma ameaça de “maré vermelha” na Lagoa das Furnas que poderia acontecer com a “próxima adubagem dos terrenos circundantes à lagoa”, não se conhecendo se as autoridades iriam tomar qualquer medida preventiva. Sendo a solução o controlo da fertilização dos terrenos, o jornalista afirma que “ para sorte nossa, a Universidade dos Açores tem um estudo avançado, em que esses terrenos são identificados e algumas medidas previstas”. Sorte ou algo mais do que isso? A 9 de Dezembro de 1992, Hermenegildo Galante, depois de citar Natalino Viveiros que no telejornal de 18 de Maio do mesmo ano terá afirmado que “o estado a que chegaram as nossas lagoas é fruto de anos e anos de desleixo de algumas entidades…”, volta a criticar fortemente a inoperância e desleixo do governo, como se pode ler no texto seguinte: “Numa altura em que todas as dificuldades se conjugam e os seus níveis de eutrofização

atingem

irremediavelmente

limites

condenada,

máximos,

a

não

pelas

Lagoa

das

Furnas

dificuldades

parece

técnicas

de

equipamento, de tempo e dinheiro, mas, sobretudo, e em primeiríssimo lugar, pelo “desleixo de algumas entidades” que dormiam (e alguns ainda ressonam) sobre a degradação contínua de um bem e de uma herança que afinal é de todos nós”.

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Por parte de algumas pessoas, incluindo das que faziam parte do SOS Lagoas, não era bem vista a marginalização da Universidade dos Açores em todo o processo de combate à eutrofização.


A 22 de Dezembro de 1992, Luís Martins, descendente de furnenses, ao mesmo tempo que elogia a luta encetada pelo Circulo de Amigos das Furnas, apela para que outras entidades também intervenham. Assim, mostra a sua incompreensão pelo facto da Junta de Freguesia não se mostrar “mais competente e intransigente”, expõe a sua estranheza pelo desinteresse pelo assunto por parte da Câmara Municipal da Povoação e considera, nos termos seguintes, insuficiente a acção do Dr. Gualter Furtado: “Uma chamada de atenção terá aqui de ser feita publicamente à pessoa do meu ilustre conterrâneo, Dr. Gualter Furtado, que sobre esta matéria poderia ter tido uma posição mais marcante e assídua, junto do seu colega de Governo (que afinal de contas é o Governo de todos nós) e assim contribuído de forma mais rápida e eficaz, com vista a vislumbrar qualquer mudança de atitude em relação àquele riquíssimo património natural, pertença de toda a Região Autónoma”

No mesmo dia, 22 de Dezembro de 1992, depois de várias reuniões de preparatórias surge na comunicação social a notícia do aparecimento do SOS LAGOAS que se auto intitula apenas como um grupo de “amigos das lagoas. A primeira iniciativa do grupo foi a divulgação de um abaixo-assinado, que começou a recolher assinaturas no dia anterior” e que seria entregue ao Presidente do Governo Regional dos Açores e a um número significativo de entidades nacionais e internacionais. Dado o interesse, abaixo, apresenta-se o conteúdo do mesmo: “O Arquipélago dos Açores, devido a vários factores, reúne as condições ideais para a implementação de uma política ambiental de carácter preventivo. De entre os recursos naturais, a água não tem merecido a devida atenção por parte dos responsáveis nesta matéria. A Eutrofização das Lagoas da Região é uma clara evidência da inexistência de uma eficaz gestão dos recursos. A solução destes problemas não se compadece com hesitações e compassos de espera, sob pena de se atingirem situações de ruptura ecológica.


Atendendo a que: 1- A água não é um recurso inesgotável; 2- As Lagoas constituem um património natural de elevado valor paisagístico, ambiental e socioeconómico; 3- O estado de Eutrofização nas nossas Lagoas é um fenómeno comprovado há mais de uma década;

Os signatário, alarmados com a actual situação, consideram imprescindível que:

A- Se inverta a marcha dos acontecimentos, ultrapassando a fase de manifesto de intenções avulsas; B- Se caminhe para a articulação entre as entidades regionais competentes, o corpo científico e a população, de modo a garantir que a eficácia seja um vector dominante; C- No orçamento da Região para o ano de 1993, se afectem verbas realistas e compatíveis com a inegável gravidade do problema. A manutenção da actual situação e a não tomada de medidas enérgicas será da inteira responsabilidade do Governo Regional dos Açores.

Pico da Pedra, 11 de Setembro de 2011


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