Chupa Manga Zine nº 14

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chupa manga zine

número 14 ● dezembro 2019

NESTA EDIÇÃO: LANÇAMENTOS NO CATÁLOGO NADIA BOULANGER BREVE HISTÓRIA INVENTADA DA MÚSICA VOCÊ SABE O QUE É "MIDSTREAM"? DICAS DE ESTÚDIO COM WENDY CARLOS MAIS SHOWS QUE VOCÊ PERDEU CIFRAS PARA VIOLÃO E OUTROS ASSUNTOS ALEATÓRIOS


chupa manga zine

número 14 ● dezembro 2019

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Impresso, dobrado e grampeado em casa no último suspiro da primavera de 2019

Chupa Manga Records São Paulo • Pós-Brazil

na capa: a compositora trans Wendy Carlos com seu sintetizador Moog, em foto roubada de Leonard M. DeLessio, Getty Images, 1979


e

di

to

ri

Então é natal, mais um ano chega ao fim e, por incrível que pareça, sobrevivemos. Outros não tiveram a mesma sorte, basta ver as notícias. Mas só nos resta prosseguir com as banalidades de praxe para, ao menos, evitar a paralisia que pensar demais no estado das coisas parece causar. Os boletos não nos deixam mais fazer música. A espécie humana está condenada à extinção, mas vamos, então, ao conteúdo deste número: apresentamos, logo de cara, os últimos lançamentos do selo, os discos de Sudário e Irmão Victor, além de um tributo ao imortal Daniel Johnston que conta com um par de faixas de Stvz como convidado; falamos sobre Nadia Boulanger, a professora de música mais influente do século passado, retratada em um documentário disponível na íntegra no youtube; traduzimos um extenso guia de gravação para iniciantes escrito por ninguém menos do que a pioneira da música eletrônica Wendy Carlos e, inspirados nela, produzimos o nosso próprio especial ilustrado sobre a história (inventada) da música de todos os tempos; resmungamos sobre o mercado fonográfico em um raro textão polêmico e cheio de contradições (com a vantagem de não ter seção de comentários) e, por fim, transcrevemos mais um estrondoso sucesso do nosso vasto catálogo em cifras simples (e provavelmente erradas) para você tirar onda nas rodinhas de violão. Esta edição pode ser lida sem precisar ligar o carregador na tomada. Até o ano que vem.

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SESSÃO MARMELADA

novidades

SUDÁRIO - LANCE DOS FANTASMAS Lançamos esse registro lo-fi em uma sexta-feira 13 de setembro. São 19 canções fantasmáticas do músico natalense radicado em São Paulo, falando sobre amigos e sensações estranhas. Era pra vir acompanhado de um joguinho pra computador, mas acabou não rolando. De qualquer forma, o autor disponibilizou todos os arquivos do álbum em um link no github, para quem quiser mexer. Fique à vontade. artes das capas por Arthuri, Eric Pedott e Manu Julian, respectivamente

V.A. - CANÇÕES AO INCONSCIENTE DE DANIEL JOHNSTON Se você está lendo este zine, provavelmente também ficou devastado(a) com a morte do inesquecível Daniel. Nossos amigos Marcelo Conter e Mario Arruda, de Porto Alegre, organizaram esse belo tributo sentimental com diversos artistas da cena gaúcha e alhures, no qual Stvz participa com duas faixas menos conhecidas (do clássico "It's Spooky", parceria de Johnston com Jad Fair), gravadas em um dia.


IRMÃO VICTOR - MARIPOSÁRIO No seu quarto álbum (terceiro lançado pela Chupa Manga Records), o Irmão Victor realmente saiu do casulo para se transformar em uma bela mariposa, e talvez já esteja se tornando grande demais para as pretensões modestas (para não dizer nulas, ele merece mais) deste selo. Um pouco mais contido do que os anteriores, o novo disco do passofundense Marco Antônio Benvegnù foi gravado na França e traz canções belas, tortas e complexas como sempre, mas dessa vez com algumas participações especiais e uma inesperada treta de bastidores: tivemos que retirar temporariamente o título do nosso bandcamp porque o francês de outra gravadora, que vai lançar o álbum em LP, ficou putinho — mas já está disponível em todas as outras plataformas digitais. Vá em frente, aqui é terceiro mundo, rapaz.

