O Onze de Setembro e a Bengala de Angola

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António Vieira

Sancho, homem da aldeia, vai para Angola como militar, lá, consegue salvar da morte o filho do Soba feiticeiro, este, como recompensa oferece-lhe uma bengala com poderes mágicos, que o ajudaria nas suas maiores dificuldades e problemas.

Assim, em Portugal, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, vive grandes aventuras.

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De volta à metrópole, Sancho guarda a bengala num canto, não acreditou no Soba feiticeiro, até ao dia que descobre o contrário, que a bengala lhe podia dar grandes poderes para enfrentar tudo e todos, na sua alucinante imaginação, resolve enfrentar o mundo e castigar os maus.

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António Vieira

O ONZE DE SETEMBRO E A BENGALA DE ANGOLA 1.ª EDIÇÃO

Sítio do Livro, Lda


FICHA TÉCNICA EDIÇÃO: Adelino Araújo TÍTULO: O onze de Setembro e a bengala de Angola AUTOR: António Vieira PAGINAÇÃO: Eduardo Araújo IMAGEM: Eduardo Araújo DESIGN DA CAPA: Eduardo Araújo 1.ª EDIÇÃO LISBOA, Fevereiro 2011 IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Agapex ISBN: 978-989-97155-0-9 DEPÓSITO LEGAL: 321656/11 © António Vieira PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO Sítio do Livro, Lda. Lg. Machado de Assis, lote 2, Porta C — 1700-116 Lisboa www.sitiodolivro.pt


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PROSA N: 1

L

isboa, bairro Alvalade, um dos mais bonitos bairros desta cidade, quatro horas da manhã, numa moradia entra com todas as precauções um jovem de vinte e quatro anos, entra num vistoso e bem mobilado hall passa por uma sala, entra num corredor, ao fundo abre uma porta com muito cuidado, entra, começa a abrir gavetas das duas secretárias, que havia no escritório, de repente, sussurrou achei, abriu um envelope tirou um maço de notas, ergueu-se, meteu o masso das notas entre as pernas dentro das cuecas, dirigiu-se à porta, entrou no corredor entrou na sala, parou empalideceu, não conseguiu dar um passo. À sua frente, sentado num bom sofá, estava um homem de estatura forte, cerca de cinquenta anos, com os olhos muito abertos e ameaçadores; dá-me o que vieste roubar – não vim roubar nada – não? Então diz o que vieste fazer – vim para dormir um pouco – porque não foste para o teu quarto? Não queria acordar o pai – por tua causa há anos que estou quase sempre acordado, por isso podes ir para o teu quarto – eu vou, obrigado pai. Subiu as escadas para o primeiro andar, virou à esquerda, entrou na segunda porta. Ufff, desta estou safo, mas tenho que me pirar daqui antes de amanhecer, escondeu o dinheiro, despiuse, vestiu um roupão, tirou da cómoda um pijama e

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uma toalha, foi ao banheiro tomou um bom banho, o que já não fazia à muito tempo, foi ao guarda fato preparou toda a roupa para vestir e mais alguma para levar, deitou-se, ouviu bater à porta do quarto, a porta abriu-se. Filho, meu querido filho, por onde tens andado, que nem um telefonema fazes a tua mãe, sabes que eu morro de saudades tuas – mãe tenho andado por aí, as coisas não estão fáceis, eu não tenho tido dinheiro, nem para mandar cantar um cego – mas filho procuravas-me eu arranjava algum – não queria que tivesse problemas com o pai – o pai quere-te muito, tem feito tanto por ti, não pode fazer mais – se ele me quisesse muito, mandava-me para a Inglaterra ou América para eu aperfeiçoar o meu inglês – mas filho ele já te deu essas oportunidades, tu gastaste o dinheiro nesse maldito vicio – isso era dantes agora é outra coisa – mas filho vens para ficar cá em casa e começar a trabalhar com o teu pai? – Venho – não sabes alegria que me dás, vou fazer com que tudo corro bem. A senhora Maria da Conceição agarrou-se ao filho a chorar, «não adivinhava que era mentira» – mãe tudo vai ser diferente daqui em diante – Deus te abençoe meu filho, mas agora tenho que me ir embora antes que o teu pai se zangue. Maria da Conceição saiu do quarto muito contente, ia ter o filho de volta, estava disposta a fazer os maiores sacrifícios por ele, alem dos que já tinha feito, nem tinha vontade de entrar no quarto,

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com medo que o marido lhe estraga o sonho de ter o filho de volta. Foi a cozinha bebeu um pouco de água, sentou-se uns minutos, os seus pensamentos voaram por tudo o que tinha acontecido nos últimos anos na sua vida e do seu filho, a criança que era alegre destemida, quando foi para a escola a vontade de estudar e fazer desporto, a alegria que sentia quando chegava a casa depois das aulas, da prática desportiva e dos convívios com os amigos que cativava com facilidade e que eram tudo para ele, o pai também o acarinhava muito e lhe facilitava as amizades, com convívios em casa, ensinou-lhe a conduzir automóveis aos dez anos. Quando saímos para o campo, pequena herdade que tinham no Ribatejo, tinha muito orgulho no filho, a sua inteligência, a capacidade em lidar com as pessoas e tudo que estivesse a sua volta, a educação esmerada, tudo bonito e normal até aos dezoito anos, altura em que se começaram a notar algumas atitudes diferentes, chegar mais tarde a casa, não chegar às horas das refeições, mau humor, pedir dinheiro com frequência e outras mais coisas entre elas o desaparecer de dinheiro com frequência que ele imputava a irmã, que não tinha cabimento porque ela só tinha oito anos, o desprezo pelos velhos amigos e os novos que arranjou, mas não apresentava aos pais, uma grande diferença do que era. De repente abre-se a porta – o que é que estás a fazer, estás adorar o menino? Não chega o que ele já nos fez passar, vem para a cama e reza

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para ele não fazer mais alguma das dele, amanhã quero-o daqui para fora – não Amâncio, ele vem para ficar, diz que está diferente, quer trabalhar contigo que está farto da vida que leva, quer começar uma nova era – duvido muito disso, tenho que estudar muito bem o assunto, não me convenço que ele mude de um momento para o outro, tenho que ver para crer, vem deitar te, amanhã pensa-mos nisso, ele é meu filho estou mais uma vez disposto a ajudá-lo mas não com a facilidade que ele pensa, vamos, vamos que são horas. Seis horas e trinta da manhã, José Leonel levanta-se rapidamente, veste-se a toda a pressa espreita à porta do quarto, tudo em silencio sai com todas as precauções, desce as escadas atravessa a sala abre a porta com todo o cuidado, sai apressado de casa, olhou duas ou três vezes para traz antes de chegar ao fim da rua, na Avenida da Igreja apanha um táxi que o levou até ao bairro da Mouraria, mais propriamente à zona do intendente, a casa da sua amiga Matilde, uma travessa em escadaria da rua Bemformoso, zona habitada por indianos, chineses e africanos, a maioria vindo das eis colónias portuguesas, local de muitos negócios, lícitos e ilícitos, que deixavam os velhos habitantes do bairro bastante apreensivos. Subiu as escadas até ao primeiro andar esquerdo, bateu à porta passados uns minutos apareceu uma jovem de uns vinte e cinco anos, viase que era bonita, mas depois de um bom banho seria muito mais, com cerca de um metro setenta de altura, um corpo bem proporcionado, loira,

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olhos azuis, seios, fortes e redondos, pernas, ancas e mataco igualmente bem redondos, «mataco dialecto Angolano para designar o rabo da mulher» Matilde, eis imigrante da América de onde foi expulsa por consumo de drogas, em Portugal conseguiu sair, esteve quase metida novamente quando se apaixonou por Zito. O que bens aqui fazer? Bens pagar o que me deves, ou bens meter-me em mais sarilhos? Nem uma coisa nem outra, tenho dinheiro, venho em paz para resolver os nossos problemas, tu sabes que eu gosto muito de ti que nunca quero dar-te chatices, só que às vezes as coisas não correm como a gente quer, deixa-me entrar – não sei se deva – deixa-me entrar que não te vais arrepender – entra, mas fala já. O andar, era composto por uma pequena sala, com sofá encostado do lado direito, uma pequena mesa e duas cadeiras, em frente tinha uma pequena televisão em cima de uns tijolos, havia algumas coisas espalhadas pelo chão, do lado esquerdo havia um recanto que fazia de cozinha com um velho frigorífico, um pequeno fogão eléctrico, uma prateleira com alguma loiça, havia uma pequena janela para uma rua estreita, em frente era o quarto, que tinha uma pequena cama, um tubo em cima de dois tripés onde penduravam a roupa nos cabides, num canto tinha uma rede com compartimentos, comprada na loja dos chineses, onde guardava outras peças de roupa. José Leonel sentou-se no sofá, disse, tenho grana, veste-te vai comprar um bom mata-bicho e

