No rescaldo do 10 de Abril de 1947

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São esses documentos que agora vem a lume para que a verdade seja clara e transparente. Como dizia S. Paulo: e também respondeu algumas vezes para que se não escadanlizassem muitas almas débeis por o verem calado.

Edição do Autor www.sitiodolivro.pt

General Santos Costa

Na altura exercia as funções de Ministro da Guerra, o General Santos Costa, que compilou todos os relatórios médicos ofícios, despachos exarados, e correspondência entre o Ministério da Guerra e o falecido General que foi Comandante Militar dos Açores em 1941, quando decorria a Segunda Guerra Mundial.

NO RESCALDO DO 10 DE ABRIL DE 1947

O presente livro relata com documentos, alguns inéditos, as circunstâncias verificadas no falecimento do General Marques Godinho no Hospital Militar da Estrela, ocorridas em 1947.

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FICHA TÉCNICA EDIÇÃO: Edição de Autor TÍTULO: No rescaldo do 10 de Abril de 1947 AUTOR: General Santos Costa ORGANIZAÇÃO DO LIVRO: Professor Doutor Manuel Braga da Cruz PREFÁCIO: Família do General Santos Costa

Salazar e Santos Costa passando revista às tropas mobilizadas para os Açores em 1941 CAPA / PAGINAÇÃO: Paulo Resende

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FOTOGRAFIA DA CAPA:

1.ª EDIÇÃO 2010

LISBOA,

IMPRESSÃO E ACABAMENTO:

978-989-20-1917-8 305615/10

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ISBN:

Agapex

DEPÓSITO LEGAL:

© FAMÍLIA DO GENERAL SANTOS COSTA

PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

Sítio do Livro, Lda. Lg. Machado de Assis, lote 2 — 1700-116 Lisboa www.sitiodolivro.pt


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INTRODUÇÃO

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(Que cada um examine as suas acções e então conhecerá se pode vangloriar-se a si próprio e não comparando-se aos outros, visto que cada um levará o seu próprio fardo) S.Paulo

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Pretende-se com o presente volume dar sequencia aos documentos compilados e publicados pelo Ministério da Guerra em 1950 sobre: Os acontecimentos do “10 de Abril”- Subsídios para a sua História, e referido no seu Preâmbulo de que se junta a sua cópia e que diz: (No presente volume e noutro que se seguirá…). O assunto que é versado refere essencialmente a “Acusação Feita ao Ministro da Guerra e o Incidente dela Derivado”. Em 26 de Maio de 1981, o General Santos Costa elaborou um artigo que foi publicado no Jornal “ Diário de Notícias” que também se junta, onde são referidos os acontecimentos |

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passados e relativos ao 10 de Abril de 1947 e suas consequências no tocante à morte do General Marques Godinho. A presente compilação de documentos que agora vem a lume, por indicação de instâncias superiores da época, foi recomendada a sua não publicação considerando-a classificada. A Família do General Santos Costa achou útil e oportuna a sua publicação não só para que deste modo, pudesse vir à luz do dia a verdade dos acontecimentos tão insistentemente deturpados, após e antes do nascimento da Democracia, por alguns políticos, mas também para que fosse possível aos historiadores e aos politólogos deles tomarem conhecimento. A compilação dos documentos de relevo que aqui se apresentam, — deve-se ao cuidado do General Santos Costa os ter guardado no seu arquivo que, por força das sua posição, teve que intervir. Lisboa, 1 de Fevereiro de 2010

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1 — A propósito da publicação do IV Volume da biografia de Salazar da autoria do Dr. Franco Nogueira, Mr. Tom Gallagher vem ao «Diário de Notícias» referir a cumplicidade do então Ministro da Guerra, Coronel Santos Costa, na morte do General Marques Godinho, ocorrida em Dezembro de 1947 no Hospital Militar de Lisboa, onde, em regime de prisão, se encontrava em tratamento. Solicitado pelo Embaixador Franco Nogueira para que trouxesse a público os elementos em que baseava os seus conceitos, volta Mr. Callagher a terreiro, mas, quanto ao caso concreto, limita-se a passar a bola aos Drs. Adriano Moreira e Mário Soares, este grande vulto político do actual regime e aquele figura proeminente do regime passado e do presente e que, quero crer, sê-lo-á também em situação futura se as contigências políticas deste País, por desatino dos homens ou por força dos acontecimentos, forem alteradas.

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Empedernido pelo tempo e por uma longa e, por vezes, amarga experiência no contacto com os homens, não me pareceu que a historieta devesse fazer desviar-me do propósito de silêncio em que vivo. Mas há quem assim não cuide e entenda ser minha obrigação não ficar neste caso calado. Vencido, aqui trago o meu depoimento que vou tentar seja o mais curto possível.