OUÇA: chupamanga.bandcamp.com soundcloud.com/chupamanga (ou dá um google)


ENTREGANDO O OURO

a professora dos mestres Ela influenciou os rumos da música no século 20. Nascida em Paris, em 1887, Nadia Boulanger passou a vida educando centenas de pupilos — alguns tão famosos e diversos como Aaron Copland, Astor Piazzolla, Cláudio Santoro, Egberto Gismonti, Phillip Glass e Quincy Jones — na arte da composição musical. De uma família versada na área (tanto seu pai quanto sua irmã mais nova, a brilhante Lili Boulanger, venceram o cobiçado Prix de Rome), após anos de estudo árduo e criações próprias, Nadia dedicou-se a ensinar música em aulas particulares e em encontros semanais na sua casa, onde dezenas de alunos, curiosos e amigos ilustres se reuniam todas as quartas-feiras em volta do piano para ouvi-la analisar grandes obras. Stravinsky, Paul Valéry, e até a família real de Mônaco eram presença constante em seus jantares. O cineasta francês Bruno Monsaingeon registrou madame Boulanger, então com quase 90 anos, no filme Mademoiselle (1977, depois transformado em livro), onde podemos ver um pouco da rígida educadora durante as aulas coletivas e em diálogos com o diretor, além do depoimento de conhecidos e admiradores — como a história impagável de um já renomado Leonard Bernstein que, dias antes, ao mostrar uma nova composição para ela, fora repreendido pelo uso de uma nota repetida na mão esquerda. Durante a entrevista, Nadia fala sobre seu método de ensino, deixando claro que o que tem a oferecer é apenas a técnica e o conhecimento. "O ímpeto tem de vir do aluno", diz ela, para quem a coisa mais importante em um ser humano era a atenção. Muitos ressaltam, ainda, a sua capacidade de manter a cabeça aberta: mesmo não apreciando, à época, foi uma das primeiras a estudar e ensinar o serialismo em sala de aula, por exemplo. Afinal, como ela mesma nos conta no filme: É muito diferente [da rejeição] confrontar um trabalho que você ainda não conhece, ou um trabalho em que você tenha que reconhecer algum valor, mesmo que dizendo secretamente para si mesma: "essa é uma moda que eu jamais seguiria". Essa é uma questão de gosto pessoal. Será que a cultura não pode nos permitir ir além do gosto pessoal e enxergar a beleza de um objeto? Eu posso não querer comprá-lo, mas posso ver que ele é belo.


abaixo, a "doce tirana", como era conhecida entre os alunos pela sua disciplina

ASSISTA: youtu.be/V2GX69XxxyE



ESPECIAL

uma história inventada da música

Talvez você já tenha se pego algum dia cantarolando uma canção, sem perceber, no chuveiro. Ou assoviando uma melodia, que nem se lembra de onde veio, enquanto lavava a louça do almoço de dois dias atrás. Todos nós reconhecemos quando estamos diante de uma, mas o que é, afinal, e de onde veio a música?