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produto – eu quero sair disso, já disse – eu também, mas agora preciso, depois vamos tentar sair aos poucos – eu já comecei, dinheiro para pagar ao Caifaz, tens? Tenho, toma, deu-lhe algumas notas – Matilde quando viu as notas tomou outra atitude, vou tomar um banho e compor-me, tenho que fazer tempo que o Caifaz se levante, depois vou lá – então vem aqui um pouco, vamos fazer o tempo – oh! Não não, tu não és certo – sou, vais ver como tudo mudar entre nós. Matilde aproximou-se dele, ela gostava do Zito, como o tratava, ele era calmo, carinhoso tratava-a bem, ficava um pouco mais agressivo quando não tinha o produto, mas sempre foi arranjando crédito e dinheiro para manter o vício enquanto trabalhou com pai, depois deixou de trabalhar com o pai era mãe que lhe dava, chegou a viver com Matilde lá em casa, mas as coisas complicaram-se, quando a mãe não lhe conseguia arranjar dinheiro, porque o pai andava a controlar, depois saiu, começou a vaguear por vários cantos da cidade, mas Matilde continuava a gostar dele e ficava contente quando o encontrava. José Leonel que estava sentado no sofá agarra-a, pelas ancas levantou-lhe a camisa de dormir e começou a beijar-lhe as couchas pelo lado da frente, foi beijando até ao umbigo, depois sentou-a no colo, puxou-lhe a camisa para cima e beijou-lhe os bem-feitos mamilos, com um biquinho com cerca de um centímetro, ela começou-lhe a tirar a camisa e retribuir do mesmo modo enquanto ele ia tirando as calças, ela foi

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beijando de cima para baixo passando pelo umbigo até às couchas e assim ficaram algum tempo até chegarem aos finalmente em que os dois deliravam, ficaram algum tempo abraçados sem falarem, voltaram ao principio e repetiram a dose. Isto é que acontece por não apareceres mais vezes, vou preparar-me. Foi para o banho, ele ficou no sofá. Quando saio do pequeno quarto vinha muito bonita. Zito, disse assim tão bonita se calhar não apareces mais – apareço, vou de metro ao Caifaz, mas só trago uma dose para os dois, temos que acabar com isto, dá cabo do dinheiro e da saúde – é pouco, disse ele - depois logo se vê, com este dinheiro trago um bom almoço, não saias daqui – não saio o meu pai a esta hora já anda à minha procura por tudo quanto é sítio. Amâncio, pai de José Leonel, homem alto, moreno, bem-parecido, representante de uma marca Italiana de automóveis, uma média empresa, com oficina, stand de novos usados e peças, movimentava bastante capital, vivia numa condição média alta, gostava de viver a vida, tinha até períodos de bomviam, possuidor de alguns bens, mas estava a passar por uma fase difícil na empresa as vendas de automóveis baixaram, os encargos eram os mesmos, as coisas estavam feias, ainda com o problema do filho ser toxicodependente. Eram oito horas da manhã, tomou um duche, vestiu-se, dirigiu-se para uma pequena sala junto à cozinha, para tomar o pequeno-almoço e pôr as ideias em ordem para o dia, enquanto

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tomava o pequeno-almoço, pensou, que tinha que ir buscar um automóvel, com qual tinha feito negócio, disse para a mulher, vai dizer ao teu filho se pode ir comigo, para levarmos um carro que comprei, escuso de ir pela oficina para levar alguém comigo e perder tempo, assim ele mostra a boa vontade em trabalhar. Levantou-se, dirigiu-se para o escritório, dona Conceição, foi para o quarto do filho, subiu as escadas, bateu na porta do quarto ninguém respondeu, voltou a bater com mais força, nada, abriu a porta devagar, entrou, olhou para a cama não estava ninguém, parou, não sabia se chorar, se gritar, ou bater em si própria, mais uma vez tinha sido enganada pelo filho que tanto amava, como dizer ao marido como enfrenta-lo, ouviu a voz de Leonel, chamando, Conceição, Conceição. Amâncio entrou no escritório, abriu a gaveta da secretária onde na véspera tinha deixado o envelope com o dinheiro para ir buscar, ficou parado de espanto o dinheiro não estava, pensou, se calhar meti noutra gaveta, começou abrir uma a uma não havia nada, um mau pressentimento veiolhe à mente, o filho só podia ser ele, correu para as escadas e chamou pela mulher. Ela apareceu ao cimo das escadas vindo do quarto do filho, as lágrimas caiem-lhe em abundância pelo rosto, nada dizia – já vi, não está e o pior é que roubou o dinheiro que eu tinha para pagar o carro, o burro sou eu, que ainda acreditei em ti, é sempre a mesma coisa, tu vais nas cantigas dele, eu vou nas tuas, mas agora acabou, acabou de

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vez, nunca mais me fales nessa criatura. Ela não conseguia articular palavra, ficou imóvel ao cimo das escadas – como sempre não tens nada para dizer, eu agora que me dane, que arranje mais dinheiro para pagar o carro e não era tão pouco assim, mas tu é que vais pagar, para ver se aprendes de vez a lidar e não confiar nele, mas podes ter certeza que o vou encontrar, vai com quantos paus se faz uma canoa, saiu irritadíssimo, batendo com as portas. Dona Conceição desceu as escadas deixouse cair no sofá da sala, parecia que não tinha sangue o corpo começou a ficar com frio, o seu pensamento girava à volta do filho, será que alguma vez ele deixa aquele vicio, ou vai morrer com ele, com as lágrimas a correr-lhe pelo rosto e num choro baixinho, acabou por adormecer. Amâncio entrou no carro saio com os nervos em farrapos, não queria acreditar que o filho mais uma vez lhe tenha comido as papas na cabeça, agora que as coisas estão a ficar feias, levou-lhe o dinheiro com que se tinha comprometido a comprar o carro e até ia fazer um bom negócio, arrancou direito à avenida da Igreja, aí começou andar com menos velocidade olhando para tudo que era sitio, querendo fazer dos olhos raios x, penetrando em todos os lugares, circulou em toda a volta da avenida da Igreja e da avenida de Roma, depois de dar várias voltas, pensou, com o dinheiro já se meteu num táxi e já foi comprar droga, passou pelo campo grande, entrou na segunda circular, seguiu direito ao bairro do Prior Velho, depois

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Camarate, veio por Sacavém, bairro da Portela, Olivais norte e sul, encostou na Avenida Gago Coutinho, já era quase meio-dia ligou para o Sr. Almeida, seu amigo e gerente da empresa. Almeida hoje não vou à oficina, tente resolver as coisas da melhor maneira, o meu filho apareceu e já fez das dele como de costume – o Sr. do carro ligou, se voltar a ligar o que digo – o que lhe vier a cabeça amanhã fala-mos melhor, agora só quero encontrar o Leonel, mas não sei o que irá acontecer quando o encontrar – tenha calma e paciência é seu filho – Almeida, até amanhã, obrigado. Ficou mais um pouco sentado no carro a pensar a melhor maneira de o encontrar, ligou o carro desceu a Gago Coutinho, virou à direita para avenida dos Estados Unidos, passou Entrecampos, subiu Avenida das Forças Armadas, direito à praça de Espanha, desceu para Avenida de Ceuta, entrou para o Casal Ventoso. Um bairro bastante problemático de Lisboa, até a policia, tinha dificuldade em lá entrar, era raro quando não eram corridos à pedrada, quando entravam na zona da meia laranja, mas Amâncio não pensava nisso queria encontrar o filho, estava disposto a correr todos os riscos, subiu para rua principal andou uns cinquenta metros devagar, apareceu um jovem mandou-o parar e perguntou, quer produto, tenho aqui do bom e a bom preço, Amâncio puxou de uma nota, mostrou-a ao rapaz e disse, procuro o meu filho - o que quer saber – se viste um rapaz (descreveu a fisionomia do filho) – hoje não vi –

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tens a certeza – absoluta, eu conhece-o, entra sempre por aqui, hoje não vi – como vou sair daqui – o Sr. parece a ser boa pessoa, para não ter problemas eu vou consigo, abriu a porta do carro entrou, agarrou a nota que Amâncio tinha na mão, siga lá ao fundo à esquerda, subiram uma rua estreita com casas baixas e velhas, o rapaz foi dizendo o Sr. não se aventure muito a vir aqui sozinho, está sujeito a ser espancado e roubado – obrigado – pare aqui, siga aquela rua e vai ter a Monsanto o resto é consigo. Parou no alto de Monsanto, já eram duas horas da tarde, mas não tinha fome, a cabeça dava voltas e mais voltas, para onde tinha ido o filho, de repente deu um murro no assento do carro, para o Intendente, casa da amiga, é óbvio. Arrancou em direcção ao Intendente, desceu Monsanto, subiu às Amoreiras, passou pelo largo Marquês de Pombal, Duque de Loulé, Estefânia, Almirante Reis, entrou no largo do Intendente, desceu um pouco, encostou, ficou imóvel dentro da viatura, sabia que a rapariga morava ali perto, esperou mais de uma hora, começou a sentir fome, saiu do carro entrou num pequeno bar, para comer umas sandes e beber uma bejeca. (nome que dão à cerveja em alguns bairros) Matilde saio do metro dos Anjos desceu em direção ao largo do intendente, quando ia a mais de meio, só teve tempo de ir ao encontro de um homem e muito encostado a ele perguntar, pode dizer por favor onde é o largo Martin Moniz – posso, é ao fundo daquela avenida – pode fazer o

