Vozes da Escrita

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LUÍS SOUTA

VOZES DA ESCRITA

PREFÁCIO DE JOSÉ MANUEL MENDES

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título: Vozes da Escrita: 15 entrevistas a escritores portugueses

autor: Luís Souta

edição: Edições Ex-Libris© (Chancela Sítio do Livro)

prefácio: José Manuel Mendes revisão: Maria José Dias

fotos: Luís Souta, com excepção das fotos de Alice Vieira (autoria de Sandra Ventura), Fernando Dacosta (autor desconhecido) e Maria Rosa Colaço (catálogo Galeria Artela)

foto e grafismo de capa: Rogério Cruz d’Oliveira paginação: Paulo Resende

1.ª edição

Lisboa, Abril 2024

isbn: 978‑989 9198 05 0 depósito legal: 528641/24

© Luís souta

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publicação e comercialização:

www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500

O autor não segue o AO90; redige segundo a antiga (e identitária) ortografia.

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Aos Escritores Portugueses e à sua agremiação de classe – APE.

Os escritores ajudam-nos a conhecer melhor o mundo e os homens, envolvem-nos em sentimentos e emoções que nos arrasam o coração, transportam-nos a outros tempos e lugares (onde nunca estivemos ou sequer iremos) e a outros que nem tão-pouco existem, levam-nos a sonhar com utopias transformadoras, bálsamos para este agreste mundo que o ser humano teima, irracionalmente, em apressar o seu fim.

A esses exímios contadores de histórias, estamos gratos por tudo isto e muito mais…

Lê-los e ouvi-los é o prazer a que estamos, felizmente, condenados.

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ÍNDICE

PREFÁCIO: “ESSE TUMULTO” 9 UM ANTROPÓLOGO NA TRIBO DOS ESCRITORES 15 ALICE VIEIRA 45 BIOBIBLIOGRAFIA 52 ALTINO DO TOJAL 57 BIOBIBLIOGRAFIA 74 ANTÓNIO DAMIÃO 77 BIOBIBLIOGRAFIA 96 CRISTÓVÃO DE AGUIAR 99 BIOBIBLIOGRAFIA 116 EDUARDA DIONÍSIO 121 BIOBIBLIOGRAFIA 135 FERNANDO DACOSTA 141 BIOBIBLIOGRAFIA 153 FERNANDO MIGUEL BERNARDES 157 BIOBIBLIOGRAFIA 176 FERNANDO VENÂNCIO 181 BIOBIBLIOGRAFIA 189 JÚLIO CONRADO 193 BIOBIBLIOGRAFIA 212 MARIA ROSA COLAÇO 217 BIOBIBLIOGRAFIA 234 MÁRIO DE CARVALHO 239 BIOBIBLIOGRAFIA 249 Preview
MÁRIO VENTURA 255 BIOBIBLIOGRAFIA 270 MATILDE ROSA ARAÚJO 273 BIOBIBLIOGRAFIA 285 NATÁLIA NUNES 291 BIOBIBLIOGRAFIA 305 RICARDO FRANÇA JARDIM 309 BIOBIBLIOGRAFIA 330 REFERÊNCIAS 333 Preview

PREFÁCIO

JOSÉ MANUEL MENDES

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«Se a literatura salva? Não, não salva. Mas se ela se extinguir, extingue-se tudo.»

(Hélia Correia, Público, 08/07/2015, p. 32)

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ESSE TUMULTO

Um livro revelador. Porque denega o silêncio da memória e afeiçoa o relevo devido aos que, escrevendo ainda, doam a sua arte a quem os lê. Procura, instiga, enlaça notícias e interrogações que não deixam de emergir além da última página, convive à margem do óbvio enquanto se cumpre ou faz na hermenêutica de cada um dos destinatários. Por isso, a um tempo construto histórico e abertura à pluralidade dos caminhos, do ensaísmo à biografia, que venha a predicar.

Quinze autores, ficcionistas sobretudo, desvelam ângulos essenciais do que a imagem pública resguarda – trajecto vivencial, família, infância, os anos da singularização, o embate com as aprendizagens iniciais e o conto, a crónica, o romance, também policial, a poesia, os imaginários, lendas e fantasias de matriz infanto-juvenil, lugares (trechos do quotidiano comunitário), experiências das relações com a linguagem, essa matéria de regras e inovação feita. Nas entrevistas, sequenciadas por ordem alfabética do primeiro nome dos escolhidos, proporciona-se um território intenso, irrigado de distensões nunca gratuitas. Aquele que pergunta, no oposto das infodemias em voga, organizou antes, segundo métodos de propriedade e ajustamento – na base do projecto travejado, flexuoso – o diálogo a empreender, amiúde com afluentes e derivações enriquecedoras. Nenhum colete de forças, nada que interdite, bloqueie, dissuada; ao invés, livre curso ao florescer dos instantes que efectivam

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os objectivos comuns. Aqui, de forma admirável, começa Luís Souta a afirmar uma presença acima de tudo criadora.