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2 — Pouco depois do falecimento do General Godinho foi-me dado saber ter o Dr. Adriano Moreira patrocinado um requerimento, creio que dirigido ao Director da Polícia Judiciária, denunciando o então Ministro da Guerra da prática do crime de homicídio na pessoa daquele categorizado militar. Disseram-me também que o então jovem advogado instigado na Polícia para que abrisse as suas provas e explicasse as razões da sua interferência, metera os pés pelas mãos, como é hábito dizer-se e acabara por insinuar ter actuado a rogo do Dr. Marcelo Caetano. Não sei porquê, contra vontade expressa do então titular da pasta da Guerra, transmitida em ofício dirigido ao Ministro da Justiça, Doutor Cavaleiro Ferreira, o incidente não teve aceitação nos tribunais. E o mesmo jovem advogado pôde, sem qualquer incómodo, fazer carreira política, ser Subsecretário de Estado e Ministro no regime então vigente, sem macular a sua bem vinculada personalidade democrática,

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agora aproveitada por um dos muitos partidos desta terceira República. Faço votos para que o casamento perdure para que possam ser aproveitados, em benefício da grei, tão volumosos atributos de experiência e de carácter. Ignoro o que acerca da morte do General Godinho tenha escrito o Dr. Mário Soares no seu “Portugal Struggle for Liberty”. Não é meu hábito gastar tempo com semelhante género de literatura política, tão apreciado no nosso País. Não posso assim avaliar se o Dr. Mário Soares terá, a meu respeito, incorrido em pecado. De qualquer maneira, são tão assinaláveis os serviços por ele prestados ao País no Verão escaldante de 1975, quando a Nação amedrontada aceitava sofrer na sua própria carne o cutelo da desordem imperante, que o próprio Estado incitava, que tenho como paga vil o esquecimento por minha parte de qualquer juízo incorrecto acerca da minha personalidade ou da acção por mim desenvolvida como membro do Governo.

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3 — Mas vamos ao que mais importa. O General José Garcia Marques Godinho fez grande parte da sua carreira na Guarnição de Abrantes, onde era geralmente respeitado, tanto no meio civil como entre os militares. Ali foi sucessivamente promovido aos diferentes graus da hierarquia e ascendeu ao posto de Coronel, na arma de Infantaria.

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Entre os seus camaradas de arma e nos centros de decisão em Lisboa era o Coronel Godinho considerado como oficial muito aprumado e competente, especialmente inclinado para o comando de tropas, que exercia a contento de superiores e de subordinados que nele viam um chefe exigente mas sempre atento aos problemas pessoais e militares de todos quantos serviam sob o seu comando. Na ocasião própria foi chamado à prestação de provas para o Generalato onde se houve por forma a merecer a aprovação do respectivo júri. Preocupava-se pouco com questões políticas, embora sempre se afirmasse convictamente republicano. Durante a primeira República poderia ter-se como simpatizante dos sectores políticos então classificados de esquerda moderada. Instituída a segunda República, embora nunca deixasse de afirmar a sua fé republicana, respeitou sempre as instituições, e serviu nos postos que lhe foram confiados em espírito de pleno acatamento dos poderes constituídos, perfeita lealdade aos chefes e exemplar civismo. Na sua altura foi promovido, sem qualquer contestação, ao posto de Brigadeiro e, quando a partir de 1940, o Governo português, de acordo com o Governo do Reino Unido, resolveu reforçar os efectivos da Guarnição Militar dos Açores em condições de ser assegurada a integridade das parcelas essenciais daquele território insular, foi decidido entregar à

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honra do Brigadeiro Marques Godinho o Governo Militar do arquipélago e o comando das respectivas forças então elevadas ao efectivo de algumas dezenas de milhares de homens. No desempenho do seu novo cargo manifestou o Brigadeiro Godinho o maior entusiasmo e notável eficiência. Sem descurar a organização defensiva das principais ilhas do arquipélago, da Ilha de S. Miguel, onde tinha instalado o seu quartel-general, em especial, consagrou-se o novo comandante à preparação moral e militar da tropa para o cabal desempenho da sua espinhosa missão, e manteve com as autoridades civis, cuja colaboração era essencial, o melhor espírito de entendimento e notável eficiência. Tão eficientemente se manifestou a sua acção de comando, que o Presidente da Républica, no final de uma visita de soberania ao arquipélago, no Verão de 1941, não se escusou de manifestar ao Governo, ao Ministro e ao Subsecretário de Estado da Guerra em especial, a sua satisfação por tudo quanto, em matéria de organização e eficiência militar, lhe foi dado observar.

4 — O notável esforço produzido pelo Brigadeiro Godinho não deixou, porém, de produzir na sua pessoa maléficos efeitos. Em resultado de desgaste sofrido, ou porque as canseiras e preocupações do seu cargo lhe fizessem reascender antiga insuficiência cardíaca, o estado de saúde do Comandante

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Militar começou a denunciar-se como insatisfatório, facto desde logo notado pelos seus mais próximos colaboradores, entre os quais se contava o então Major do Corpo do Estado Maior Frederico Lopes da Silva, destacado do Gabinete do Ministério para elaboração do plano de defesa e na execução dos trabalhos da organização defensiva das Ilhas. O pior de tudo é que se tornava difícil convencer o Brigadeiro Godinho a tentar um descanso prolongado, de preferência na Metrópole, liberto das preocupações do comando ou das responsabilidades do cargo. A sua substituição ou mesmo uma chamada a Lisboa poderia por ele ser tomada como falta de confiança com repercussões no seu espírito e na sua saúde difíceis de medir. Como o Comandante militar tinha um filho médico e simultaneamente oficial miliciano de infantaria, foi este mobilizado e destacado para os Açores como ajudante de campo de seu pai, podendo nesta situação, acompanhar o doente e vigiar pela sua saúde. Quase simultaneamente foi criado o cargo de 2.° Comandante e nomeado para o seu exercício o Coronel tirocinante Carlos Maria Ramires, confidencialmente posto ao corrente da situação e da natureza melindrosa da sua Comissão de Serviço. A primeira providência brevemente se revelou inoperante. O poder paternal sobrepôs-se ao cuidado do médico e à

