Animal de Sangue Frio

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Tom Dugar

BIO GRA FIA.

ANIMAL de

SANGUE FRIO Tom Dugar

Por razões profissionais ( actualmente o autor é Director Comercial numa empresa multinacional de TI), essa paixão foi sendo sucessivamente adiada. Aproveitando um período de férias, foi então pensado e escrito este romance - Animal de Sangue Frio - que será o primeiro de uma trilogia, que em breve estará completa.

ANIMAL de SANGUE FRIO

Tom Dugar é um pseudónimo de um escritor português. O gosto pela escrita e pela leitura foi sendo cultivado ao longo dos anos, tendo tido início no 2º Ciclo, quando os professores de Português o instigavam a escrever.

Edição de Autor 1.º Edição



Animal de Sangue Frio

Tom Dugar


TOM DUGAR

Ficha Técnica Título: Animal de Sangue Frio Autor: Tom Dugar Imagem de capa: Tom Dugar Edição: Tom Dugar ISBN: 978-989-96519-0-6 Depósito legal: 303268/09 Todos os Direitos Reservados Impressão: Agapex

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Capítulo 1

O grito agudo e pungente de uma sirene, rasgou o amanhecer. Mais um acidente — pensou Teresa, que se encontrava numa sonolência teimosa, no seu pequeno, mas arejado quarto. Apesar de já terem passado muitos anos desde que mudara para a sua nova casa, ainda não se tinha habituado ao constante frenesim de ambulâncias que circulavam na Avenida Drummond, as quais, aflitas, tentavam chegar o mais rapidamente possível ao seu destino: — o Hospital da Torre. Tinha demorado imenso tempo a encontrar a sua casa, e quando a viu pela primeira vez, apaixonou-se de imediato pela mesma. Nunca soube muito bem se teria sido pela sua luminosidade, por ser do tamanho certo, ou apenas pela localização, pois o facto de poder ir a pé para o local de trabalho, não poderia ser negligenciado. O importante é que, após um divórcio conturbado, que lhe retirou grande parte da sua tradicional alegria de viver, pareceu-lhe ter encontrado ali o seu porto seguro. Permitiu-se esticar languidamente uma perna comprida e bem torneada, e colocou-a fora do aconchego do fino edredão. Sentiu um ligeiro arrepio, quando o ar fresco lhe roçou pela mesma. Olhou para o relógio e confirmou o que já sentia. Estava na hora. Nunca havia necessitado de despertador para acordar, por muito cansada e fora de horas que se deitasse. Costumava brincar com as amigas na faculdade a esse respeito, referindo que lhe poderiam pagar, para que ela fizesse o papel de despertador personalizado. — Vamos a isto! — Disse para si mesma, levantando-se de um salto, orgulhosa do seu corpo musculado q.b., e ainda firme. Dirigiu-se á janela para verificar como estava o tempo: — Hum, mais um dia de calor — pensou. No roupeiro, seleccionou um conjunto de saia-casaco de corte moderno e um vestido, mas, em frente ao espelho, acabou por optar por vestir este último, que lhe salientava as suas formas. 3


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Bebeu um café rapidamente e saiu apressada para o trabalho, não porque corresse o risco de chegar atrasada, mas porque gostava muito do que fazia. Era enfermeira-chefe no vizinho Hospital da Torre, e o seu emprego e alguns colegas especiais, tinham sido o suporte imprescindível para não se ter deixado cair totalmente no fosso, com a dor e o desgosto da separação. — Ora viva pássaro madrugador — cumprimentou Tiago, continuando sem esperar resposta — Ainda bem que já chegaste, pois a mulher do Ricardo telefonou a dizer que ele está doente, a Manuela ainda não conseguiu pregar olho e já cá está há mais de 24 horas, eu estou mais para lá do que para cá por causa do raio dos exames, e ainda para cúmulo temos aí uns casos complicados... — Olá — respondeu Teresa sorridente, disposta a não se deixar abater pelo negativismo e cansaço do colega — Sem problema, vamos já tratar de aferir as prioridades — continuou ela. First things first eram as sábias palavras de um dos seus orientadores de estágio, as quais recordava, em várias situações. Foi para o seu cacifo, despiu o vestido e enfiou a bata exemplarmente branca e engomada, e dirigiu-se à Triagem para ver como estava o panorama. De facto está um caos — pensou, verificando que Tiago não tinha exagerado, antes pelo contrário. Estavam duas mães com crianças no colo, as quais choravam como se não houvesse amanhã, um idoso com uma tosse horrível e profunda, um bombeiro que acompanhava uma criança numa maca, que tinha uma fractura exposta na tíbia. Teresa viu também de relance Manuela com um ar extremamente cansado, já a roçar o desleixo. — Bom dia! O Tiago já me referiu que ainda não foste à cama, por isso, logo que termines o que estás a fazer, vai descansar por favor. — Oh Teresa, já sabes que não me sinto bem a abandonar as coisas a meio — protestou, embora com pouca veemência, Manuela. — Está decidido, eu vou telefonar à Direcção e ver se podem 4