A comunicação assenta no pressuposto da subjectividade dos convocados, da eloquência do falar – com os seus ritmos e estilemas –, das tipologias de interesse dos leitores em devir. E, transcrevendo o acervo gravado para registo escrito, sem alterar ou empobrecer seja o que seja, desvela personalidades cuja diferenciação sobressai.

Na abordagem dos temas propostos, quase sempre acrescidos pelos que afluíam ao fluxo interlocutório, percorremos universos de socialidade e íntimo labirinto, as cidades, os bairros, as ruas e o mundo num questionamento incisivo, as vicissitudes da formação profissional e/ou académica (avultando a Escola, a vários níveis, como problemática medular), a oficina autoral e o campo literário, de alguma maneira à la Bourdieu, convergente ou clivante nos seus movimentos e tendências, a guerra colonial e as remanescências político-emocionais de África, a língua portuguesa – autónoma, aprimorável, oposta às pelagras advindas do contexto tecnológico e da compressão anglo-americana a globalizar-se. Inesgotável debate.

Luís Souta, conduzindo-o com proficiência e argúcia, recorta o rosto, o rosto outro que nos implica e somos - seguindo uma linhagem próxima, desde logo, da de Emmanuel Levinas –, de escritores tão distintos, no existir individual como na bibliogafia, não raro escalpelizados, como Alice Vieira, Altino do Tojal, António Damião, Cristóvão de Aguiar, Eduarda Dionísio, Fernando Dacosta, Fernando Miguel Bernardes, Fernando Venâncio, Júlio Conrado, Maria Rosa Colaço, Mário de Carvalho, Mário Ventura, Matilde Rosa Araújo, Natália Nunes e Ricardo França Jardim. Distensos e de verbo porventura algo constrangido, em tranquilidade ou desassossego, insegurança até, elaborados e tenteantes no assertivismo e na dúvida, surgem à luz de um discorrer autêntico. Por isso contagiante. Partindo de um guião, atinente nos tópicos e eixos substanciais que sondam a terra abscôndita de todo o engenho criativo, Luís Souta acaba tecendo uma trama irresistível em vez da adição de generalidades e circunstancialismos. Contra as seduções ornamentais, envereda pelos trilhos da precisão interpelativa em busca

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do fundamental - esse tumulto em que a literatura acontece. Assim, momento a momento, nos torna conhecedores de identidades irredutíveis - matizadas, desafiadoras, numa nudez das sombras ou cintilações entre ênfase e recato, secura, afectividade, fluência, desconforto nas vicissitudes da expressão oral. No conjunto dos casos, sublinhe-se, na aceitação do espontâneo dizer como pelo sazonamento das respostas fixadas mediante revisões, depara-se-nos uma paleta informativo-analítica preciosa, propensa decerto a estudos de índole multipolar em incubação.

A obra agora disponível dará, ademais, aos seus frequentadores instrumentos para apreender os impulsos, circunstâncias, mecanismos e atmosferas de trabalho dos antologiados - da imediatez à investigação minuciosa, com escalas inumeráveis de permeio -, operativos numa esfera em que a recepção se esmerou ou, entretanto, demitiu ante a mão do oblívio, independentemente do reconhecimento, maior ou menor, de todos num alto dia. Ficam núcleos como os prémios, o acesso à edição, a crítica que (não) há, as instâncias de intercâmbio e promoção de quanto se publica, os tribalismos e técnicas de exclusão nos media - ao lado de escassos procedimentos assentes na lisura e competência -, para discussão fecunda a continuar os encontros deste arquivo denso de vibrações futuríveis.

Luís Souta, com os saberes, a curiosidade sensível, a afoiteza e finura do narrador, propõe-nos, afinal, um colóquio vivaz, não só pelos entrechos e ingredientes corais, a prosseguir doravante nos que o acolherão através das Vozes da Escrita em boa hora coligidas.

(Lisboa, Fevereiro, 2024)

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UM ANTROPÓLOGO

NA TRIBO DOS ESCRITORES1

1 Título sugerido a partir do artigo de Lewis Thomas “Um antropólogo estuda a tribo dos médicos” Diálogo, nº 4, vol. 21, 1988, pp. 48-52. Em termos metodológicos seguimos Burgess (1984), Iturra (1986), Quivy (1988), Scott & Usher (1996).

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«Já ninguém vai procurar um escritor para saber o que ele pensa.»