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dedicação do filho, pouco resultando da vigilância deste. A segunda resultou num verdadeiro desastre. O Coronel Ramires, chegado a Ponta Delgada, não teve dificuldade em denunciar os propósitos de Lisboa. Seria ele o próximo Comandante efectivo e como tal carecia de ter integral conhecimento dos planos de defesa e das medidas de execução postas em prática, para ele próprio poder avaliar dos seus fundamentos e da possibilidade de lhes dar ou negar a sua concordância. E na realidade o Coronel Ramires expedia para Lisboa, dirigidas ao Subsecretário de Estado, exposições inquietantes e propostas inaceitáveis do ponto de vista ético-militar. Num muito curto espaço de tempo o estado de tensão nas relações entre o Comandante Militar e o Segundo Comandante degradou-se de tal forma que necessário se tornava uma intervenção de Lisboa. E já que, acima de tudo, importava evitar o agravamento da saúde do Brigadeiro Godinho, poupando-o a emoções que lhe poderiam ser fatais, surgiu a ideia da sua promoção ao posto imediato. O cargo de Comandante militar dos Açores competia organicamente a um oficial com a patente de Brigadeiro e, estando à vista uma vaga de General no seu quadro, tudo se sanaria se recaísse nele a escolha para o seu preenchimento. Em vista de tal finalidade foi publicado na Ordem do Exército um louvor ministerial ao Brigadeiro Godinho, redigido em termos de tal maneira elogiosos para os seus serviços e

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qualidades de Comando que não poderia tal circunstância ser desconhecida do Conselho Superior do Exército quando este, em ocasião próxima, houvesse de reunir para deliberar sobre a indicação a fornecer ao Governo acerca do candidato em melhores condições de poder merecer a sua escolha. Reunido aquele alto organismo militar nem todos os seus componentes anuíram à indicação do nome do comandante militar dos Açores, que acabou por ser votada por simples maioria. O facto não obstou, porém, a que o Conselho de Ministros, na sua primeira reunião deliberasse a promoção a General do Brigadeiro Marques Godinho que, agora por força da lei, teve de ser deslocado para outra Comissão de Serviço no Continente, podendo assim mais tranquilamente tratar de recompor a sua abalada saúde. Não foi do agrado no novo General Marques Godinho o seu afastamento do cargo que exercia nos Açores. Regressado a Lisboa, solicitou instantemente uma alteração à lei orgânica que permitisse a sua continuação no Arquipélago. Advertido de que, de momento, o que mais interessava era o tratamento da sua saúde, seriamente abalada, empenhou-se em que, ao menos, não fosse nomeado para o cargo o Segundo Comandante Coronel Ramires, que acabava de ter para com ele um procedimento insólito. Não lhe podendo também ser dada tal garantia, por o Ministério não poder ficar sujeito a restrições de qualquer

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natureza no respeitante à sua liberdade de acção em assuntos da sua tão melindrosa competência, não soube o General Godinho esconder o seu descontentamento, embora, na realidade, o Coronel e depois também General Ramires, se não demorasse muito tempo na Ilha de S. Miguel.

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5 — Passaram-se os anos. Os Açores vieram a desempenhar, sobretudo na última fase da guerra, um papel fundamental na condução da guerra submarina por parte dos aliados ocidentais e na defesa das linhas de comunicação que cruzam o Atlântico Norte, de tão fundamental importância para a invasão da Europa pelas portas da França e para a condução das operações de grande envergadura que conduziram à derrocada alemã em Maio de 1945. Como final da guerra, e convencidas de que a ocasião lhes era favorável, reascendem as oposições os seus ataques aos poderes constituídos. Nos meados de 1946 a acção conspiratória, que procura ganhar posições de relevo nos meios militares, intensifica-se extraordinariamente. Sabe a Polícia e igualmente o Ministério da Guerra tem conhecimento, de que o General Godinho se deixara enredar na teia conspiratória e era nela figura predominante. O mais extraordinário do caso — ou quanto pode a versatilidade humana — é que o General Godinho aparece nos centros sediciosos de decisão, de braço dado com o General Ramires…

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Seguro da fidelidade e do espírito de disciplina das Forças Armadas, não se impressiona o Ministério da Guerra com as notícias alarmantes espalhadas, nem com as pressões de todos os quadrantes então dominantes para que fosse tomada uma posição frontal contra o estado de rebelião latente, que os

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mais timoratos consideraram como uma grave ameaça para a estabilidade do regime.

Mas em relação ao General Godinho, dado o que se devia aos serviços e o que se sabia do seu estado de saúde, uma

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vez mais foi tomada uma atitude de atenciosa simpatia. Chamado ao Gabinete do Ministério seu filho Manuel,

então Capitão do Estado-Maior, o próprio Ministro lhe

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deu directamente conta do que sabia acerca das actividades subversivas de seu pai. Não tinha o Ministério receio das maquinações em curso, mas estas tornavam-se, pouco a pouco, de tal maneira conhecidas da Polícia e dos meios políticos que, perante a inacção das autoridades, poderia esta ser tomada como conivência ou passividade do Ministro face

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aos acontecimentos. Era porém evidente que tal não poderia esperar-se do titular da pasta da Guerra que, no momento próprio, assumiria as suas responsabilidades, reconduzindo ao estrito cumprimento dos seus deveres para com as instituições militares e para com a Nação os poucos oficiais por ventura deles desviados.