PARTE 1

PRÉ-HISTÓRIA Tudo começou há alguns milhões de anos, quando um dos nossos curiosos ancestrais descobriu, provavelmente por acaso, a primeira nota musical. Especialistas ainda divergem se tal frequência teria se tratado de um mi sustenido ou de um fá bemol, mas é certo que o confuso neandertal tomou, imediatamente, aquilo como um sinal dos deuses — que ainda estavam também por ser inventados, junto com o copyright, mas esse é outro capítulo. Até agora, a hipótese mais aceita entre os estudiosos da área é de que, ao ingerir algum alimento fora da validade, o sujeito em questão tenha emitido uma sonora flatulência até então jamais ouvida entre os mamíferos do paleolítico. Foi o bastante para mudar o rumo da humanidade. A este episódio seguiram-se a busca pela reprodução do fenômeno, e, com a experimentação gastronômica, a descoberta de outros timbres e tonalidades — o que que levou à posterior invenção da agricultura, o aparecimento das cidades, das instituições financeiras, das religiões, e daí por diante. Mas é claro que os primeiros humanos não se contentaram apenas em repetir este tipo de criação sonora tão rudimentar, e acabaram desenvolvendo inúmeros outros tipos de instrumentos e ritmos tribais, desde a per-

cussão corporal ou com ossos de mamute, até as flautas de bambu e a polifonia cacofônica (ou cacofonia polifônica) proporcionada pelas vozes conflitantes de todo mundo gritando ao mesmo tempo sobre o que haveria para o jantar. É importante também lembrar que, desde o início, todo desenvolvimento musical foi sempre acompanhado de avanço semelhante na arte da dança, mesmo que infelizmente não restem registros capazes de reproduzir a intrincada coreografia do "passinho do dentes-desabre" ou do "arrasta-pé da caverna". GRÉCIA ANTIGA Embora os estilos fossem se multiplicando lentamente com o passar dos séculos, foi apenas com a chegada dos bons-modos gregos que alguém parou para, de fato, analisar com frieza a cena musical. É atribuído a Pitágoras, além do título de inventor do triângulo, o de primeiro crítico deste tipo. Ao perceber que a vibração emitida pelo fio-dental tensionado mudava de altura conforme passava de um dente para o outro, ele inventou a oitava e as suas infinitas divisões, patenteando o método assim que possível (por isso seus descendentes recebem royalties ainda hoje). Acontece que os intervalos eram tantos que não cabiam no alfabeto grego, o que levou a indústria a adotar apenas sete: um para cada dia da semana (daí chamar-se escala "dia-tônica"), começando pelo dó, de domingo.


IDADE MÉDIA Um pouco mais tarde, coube aos monges medievais revisitar a tradição grega, plagiando descaradamente alguns dos modos sobreviventes e criando as suas próprias levadas, na tentativa de subir até o topo das paradas. É bom lembrar que, naquele tempo, o jurado dos sucessos era o próprio DEUS cristão, crítico exigente e, pior, onipresente. Por isso os monges — agenciados pelo papa e com fama de bons moços — cantavam todos em uníssono e com muito reverb, como era moda na época, evitando alguns intervalos mais controversos, com medo de parecerem ousados demais. Coube a eles, ainda, a invenção da partitura e dos livros, e, consequentemente, devido aos eventuais erros de grafia, dos acidentes musicais e das notas de rodapé. Depois vieram as cruzadas, e todos os cavaleiros que se prezavam passaram a andar paramentados com uma armadura de clave específica para cada ocasião. MÚSICA CLÁSSICA Foi apenas com a estreia do alemão J. S. Bach (uma espécie de Jimi Hendrix barroco do órgão), que a música passou para o patamar de apelo popular massivo no qual hoje a conhecemos. Sua grande sacada foi apimentar o ritmo do momento, que ficou conhecido como "cravo temperado", em uma jogada de marketing que imediatamente fascinou o público jovem e desagradou os mais velhos em igual medida. O que

se seguiu foi uma verdadeira revolução cultural, com nomes como Beethoven (modelo de busto e autor da melodia do caminhão de gás) e Mozart (prodígio-mirim) dominando o imaginário europeu[1] e vencendo todos os editais — embora alguns os acusassem de serem vendidos e de exibicionismo barato. Daí para o período romântico foi um pulo, com nomes da estatura de Chopin, Tchaikovsky e Wagner aparecendo como headliners em todas os funerais, bailes de casamento e festas de debutante. SÉCULO 20 Com o advento do fonógrafo, chegou a vez de artistas mais experimentais e disruptivos chocarem os ouvidos do público. A música passava da sala de concerto para as salas de estar, mas não sem antes tomar uma bela chacoalhada de um jovem compositor russo chamado Igor Stravinsky. Com o lançamento da sua "Sagração da Primavera" — um balé com ritmos, tonalidades e roteiro tão confusos que foi responsável por causar um verdadeiro quebra-quebra na noite de abertura —, tornou-se cativo em todas as listas de fim de ano. Mesmo jul-