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favor de me ir indicar – posso, atravessou parte do largo com ela sempre muito encostada a ele, é lá ao fundo aquele largo, olhou para ela agarrou-a pelo braço, perguntou é só isso que queres bonitona – ééé obrigado, puxou o braço e foi embora a toda a pressa, o homem ficou a olhar, encolheu os ombros. Assustada, Matilde deu a volta pela rua de traz, com todo o cuidado entrou em casa – que cara é essa, perguntou José Leonel – por um triz que o teu pai não me encontrou, com isto tudo ele desconfiava que algo se estava a passar – não tens que dar satisfação da tua vida, dizias que era para uma amiga, mas conseguiste tudo, preciso de chifrar, dá aí, ela entregou-lhe um pequeno pacotinho, ele foi para a casa de banho, ela foi para a pequena cozinha preparar o almoço – ele gritou do quarto, então não trouxeste agulhas – não, aqui em casa não quero ninguém a injectar-se já disse que ando a querer limpar-me, fuma – merda para isto – aguenta-te que é bom para ti e se queres continuar a vir cá a casa, o almoço era frango com batatas fritas, pão, também trouxe duas garrafas de vinho, deixou tudo em cima da mesa, foi ter com Leonel, ele já estava a fumar cocaína – ela pediulhe uma passa, mas conteve-se o mais que pode, Leonel ofereceu mais, ela recusou, ao fim de uns minutos foram para o almoço. Leonel olhou para a comida, sorrio, deu uns murros no peito como os macacos, disse é banana isto é que vai ser vida, até temos vinho – vai ser vida, perguntou Matilde tens muito dinheiro

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não vou trabalhar – vais para despistar depois veremos – se o teu pai vai à policia podem vir cá a casa – não vai tenho a certeza, a minha mãe trata disso – coitada da senhora, podes lhe beijar os pés – mãe é para isso que serve – nem todas, a minha não o fazia; o frango está muito bom não está – já à muito que não tinha uma refeição tão saborosa e tão bem acompanhado – obrigada, acabaram de comer, José Leonel bebeu o ultimo copo da garrafa e disse, este vinho alentejano é muito bom e dá-nos força, vamos deitar um bocadinho – não estejas com espertezas que eu tenho que fazer e não sei se tenho animo para mais sexo, alem disso tenho que me preparar para ir ao serviço, não te esqueças que eu prometi ao Caifaz que levava dinheiro teu – ainda é cedo eu quero o teu corpinho junto ao meu – vai, vou arrumar isto já vou ter contigo – assim está bem. Zito tenho que me preparar para ir embora, tenho que tomar outro banho, estou toda transpirada – a tua transpiração é boa apetecia-me lambe-la toda desse corpinho bonito e bem feito, estes teus pelinhos parecem de seda, passou-lhe as mãos por entre as pernas – deixa-te de coisas diz me o que vou fazer e como vou fazer – vais trabalhar, levas uma quantia ao Caifás, eu fico aqui, o meu pai deve andar por aí a rondar se ele aparecer lá no Jumbo Claro aguenta-te bem e diz que não me viste – estou com medo do que se vai passar – não se vai passar nada vai ficar tudo nos trinques – assim seja.

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Já passava das nove quando Matilde se preparou, José Leonel estava no sofá na sala, ela dirigiu-se a ele, dá-me a guita para o Caifaz, Zito tirou uma quantia do bolso entregou-lhe, diz-lhe que para a semana arranjo mais, agora sai com cuidado – não abras aporta a ninguém, beijaram-se, ela saío. Amâncio ficou farto de esperar, nada acontecia, tinha que ir à empresa, ia falar com Almeida, pedir-lhe que ele viesse com ele ali por volta das nove horas, hora em que Matilde saía de casa, ali era perigoso vir sozinho, ali só quem era conhecido e mesmo assim por vezes havia problemas. Foi para a empresa, estava a chegar a hora de fechar, queria encontrar o Almeida para lhe pedir para vir com ele, estacionou o carro na oficina, deu uma pequena volta, cumprimentou alguns dos operários, foi para o escritório onde estava o Sr. Almeida, entrou cumprimentou o pessoal do escritório e chamou Almeida para vir ao seu gabinete. Depois de ter preparado o trabalho que estava a fazer, Almeida entrou no escritório, com uma pasta na mão, serviços do dia que ia para apresentar, mas Amâncio disse logo, hoje não Almeida, amanhã, Almeida, precisava de um favor, queria que viesse comigo hoje à noite para ver se descubro o meu filho, veja que roubou o dinheiro que eu tinha para comprar o carro, numa altura em que estou com dificuldades, ainda me acontece mais esta – eu vou, ligo para casa a avisar, não há

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problemas – então vá tratar do fecho da oficina e escritório, depois vamos comer alguma coisa – ok Entraram num restaurante que havia perto das instalações, enquanto iam comendo Amâncio ia contando o que aconteceu e agora iam à zona do Intendente, ver se o conseguiam encontrar ou uma namoradinha que ele lá tinha, gente da laia dele, essa zona não é de confiança, mas vai tudo correr bem, disse Almeida – claro que vai eu vou protegido, Almeida não era muito adepto das protecções que Amâncio se estava a referir, mas para onde iam ficou mais à vontade, sempre era um pequeno revólver. Acabaram de comer, Amâncio pagou, foram à garagem buscar o carro e seguiram em direcção ao Intendente. Amâncio levou um carro que tinha para venda para não ser conhecido. Estacionaram numa rua entre o Intendente e a Mouraria, aguardaram, era a rua que Matilde seguia quando ia para o Jumbo Claro, já do conhecimento de Amâncio, pois já tinha feito outras esperas ao filho noutras ocasiões. Vamos esperar aqui, estou convencido que ele vai vir com ela, disse Amâncio – virá? Perguntou Almeida, ele é esperto – vem com certeza, se não vier eu sei mais ao menos onde é, vou lá a casa ver. A rua começava a ter o movimento nocturno, já passava das nove horas, apareciam algumas prostitutas, os proxenetas e alguns clientes, vem aí, disse Amâncio passado pouco passou uma boa e bela loira junto ao carro, com

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alguma pressa, é lá mas isto não é uma mulher, é um carro de combate, disse a sorrir Almeida, o seu filho tem bom gosto, parece uma vedeta de cinema – tem bons e maus gostos esse patife falou Amâncio, ela vem só, mas eu vou lá a casa ver. Deixou passar quinze minutos, disse para Almeida, vou ver se o encontro, se passar meia hora não estiver aqui chame a polícia, estou no primeiro andar, na uma, duas, três, quarta porta. Amâncio saío do carro entrou na rua, era mesmo na quarta porta, já lá tinha ido à procura do filho, conheceu a entrada, empurrou a porta que dava para a rua, subiu ao primeiro andar esquerdo, bateu, esperou, tornou bater, esperou, mais outras vezes, nunca a porta se abriu, esperou uns quinze minutos, muito quieto escutando se havia barulho dentro da casa, não ouviu nem ressonar. José Leonel, assim que Matilde saio, bebeu o resto da garrafa do vinho, deitou-se e adormeceu, não ouviu o pai a bater. Quando Amâncio chegou junto do carro já Almeida tinha companhia feminina, uma mulata assanhada que o convidava com todo o carinho, vem tenho uns lábios que fazem suspirar um santo, um bum bum que – cala-te desaparece daqui, berrou Amâncio – é bruto eu não te quero o homem, se queres também chego para ti, entrou no carro e arrancaram. Já no caminho, Amâncio disse não estava ninguém em casa, o José, era assim que ele tratava o filho, não veio ter com ela, tinha dinheiro, andou a drogar-se, mas vai ter com ela ao Jumbo Claro,

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isso tenho a certeza, Almeida, pode ir comigo por favor? Posso, não ficamos até tarde – não no máximo até à uma hora da manhã, ele chega até a essa hora. O Jumbo Claro, ficava numa rua perto do largo Marquês de Pombal, dirigiram-se para lá, procuraram lugar para estacionar, ficaram dentro do carro, a ver o movimento de entradas para o Jumbo que já era bem grande aquela hora. O Jumbo Claro é uma casa de alterno especial, bem frequentada, por uma classe média de vários tipos de homens, Tinha raparigas fixas muito bonitas e outras de rotação das várias casas do género de Lisboa, sempre das melhores. Eram onze horas e trinta minutos, resolveram entrar, Amâncio uma vez por outra frequentava a casa, por isso entrou sem objecções, pediu que lhe arranjassem uma mesa mais ao fundo na parte alta. A sala era sobre comprida, do lado direito o balcão, do lado esquerdo e ao fundo era um pouco mais alta, quase a chegar a chegar a essa parte alta era a pista de dança, onde a dança era quase fazer amor de pé, que servia para algumas das mulheres convidarem os homens para irem acabar o serviço em quartos que tinham alugado ali perto. Sentaram-se de frente para a sala, para a pista de dança e porta de entrada, para puderem ver se entrava José Leonel, Amâncio pediu whisky com água e gelo, Almeida cerveja, enquanto saboreava um golo fresco, perguntou a Amâncio, será que o Leonel virá? Vem, tem dinheiro, gosta