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E era precisamente para evitar um mal maior que tomava a iniciativa de indicar ao Capitão Camões Godinho a conveniência de, em família, e sem alardes de qualquer natureza, solicitar a atenção de seu pai para a grave situação que à sua volta preparava. Não pareceu ao Ministro que o Capitão ficasse surpreendido com o que a respeito de seu pai lhe era comunicado. Agradeceu a atenção havida e, embora sem grande esperança, prometeu que, da sua parte, seria feito tudo o que estivesse ao seu alcance. Não lhe parecia, porém fácil a satisfação do que lhe era solicitado. Seu pai era pessoa muito obstinada nos seus conceitos e pontos de vista, informou. — O problema era dele e da família, objectou-lhe o Ministro ao levantar-se para dar a entrevista como terminada.

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6 — Não valerá a pena alinhar aqui mais pormenores. É sabido que, na madrugada de 10 de Outubro de 1946, um Tenente do regimento de Cavalaria do Porto, ignorando a autoridade do seu Comandante e o respeito devido aos soldados que lhe estavam subordinados, abandona o quartel com o seu esquadrão, passa a ponte sobre o Rio Douro e dirige-se para Aveiro, onde, sem qualquer sucesso, procura arrastar uma Companhia do Regimento de Infantaria daquela cidade. Prosseguindo na sua caminhada vai-se estatelar, entregando-se sem dar um tiro, com as forças da Guarnição Militar de

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Coimbra que, entretanto, por determinação do Ministro, haviam recebido a missão de barrar aos sediosos, junto da vila da Mealhada, a sua progressão para o Sul. Alguns meses depois, na noite de 9 para 10 de Abril de 1947, em plena confirmação dos rumores que então corriam, sabe-se que novo foco de rebelião iria irromper às primeiras horas da manhã, sem quaisquer possibilidades de êxito, como depois se verificou. Posta em campo, fácil foi à Polícia referenciar, entre os sediciosos, os militares e personalidades civis mais responsáveis. O General Marques Godinho era um deles, cabendo-lhe o papel de comandante em chefe das supostas forças sublevadas. Em 14 de Junho seguinte o Conselho de Ministros determina, nos termos da lei, a passagem à situação de reforma dos militares cuja interferência nos acontecimentos era insusceptível de contestação e, instruído o respectivo processo-crime, transita este da Polícia para o Quartel-general do Governo Militar de Lisboa e daqui para o Ministério da Guerra, por haver nele implicados com a hierarquia de general, acerca dos quais, nos termos do Código de Justiça Militar, só o Ministro da Guerra poderia ordenar o prosseguimento dos autos. O processo-crime entrou no Ministério da Guerra em 4 de Novembro de 1947 e, cumpridas as formalidades legais, o Ministro, sobre parecer fundamentado de um general para o

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efeito expressamente designado, como é de lei, pronunciou-se em 8 de Dezembro, isentando de culpa alguns dos acusados, com a consequente restituição à liberdade, e ordenando o prosseguimento dos termos do processo com organização do sumário de culpa, contra os restantes. Por imperativos de equidade o Ministro determinou ainda, no seu despacho de 8 de Dezembro: — a transferência dos arguidos militares indiciados para julgamento para estabelecimentos prisionais militares, onde ficariam à disposição do tribunal competente; — a manutenção em estabelecimentos prisionais civis das personalidades civis igualmente indiciadas; — a captura pela Polícia de outros arguidos civis indiciados mas ainda em liberdade. O despacho foi intimado aos arguidos militares em 13 de Dezembro com a indicação de que seriam transferidos para os estabelecimentos prisionais referidos em 15, transferência que só veio a ter lugar em 16, devido a um incidente por eles levantado. Soube-se então no Ministério que o General Godinho se encontrava ainda convalescente de doença surgida havia pouco mais de um mês e que manifestava agora desejo de baixar ao Hospital Militar, providência que algum tempo antes tinha recusado. A seu respeito deram-se instruções para que fosse visitado por um médico militar para certificar do seu estado de

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saúde, podendo no entretanto seguir para a Casa de Reclusão em ambulância militar e devidamente acompanhado, até que o processo de baixa pudesse ser organizado em obediência às prescrições legais em vigor no foro militar. O Ministro saiu de Lisboa em 16, em visita de inspecção a obras militares em curso, mantendo-se praticamente ausente até à manhã do dia 20. No seu regresso foi informado de que a transferência dos oficiais detidos se tinha realizado em condições normais na tarde do dia 16, e de que a baixa ao hospital do General Godinho tivera lugar, mediante prévia inspecção médica, em 19 por ordem e aos cuidados do General Governador Militar de Lisboa, seu amigo pessoal e antigo condiscípulo. O estado sanitário do General manifestava evolução favorável e nenhumas providências cautelares se evidenciavam necessárias. Não seria, por ventura, igualmente favorável o comportamento do doente como tal. Naturalmente tagarela e de feitio impetuoso, não respeitava as indicações médicas nem atendia os conselhos dos seus familiares quanto à necessidade de repouso e de sossego que a doença exigia. Recepção frequente de visitas, discussões políticas acaloradas, trocas de correspondência com outros oficiais detidos, etc., etc., seriam seu hábito normal, mesmo depois da baixa ao hospital. Segundo carta por ele escrita, no dia 22 de Dezembro, ainda o doente pensava em se “raspar” do estabelecimento de saúde.