[1] Enquanto isso, o continente africano, as Américas e o oriente desenvolviam o seu próprio mercado musical, com referências, poliritmias e microtonalismos completamente desconhecidos para a cena europeia e metodicamente ignorados por ela desde então (a não ser pelo exotismo).


gado como charlatão por uns, ou visionário por outros, a publicidade estava garantida para que sua obra influenciasse tudo o que ainda estava por vir. Cansado dos clichês de resolução e finais felizes da música tradicional, o austríaco Arnold Schoenberg se propõe a criar algo ainda mais extremo, destruindo o tonalismo em uma espécie de abolição das classes sociais entre as notas da escala cromática, no movimento que batizou de dodecafonismo. Mas como ninguém gosta de ter que ficar fazendo conta para balançar o popô, a moda logo caiu em desuso. Com a chegada do rádio e dos singles de goma-laca, a indústria rapidamente se adaptou ao formato padrão de canções curtas, de até três minutos, em quatro por quatro, com refrões grudentos e harmonias fáceis. Era o fim da era de grandes orquestras e estreias de gala. Vieram o blues e o rock, o samba e a bossa nova, os sintetizadores, o axé e o tecnobrega. Da ópera ao videoclipe, diversas mídias de reprodução nasceram e foram extintas da noite para o dia — talvez você se lembre de algumas delas, como o cassete, o CD-RW e o myspace —, até chegarmos aos dias de hoje. STREAMING (VOCÊ ESTÁ AQUI) Hoje em dia, toda música é criada ao gosto do freguês, a partir de algoritmos especialmente desenvolvidos para cada assinante do serviço premium, com o exclusivo objetivo de preencher os espaços entre os intervalos comerciais.

PARTE 2

BIOLOGIA Após esta breve introdução, você deve estar se perguntando: "OK, mas o que é que torna a música MUSICAL, afinal? Como os meus ouvidos escutam o que sai dos fones de ouvido e entendem isso como um sinal para mexer os quadris e comprar mais ingressos para megafestivais, mesmo que eu não possa pagar?" Por incrível que pareça, o processo é muito simples: ao apertar o play em uma faixa qualquer, o sistema identifica todas as notas que já estão cadastradas na sua memória, codifica o clima (ou mood) adequado para vender os anúncios dos patrocinadores e junta as peças em questão de nano-segundos, sintetizando a canção pegajosa que será gerada na nuvem e transmitida, via wi-fi, diretamente para o seu córtex cerebral. Mas nem sempre foi assim. Antigamente, para uma melodia qualquer entrar na sua cabeça, primeiro ela precisava ser produzida pela fricção ou palhetada de uma corda, ou pelo sopro de um tubo ou golpe de uma baqueta ou membro em uma película, a partir da qual as moléculas de ar seriam transformadas em moléculas sonoras. Essas partículas microscópicas viajariam, então, da sua fonte para o microfone de captação, que as converteria em sinal