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dessa rapariga, mais minuto menos minuto, mais hora menos hora, está aí, olhe Almeida ela está lá à entrada junto ao balcão, Deus queira que ela não me veja, tenho que oferecer uma bebida a uma rapariga para se sentar à nossa frente para não sermos vistos, mal acabou a frase estava uma a pedir se podia sentar-se. Sim, sim, senta-te o que queres beber, uma taça – uma taça perguntou Amâncio, porque não bebes cerveja ou whisky – é o mesmo preço na taça ganho algum – pede a taça, estás aqui ao serviço há muito tempo – há uns meses – conheces aquela lá do fundo que está junto ao balcão – a Matilde, conheço é boa rapariga, afeiçoou-se a gajo que só lhe tem dado problemas, mas a nossa vida aqui é assim, às vezes temos homens que nos davam tudo para que andasse-mos com eles, rejeitamos, vem outros que só nos dão chatices e fazemos tudo por eles – se calhar dá-lhe dinheiro – não dá nada, só problemas, o pai dele tem dinheiro, tem uma oficina e stand de automóveis, ele mete-se na droga pesada, quase que a metia também – ela não se droga também? – Não só drogas leves, a gente aqui não se podemos meter nisso, se souberem não nos deixam entrar, aquela minha amiga pode vir para aqui – pode. Amâncio queria estar o mais encoberto possível para não ser visto, caso o filho entra-se, por isso autorizou que a rapariga chama-se a amiga, que era uma morena bonita, Amâncio mandou-a sentar em frente a ele, ela pediu uma taça, ele pediu mais um whisky, Almeida

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continuou com a mesma cerveja – beba mais uma – não me apetece agora Sr. Amâncio. Continuaram na conversa já tinha passado uma hora, de José Leonel nem sombras, Almeida falou nada até agora patrão – vamos aguentar mais um pouco, se não vier vamos embora, a morena sem perceber do que estavam a falar, perguntou querem ir dançar, vamos – não, não queremos – vamos, gostava de dançar consigo, Sr. Amâncio disse ele, vamos mais daqui a um pouco – ele pediu mais um whisky que era o quarto e uma cerveja para o Almeida que era a segunda. Passou mais meia hora, Leonel não aparecia, Almeida estava a ficar impaciente, não estava acostumado a chegar tarde a casa, ainda que tenha avisado a esposa. É melhor irmos embora patrão – não vão sem eu dançar com o Amâncio disse a morena. Amâncio que queria prolongar mais um pouco, para ver se aparecia o filho, acedeu e foi dançar, Almeida ficou na conversa com a outra rapariga, era um slow, musica de constituir família, a morena agarrou-se bem ao Amâncio, tentava aquece-lo sexualmente o mais possível, para depois o convidar para ir para o quarto, queria fazer o dinheiro da noite, a vida estava má e os clientes eram poucos, beijava-o no pescoço aconchegava-se muito a ele, apertava-o e gritava baixinho ai Amâncio, ai Amâncio, ele respondeu, amâncio você que eu já não faço nada dele, ejaculou nas calças, ela sentiu a humidade e pouco zangada disse-lhe, isso não era para fazer aqui mas no meu

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quarto, Amâncio pediu desculpa, por o acontecido mas era porque já estava com uns copos, quis dar algum dinheiro mas ela não aceitou, foram sentarse. Almeida conversou com a outra rapariga, de coisas banais, deu a entender que estavam ali para tratar de um assunto, que não queria nada com ela, apesar de ela ser muito bonita. Amâncio chegou com a morena. Patrão vamos embora, são duas horas da manhã o rapaz já não vem, mas estão à espera de um rapaz, perguntou a morena, estamos à espera do que anda com aquela ali, que está a falar com o chefe – a Matilde mas ele já não vem aqui há tempo, respondeu a morena – agora vem tem dinheiro que me roubou – ele não lhe dava grande dinheiro, ela algumas vezes é que lhe dava, retorquiu a outra, mas conhecem-no – infelizmente disse Amâncio - patrão vamos embora se não veio, já não vem – tens razão, vamos embora, pediu a conta, pagou mais duas taças às raparigas e disse, é por conta do que aconteceu. Amâncio quando passou junto a Matilde, disse-lhe junto ao ouvido, quando o rapaz aparecer diz -lhe que tem que me prestar contas, Matilde encolheu-se assustada, que rapaz? – Tu sabes, é melhor dizer-lhe que vá ter comigo o mais rápido possível – não sei que rapaz, Amâncio não lhe respondeu e saíram. O que aconteceu, perguntou a amiga da morena – nada estava a prepara-lo para o quarto não se aguentou e foi leite derramado – tu és

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quente demais, vamos falar com a Matilde, levantaram-se, chegaram junto de Matilde e contaram-lhe o sucedido, ela disse que ele era o pai de Zito, que também falou com ela e que estava com medo, porque ele estava lá em casa, não sabia o que fazer, pediu-lhes para não dizerem nada a ninguém até ela resolver o que o caso. Cada uma foi tentar a sua sorte, a noite já ia a meio e tinham feito pouco dinheiro. Amâncio levou Almeida até ao carro dele, despediram-se, no outro dia se iam encontrar na empresa. Dona Conceição não conseguia dormir, não sabia o que estava a acontecer com o marido e o filho, se ele o tinha encontrado ou não, marido era boa pessoa mas de repente podia acontecer algo sério entre pai e filho, era que ela menos queria, estava num desespero total, olhava para o relógio, eram quase três horas da manhã e o marido não aparecia e se tivesse acontecido alguma coisa grave entre eles ou algum acidente, ela ali sem saber de nada, ergueu-se um pouco na cama pareceu-lhe ter ouvido abrir a porta do quintal, escutou com mais atenção ouviu fechar as portas do carro, mas não ouviu abrir a porta da garagem. Amâncio não meteu o carro na garagem, quando isso acontecia é porque, como se diz na gíria, (traz um grão na asa) escutou ele entrar em casa, passado um bocado subir as escadas para o quarto, encolheu-se como estivesse a dormir, já sabia que nestas ocasiões é melhor ficar quieta e

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calada, amanhã com calma falava com ele e sabia o que se tinha passado. Eram sete e trinta minutos da manhã a Sra. Conceição levantou-se e foi preparar o pequenoalmoço para o marido, tinham uma empregada que entrava às dez horas e saia às dezoito, a Sra. Conceição geralmente é que preparava o pequenoalmoço para eles e para os filhos, ouviu o marido levantar-se tomar banho, notou que estava a preparar-se para sair, ficou ansiosa porque não sabia como começar para saber o que aconteceu. Amâncio sentou-se à mesa como de costume, começou a comer, a mulher a medo perguntou, então encontraste-o? – Não, foi a sorte dele e minha – talvez ligue para aqui, falo com ele, aconselho-o a entregar-te o dinheiro, as coisas podem se compor – a esta hora já gastou uma boa parte do dinheiro, não acredito que ele pense em devolver algum, mas uma coisa te digo Conceição, aqui em casa não volta a pôr os pés, não o quero mais – não digas isso é teu filho, se acontecer alguma coisa vais desprezá-lo, não o ajudas - Não e não voltamos a falar nele aqui em casa, vou mandar mudar a fechadura do portão e da porta de entrada e ponto final. Naquela altura entrou Joana, bom dia pai, bom dia mãe, beijou-os, depois sentou-se para tomar o pequeno-almoço e ir para escola. Pai chegou a encontrar o mano? – Não e daqui em diante não se fala mais nessa pessoa cá em casa – pai, o mano precisa da sua ajuda para sair dessa, se nós não o ajudar-mos, quem o ajuda –

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mas ele não quere ajuda, quere é dinheiro e tu sabes para quê, até é bom que não venha cá para casa, por tua causa – pai eu sei me cuidar e tenho a esperança que ele ainda vai ser aquilo que era, custa-me viver sem o meu irmão – então filha vaite acostumando – vamos ver, agora tenho que ir (deu um beijo aos pais) até logo – eu também tenho que ir, levo-te e tu Conceição não penses em metelo cá dentro, até logo, se ele ligar diz-lhe, se ainda quer salvar a pele que entregue o dinheiro. Conceição não respondeu, compreendia a irritação do marido, mas era o filho e um filho tem sempre o perdão dos pais, o marido num caso extremo também lhe perdoaria e com ajuda de Joana que adorava o irmão e sofria com o que ele estava a passar, se Leonel voltá-se com vontade de se tratar, Amâncio não lhe negava auxílio, conhecia bem o marido para ter a certeza disso. Quando Matilde ia a sair do Jumbo Claro, Caifaz chamou-a e disse-lhe, diz ao teu querido que arranje o resto da massa rápido, eu não estou para brincar, posso mandar os meus amigos fazerlhe uma visita de cortesia, ou de cortar, nunca se sabe o que lhes passa pela cabeça – eu digo-lhe. Saío, meteu-se num táxi e foi para casa. Entrou em casa, a primeira pergunta de Zito – trazes algum pó para mim – não, trago é más noticias – como é que me vou aguentar até de manhã, se estou a entrar em ressaca, estou a ficar com dores – não sei, bebe a outra garrafa do vinho – já a bebi quase toda – então aguenta-te eu não vou levantar-me logo de manhã para ir buscar, ou

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então vais tu, o teu pai foi lá ao Jumbo ter comigo, esteve com as minhas amigas, a ver se entravas, depois veio ter comigo e disse-me se quiseres salvar a pele para entregares o dinheiro, o Caifaz, também quer o resto da massa, ameaçou que mandava os capangas ter contigo – logo levas mais um bocadinho, levantou-se e bebeu o resto do vinho, não sei se me vou aguentar até de manhã – se não te aguentares vais aí ao bairro, mas agora deixa-me dormir estou cansada – então e não fazemos um amorzinho – não tenho disposição para isso – podia ser que me ajuda-se a passar a ressaca – agarra-te à irmã da canhota – isso era um crime, com uma coisa tão boa aqui a meu lado – seja o que for, deixa-me dormir, Zito ainda tentou fazer sexo com Matilde, mas ela não estava na disposição, não havia nada para ninguém, adormeceu. Eram sete horas da manhã, zito estava a ficar em descontrole, levantou-se com muito cuidado vestiu-se de qualquer maneira, nem a cara lavou, abriu a porta, pegou na chave e saio, passou ao fundo do largo do Intendente, entrou na rua do Benformoso, há aí uns bares nocturnos que negoceiam tudo o que é relacionado com a noite, alguns nunca fecham, tinha quase a certeza que ia encontrar o que queria, embora fosse mais caro que o normal, mas não lhe interessava o que queria era mesmo o estupefaciente, estava a entrar em dificuldades, tinha que ser rápido. Entrou num bar pediu uma cerveja, a um canto a mesa estava um rapaz sentado, olhou para