(Marcelo Mirisola, Ípsilon, 17/06/2016, p. 12)

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Num demorado projecto de investigação, que levei a cabo em finais dos anos 90 do século passado e primórdios do século XXI, procurei evidenciar o olhar que emergia do campo literário sobre o processo educativo, através de textos de cem escritores nacionais (Carreirinha da Escola, Ex-Libris, 2025). Desta vez, pretendemos fazê-lo de viva voz, pelo discurso directo de quinze escritores contemporâneos1 .

Razões da selecção desta “amostra” de escritores para as entrevistas: (i) autores consagrados no campo literário (quase todos premiados, por variadíssimas vezes), com larga obra produzida (alguns dos seus livros em reedições várias2) nas áreas do romance e novela (Mário de Carvalho, Mário Ventura, Natália Nunes), conto (Altino do Tojal), teatro (Eduarda Dionísio, Fernando Dacosta), crónica (Ricardo França Jardim), diário (Cristóvão de Aguiar), policial (António Damião), poesia (Matilde Rosa Araújo, Maria Rosa Colaço), infanto-juvenil (Alice Vieira, Fernando Miguel Bernardes), crítica literária (Júlio Conrado, Fernando Venâncio); (ii) um conjunto diversificado 1 Essa pesquisa só incluiu catorze escritores. Para este livro, recuperámos uma anterior entrevista realizada a Alice Vieira, num outro tipo de contexto. Foram ainda convidados, formalmente, mais cinco escritores que viriam a aceitar o convite: Maria Velho da Costa, contactada pessoalmente (21/07/2001); por carta, Maria Ondina Braga (20/11/2001) e Augusto Abelaira (28/11/2001); por telefone, Serafim Ferreira e Fernanda Botelho (a quem chegou a ser enviado o respectivo guião a 24/05/2002). As entrevistas não se concretizaram por ter ficado incomunicável (Velho da Costa), por motivos de saúde grave (Augusto Abelaira e Ondina Braga), ou indisponibilidades de agenda (Serafim Ferreira e Fernanda Botelho).

2 Cf. capítulo «Biobibliografias».

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de olhares sobre a sociedade portuguesa; (iii) por todos terem ligação, mais ou menos estreita, ao mundo escolar; (iv) porque, em algumas das suas obras, surgem, de forma explícita, episódios sobre o ensino e a aprendizagem, em contexto escolar formal e não formal. Assim, nesta “amostra”, temos 10 homens e 5 mulheres. Uma repartição que denota, em parte, a desproporção de género existente no próprio campo literário3 onde há ainda quem fale numa literatura marcadamente “masculina” mas onde é inquestionável a emergência crescente e forte de uma escrita “feminina”.

Procurou-se gente “madura”, com experiência de vida. As idades dos sujeitos indiciam isso: o mais novo com 56 (Eduarda Dionísio) e o mais idoso com 81 anos (Matilde Rosa Araújo), estando a grande maioria (11) na casa dos cinquenta/sessenta; a média de idades, à data da realização das entrevistas, era de 63,6 anos.

No grupo há um apreciável número de escritores/professores, quer como principal profissão (5) quer com experiência, mais pontual e esporádica, em actividades de docência (4). Apenas 6 conheceram a escola só na qualidade de alunos.

Apesar de terem nascido em diversas regiões do país (Norte, Centro e Sul do Continente, Açores, Madeira e um “acidentalmente”4 numa ex-colónia), encontravam-se, na altura, 11 a viver na cidade de Lisboa e 3 na sua área metropolitana (Almada, São João do Estoril e Setúbal); a excepção era Cristóvão de Aguiar, com casa em Coimbra. Também aqui se fez sentir o fenómeno de atracção da capital.

Não havia da minha parte nenhum conhecimento formal dos escritores seleccionados. Com dois deles houve um contacto directo, mas pontual, decorrente da participação em eventos ligados à actividade docente: com Eduarda Dionísio (em 1977, em plenários do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa) e com Matilde Rosa Araújo (em 1988, numa reunião prévia conducente à criação do

3 Maria Augusta Silva, Poetas Visitados (Porto: Edições Caixotim, 2004) dos 16 poetas entrevistados, apenas duas eram mulheres!

4 Como surgia na nota biográfica dos primeiros livros de Fernando Dacosta. Cf. explicação dada pelo escritor na entrevista.

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Instituto Irene Lisboa). Quanto aos outros, os primeiros contactos pessoais efectivaram-se nos chamados “territórios literários”, a partir dos finais dos anos 90: António Damião (numa Assembleia Geral da APE), Fernando Dacosta e Júlio Conrado (em 1998, no 4º Encontro de Cascais dedicado à “Escrita, Edição e Leitura”), Fernando Miguel Bernardes e Mário de Carvalho (em Tróia, nas cerimónias de entrega do Grande Prémio de Romance e Novela da APE), Altino do Tojal (numa sessão de autógrafos da Feira do Livro em Lisboa, 1999), Fernando Venâncio (em 2001, na Biblioteca Nacional que frequentávamos amiúde, cada um nas suas pesquisas). Os quatro restantes, só os vi pela primeira vez no próprio dia da entrevista (Alice Vieira, Cristóvão de Aguiar, Maria Rosa Colaço e Natália Nunes). Em relação a esta última, havia, no entanto, tomado a iniciativa5 de apresentar à Câmara Municipal de Lisboa, uma «proposta de homenagem à escritora Natália Nunes», mas sem que a própria dela tivesse conhecimento.