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Em 23 o registo da tensão arterial nada de especial indicava e o seu filho médico manteve-se a seu lado até às 23 horas, momento em que, nada de anormal lhe encontrando, se despediu, retirando-se tranquilamente sem solicitar do médico de serviço qualquer cuidado especial. Pouco depois, à 1h e 30 minutos de 24, sobreveio-lhe um edema pulmonar agudo que lhe foi fatal. Por circunstâncias fortuitas, embora lamentáveis, somente nove horas e meia depois pôde a família ter conhecimento da ocorrência. 7 — Parece que o professor universitário Mr. Tom Gallagher desejava encontrar no “Salazar” de Franco Nogueira esclarecimentos detalhados acerca do que ele classifica de “cumplicidade do então Coronel Santos Costa na morte do General Marques Godinho em 1947”. Como certamente tal não era o objectivo da obra, os elementos coleccionados pelo seu autor são, a tal respeito, insuficientes. Mas porque, já nessa época o espírito do Ministro da Guerra se pudesse considerar mais amadurecido do que o suposto por Mr. Gallagher, não deixou o então Coronel Santos Costa a outros o cuidado de coligir e de guardar no seu arquivo alguns documentos sobre factos de relevo referentes a acontecimentos em que, por força da sua posição, teve que intervir. Tais documentos poderão agora ser oferecidos à rigorosa investigação e estudo profundo do egrégio professor.

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Constam, neste caso, de dois volumes impressos, um em tempo tornado público e outro em provas de página que não chegou a vir à luz do dia por ser de carácter restrito a sua matéria e se ter pretendido evitar no espírito de muitas pessoas o renascimento de paixões sem sentido nem grandeza. Uma vez, porém, que o professor da Universidade de Bradford a que nos temos referido se mostra tão interessado no profundo conhecimento dos factos, nenhuma dificuldade se levanta a que todos os elementos sejam colocados à sua inteira disposição. Apenas se impõe ao investigador a obrigação de trazer a público no «Diário de Notícias», ou noutro jornal português de grande circulação, o resultado dos estudos feitos e as conclusões a que as suas rigorosas investigações o tenham conduzido. Será pedir demasiado? Por nossa parte julgamos que não. Ao menos o distinto professor poderá aproveitar a oportunidade para dar aos seus alunos mais uma lição acerca da maneira correcta de se fazer e de se escrever história. 8 —Nada, por agora, se refere acerca do suposto espírito “nazista” ou “fascizante” do antigo Coronel Santos Costa e da sua arreigada simpatia pela vitória do Eixo na Segunda Guerra Mundial. Se Mr. Tom Gallagher assim o desejar, poderemos conversar depois. (Publicado no Diário de Notícias de 26 de Maio de 1981)

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PREÂMBULO

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(Publicado em 1950 na obra: «Os acontecimentos do 10 de Abril» pelo Ministério da Guerra com: «Subsídios para a sua história») considerado como VOLUME I

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«E também respondeu algumas vezes para que se não escandalizassem muitas almas débeis por o verem calado».

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No presente volume e noutro que se seguirá tornam-se públicos alguns documentos — porventura os mais importantes — extraídos do processo instaurado aos chamados Acontecimentos do «10 de Abril», ou relativos a incidentes levantados a propósito ou por ocasião do seu julgamento nos tribunais militares. Num país onde as várias paixões se ateiam e desenvolvem como, sobre ervas secas, o fogo soprado por rijo ciclone, o caso

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despertou então a curiosidade geral, que chegou a mostrar-se um tanto ou quanto excitada. A Assembleia Nacional ocupou-se dele. A imprensa também o acolheu com verdadeiro alvoroço. Escritos e publicações clandestinas cortaram em todas as direcções esta boa terra portuguesa, na qual, apesar de tudo, uma grande maioria de homens bons desenvolvem actividade séria em proveito da comunidade. Para corrigir erros, para esclarecer boas vontades, para orientar a consciência pública, também o Ministério da Guerra desceu, na ocasião, ao terreiro e prometeu regressar à arena algum tempo depois. Não cumpriu, porém, a promessa. Entre sofrer pacientemente injustiças, suportar infâmias, viver as incompreensões dos homens ou concorrer para a formação de juízos precipitados, dando a impressão de ser do seu interesse este ou aquele rumo, esta ou aquela sentença, preferiu estar ausente. O tempo rolou, porém, sobre os acontecimentos, que esqueceram ou deixaram de interessar os alvissareiros das más novas e das críticas mordazes, os intelectuais dos juízos reticentes, tantos quantos, no seio daquilo que em Portugal se convencionou classificar de opinião pública, se entretêm a lançar sobre quem trabalha e os despreza o caudal imenso do seu impotente despeito.

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Sobre os factos recaiu a decisão dos homens. É assim possível agora, sem se correr o risco de a alterar ou de nela interferir, deixar que os limpos de coração os conheçam em toda a sua extensão ou no seu verdadeiro significado. Este é o verdadeiro objectivo desta publicação, que especialmente e com verdadeiro afecto se oferece a todos aqueles que, nos encapelados e difíceis tempos que correm, não perderam nem jamais perderão a esperança nas forças latentes da Nação nem a fé nos destinos eternos de Portugal. Lisboa, I de Agosto de 1950.