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ele, piscou-lhe o olho, o rapaz acenou que sim, agarrou na cerveja, foi sentar-se com ele, perguntou-lhe qual era o preço, achou demasiado alto, mas tinha dinheiro e estava a precisar, pagou e saio, atravessou a rua da Palma, em direcção à rua que sobe para o hospital do Desterro, rua Nova do Desterro, há aí uma pequena palmeira, junto ao muro onde os viciados se juntam para se injectarem, foi isso que Leonel fez, não queria que Matilde soube-se que se ia injectar. Depois vagueou por ruas ali perto, era cedo para a gente da noite que era a sua conhecida já estarem fora de casa, decidiu ir a uma pastelaria comprar pão, manteiga e leite, foi para casa de Matilde, com algum cuidado, não fosse o pai estar por ali a ver se o via, não teve problemas, entrou em casa, aqueceu leite bebeu, comeu o pão com manteiga, espreitou para a cama, Matilde dormia profundamente, não quis acordá-la, sabia que o trabalho dela era duro, por vezes aturar homens embriagados, a cheirar mal, ter que dançar com eles e algumas vezes ir com para a cama, quando a oferta monetária era boa, porque precisava do dinheiro para sobreviver, sentou-se no sofá estava a ficar com boa disposição, mais tarde saía, adormeceu. Eram duas horas da tarde quando acordou, levantou-se despiu-se e enfiou-se na cama com Matilde, ela ainda estava um pouco ensonada mas deixou que ele se deita-se e encosta-se a ela, zito estava completamente nu Matilde encostou-se a ele e gostou, depois de cenas de abraços, lambidelas,

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chupões, seguiu-se umas cenas de sexo activo mesmo à maneira. Depois de quase duas horas de actividade sexual, entraram na real, Matilde disse, meu querido acabou a festa, tenho que me preparar, tenho que ir comer e tu tens que arranjar dinheiro para o Caifaz – vamos tomar banho, arrumamonos, dou-te algum para o Caifaz e vamos comer ao Pereirinha – então estás com muito dinheiro, o Caifaz quer o resto da massa – levas mais um pouco e diz-lhe que dentro de uma semana lhe dou o resto da guita – mas dás mesmo – palavra de escuteiro. Matilde sabia que não podia confiar vamos então para o banho, a casa de banho era pequena, de baixo do chuveiro encostados no polivam, correram a cortina não sabe o que aconteceu. Foram para o bairro de Alfama ao Pereirinha, jantaram, cozido à portuguesa, que é o prato especial da casa, beberam um bom vinho, café e digestivo, Matilde estava de boca aberta a olhar para Zito, não se conteve e disse-lhe desta vez deste uma boa palmada ao cota, Zito respondeu dá para viver uns tempos – então controla-te para não ficares pendurado e não te esqueças que ele anda à tua procura – está tudo sobe controlo, Zito pediu a conta, pagou, meteram-se num táxi, foram na direcção do Jumbo Claro, já no táxi ele deu uma quantia para entregar a Caifaz – não sei o que ele vai dizer de entregar só isto – diz-lhe que para a semana tem mais dinheiro, tenho que controlar o

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papel – quanto lhe deves – tenho que fazer as contas depois digo-te. Deixaram o táxi perto do Jumbo, Matilde perguntou, vais para casa? Vou dar uma pequena volta e depois sim, a chave está no sítio do costume, eu sei, shau até logo. Zito desceu a Av. da liberdade, ia pensando, que nem ele sabia quanto devia ao Caifaz, estava sempre a dar dinheiro, mas estava sempre a dever, também não tinha coragem de ir fazer contas com ele, havia os capangas e por mais que Zito lhe disse-se que já lhe tinha dado mais dinheiro que produto que consumiu, ele tinha sempre razão, sempre dizia que não estava tudo pago, aliás, é assim que vivem esses agiotas que fornecem drogas aos infelizes que lhes caiem nas mãos, nunca deixam de dever. Passou pela praça dos Restauradores, subiu no elevador da Glória, foi até ao bairro Alto, entrou no jardim São Pedro de Alcântara, esperava que passa-se algum conhecido das passas e da bebida, enquanto esperava, apreciava a linda paisagem iluminada de lisboeta à noite, a baixa, o largo dos Restauradores, o palácio Foz, a avenida da Liberdade com as suas árvores centenárias, mais em cima as igrejas de Santa Ana, da Graça, de S. Vicente de Fora e outras, miradouro Monte -Agudo e outros lá no alto com a sua imponência o Castelo S. Jorge, mais ao longe, via-se o Barreiro e o Montijo, o jardim era bonito porque tinha umas vistas maravilhosas, por isso estava muitas pessoas

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incluindo muitos estrangeiros a desfrutar da beleza de Lisboa à noite. Não apareceu ninguém conhecido, desceu a rua São Pedro de Alcântara, até ao largo Trindade Coelho, entrou na travessa da Queimada, passou em frente do café Luso já se cantava o fado, em frente havia um bar, entrou pediu uma cerveja, bebeu junto ao balcão, apareceu um amigo do chuto. Então por aqui meu, há tempo que não apareces – tenho andado por outras paragens, bebe uma bujeca - ok bebo, há aí um pessoal novo que precisas de conhecer, umas espanholas fixes – está bem pode ser hoje – devem estar por aí aparecer tens algum pó – arranja-se – vamos até ao bar do Forte, ou do Chino ou do Bairro, vamos andar por aí que já as encontra-mos. Leonel pagou e saíram, subiram até à rua da Rosa, voltaram à direita, tornaram a voltar, encostaram-se ao lado de um bar a fumar, o movimento já era grande na rua, o amigo do Leonel, disse vamos até à outra rua, quando se voltou, viu as amigas a subir a rua, aí vem elas vamos, foram ao encontro das raparigas, houve apresentações e beijinhos, este é o meu amigo Leonel, para os amigos é o Zito, estas são as minhas amigas de Espanha, estão a passar umas férias, são estudantes, estão a aprender a falar o português, Zito convidou para tomarem uma cerveja na discoteca. Há várias discotecas, mas eles vieram andando, conversando, ganhando intimidade, que chegaram à 24 de Julho, aí a coisa já estava

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animada, era só amor, o que as espanholas queriam era arranjar uns amigos com algum dinheiro, para passarem um bocado e beber uns copos, era o que iria acontecer, mas quem iria pagar era o Leonel, o amigo já lhe tinha dito, que não tinha guita. Entraram num bar, que já estava apinhado de gente jovem, os quatro pediram cerveja, bebiam e conversavam, abraçavam-se e beijavam-se, Zito perguntou de que parte de Espanha eram, disseram que eram raianas, de Ciudad Rodrigo, já conheciam Coimbra e Porto, resolveram conhecer Lisboa, pediram mais quatro cervejas e saíram a bebendo, resolveram ir a uma discoteca conhecida de Zito, este quando tinha dinheiro, quase sempre que a mãe lhe dava, ou se fazia algum serviço ao pai, era para a boa vida que lhe agradava fazer, então frequentava discotecas e outros antros, que acabaram por vicia-lo em bebida e não só. O homem da porta já o conhecia, sabia se ele estava ali, era porque tinha dinheiro, deixou-o entrar, sentaram-se, continuaram a beber cerveja, elas sumo de laranja, mas foram a casa de banho, lá tomaram um comprimido de extasy, beberam alguma água, decidiram ficar com eles, parecia que, para passar a noite estes rapazes eram fixes. Entretanto o amigo do Zito perguntou-lhe se arranjava um pouco de pó, porque estava a precisar, Zito disse que sim, quando elas viessem da casa de banho iam lá eles. Zito era assim, quando tinha dinheiro, todos estavam bem.