Optei por propor aos escritores a publicação prévia, na imprensa, de uma pequena parte das entrevistas, por três razões: (i) quebrar o hábito metodológico, de “nada dar em troca” àqueles que se disponibilizam a colaborar, das mais diversas formas, nas nossas investigações; a generalidade das ciências sociais – e mesmo a antropologia que estabelece uma relação mais pessoal e prolongada com os grupos sociais, sujeitos individuais e colectivos – não resolveu de forma satisfatória esta questão ética; a entrevista, para os escritores é um ganho acrescido de visibilidade, numa sociedade pouco dada à sua divulgação; a maioria dos que seleccionei, quer por que cultivam um “low profile” mitigado («Não quero ser marginal mas gosto de estar à margem. Gosto pouco de aparecer» confessava-nos Cristóvão de Aguiar no decorrer da entrevista), quer até pela idade, não são figuras do que se poderia chamar o “vip literário”; (ii) esta publicação, antecipada (e ainda que muito parcial), permitia, a mim e aos escritores, receber feedback do público em geral e, muito em especial, do campo literário; (iii) dilatar no tempo os contactos com

5 Conjuntamente com Elisa Costa, em carta endereçada à vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, em 16/11/1998. Preview

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os escritores, para um conhecimento mais profundo, consolidando a “rede” informal de relações; de facto, com alguns deles estabeleceram-se, posteriormente, comunicações regulares e até, colaborações editoriais.

BIOBIBLIOGRAFIAS

Na pesquisa para o conhecimento da pessoa do escritor, que conduzisse ao seu perfil essencial, nunca foi nossa intenção desenhar um esboço da história de vida de cada um deles. Longe de nós assumir essa ingrata tarefa de biógrafo, da qual Miguel Torga, nas suas palavras sábias, nos havia colocado de sobreaviso, quando no seu Diário V a questiona: «As coisas que estes biógrafos dizem dum autor! As tolices que escrevem, convencidos de que descobriram a pólvora, de que sabem mais do que o próprio biografado! Tolos, que não dão conta de que estão a ver a obra e a vida dum artista falseadas, exactamente porque estão a vê-las completas, desenroladas no tempo. Nenhum dá conta de que só o artista conhece as suas incertezas e os mil imponderáveis que determinam a criação. Vista de fora, apoiada em documentos que não têm nenhuma autenticidade profunda, uma obra completa é um mundo construído, cujo plano parece evidente. Mas quem a faz é que sabe que não obedeceu a plano nenhum, que foi o acaso que pura e simplesmente actuou» (1955:45). Também Jorge de Sena, confessava ao seu amigo Fernando Dacosta, essa amargura pelos juízos exteriores à própria obra: «Somos julgados pelo que os outros dizem que escrevemos ou dizemos, não por aquilo que nós escrevemos ou dizemos»6 .

Na pesquisa em torno das biografias dos escritores recorri a múltiplas fontes documentais: arquivos da Associação Portuguesa de Escritores, obras dos próprios escritores seleccionados, arquivos, enciclopédias, dicionários de autores e de literatura, sites especializados (Projecto Vercial, Portal da Literatura). Todos são relativamente

6 Fernando Dacosta (2001:88). Preview

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parcos nos curricula vitae dos escritores. Houve a necessidade de cruzar informações, uma vez que os factos e, em especial, as datações apareciam frequentemente contraditórios e desencontrados (confrontámo-nos com um campo onde a “cópia” leva naturalmente à multiplicação do erro).

Estamos conscientes que a biografia de um escritor é um produto construído, uma história oficial de quem tem, naturalmente, preocupações com a sua imagem, às vezes, até mais para o futuro que para o presente. Mas como afirma o escritor e crítico Pedro Mexia (1999:35) «a posteridade não é assunto para os contemporâneos». O que não invalida que, nalguns casos, se possa quase falar na construção (consciente) de uma mitologia. E isso não implica maior visibilidade ou exposição pública. Miguel Torga ou Herberto Helder são exemplos de quem cultivou uma certa auto-marginalização; no caso de Torga esse distanciamento e autonomia chegou ao ponto de publicar toda a obra em edição de autor. Há quem veja nesses comportamentos um “mecanismo de consagração” que traz benefícios óbvios no interior do campo literário, ainda que desgoste o “apetite” jornalístico e os proveitos financeiros das editoras. Em todo o caso, estamos sempre perante figuras públicas, produtoras de um património que se vai tornando colectivo (atingindo o seu extremo no momento em que os próprios familiares perdem o acesso aos «direitos autorais», pois as obras «caíram no domínio público»). Ora muitos dos dados pessoais são fornecidos ou omitidos, pelos próprios autores, de acordo com os seus critérios do que deve ou não ser valorizado na sua biografia.