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O MINISTRO DA GUERRA.

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Ex.mo Sr. Director da Polícia Judiciária. — Palmira Pimenta de Almeida Beja Marques Godinho, viúva, proprietária, domiciliada no Rossio ao sul do Tejo e actualmente residente na Alameda de D. Afonso Henriques, 64, 4.° andar, direito, nesta cidade de Lisboa, vem requerer a V. Exa que mande investigar as condições em que: faleceu no dia 24 de Dezembro de 1947, no Hospital Militar da Estrela, seu marido, o General José Garcia Marques Godinho, porque entende serem criminosas as circunstâncias que provocaram o seu falecimento, julgando responsável por esse facto o Tenente-Coronel Fernando dos Santos Costa, actualmente afastado do serviço por ser Ministro da Guerra do Governo Português. A actividade desse senhor, neste caso, deve-se ao seu ódio a meu marido e à violência de carácter que o levou a escrever em carta que lhe dirigiu com data de 15 de Julho de 1941: «Quem se atrever a ensaiar uma discordância, mesmo no cam-

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po absolutamente técnico, tem de ser sistematicamente eliminado. Tenho informações, a este respeito, que dentro em breve terão consequências sérias». (Documento n.° I). Apesar desta ameaça, meu marido, que ao tempo era Comandante Militar dos Açores — estávamos na guerra —, não temeu declarar mais tarde aos seus camaradas que o referido senhor não tivera para com a Pátria, na política da guerra, a lealdade exigível a quem ocupava o lugar de Subsecretário da Guerra e que, por esse facto, devia prestar contas nos tribunais. Nunca soube rigorosamente as razões de meu marido, mas percebi que, enquanto o Governo seguia uma política de colaboração com os Aliados, o referido senhor, pretendia uma aliança com os países do Eixo, actuando nesse sentido. Meu marido era partidário da política do Governo, de colaboração com os Aliados, mas em cartas que o Tenente-Coronel Santos Costa lhe dirigiu encontro referências à ameaça do perigo americano e à necessidade de resistir a qualquer tentativa, americana em relação aos Açores. (Documento n.° I). É a esta divergência de atitudes que atribuo o facto de em carta de II de Setembro de 1941 o mesmo senhor, pretextando interessar-se muito pela saúde de meu marido, sugerir já o seu afastamento do comando que ocupava, como depois aconteceu. (Documento n.° 2). Contudo, dois meses antes, na sua carta de 10 de Julho declarava: «estou convencido de que acertei na escolha do Co-

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mando dos Açores». (Documento n.° 3). De então em diante, não perdeu a ocasião de lhe ser desagradável, terminando essa surda perseguição com a nota oficiosa de 15 de Junho de 1947, publicada nos jornais diários, na qual se atreveu a acusar meu marido de traidor à Pátria, numa tentativa desesperada de voltar contra este a acusação que, perante os camaradas, meu falecido marido, lhe fazia. Seguidamente mandou-o prender pela Polícia, negando-lhe todas as honras e prerrogativas que o seu posto de general lhe garantia. No Hospital de Júlio de Matos, onde foi internado, meu marido teve sucessivamente dois enfartos do miocárdio, sendo tratado pela família, na própria prisão, sem qualquer intervenção das autoridades, e ali esteve entre a vida e a morte, perante a indiferença das mesmas. No dia 16 de Dezembro último, quando os médicos exigiam o maior sossego e imobilidade, o referido Sr. Tenente-Coronel ordenou que meu marido fosse transferido para o Presídio Militar da Trafaria, sendo portador da ordem um capitão, cujo nome ignoro. Posto este oficial ao facto das circunstâncias em que se encontrava meu marido, voltou ao Ministério da Guerra. Nessa noite, veio o Sr. General Fernando Borges e comunicou a meu marido que iria no dia seguinte para o Hospital da Estrela, o que confirmou na manhã do dia seguinte. Porém, nessa tarde chegou a ordem de seguir para a Tra-

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faria, apesar da oposição dos médicos, da informação de um médico militar, cujo nome ignoro, e das declarações do Sr. General Fernando Borges. Meu filho José telefonou imediatamente ao Sr. General Fernando Borges, Ajudante-General do Exército, perguntando-lhe se o Sr. Ministro da. Guerra tinha conhecimento das condições físicas de meu marido e se tinha sido posto ao facto de que ele se encontrava gravemente doente há sete semanas, levantando-se naquele dia pela primeira vez, em virtude da ordem de transferência recebida. A resposta foi afirmativa e de que S. Ex.a o Sr. Ministro da Guerra determinara que seguisse para a Trafaria. Perante esta decisão, meu referido filho declarou que seria então o Sr. Ministro da Guerra o responsável por qualquer coisa que pudesse acontecer. Numa das últimas cartas que meu marido escreveu, e que junto, ele afirma ter sido informado de que o mesmo Sr. Santos Costa dissera gritando, ao confirmar a ordem: «que ia para a Trafaria, embora morresse no trajecto, e só lá se veria se havia de ir para o hospital». (Documento n.° 4). Para lá foi transportado sem nenhuns cuidados, numa auto-ambulância que mais parecia um vulgar camião, desprovida de condições para tal, deitado sobre um banco, de forma tão desumana que os próprios polícias da Polícia Internacional, que assistiram à partida, choraram confrangidos. Passados dias, o Sr. General Pereira Coutinho, Governa-