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As raparigas chegaram eles levantaram-se, nós já vimos, elas ficaram um pouco assustadas e perguntaram onde é que vão? À casa de banho fiquem calmas, que não vamos embora, ainda a noite é uma criança e vocês ainda tem que prestar contas, todos se riram, elas confiaram e podiam confiar, Zito ainda tinha dinheiro, foram à casa de banho, quando vieram, vinham com um sorriso mais aberto, sentaram-se Zito disse, agora vamos brindar à nossa amizade, pediram vodka as raparigas em principio não queriam, mas depois aceitaram, mas era só aquela, Zito pois é porque a massa não nasce no bolso, mais uma risada, o brinde, foram dançar, abraçar-se beijar-se e tudo mais que dava para fazer naquele lugar de amor e marmelada. O resto da noite muita teve história, pois foi tudo o que possam imaginar, entre quatro jovens que queriam amor e prazer, saíram da discoteca, foram a pé até à praça da ribeiro, estiveram lá no canto da rua até ás cinco da manhã, Zito e o colega tentaram ir para a pensão das raparigas mas elas não foram na conversa, Zito não via outra solução, era ir para casa da Matilde, apanhou um táxi foram até à praça da Figueira, deixou-os lá e seguiu para o Intendente, para casa de Matilde. Estava com sorte, Matilde ainda não tinha chegado, apanhou a chave, abriu a porta entrou foi directamente para o chuveiro, se Matilde apanha naquele estado estava o caldo entornado, até o podia por fora da casa, pendurou a roupa de fora à janela, guardou a roupa interior na maleta que tinha

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levado, no outro dia, quando a Matilde fosse trabalhar lavava-a. Já estava deitado, talvez há uma hora quando ouviu bater na porta o sinal combinado, levantou-se, foi abrir, perguntou a fazer ar zangado, parece que tiveste serviço – tu sabes o que faço, não tens que te zangar, tira-me de lá que fica tudo resolvido – vou tirar-te de lá um dia para seres só para minha – duvido, mas hoje não foi o que pensas, ouve serviço e o Caifaz esteve a dar-me cabo da cabeça por tua causa, quer o dinheiro que lhe deves muito rápido – não lhe disseste que para a semana levas – disse, ele é que não acredita – então amanhã pergunta-lhe quanto ainda lhe devo, depois veremos – mas se não lhe pagas não podes continuar aqui, ele manda cá os capangas e partemte o esqueleto – não há crise, sei defender-me, vem deitar-te – vou tomar um banho. Quando Matilde se deitou já Leonel dormia a bom dormir, deitou-se e adormeceu também. Acordaram eram três horas da tarde, nenhum deles estava com disposição sexual, tinham fome, muita fome, Leonel perguntou, não há nada que se coma – não respondeu Matilde – podias vestir qualquer coisa de repente ias comprar uma comidinha para nós – não me apetece nada, mas está bem eu vou, dá dinheiro, ele deu-lhe algum dinheiro, foi generoso Matilde agradeceu, saiu, chegou à rua com cuidado, não fosse o pai de Zito estar por ali, não viu nada de anormal, foi ao super mercado comprar comida e bebida e pensou, quanto menos gastar, com mais ficava.

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Matilde entrou em casa, pôs a comida em cima da pequena mesa, fizeram a refeição que serviu de almoço e jantar, deitaram-se em cima da cama, mas não passou disso, ela não estava com disposição, ele estava com o pensamento nas espanholas. Conversaram sobre o pagamento ao Caifaz, Leonel dizia que pouco lhe devia, mas ele era um ladrão, que se aproveitava de ele não controlar quanto lhe devia, para andar sempre a pedir dinheiro, Matilde dizia que era verdade mas ele é que tinha que se controlar, hoje à noite vou perguntar-lhe quanto lhe deves, mas tens que arranjar dinheiro para eu levar amanhã, ele respondeu sem grande convicção, está bem amanhã levas. Matilde preparou-se para sair, perguntoulhe, vais sair – talvez saia um bocadinho – então já sabes o esquema – ok até logo. Assim que Matilde saiu, Leonel vestiu-se e com o maior dos cuidados saiu também, deu a volta do costume até encontrar o fornecedor do pó, comprou pagou, olhou para o dinheiro, engelhou o nariz estava a desaparecer com velocidade, foi para o local do costume e se injectou. Foi andando a pé pela rua da Palma até ao largo Martin Moniz, atravessou para o largo São Domingos, que era onde tinha combinado encontrar-se com as espanholas, ainda não estava na hora, ia beber uma ginjinha, entretanto elas chegavam.

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Bebeu uma, duas, três ginjinhas das grandes, as raparigas chegaram, beijaram-se, ele ofereceu uma ginjinha e perguntou a rir-se, com elas ou sem elas, encolheram os ombros também se riram não compreendiam, que ele queria dizer, Leonel entrou dentro do estabelecimento centenário de Lisboa, foi buscar um copo de ginjinha com os frutos, apontou para dentro do copo, com isto ou sem isto, elas disseram com isto, entrou novamente e trouxe um copo para cada uma, beberam com calma e conversaram, beberam mais uma cada um, para fazer tempo, que aparecese o amigo do Leonel, o que não chegou acontecer, não apareceu. Para onde vamos? Para onde não vamos! Exclamou Leonel, já sei, vamos à feira popular comer uns caracóis e beber umas cervejas, dirigiram-se para o Rossio para apanhar o metro de Entrecampos que dava ligação à feira popular. Leonel foi comprar os ingressos de entrada. Entraram, elas olhavam, riam-se, queriam andar de tudo e ver tudo, conforme andavam nas várias ruas da feira, ora apontavam para os carros eléctricos, para a barraca dos fantasmas, para as casas de vários jogos, para o poço da morte para os churros e farturas iam dizendo, Zito, queremos isto, queremos daquilo e iam acariciando-o, ele, Zito resolveu acabar com as meiguices e os queres, disse vamos entrar neste restaurante e comer caracóis e começou a cantar, são caracóis são caracolitos, são espanhóis são espanholitos, assim canta a grande Amália.

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No restaurante, pediu caracóis, uma não gostava, queria sardinhas, acabaram por comer caracóis e sardinhas, veio sangria para beber, depois passaram pelas farturas, cada um comeu uma e mais um copo de sangria, foram andar nos carros eléctricos ora com uma ora com outra a cabeça estava a ficar pesada com estupefaciente, a bebida, as voltas nos carros, os beijinhos e abraços, a coisa estava a ficar feia, nem dava que o dinheiro estava a voar. Estava na hora de fechar a feira, resolveram ir embora, entraram num táxi, leve-nos à baixa, o taxista assim fez, quando iam a passar no largo Marquês de Pombal, Leonel tomou a pior decisão da semana. Mandou parar o táxi, pagou e saíram em direcção à avenida Duque de Loulé, depois virou a direito e foi entrar no Jumbo Claro, o porteiro (que nestas casa são sempre homens de grande porte e sem bons modos) quando o viu conheceu e disse para aguardar, retirou-se um bocadinho e comunicou ao Caifas quem estava ali e se entrava, Caifas pensou um pouco e disse que sim, pensou, se ele estava ali é porque tinha dinheiro, o porteiro mandou-o entrar, mas recomendou, tem juízo. Entrou com as duas raparigas, procurou uma mesa vaga, sentaram-se, estava a pedir whisky para os três, quando chegou um empregado que pediu a Leonel para o acompanhar, disse às raparigas com muita delicadeza que podiam dançar, divertir-se, enquanto esperavam.

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Leonel levantou-se, disse, aguentem que eu já venho, elas acenaram com a cabeça que sim, ele seguiu o empregado, que o levou ao escritório onde o esperava Caifas. Matilde assistia a todas estas cenas, furiosa, comentava para a amiga como é que aquele tipo tem descaramento de vir aqui com gajas, a saber que o Caifaz anda em cima dele por causa do dinheiro que lhe deve, ainda mais está a viver em minha casa, esse gajo não presta disse a outra, mas vai ter problemas com o chefe e comigo, vai sair lá de casa e partir de agora não o quero ver mais à minha frente, não tens coragem para isso. Nesse instante passou o empregado que levou Leonel ao escritório, chamou o porteiro e ficou ele a substitui-lo, Matilde ficou apavorada, aquilo queria dizer, que algo se ia passar. O porteiro entrou no escritório – diga chefe – este rapazinho diz que não tem dinheiro para pagar o que me deve a não ser isto que vês aqui, acreditas – eu digo que era melhor ele dar o que tem, que ser eu a ver – mas não tenho mais dinheiro, só vim saber quanto devia e daqui a dois dias trago – mas pensas que me enganas rapaz – não quero engana-lo, é verdade o que digo – tira a roupa toda – Leonel ficou pálido o suor começou a cair-lhe pela cara e mal balbuciou, para quê – tira rápido que temos mais que fazer, o porteiro aproximou-se dele, queres que seja eu a faze-lo? Depois tens que ir nu buscar outra roupa. Leonel começou a tirar a roupa tremia tanto que tinha que se agarrar à mesa, quando levantava

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a perna para tirar as calças e dizendo não sei para que é isto não tenho mais dinheiro – bico calado, vamos já ver se é verdade, ficou só com as cuecas, o porteiro começou a revistar toda a roupa não encontrava nada – deve ser as raparigas que tem o dinheiro – não, só as conheci hoje, são espanholas, fui com elas à feira popular dei uma volta e vim aqui para ficarem a conhecer – andas a agradar às meninas e eu sou a Santa Casa da Misericórdia, passou por Leonel, deu-lhe um bom soco nas costas, Leonel gemeu, mas ainda disse quero saber quanto lhe devo para lhe pagar – vai pagando que eu é que digo quando está pago, se não pagas vai pagar o teu pai – o meu pai nada tem a ver comigo sou maior, respondo por mim – estás muito valente, vê se aguentas, deu-lhe outro forte murro, que o atirou contra o porteiro, que por sua vez lhe deu um murro no estômago que atirou ao chão a contorcer-se com dores, o porteiro disse tira os sapatos – não posso estou cheio de dores – tira antes que leves mais, a muito custo tirou os sapatos – as meias também – para quê não tenho nada – tira, Leonel não se mexia, o porteiro baixou-se e puxou-lhe as meias, viu cair mais umas notas, apanhou-as e deu-as ao Caifaz. Então não tinhas mais massa, vês porque não confio em ti, são uma corja de malandros que querem andar a drogar-se à minha custa. Leonel pensou que não havia nada a fazer ficou liso sem dinheiro a custo ainda disse agora não lhe devo nada – deves, deves vou fazer as contas e depois digo-te quanto é resto, Zito pensou,