Aquando da “leitura correctiva” que os entrevistados fizeram dos seus textos, acabei por receber novos contributos redigidos pelos próprios escritores (Ricardo França Jardim facultou-me, inclusive, parte substancial do seu currículo), assim como emendas e adendas às suas listagens bibliográficas. Mais recentemente, na preparação final deste livro, recebi contributos das filhas de E. Dionísio e N. Nunes (Diana Dionísio e Cristina Carvalho, respectivamente), tal como de Fernando Dacosta e Fernando Venâncio… Preview

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GUIÃO DAS ENTREVISTAS

Em todas as entrevistas7 seguiu-se um guião8 com uma estrutura comum, de seis blocos temáticos intercomunicáveis: 1) Biografia do escritor. Importa ter presente a escassez de informações nas obras especializadas em biografias de escritores que, para alguns dos seleccionados, era quase inexistente (sendo particularmente evidente nos casos de António Damião, Altino do Tojal, Ricardo França Jardim). O intuito principal, neste primeiro ponto, era clarificar dúvidas ainda existentes, esclarecer contradições detectadas em diferentes obras e/ou sites, completar os seus contextos (individuais e familiares) e os percursos profissionais e a sua acção no campo literário, procurando entender as “proximidades ocupacionais” à esfera do ensino. 2) Géneros literários. Todos os escritores entrevistados têm cultivado diversos géneros. A partir da bibliografia de cada um procurou-se clarificar algumas das categorizações. E ajuizar a opinião de certos críticos sobre o escritor e/ou obra. 3) Realidade e Ficção. Tendo por base os extractos do autor em que apareciam referências explícitas à escola, tentou-se confrontar, a partir de personagens e episódios bem precisos, o carácter mais ou menos autobiográfico ou a sua proximidade/afastamento em relação à realidade.

4) Etnografia escolar. Tendo por referência descrições concretas, nas obras seleccionadas, pretendia-se compará-las com a realidade decorrente da experiência do escritor como aluno e/ou professor.

5) Olhar da literatura. Estabelecer diferenças na abordagem que é feita por romancistas e por pedagogos ao universo escolar, tentando compreender a eventual especificidade do enfoque literário.

6) Escritores e Educadores. Conhecer as formas concretas de colaboração e diálogo entre escritores, professores e pedagogos. Saber a posição do escritor sobre o lugar da Literatura no currículo escolar e as relações entre literatura e a disciplina de Português. Suscitar a análise pessoal de cada um deles sobre o estado actual da Educação.

7 Tal não se aplica à de Alice Vieira.

8 No processo de entrevistas, tivemos em consideração o trabalho de Foddy (1996).

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A partir desta estrutura comum, era cuidadosamente elaborado um guião pormenorizado (4-5 páginas) para cada entrevistado, com componentes específicas face à realidade biobliográfica do autor, e de acordo com o conteúdo da obra, em particular dos extractos explícitos sobre a escola que constam nas suas obras e que variaram entre um máximo de 22 páginas em Cristóvão de Aguiar e Altino do Tojal a seis em Fernando Venâncio. Dois escritores solicitaram conhecer previamente o respectivo guião (Fernando Miguel Bernardes e Natália Nunes). Do que resultou uma vantagem acrescida, diga-se, pois os autores acabaram por completar a parte referente à sua obra publicada.

As entrevistas decorreram nos locais escolhidos pelos escritores. A maioria em casa dos próprios (6), mas também em minha casa (3), lugares públicos (2: Biblioteca Nacional, café num Centro Comercial), locais de trabalho (4: jornal, escritório de advogado, associação cultural, hospital).

«As entrevistas como conversas» ou «conversas com um objectivo» como Burgess (2001:112) as apelida, decorreram num ambiente de uma certa informalidade, num tom coloquial, descontraído, que a estrutura semi-directiva da entrevista possibilitava, o que levou os escritores a falarem de uma forma espontânea, desinibida, natural. O tempo (formal) de cada uma das entrevistas variou entre as duas e as cinco horas9; algumas foram, de facto, bem compridas10 .