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dor Militar de Lisboa, tomou a iniciativa de o mandar transportar para o Hospital da Estrela. Aqui, para o observarem, subiu e desceu a pé as escadas do hospital. Em 24 de Dezembro morreu, à I hora da manhã, sendo apenas por volta do meio-dia avisado o meu filho médico, Alfredo Gordinho, de que seu pai se encontrava bastante mal, quando já estava morto há muitas horas. O referido Sr. Santos Costa, que deliberada e conscientemente ordenou a transferência de meu marido, nas condições já referidas e que lhe foram fatais, sendo por isso criminalmente responsável pela sua morte, levou o seu impudor ao ponto de, quando tudo estava consumado, mandar o seu Chefe do Gabinete apresentar-me condolências.

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TESTEMUNHAS: Vice-Almirante José Mendes Cabeçadas, actualmente preso na Escola Prática deAdministração Militar, em Lisboa; Brigadeiro Sousa Maia, preso no Forte da Graça, em Elvas; Brigadeiro Corregedor Martins, preso no Forte da Graça, em Elvas; Coronel Celso de Magalhães, preso no Presídio Militar de Santarém; Coronel Luís Tadeu, preso no Presídio Militar da Trafaria; Comandante Pires Matos, preso na Escola Prática de Administração Militar, em Lisboa;

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Chefe de Brigada Sacramento, agente da Polida Internacional e de Defesa do Estado; Prof. Doutor Fernando da Fonseca, médico com consultório na Avenida da Liberdade, 202, rés-do-chão, direito, em Lisboa; General Fernando Borges, Ajudante-General do Exército; General D. Fernando Pereira Coutinho, Governador Militar de Lisboa; Proprietário Eduardo Alfredo Keil Carvalho da Silva, preso no Presídio Militar da Trafaria; além dos meus citados filhos e de todas aquelas testemunhas que forem julgadas necessárias apresentar.

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Respeitosamente, requeiro a V. Ex.ª se digne mandar investigar. Juntam-se quatro documentos com dez folhas, todas por mim rubricadas, sendo três fotocópias de cartas e uma carta em original.

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Lisboa, 13 de Janeiro de 1948.

Palmira Pimenta de Almeida Beja Marques Godinho.

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DOCUMENTO N.° 2

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A morte recente do General Marques Godinho, ocorrida no

Hospital Militar da Estrela, aparece rodeada de circunstâncias impressionantes para os sentimentos humanitários de quem quer. Aos democratas nos dirigimos a título de informação julgada

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necessária.

Àquela alta patente do Exército foram confiadas, sabe-se,

missões da maior responsabilidade, como a do Governo Militar dos Açores em plena guerra; e sempre se ouviu dizer que era militar brioso e cumpridor. Depois surgiu o seu nome a uma luz especial,

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perante a oposição, quando determinada nota oficiosa o declarou incriminável, com vários outros militares e civis, numa tentativa sediciosa, agora designada Movimento revolucionário de 10 de Abril. Veio a saber-se, seguidamente, que, durante os interrogatórios enquanto esteve detido, o General Marques Godinho assumiu atitude da maior dignidade, chamando a si todas as responsabilidades e mostrando-se à altura da confiança que nele havia sido depositada.

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Quando a notícia oficial deste movimento foi dada a público, simultâneamente com a reforma de alguns oficiais superiores, esta Comissão Central comentou o incidente dizendo-se, como lhe cumpria, alheia ao acto presumivelmente revolucionário — uma coisa é oposição legal e ordeira, outra oposição pela força —, mas

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recusando-se a aceitar desde logo as acusações de antipatriotismo e de traição ao bem público que pela nota oficiosa prontamente foram assacadas aos oficiais reformados. Não podiam as acusações

do Governo diminuir a nossos olhos aquele grupo de portugueses;

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aguardámos e aguardamos que a última palavra seja dita para lhes fazer inteira justiça; connosco os julgará, por fim, a Nação.

Entretanto surge o triste caso desta morte que dá motivo ao presente comunicado. Cumpre fazer dela narrativa quanto

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possível fiel. O estado de saúde do General Marques Godinho era já deveras precário enquanto recluso na dependência que a Polícia Internacional e de Defesa do Estado fez inaugurar no Manicómio de Júlio de Matos. O doente sofria de angina de peito. Tinham

sido, mesmo, as crises deste mal que o haviam afastado, em certa altura, do

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supremo comando dos Açores. Bem tratado nesta dependência, como os demais presos, até que o processo foi às mãos do Ministro da Guerra, logo que este despachou pronunciando provisoriamente uns tantos incriminados, ordens rigorosas são expedidas impondo a distribuição dos detidos pelos presídios militares. Ao General Godinho nesse momento — apenas em princípio de convalescença da sua grave doença — foi imposta a transferência para o Presídio

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da Trafaria. Fez-se ver na conjuntura que o seu estado de saúde não consentia tal e insistiu-se pela hospitalização. Terminantemente o Ministro da Guerra recusou; há quem lhe atribua a seguinte frase: «há-de ir para a Trafaria mesmo que morra no caminho!». Foi, pois, o preso transferido e só devido à insistência dos médicos pôde dar

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baixa, passados dias, ao Hospital da Estrela.