abaixo, os perigos da série harmônica para a audição dos jovens

elétrico e as armazenaria em forma de corrente em uma fita eletromagnética. A partir desse material, um engenheiro apertaria uma série de botões e controles deslizantes para criar a matriz de onde seriam produzidos os discos em matéria plástica. Só então o ouvinte estaria apto a ligar o seu aparelho analógico, que converteria as microincisões rugosas em energia mecânica, e daí novamente para eletricidade, o que acionaria a reprodução nos alto-falantes a ponto de vibrar as suas membranas, empurrando no ar as moléculas sonoras originais de volta para o ouvido do cidadão. Então, o que se segue é mais uma das maravilhas biológicas dais quais não sabemos sequer começar a explicar: o ouvido humano repete todo esse procedimento, mas ao contrário (por isso, ainda hoje é preciso gravar todas as canções de trás para frente). Ao captar as ondas sonoras através das vibrações da membrana do tímpano, o ouvido interno ativa toda uma série de mecanismos delicados como o ossículo do martelo, que martela o ossículo da bigorna, para forjar o ossículo do estribo, que aperta as esporas do labirinto bem no fundo do seu crânio, lembrando ao cerebelo de que estamos ouvindo alguma coisa muito interessante e é hora dele parar de pensar na morte da bezerra para fazer o seu trabalho. Uma vez dentro do sistema neurológico, cabe à ordem e à ligação exata e misteriosa das sinapses determinar do que você gosta ou não gosta, e é basicamente assim que funciona a música.


desenho de Saul Steinberg publicado na revista The New Yorker, em 9 de dezembro de 1946


POLÊMICA

“eles que lutem” Dia desses me deparei com o termo “midstream” em um artigo sobre empreendedorismo cultural e agenciamento de bandas de médio porte, referindo-se a artistas que não estão nem lá nem cá, grandes demais para o underground e pequenos demais para o mainstream. Embora válido como — ou tão inútil quanto — um sistema de classificação genérico de termos mercadológicos, a nomenclatura revela, também, uma visão típica do ofício como mero negócio, commodity, cujo principal objetivo certamente deve ser licenciar músicas de trabalho para propagandas de jeans ou algo assim. "É o caminho do meio", dirão. Mas o tal “midstream” não passa, na prática, do velho trampolim para quem enxerga o underground como apenas “uma fase” a ser superada rumo ao tão sonhado estrelato e aos contratos com multinacionais. No entanto, preferimos encarar o segundo de outra forma: como um modo de vida que opera na sua própria lógica, feito de encontros, afetos e questionamentos, de se existir APESAR do mercado e da comodização de tudo. É claro que todo mundo tem contas para pagar, mas, quando a única ambição dos “midstreamers” passa a ser a de VENDER MAIS, e não necessariamente a de conseguir fazer música MELHOR (com mais recursos, tempo, estrutura, etc.), a coisa começa a tornar-se indistinguível das fantasias de qualquer empreendedor medíocre meritocrático neoliberal (é redundante, sabemos) por aí. É uma velha história, e definitivamente não é sobre arte, mas formação de público consumidor. O jargão provavelmente foi cunhado por algum coach ou jornalista cultural tupiniquim, já que não encontramos menção a ele, com esse sentido, em artigos em língua inglesa. Mas então, para manter a analogia hidráulica: se o mainstream é o rio, a corrente principal (ou a torneira de água enca-

nada), o underground deveria ser o lençol freático subterrâneo, que a tudo permeia, a fonte vital que alimenta a própria nascente, em primeiro lugar. O que faria do famigerado midstream, na melhor das hipóteses, a garrafinha plástica de água com gás saborizada, com o rótulo da moda, seja qual for. Não à toa, comecei a ver o termo, inicialmente, associado a certa banda neopsicodélica cuja rara trajetória fora da curva inspirou toda uma nova onda de grupos semelhantes, ao ser “descoberta” e lançada por uma gravadora estrangeira, passando a tocar em todos os festivais internacionais da moda. A história mais velha do terceiro mundo, vocês já devem saber, é a do santo de casa que precisa ser canonizado lá fora para obter algum reconhecimento (e virar febre) no seu próprio país, como ninguém menos do que Antônio Carlos Jobim — aquele compositor da “Garota de Ipanema”, a música nacional mais regravada no exterior em todos os tempos, para quem não lembra — já diagnosticava: “a única saída para a música brasileira é o aeroporto do Galeão”. Dito isso, não há nada que gostaríamos mais do que fazer parte de uma negócio musical sustentável, que permitisse dedicação total e exclusiva, espaço físico e equipamentos disponíveis a qualquer hora e, se possível, algum público disposto a ouvir e pagar por isso. Mas a realidade é que, por aqui, todos — público e artistas — têm que se virar como podem, desdobrando-se para sobreviver ao capitalismo tardio imperialista do novo século, enquanto ainda é tempo. Continuaremos produzindo, de qualquer forma, por pura teimosia e insensatez, mas boa sorte aos “midstreamers” nos editais da Natura, nos eventos do Sesc e nos estúdios da RedBull. Que bom que eles existem (sem ironia). De resto, o topo da pirâmide é apertado, mas no subsolo sempre cabe mais um.