Há um aspecto ainda que importa focar e que se prende com esse desconforto dos escritores face ao discurso da sua própria oralidade. Os textos das entrevistas não sendo de “prosa conceptual” também estão longe da escrita literária. Os escritores ao primarem pela escrita, numa arte que os distingue pelo trabalho da palavra e pelo culto da forma, sentem algum incómodo no texto resultante de uma entrevista. Uns reconhecem-se muito menos à-vontade na exposição oral. A escrita é o seu terreno. Mas houve quem sentisse

10 Eduarda Dionísio fez-me tomar consciência disso quando, ao pedir-lhe para me autografar o seu mais recente livro (Tina M. provas de contacto), escreveu «…depois de uma longuíssima entrevista». Preview

9 A excepção é a de Alice Vieira que durou 30 minutos.

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dificuldade em se rever no texto impresso. Foi o caso de Altino do Tojal (praticamente, aquela tinha sido a sua estreia em conceder entrevistas): foi ele o que mais mexeu no texto, reescrevendo partes substanciais das respostas, esbatendo, em muito, os sinais e o tom da oralidade e aproximando-o bastante do registo escrito11. Isto apesar de nunca lhes ter sido entregue a transcrição ipsis verbis do que fora gravado na entrevista. Da minha parte, havia uma espécie de “poda” e tratamento prévio do texto. E esta minha intervenção foi sendo progressivamente mais cuidada e demorada, à medida que ia tomando consciência das reacções dos escritores (orais ou pelo tipo de alterações que faziam aos textos). Aqui deixo três desses registos que me chegaram por via escrita: Natália Nunes confessava, num cartão pessoal que me enviou12, «gostei da entrevista embora acabe por olhar sempre para as minhas próprias palavras com alguma estranheza». Também Eduarda Dionísio, no e-mail13 em que remetia o primeiro texto corrigido, comunicava: «Vai em anexo a entrevista com algumas pequenas correcções que tentam tornar mais rigoroso ou mais claro o que é dito. É sempre esta história da linguagem oral… Quando saem as entoações e os gestos… acabou-se… Imagino o trabalho que teve…». Por sua vez, Mário de Carvalho num e-mail14 de resposta à minha insistência para a segunda revisão diz: «confesso que por agora não me apetece muito estar a ler-ME» (mas seis dias depois enviava o texto!).

UMA (BREVE) ANÁLISE DE CONTEÚDO15

Claro que a experiência prévia de cada um dos escritores em conceder entrevistas foi, naturalmente, um factor condicionante na

11 Acabou por dactilografar, de fio a pavio, a versão parcial do texto.

12 Datado de 24/06/2002.

13 Datado de 21/07/2002.

14 Datado de 20/09/2002.

15 Baseámos a análise de conteúdo nos trabalhos metodológicos de Bardin (1977) e Vala (1986).

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forma como, desta vez, as mesmas decorreram. Ainda que neste conjunto de pessoas, essa não fosse uma prática muito generalizada. Quanto a entrevistas com fins académicos não havia antecedentes. Entrevistas jornalísticas sim, mas mesmo essas foram experiências esporádicas, algumas ocorridas há já anos (vários deles parece terem entrado no “limbo” do esquecimento mediático). Para Altino do Tojal, aquela foi (quase) a sua primeira entrevista, segundo as suas palavras: «Eu nunca me preocupei muito em não dar entrevistas, em não aparecer nos jornais. Não apareci uma única vez que fosse na televisão». No entanto, tanto ele como Fernando Dacosta ou mesmo Júlio Conrado, nas suas actividades profissionais ligadas ao jornalismo, estiveram no papel de entrevistadores. Neste aspecto, a experiência de Dacosta é fabulosa. Daí, talvez, o seu à-vontade, a sua corrente informativa. De registar que, no seu caso, tinha acabado de publicar a narrativa Nascido no Estado Novo, pelo que havia assuntos ainda “frescos” e que acabaram por voltar a ser contados (por exemplo, os episódios referentes a Jorge de Sena e ao último encontro de Natália Correia com Miguel Torga16). Também em outros que haviam editado recentemente, esses livros acabaram por estar bem presentes. Eram os casos de Cristóvão de Aguiar, Altino do Tojal, Fernando Miguel Bernardes, Júlio Conrado, Eduarda Dionísio, Fernando Venâncio. O escritor mostrava-se ainda muito agarrado à obra dada recentemente à estampa.