Recolhido o doente ao Hospital Militar Principal aqui o visitava, os poucos dias que ainda manteve de vida, um filho seu,

médico, que o assistia no tratamento. Consta que sobre o tratamento

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hospitalar se fez um inquérito. Seria de todo o ponto conveniente que os respectivos resultados se tornassem conhecidos e bem assim em que precisas condições a morte ocorreu.

Como quer que seja, visitado o general certa noite — por este

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seu filho, pelas 23 horas, aconteceu que no dia seguinte, cerca do meio-dia, é avisada a família de que o doente piorara; acorrem ao hospital e vão encontrar o corpo na morgue, em estado de visível abandono. Declararam os enfermeiros que morrera o general durante a noite, cerca da 1 hora. Mas, repete-se, o aviso só foi feito

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à família muitas horas depois da morte. Foi tal o choque que bem se compreende, dados os antecedentes que se relataram, a desagradável surpresa com que essa família se apercebeu, na altura do funeral na Basílica da Estrela, que determinado oficial — Chefe do Gabinete do Ministro da Guerra — comparecia ali para apresentar os sentimentos em nome do Sr. Ministro. Adiantando-se um filho do morto recusou essa pretendida homenagem; e o oficial retirou-se.

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Ponderados todos os incidentes e convencida a família da desumanidade do tratamento e das graves responsabilidades a atribuir no caso à pessoa do Ministro da Guerra, sabe-se, de fonte seguríssima, que a viúva do General Marques Godinho depositou no Torel queixa em forma contra aquele membro do Governo.

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Eis, portanto, que esta figura representativa da situação, com especiais responsabilidades na mesma, tantas vezes apreciada já por atitudes várias em documentos nossos, agora nos surge a uma nova luz, identificada com as piores violências do regime, essas que nos

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temos esforçado por descobrir perante o País e por castigar na justa medida. Que os agentes da Polícia Política, simples mandatários — embora dando largas aos baixos instintos —, tenham brutalizado os cidadãos, sempre se pode dizer deles que obedeceram a ordens

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ou a simples sugestões superiores — nenhum de nós esquece aquela dos safanões dados a tempo. Porém, agora, é um dos chefes que está, ele próprio, em evidência, surge a desumanidade em primeira mão, agravada pela posição cimeira daquele que ousa praticá-la. Como última informação anuncia-se a prisão da viúva do

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General Godinho, senhora de avançada idade — 66 anos —, apesar de ferida neste momento pelo enorme desgosto que sobre ela e sua família desabou.

Vai com certeza o caso ser apurado até final e do que se for

passando daremos nós mais informes. Lisboa, 22 de Janeiro de 1948. — A Comissão Central do Movimento

de Unidade Democrática.

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DOCUMENTO N.º 3

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Bem procedeu o Sr. Director da Polícia Judiciária sujeitando à minha apreciação a petição junta assinada por Palmira Pimenta de Almeida Beja Marques Godinho e a fotocópia de documento de natureza especial que a acompanha. Os documentos fotocopiados contêm instruções de carácter militar dirigidos pelo Sr. Subsecretário de Estado da Guerra ao Comandante Militar dos Açores em 1941, isto é, num período grave e delicado da política internacional portuguesa. A subtracção dos documentos originais aos arquivos do Comando dos Açores, a sua entrega a pessoa não autorizada, a revelação do seu conteúdo e facilitação do seu conhecimento, sem que este conhecimento tenha sido expressamente autorizado pelo Governo ou considerado conveniente para o interesse nacional, constituem crime gravíssimo previsto e punido pelos n.° I.° e 2.° do artigo 145° do Código Penal.

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E em conformidade, determino:

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I.° O Sr. Director da Polícia Judiciária, que tomou forçadamente conhecimento do conteúdo de documentos secretos, considerar-se-á ligado por segredo de Estado e remeterá imediatamente a petição e fotocópias dos documentos devidamente selados ao Sr. Director da Polícia Internacional e de Defesa do Estado. 2.° O Sr. Director da Polícia Internacional e de Defesa do Estado tomará urgentemente as providências necessárias para reintegração nos arquivos militares dos documentos originais e apreenderá as fotocópias e respectivas chapas, visto que a revelação dos referidos documentos só pode ser da iniciativa. do Governo. 3.° Proceda-se criminalmente, contra o culpado ou culpados do uso ilegítimo dos documentos, nos termos do artigo 145.° do Código Penal. Quanto à petição: os factos referidos na exposição, ainda que fossem verdadeiros, não correspondiam a qualquer incriminação. Há que concluir ter-se pretendido apenas utilizar a Polícia Judiciária como um meio de especulação política contra um membro do Governo, ofendendo-o na honra e consideração que lhe são devidas. A dignidade dos serviços policiais e judiciais não pode estar sujeita a tais processos, pelo que, remetida a petição à Polícia Internacional e de Defesa do

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Estado, se instaurará procedimento criminal, nos termos do § 2.° com referência ao § I.° do artigo 166.° do Código Penal.

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Em 20 de Janeiro de 1948. — Cavaleiro de Ferreira. Apenso um cartão de visita com os seguintes dizeres: «Com respeitosos cumprimentos Manuel Cavaleiro de Ferreira, Ministro da Justiça, envia cópia do seu despacho numa participação apresentada, à Polícia Judiciária».

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