XEROCÃO

dicas de gravação — para iniciantes Eeeentão — você está todo empolgado(a), prestes a começar a sua primeira sessão de gravação como engenheiro(a). Ótimo! Eu gostaria de estar lá para ajudar. Mas, como não estou, pensei em anotar alguns pensamentos e dicas, mesmo que você talvez já tenha aprendido algumas delas.[1] Supondo que você usará um microfone direcional de padrão cardióide (em forma de coração, o que possibilita um “som sentimental”), por exemplo: • •

Coloque o “talento” NA FRENTE do microfone para gravação normal. Coloque o “talento” ATRÁS do microfone apenas para backing vocals.

Se você tem um microfone omni-direcional (indicado para gravar mantras), que capta tanto na frente quanto atrás (além do entorno, diferente de microfones de lapela, que são apenas bi-saxuais), é possível fazer a gravação e o backup ao mesmo tempo. Isso é normalmente denominado “modo Bi-Sax-o”, em homenagem ao Bisão Americano e a Adolf Sax, inventor do saxofone e do saxbut.[2] O microfone não deve estar nem muito perto nem muito longe da fonte sonora. Um fórmula simples geralmente usada por profissionais para calcular a distância ideal da fonte, D, é:

D = 4.72 x 10^-3 x (2pi/SV)[sin(M/T) - cos(M/2T)] dM/dt + e^[h(H’- H) sqrt(H/H’)] x log (1/[SVT^2]) +/- msp Onde: • • • • • • • • •

D = a distância desejada em polegadas H = altura do som em metros H’ = altura do microfone em jardas V = volume máximo da fonte em dBm S = sensibilidade do microfone em millivolts por dBm T = temperatura média da sala em graus Melvin h = constante reduzida de Planck M = tangente do arco (área do diafragma do microfone, em milímetros cúbicos) msp = matéria sonora pesada, em watt-kilogramas/hora

O melhor microfone para o acordeon é nenhum. (Esta regra básica também se aplica a gaitas de fole e rappers.) Se você estiver gravando em fita, uma prática recomendada de manutenção é limpar sempre o caminho do cabeçote. Não use pasta de amendoim para isso, mesmo a do tipo “cremoso”. Mostarda, cola permanente e maionese também são escolhas pouco indicadas (confie em mim), mas, em uma emergência, um cotonete embebido em vodka deve fun-


POR WENDY CARLOS

cionar — especialmente se você estiver gravando música russa. (dica: guarde um pouco para você, mas substitua o cotonete por uma azeitona) Geralmente é preferível colocar o reverb DEPOIS que as pistas solo estiverem gravadas, já que filtros verdadeiros de reverberação não apenas ainda não existem, como são extraordinariamente caros e difíceis de se abusar. Se você estiver gravando nas pistas de alta-definição de um deck de vídeo, talvez seja bom ligar o ar-condicionado perto do “talento”. Isso irá fornecer o ruído branco para esconder as falhas de frequência modulada no áudio. Esse é um exemplo do Efeito de Mascaramento.