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ando toda a vida a pagar, estou sempre a dever – veste-te desaparece daqui, mas vai pensando como vais pagar o restante, chegou junto do porteiro, disse-lhe, dá-lhe umas boas palmadas e põe lá fora pela porta pequena. Assim que se acabou de vestir o porteiro deu-lhe umas bofetadas e uns murros, puxou-o para um corredor que Zito já conhecia, era por ali que era o negócio da droga, quando chegou à porta, ainda gritou se fizerem mal às minhas amigas, vou à embaixada da Espanha, ninguém vai fazer mal, respondeu o porteiro. O capanga do Caifaz, foi ter com ele e avisa-lo, que o assunto está resolvido, mas temos que ter cuidado com as raparigas, o rapaz falou que se acontecer alguma coisa, vai à embaixada da Espanha, isso é o que ele diz, é muita parra e pouca uva, de qualquer modo vai ter com elas com boas maneiras convida-as a sair. Foi o que o porteiro fez, dirigiu-se às espanholas, disse que o amigo teve que ir tratar de um assunto urgente, que possivelmente já não viria, mas se quisessem ficar, poderiam, elas disseram que não, agradeceram e saíram. Zito, corpo bem dorido, decidiu, não sair da li sem ter a certeza que as amigas estavam bem, sentou-se atrás de um carro estacionado, ficou a observar se elas saíam e pensava como sair daquela enrascada, Matilde mandava-o embora com toda a certeza, estava sem dinheiro, antes lhe tivesse entregado parte, assim pelo menos tinha para comer.

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Envolto nestes pensamentos, olhava para a porta do Jumbo Claro, acompanhando o movimento de pessoas, até que viu as raparigas saírem, respirou fundo, um peso voou de cima dele, apesar de ter bebido, consumir drogas era um rapaz consciente e de bom coração. Elas não sabiam para que lado ir, mas decidiram ir para a esquerda, Zito deixou que se afastem-se um pouco, levantou-se e com precaução, foi ter com elas. Quando se dirigia a elas, passou um táxi, as raparigas mandaram parar e entraram, Zito também parou e deixou-as seguir, era melhor assim, não viam o estado que ele estava e não tinha que inventar mentiras, amanhã era outro dia, podia ser que algo de bom acontece-se, voltou para o lado contrário, em direcção ao Campo Mártires da Pátria, rua de S. Lázaro, passou a rua da Palma, dirigiu-se para casa, com a soba que levou e a distancia que percorreu, arrastava-se penosamente, mas tinha que chegar primeiro que Matilde, quando ia a passar no Largo do Intendente, viu três jovens a chutarem, teve um arrepio, era o que precisava, mas não tinha dinheiro, nada podia fazer naquele momento, foi para casa, com isso no pensamento. Atravessou a rua, subiu as escadas, as chaves estavam no sítio que ele as deixou, abriu a porta, entrou, agarrou na pequena maleta que tinha levado, meteu dentro a pouca roupa que tinha, começou a procurar por todos os lados alguma coisa de valor que Matilde tivesse, sabia que tinha uns brincos de ouro e um relógio de pulso que a mãe lhe tinha oferecido numa data especial e só em

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datas especiais ela usava, tinha que os encontrar, um dia oferecia-lhe uns melhores, mexeu e remexeu por todos os cantos, até que atrás de uns livros velhos, encontrou uma caixa com o que queria e umas notas, meteu dentro da maleta, pegou numa esferográfica, escreveu num bocado de papel (amor, perdoa-me por o que estou a fazer, mas um dia te recompensarei por tudo, um beijo), saiu fechou a porta, deixou as chaves no local e andou o mais depressa que pôde. Quando passou pelos três jovens perguntou se tinham pó, apontaram para o outro lado da rua, lá estava um fulano encostado a um canto, dirigiuse a ele, mostrou-lhe o relógio o fulano examinou, disse que valia pouco, arranjou-lhe uma pequena dose e meio limão, Leonel ainda quis reclamar, que era um bom relógio dava para uma boa dose, mas o fulano disse se queres, queres, se não queres deixa ficar, essa dose está bem para não morreres, Leonel sabia que não valia a pena reclamar e subiu até ao largo em frente à Igreja dos Anjos, era onde podia injectar-se (estavam lá outros) e passar o resto da noite, foi o que fez. Procurou um banco de jardim deitou-se, meteu a maleta debaixo da cabeça e tentou dormir. Era Outono estava a começar o frio, quando acordou estava aparecer a luz do dia não tardava que aparece-se o bonito sol de Portugal, que os turistas tanto gostam e os portugueses adoram e apregoam, deitou-se mais um tempo no banco, enquanto lhe passava pela cabeça, como ia ser agora, sem onde ficar, só com dinheiro que tinha

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tirado à Matilde, que dava para umas refeições, os brincos eram de ouro e bom, mas só os trocava por duas doses, não lhe davam mais. Não devia ter feito o que fez, Matilde sempre amiga e apaixonada por ele, ainda se meteu na droga e quase se viciou induzida por mim, mas ainda bem que saiu, não sei o que acontece com as raparigas, começam por ter pena de nós e depois acabam por ficar agarradas a nós e a este maldito vicio, será que nunca me vou ver livre disto, já fiz uma tentativa falhei, meu pai e minha mãe tudo fizeram para que tivesse êxito, até a minha irmã tinha tanta esperança que eu conseguisse, quando estava quase a passar a fase difícil e a largar, deixei-me envolver novamente, não sei se consigo outra vez, nem sei se os meus pais me dão outra oportunidade, gasta-se muita massa. Matilde, quando viu o porteiro passar sozinho ficou em pânico, algo de mau se estava a passar, como conhecia bem aqueles dois, o porteiro e o Caifaz, logo pensou o pior, Zito, não andou bem em ir para ali com aquelas duas, mas não gostava que o maltratassem, tinha que saber o que aconteceu, era difícil chegar ao porteiro, Caifaz não queria que se aproximassem dele, só na hora de entrada e saída, andou a dar voltas e mais voltas, falou com clientes e colegas, até que, Caifaz foi ao escritório, rapidamente foi junto do porteiro perguntar o que se passou, ele friamente respondeu, pergunta ao chefe e virou-lhe as costas. Matilde foi ter com a amiga, contou-lhe o que se passava, amiga disse, houve bronca de certeza,

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Matilde falou à amiga que ia deixar passar algum tempo, depois dizia que estava mal disposta, ia embora, ver se descobria o que se passou. Matilde, sentou-se na mesa de uns amigos e frequentadores assíduos da casa, ouviu algumas anedotas mas os amigos notaram que ela não estava com alegria habitual, um perguntou, Matilde, O que é que se passa – nada estou mal disposta, mais um pouco e vou embora – se quiseres boleia eu também vou e levo-te, os outros, fizeram couro ououou…. Riram-se, Matilde disse hoje da maneira que estou não há nada para ninguém, aproveito, só vou falar com o chefe – então vai que eu aguardo – ok. Levantou-se, foi ter com Caifaz, tratou-o pelo nome Sr. António Sampaio estou mal disposta, posso ir embora – estás mal disposta, ou queres ir ver o menino – passa-se alguma coisa com o Leonel – não sei, mas se o encontrares, diz-lhe que desta vez foi assim para a outra é com mais molho, se sei que ele está em tua casa, vai ser mesmo lá, caso ele não arranje o resto do cacau, claro – mas quanto é que ele deve? – Ele sabe, é o que ele levou e os juros do capital – ele não está lá em minha casa, mas se o encontrar aviso – fazes bem, fazes bem, podes ir isto hoje está fraco. Foi ter com o amigo, vamos, despediram-se dos outros e saíram. Já no carro do amigo, este perguntou, o que é que tens, estás muito nervosa, passa-se alguma coisa? – Esse porteiro e o Caifaz penso que fizeram mal ao meu amigo, não tem escrúpulos alguns, é tudo à brutalidade.