Todos os escritores demonstraram o gosto de reflectir e partilhar pensamentos e experiências não só sobre as suas vidas, as suas obras e a sua actividade editorial como em relação a temas mais próximos da literatura – o campo literário, a crítica, a língua portuguesa, os hábitos de leitura – ou outros mais gerais como a situação no ensino, a vida nacional e internacional, etc. Nenhuma pergunta ficou sem resposta. Não houve recusas em responder fosse ao que fosse. Mostraram sempre ter uma atitude colaborativa e de disponibilidade para avançarem com ideias, opiniões e posicionamentos. Mesmo naquelas áreas em que hoje se sentem menos à-vontade para falar, pois falta-lhes, em alguns casos, um contacto directo

16 Fernando Dacosta (2001), pp. 91-2 e 183-4, respectivamente.

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com a realidade concreta. A educação é uma delas. No seu conjunto, estes escritores evidenciaram ser pessoas bem integradas no contexto societário global. Acompanham as mutações sociais com forte sentido crítico e revelam preocupações em muitos dos desenvolvimentos mais recentes, em particular os que põem em causa um valor patrimonial que eles valorizam sobremaneira – a língua portuguesa.

As questões relacionadas com o (mau) uso da «ditosa língua, minha amada» é aquilo que mais os aflige, preocupa e desgosta. A invasão de estrangeirismos e os tratos de polé que a língua sofre, tanto nos meios de comunicação social como na intervenção política ou na escola, constituem matéria de reflexão e muita preocupação. Como o denota Mário de Carvalho: «É muito preocupante a iliteracia, a ignorância da língua»17 e Mário Ventura: «Os jovens falam cada vez pior português, comem-se sílabas com uma facilidade aterradora. Na televisão e na rádio dizem-se os maiores absurdos». No que são acompanhados por Natália Nunes – «o português é cada vez mais mal escrito e mal falado» – e Júlio Conrado – «os miúdos saem da escola quase analfabetos, o que me faz grande confusão (…) mas não saber escrever português… É para mim uma aflição». Para quem trabalha com as palavras, esta é, de facto, uma área nevrálgica. Daí que o Português acabe por ser a disciplina do currículo escolar de que mais se fale. E para a qual (assim como para a sua componente de literatura) se tenham propostas, alternativas, que ora apontam para o regresso ao porto conhecido da tradição «seria bom também que os professores chamassem mais a atenção para as matérias gramaticais. A gramática portuguesa devia ser dada a par da literatura, mesmo aos níveis mais elevados. Porque não pode haver uma literatura sem uma gramática. Eu até achava bem que nas escolas portuguesas se estudasse o Latim!» (Bernardes), ou para o que já se encontra definido como orientação (teórica) «Todos os professores deviam 17 Assunto que aborda nos livros Era Bom que Trocássemos umas Ideias sobre o Assunto (1995:19) a propósito de um aluno de Antropologia formado na Suíça e em Se perguntarem por mim, não estou (1999), através das preocupações de Fernando, um professor universitário de Grego Clássico, com os erros ortográficos dos seus alunos.

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ser professores de português porque lidam com a língua, tão maltratada, coitada» (Damião).

O lugar da Literatura nas sociedades modernas e nas nossas escolas é outra das temáticas centrais. Vêem-na como veículo importante na compreensão do mundo, do entendimento da realidade, mas igualmente como o meio mais eficaz de aprendizagem da língua: «a literatura é o melhor (senão o único) veículo para compreender o Mundo (…) Hoje em dia, é a literatura, e não só a portuguesa, que discute o Mundo, que o analisa e teoriza sobre ele» (Ventura). Daí, reconhecerem a sua importância no currículo escolar e o perfil de quem a lecciona: «Um professor de literatura tem que ser uma pessoa muito especial» (Damião). Realçam o risco dos efeitos perversos que deficientes abordagens pedagógicas podem provocar: afastar os jovens da leitura, em especial, dos autores consagrados que mereceram tratamento intensivo nas aulas, através do estudo de uma obra completa. Os casos de Luís de Camões (Os Lusíadas) e Eça de Queiroz (Os Maias) são os exemplos que se avançam. Admitem que a «pressão do tempo, dos media, do audiovisual, da banda desenhada, dos jogos de computador, do cinema, da televisão, é muito forte sobre os nossos jovens…» (Conrado). Estes contextos comunicacionais e sociais são adversos à literatura, porque o multimédia se impõe e hegemoniza «tudo o que há fora da escola (Comunicação Social, Internet, etc.) “fornece” imensos saberes que andam, de uma maneira geral, longe da literatura e valorizam outras linguagens» (Dionísio), e a sua utilidade social está mais do que posta em causa pois «[c]á fora, as pessoas ganham a vida e são importantes sem saberem literatura e sem gostarem dela…» (Dionísio). O contraste com o passado é evidente: «Quando era criança e adolescente não havia televisão e a leitura era um refúgio, era uma evasão, mas também uma forma de conhecimento da vida e do mundo» (Conrado).