Conforme o som do AC se tornar mais intenso, o mascaramento pode ser medido com uma régua em um rádio de “sinal por ruído”. Esses rádios são portáteis e alimentados por bateria. (A régua também é portátil, mas dispensa as baterias.) CUIDADO: NÃO adianta usar uma máscara para obter um efeito de mascaramento mais pronunciado. Porém tampões de ouvido podem ser úteis. Os “talentos”, no entanto, podem usar uma máscara, a não ser que estejam lendo as suas partes. Nesse caso, eles provavelmente serão profissionais demais para gravar com você, de qualquer forma.


Para a DIREITA é alto (apenas para controles giratórios — para controles deslizantes, geralmente, é PARA CIMA.) Distorção harmônica é RUIM. Assim como distorção melódica, rítmica e contrapontual. Geralmente o único remédio é substituir o “talento”. Confira se nenhum cabo está inserido ao contrário, ou que um número ímpar de cabos estejam conectados em série. Isso é chamado de reversão de fase. Certifique-se de que o equipamento esteja operando corretamente, e de que o intérprete conheça a música. Esta fase é chamada de ensaio. (Você pode eventualmente superar esta fase, já que a familiaridade gera desprezo.) NUNCA ligue os monitores no ar-condicionado, mesmo que você tenha o adaptador apropriado. Existem meios melhores de testá-los (latas de spray convenientes estão disponíveis.) Certifique-se de que o som passe pelos cabos, ou pelo menos perto o suficiente. Se houver vazamento de sinal, pode acabar danificando o seu assoalho, especialmente se você estiver gravando Acid Rock, Acid Jazz ou Grunge — yechht! Caso o local de gravação esteja localizado em uma zona litorânea, evite estacionar perto do mar. Um boa prática de estúdio inclui minimizar todas as Ondas Estacionárias.[3] A tecnologia de gravação digital gosta de muitos dígitos. Portanto, mantenha todos os seus dígitos ocupados enquanto estiver gravando, movendo controles e botões e alavancas constantemente. Quando os seus dígitos estão contentes, a master também está. Reduza o oxigênio perto de todos os fios de

cobre que estiverem carregando algum sinal, para mantê-los sem ar e evitar a oxidação. O fogo pode ser útil para isso, já que consome rapidamente o oxigênio. (dica de verão: os fios de prata pura apenas mancham, então não precisam de combustão — desde que haja polidor para prataria por perto.) Mantenha os intérpretes e você mesmo bem abastecidos de cafeína e drogas. Sua performance deve ser sempre a melhor. Os amplificadores não estão apenas no equipamento. (Mas o Sr. Boas-Maneiras recomenda: não tente isso em casa sem a supervisão de um adulto ou responsável, de preferência de ambos.) Não posicione os microfones perto dos alto-falantes, a não ser que um deles esteja DESLIGADO, desconectado, ou quase isso (o velho truque do “mal-contato”.) Isso pode causar problemas indesejados, de natureza médica e social. No entanto — uma vez que seus ouvidos estiverem fundidos, vá em frente. Para começar um take, estabeleça um nível seguro de gravação (a loja de materiais de construção mais próxima vende níveis, o que deve ajudar). Coloque a fita ou mídia de sua preferência no modo de GRAVAÇÃO, e assinale para o “talento” de maneira apropriada: com uma baqueta, luz estroboscópica, mangueira de incêndio, qualquer coisa. (É a deixa para o milagre, na definição de um otimista.) Caso o “talento” seja um pintor ou mímico, você pode ignorar os dois primeiros passos. (Ou mover o microfone para MUITO mais perto.) Se o “talento” não for muito talentoso, você pode ignorar todos os passos restantes. (Ou mover o microfone para mais longe — para o Alaska, por exemplo.) Realce os crescendos do intérprete movendo o fader para cima.