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Continuaram conversando, o amigo tentou seduzila, ela delicadamente disse que não, estava muito deprimida, talvez noutra ocasião, chegarem ao Intendente, ela agradeceu, cada um seguiu o seu caminho. Entrou em casa, ligou a luz viu na mesa o papel que Zito tinha deixado, leu, olhou em volta, viu tudo mexido, estremeceu, foi ao lugar onde guardava os brincos, o relógio que a mãe lhe ofereceu e algum dinheiro, não estava lá nada, ficou sem forças nas pernas quase que caía, não, não pode ser verdade, este desgraçado roubou-me as únicas recordações da minha mãe, cabrão, se te apanho, mato-te, bateram-te, mal empregadas as que caíram no chão, atirou-se para cima da cama a chorar. Acabou por adormecer, quando acordou já era tarde, estava desolada, Leonel tinha levado as únicas coisas lindas da sua vida, que lhe lembrava a sua querida família, a mãe tinha morrido pouco depois de o pai as abandonar e Matilde ter sido expulsa da América, quando chegou a Portugal guardou aqueles dois objectos religiosamente, nem nas alturas de maior dificuldades, pensou em desfazer-se do relógio e dos brincos, agora veio aquele infeliz e levou-lhe tudo, foi ao frigorifico, viu que ele não tinha levado o queijo e fiambre que lá tinha, a fome não era muita, mas acabou por comer uma sandes, tomou um banho arranjou-se e saiu, ia vaguear um pouco podia ser que tivesse sorte de encontrar Leonel, embora tivesse quase a certeza, que ele já tinha vendido ou uma, ou as

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duas coisas, ia tentar, se não o encontra-se tinha que esquecer. Foi andando e procurando Leonel pela cidade, sempre em direcção ao Jumbo Claro, demorou hora e meia a chegar, mesmo assim ainda era cedo, já estava aberto, entrou, ia falar com a sua amiga assim que chegá-se, servia de conforto. Quem chegou a ela foi Caifaz – já por cá, não estás com bom aspecto, o teu querido, foi-se embora – não devia era ter aparecido, para fazer a trampa que fez valia mais ter morrido – então desta vez o caso é sério, eu sempre te disse que ele não prestava, diz o que te fez, sabes que tens aqui um amigo – com amigos assim não preciso de ter inimigos – fala pode ser que te ajude – não pode mas se pode-se era com segundas intenções, eu não estou interessada – sempre ouvi dizer uma mão lava a outra e as duas lavam a cara, era o que podias fazer. Matilde ia dizer, nunca, mas ele não ouviu porque o chamaram ao telefone. Matilde esperou que chegasse a amiga e alguns clientes, mais conscientes (que também havia) para desabafar a sua mágoa, foi mais uma noite igual a tantas outras. Eram duas horas da tarde, Leonel foi a um bar modesto, comeu duas sandes e bebeu uma cerveja, não sabia o que fazer, depois de sair do bar, andou ao acaso a procurar, coisa boa ou coisa má, gente boa ou má gente, pessoas como ele, tudo pode acontecer, de um modo geral acontece o mal. Andou umas duas horas sem rumo por várias ruas da cidade, mas sem saber como estava a

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entrar no parque Maier, parque dos teatros, das revistas à portuguesa e restaurantes, onde os actores no principio e fim das representações, jantavam ou ceavam, antes de ser toxicodependente, tinha assistido algumas representações com o pai e com a mãe, o pai gostava de frequentar o, restaurante, O Manel, servia bem, era benfiquista como ele e o pai, era frequentado por actores e realizadores em grande parte por benfiquistas, com alguns dos quais o pai se dava e até costumavam a ver os jogos transmitidos pela Tv. ´ Foi andando, passou em frente do restaurante espreitou lá para dentro, estavam algumas pessoas a jantar, mas o pai não estava, havia um parque de estacionamento em frente ao restaurante, com poucos carros atravessou o parque, foi até ao fundo, onde havia um restaurante abandonado, com algum cuidado circulou o restaurante, reparou num canto coberto, onde estavam umas caixas de papelão, se não aparece-se ninguém era um bom lugar para ficar, voltou para traz, com o pouco dinheiro que restava foi a um bar modesto, comprou mais duas sandes e uma cerveja, como estava escuro não foi preciso muito cuidado para ir para o canto do restaurante abandonado, sentou-se comeu as sandes, bebeu a cerveja, estendeu o papelão, ainda tinha meia dose de pó, tomou-a e deitou-se, ali não apanhava tanto frio e humidade, custou, mas adormeceu. Estava pegado no sono, quando alguém lhe deu com força pontapés nas costas, levantou-se, viu

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dois negros e um branco em frente dele, pediu desculpa de estar ali, pensava que não tinha ninguém, pois é, disse um dos negros, mas tem, agora tens que pagar o uso – mas não tenho guita nenhuma – devias pensar isso antes, agora é tarde, o que tens ali na maleta meu? – È roupa – abre, quero ver, (Leonel abriu a maleta, mostrou viram que não tinha nada que preste, fechou-a) continuamos mal, alguma coisa tens que dar, nem que seja o corpo – o corpo como - nós gostamos disto, (deulhe uma palmadinha no mataco) Leonel hesitou um pouco, depois disse, eu também gosto – arreia as calças. Fez o gesto que se ia baixar, apanhou a mala com rapidez deu com ela na cabeça do branco, com a surpresa o branco caiu, atirou-se contra o negro que já estava a despir as calças, que se desequilibrou e estava com dificuldade em as vestir. Leonel correu com toda força que tinha e começou a gritar por socorro, ainda estava o café central aberto, com pessoas que tinham saído da revista, que perguntavam o que tinha acontecido, são uns gajos que me querem roubar, foi direito à praça da Alegria, subiu a rua da Alegria, até ao Príncipe Real, aí sentou-se atrás de uma árvore com os olhos bem abertos para não ter surpresas, ainda tinha nos ouvidos, as palavras dos meliantes, vais pagar isto bem caro filho da puta. Leonel teve sorte na parte que escolheu para fugir, eles nunca pensaram, que ele fugisse para a parte mais íngreme, mais difícil, podia estar descansado,

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foram para o lado contrário, avenida da Liberdade, que era descer. O melhor que tinha a fazer, era ficar o máximo de tempo debaixo da arvore a descansar e depois procurar um lugar melhor e mais longe dali para acabar a noite, porque se o apanhassem, podia dizer adeus à vida e daqui em diante estar em Lisboa, era como estar a jogar na roleta Russa, tinha que pensar em algo que o tire daquele suplicio, agora nem roupa tinha, a maleta saltoulhe das mãos, quando deu com ela na cabeça do branco, com estes pensamentos acabou por adormecer, acordou eram umas seis da manhã, já andavam a limpar o lixo das ruas, levantou-se, com alguma dificuldade, a cama não era nada macia e também estava a ficar com ressaca, tinha que agir rápido. Dirigiu-se ao largo do Rato, subiu até ao centro das Amoreiras, aí perguntou as horas, disseram-lhe que já passava das seis e meia. Era muito cedo para ligar para casa, só podia ligar depois das nove, depois de o pai sair, sentou-se debaixo de uma das arcadas do centro, voltou a passar pelas brasas, ou seja adormeceu mais um pouco. Quando acordou foi com um segurança a dizer que não podia estar ali, pediu desculpa e perguntou as horas, são nove e quinze minutos, respondeu o segurança, obrigado, levantou-se e foi-se embora, estava na hora de ligar à mãe. Foi na direcção da rua Artilharia um, aí, havia uma cabine telefónica onde podia estar mais à vontade para ligar à mãe, essa rua também era

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frequentada pela prostituição, ninguém ligaria ao que estivesse a fazer, meteu a mão no bolso à procura de umas moedas para fazer a ligação telefónica, com as poucas moedas vinha um pacotinho pequenino, abriu com cuidado, que alegria, que satisfação, um novo alento para o dia, tinha um pouco de pó que tinha sobrado do dia anterior, da troca do relógio, começou a procurar em todas as algibeiras, quando encontro os brincos, mais contente ficou, tomou uma firme resolução, desta vez vou sair disto, custe o que custar, dirigiuse para cabine. Mãe – sim filho – vais-me ajudar, desta vez ou saio ou morro, não posso continuar nisto – mas já disseste isso outras vezes e não consegues, porque não vamos a um médico – o pai já não confia mais em mim, depois deste roubo que lhe fiz não tenho coragem de aparecer sem ser curado – o que queres que eu faça – primeiro vais ter que confiar em mim, ouvia a irmã a falar perto do telefone, perguntou a Joana ainda está em casa – está – então faz umas sandes para eu comer e manda por ela que eu vou buscar à entrada da escola, agora ouveme, vais telefonar ao primo Sancho que eu estou doente, vou para lá fazer uma cura – mas filho – escuta mãe eu corro perigo aqui em Lisboa, a única saída é ir lá para a aldeia, vais ao Dr. Neto, ou ao farmacêutico teu amigo e compras os mesmos medicamentos que eu tomei nesta ultima tentativa de cura – mas filho, são medicamentos caros eu não tenho esse dinheiro – tens que arranjar, se não o teu filho Leonel não vai ter ocasião para te contar

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mais nada – mas filho o que fizeste para estares com tanto medo – o que fiz foi pouco mas neste meio as coisa são mesmo assim, se não obedeces morres – como vais lá para a aldeia – telefonas para a CP a saber a que horas há comboio para o norte com ligação para a Guarda, depois vais lá compras o bilhete levas comida para eu comer até lá chegar e uma mala com roupa, eu vou ter contigo à estação quando tiveres tudo pronto – mas como vou resolver tudo isso sem o teu pai saber – não sei, o que sei é que tem que ser muito rápido, se não o Leonel vai para os Anjinhos – mas filho é impossível, eu não tenho solução para tudo isso – por favor mãe é a ultima ajuda que te peço, não me abandones agora mãe, ouviu a irmã junto do telefone a mandar-lhe um beijo, ele mandou outro, a mãe a dizer Joana, espera tens que levar uma coisa ao teu irmão - filho eu vou mandar o que pediste pela tua irmã e vou ver o que posso fazer – manda-me umas moedas para eu te ligar logo, um beijo mãe. A escola da irmã era perto do parque Eduardo Sétimo, uma travessa do Marquês da Fronteira, foi até lá e sentou-se num recanto de um prédio em frente da escola, meio escondido, a oficina do pai não era longe, poderia ocasionalmente passar por ali. Joana viu a mãe chorar, perguntou o que estava a acontecer, a mãe disse-lhe que o irmão estava a passar por algo de muito grave, nunca o tinha ouvido tão assustado, explicou-lhe o que ele queria, Joana disse – mãe se ele não quer dinheiro,

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