Directamente na sequência das duas problemáticas anteriores surge o tema dos hábitos de leitura nas crianças e nos jovens. Em geral, assoma a ideia de que se registaram enormes mudanças neste domínio, em especial quando comparadas com o tempo em que os escritores frequentaram as escolas (como alunos ou como professores). Os equipamentos e as infra-estruturas, que alteraram, em Preview

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muito, a base logística para a leitura, são os mais evidenciados. António Damião relembra: «na minha aldeia ninguém tinha livros». «Hoje encontro ainda uma realidade que eu não tinha, a existência de bibliotecas actuantes. Agora as bibliotecas têm vida, dantes havia livros em armários…» (Araújo). Esta noção que entre os jovens mais se lê, é mais sentida pelas escritoras/ex-docentes do ensino básico (Matilde Rosa Araújo e Maria Rosa Colaço) e por quem, com alguma frequência, tem participado em actividades junto das escolas (Alice Vieira, Fernando Miguel Bernardes e Mário Ventura), ainda que este último levante reservas: «Os leitores aumentam, mas não proporcionalmente ao grande volume editorial». Esse contacto directo com professores e alunos, e o feedback que vão recebendo do impacto pedagógico dessas acções de animação, parece aumentar a crença que é ao nível do 1º ciclo que tudo se joga: «a literatura na escola primária é um grande investimento, não se vê a curto prazo, mas é um investimento cultural muito grande» (Bernardes) ou mesmo antes: «Onde é que se aprende o gosto pela leitura? Para mim, é na pré-primária» (Ventura).

Um outro domínio onde os escritores se pronunciaram foi o da configuração do campo literário português. As perspectivas são diferenciadas e decorrem do enfoque num destes três principais pontos de partida: (i) estar ligado institucionalmente à associação representativa dos escritores (APE, antes SPE); (ii) não considerar ser o escritor uma profissão; (iii) reconhecer a hierarquia dentro do campo, como um factor de divisão entre escritores. No primeiro grupo, posicionam-se aqueles que exerceram funções nas estruturas directivas do associativismo literário, ou seja, metade dos entrevistados (Matilde Rosa Araújo, Fernando Miguel Bernardes, Júlio Conrado, Fernando Dacosta, António Damião, Natália Nunes, Mário Ventura). Depois há aqueles que com ela colaboram, ainda que pontualmente, e dela beneficiam, pelo menos em termos de prémios (Cristóvão de Aguiar, Mário de Carvalho), ou que estando afastados, não a hostilizam, pois reconhecem-lhe utilidade. No segundo grupo, colocamos Eduarda Dionísio que «[n]unca quis pertencer à Associação Portuguesa de Escritores porque não sou escritora. Escrevo livros, mas não sou profissional nem tenciono vir a sê-lo» e Ricardo França

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Jardim: «não sou propriamente um escritor, não vivo disto, não faço da escrita a ocupação principal. Gostava, mas nunca tive oportunidade.» No terceiro grupo, estão aqueles que se sentem, desprotegidos, subvalorizados pelo funcionamento intrínseco do campo literário e adjacentes (mercado editorial, crítica literária), onde as técnicas de marketing, os grupos de influência e o espírito de “capelinhas”18 são dominantes: «Há uma grande divisão entre o escritor maior e o escritor menor, porque a promoção do escritor passa por campos que nada têm a ver com a qualidade literária» (Colaço); ou nas palavras de Altino do Tojal: «Não suporto aquelas vaidadezinhas, o vale tudo para se conseguir subir». Júlio Conrado, no livro Desaparecido no Salon du Livre (2001), desvenda, em tom satírico, esse pequeno mundo da cultura literária com as suas “tricas”, hierarquias, rivalidades e relações dúbias com o poder e os media. No entanto, apesar destas diferentes posições, sente-se um certo sentimento de “pertença” ao grupo que, genericamente, se designa «os escritores».

Naqueles com quem dialoguei, e que parece ser extensiva ao campo literário, há uma forte auto-estima decorrente do tipo de trabalho que este grupo social produz e que é altamente enaltecido (no seu interior), mas por outro lado constata-se, com certa mágoa, que socialmente não recebe os encómios (simbólicos e materiais) que lhe seriam devidos. Respira-se assim, um certo sentido de incompreensão e injustiça. Um trabalho criativo, de elevado investimento humano, que se entrega à sociedade como um património para todo o sempre, mas com contrapartidas, na maior parte das vezes, muito desproporcionadas, que ficam aquém do esforço, do empenhamento e da qualidade do que se produz.

Neste quadro se inclui as relações ambíguas que os escritores estabelecem com a crítica literária. «Irremediável, insanável é o conflito do artista e do crítico» (José Régio, 1971:203). Em regra, estes dois universos, muito próximos, dão azo a incompreensões, mal entendidos e até alguma conflitualidade19. Já Miguel Torga nos

18 Manuel da Fonseca (2002:68) ironiza: «Qual o poeta que goste de “capelinhas” para além da própria?».

19 Cf. José Gomes Ferreira (1975:201-6) “Grupos, grupinhos e grupelhos” (1952).

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