Realce os diminuendos do intérprete movendo o fader para baixo. Variação para pontos extra: faça o OPOSTO disso a cada vez. Não seja sutil demais, ou você vai desperdiçar todos os seus realces — e qual é o sentido disso? Existem DEZ “decis” em um Bel. Agora você sabe. Nota: o dB utiliza o sistema métrico, então você deve pagar uma escala métrica. (Músicos sindicalizados: paguem a escala de 12 tons.) A configuração de volume máximo para um baterista de rock é: 60 x o QI dele / seu QI, em “decis”. Se você preferir omitir o seu, basta calcular: o QI dele / 2, para uma aproximação razoável. Se esta for mais uma sessão de heavy metal, é desejável para todos os participantes ter em mente as sutilezas e nuances do princípio da “CALMA”: “Coloque o amplificador no limite máximo, animal!”[4] Nestes tempos de conscientização do politicamente correto, equabilidade é uma boa coisa. Então certifique-se de usar bastante EQ. Construa desenhos interessantes e divertidos de altos e baixos com o EQ, para tornar a gravação mais interessante. Ou divertida. Quando cada TOMADA estiver completa, pare a mídia de gravação, e sinalize para o intérprete (veja os métodos sugeridos acima) para prepará-lo para fazer de novo, ou não — a seu critério e tolerância. Tente escrever algo em um pedaço de papel. Uma conversa motivacional geralmente se dá aqui (então você pode DAR algo antes de TOMAR). Garanta para eles que foi tudo ótimo, exceto talvez pela leve falta de jeito quando eles desmaiaram. Reitere que você vai consertar tudo na mixagem. Diga que você é conhecido como

“Dedos Mágicos” no negócio de estúdios. Repita: “Continue comigo, garoto(a), e você irá vestir diamantes!” Seja sincero(a) (mas não honesto(a) demais...). Sorria muito. Não se desespere, fitas e arquivos podem sempre ser apagados. (Certifique-se de contar isso para os intérpretes — com frequência.) *** Apenas algumas lições aprendidas durante muitos anos de experiência no estúdio. Espero que ajude ;-) Wendy Carlos, 1997

NOTAS DO TRADUTOR [1] É provável que esta seja a primeira tradução para o português deste texto, publicado originalmente pela compositora americana Wendy Carlos, pioneira da música eletrônica, em seu site pessoal (wendycarlos. com/resources/studiotips.html), em 1997. As leitoras e os leitores nos perdoem os eventuais e terríveis erros certamente cometidos, e a nossa total incapacidade de traduzir algumas das dezenas de piadas e trocadilhos técnicos do original. [2] Possível referência ao jornal musical britânico "The Sackbut" (1920-1934)? [3] No original, Wendy faz um trocadilho entre o verbo "acenar" e "onda", ambos grafados "wave". [4] No original: "MILD - Make it loud, dammit!", algo como "Bote o volume alto, porra!".


SHOWS QUE VOCÊ PERDEU


nesta pรกgina, arte de mateus acioli


SING ALONG

© Stvz - Impostor (CHUPA.027, 2018)

apenas os hipocondríacos entenderão Gm Em apenas os hipocondríacos entenderão que aquela dor de cabeça na certa é câncer de pulmão que uma coceira no suvaco é mau sinal melhor operar essa frieira danada na ponta do seu dedão uma garganta arranhada provavelmente significa problema de estômago, ouvido e dupla visão Gm e qualquer dor de dente é sempre muito pior Em C7 a d d 1 3 porque vira febre, torcicolo, infarto e até intoxicação só pode querer dizer que eu tô morrendo, já era, não tem jeito não é melhor se benzer, fazer testamento, ficar sob obser vação G7 Gb7 F7 reser var o cemitério e o caixão Em Gm Eb7add13 A7 Ab7

(2ª vez) apenas os hipocondríacos entenderão que apesar dos exageros a gente não tem opção além de simplesmente ficar sem reação enquanto a notícia da nova doença da moda passa no jornal o perigo é abusar de automedicação tem gente que se pudesse dissecaria o seu próprio coração pra ver se encontrava alguma coisa fatal virose, verruga, hemorróida, piolho, resfriado ou pedra renal e a unha encravada é motivo pra querer dar entrada no hospital a dor de barriga parece uma crise de pânico sem solução mas quando a coisa é séria não quer nem sonrisal


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