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enviar alguém de outro serviço para nos ajudar, durante umas horas. Obrigada pelo esforço, mas é mesmo para fazer como te indiquei. Manuela conhecia bem a sua chefe para saber que a mesma tinha tanto de justa e de boa pessoa, como de profissional extremamente competente, por isso logo que pôde começou a tratar de sair. Quando olhou para trás, por cima do ombro, verificou que Teresa já tinha acalmado as mães das crianças, o idoso já estava a ser colocado num gabinete médico que estava desocupado, pois a sua tosse estava a criar algum desconforto aos outros utentes do apertado espaço, e estava agora a verificar com o maqueiro, o estado da pobre criança com a fractura, sem dúvida um dos casos mais urgentes da Triagem. Manuela, seguiu o seu caminho, não podendo deixar de admirar a capacidade de trabalho, esforço e dedicação da sua chefe. Teresa marcou um número que sabia de cor, no telefone colocado na parede; estava a chamar e foi atendido ao 2º toque — Era uma das únicas pessoas no Hospital, que como ela própria, chegava antes da hora. — Viva Dr. Rui, tudo bem? Precisava da sua ajuda. Isto na Triagem hoje está complicado, e dava-me mesmo jeito umas mãos suplementares. Aí umas quatro pessoas durante duas horas… Acha que consegue? — Bem, não somos meigas a pedir… duas pessoas durante três horas e não se fala mais nisso, ok? — Agradeço-lhe imenso Dr. Cá as esperamos ansiosamente! Dado que ali já nada mais podia adiantar, dirigiu-se á sala de Cuidados Intensivos, onde na maca, rodeado de médicos, enfermeiras e auxiliares, com toda uma parafernália de tubos, compressas ensanguentadas e vários instrumentos, jazia inerte um jovem, no qual as várias tentativas e manobras de reanimação, não estavam a surtir quaisquer efeitos visíveis, sendo disso testemunha a teimosa linha verde no monitor cardíaco. — Carregar a 200 Joules! — Afastem-se! Mais uma vez as pás do desfibrilhador foram encostadas ao peito do jovem, mais uma vez o seu corpo se arqueou num ângulo 5


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estranho, mais uma vez caiu de novo na maca, mais uma vez o horrível e irritante sinal sonoro constante: Píííííííí…. O ar de desânimo e a consternação estava patente em todos os rostos, quando se ouviu a voz do médico: — Não há mais nada que possamos fazer. Hora da morte 08:45H. Começou então, qual ritual macabro, a arrumação da sala, tapando com um lençol o corpo bastante maltratado e reunindo os equipamentos para serem desinfectados e esterilizados. O médico desalentado, retirou a máscara e preparou-se para sair. Quando viu Teresa, dirigiu-se-lhe de imediato. — Teresa, graças a Deus que chegou! Nem sequer foi ainda possível contactar a família. Este jovem entrou há pouco tempo, e segundo os bombeiros que o trouxeram, foi vítima de uma bala perdida durante um assalto. As autoridades já foram avisadas para nos ajudarem a identificar o jovem, pois não tinha qualquer identificação. Conto consigo, para logo que se saiba quem são os familiares, lhes comunicar esta tragédia. Afastou-se, deixando Teresa incapaz de articular uma palavra. Que raio de mundo este, em que um jovem na flor da idade, vê ceifada de forma tão trágica a vida, só por estar no local errado à hora errada — pensou. Entretanto, recordou-se da calamitosa situação que havia presenciado há alguns minutos na Triagem, e voltou lá. Quando entrou, verificou que o dono do gabinete que havia sido ocupado com o idoso paciente, tinha entretanto chegado ao mesmo. Quando sentiu Teresa a passar, levantou o olhar e dirigiu-se-lhe com maus modos: — Enfermeira Teresa, quando ocupar selvaticamente o meu gabinete, ao menos ponha cá dentro alguém para a minha especialidade, que como sabe é Urologia… — Dr. Meirelles, foi sem dúvida um caso isolado, e teve como finalidade garantir um melhor ambiente na lotada sala de espera. Vamos já encaminhar o paciente para um local mais apropriado. Obrigado e desculpe o incómodo. O médico ainda continuou com mais uma série de murmúrios inaudíveis, mostrando que efectivamente, tinha ficado desagradado 6


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com a situação O pobre do paciente, ouvindo ambos, assumiu um ar ainda mais desgraçado e triste, como para além de todo o sofrimento que a cavada tosse lhe transmitia, fosse ainda responsável por causar atritos entre dois colegas. — Desculpe — disse em voz sumida, logo sendo acometido de um dos seus terríveis ataques de tosse. — Não se preocupe com isso e garanto-lhe que vai ficar bom, não tarda — replicou Teresa. Na sala de espera, já estava tudo mais calmo, tendo sido enviados pela Direcção, a Sara e o Rodrigo, para ajudarem. Estes, apesar de jovens tinham muita paciência com os doentes e transmitiam uma sensação de tranquilidade e segurança. Sara estava com uma das mães, a mais nova, brincando já com o seu bebé, e Rodrigo, embora com uma postura mais distanciada, estava também a sossegar a outra pobre mãe, que estava a ficar doida, sem saber o que fazer à sua criança. Teresa sorriu, e tomou nota mentalmente que tinha de enviar uma nota de agradecimento, por mail, ao Rui, pois este tinha salvo a situação, embora também soubesse, que como elemento da Direcção, não era suposto que assim não fosse. Encaminhou uma das mães para o Dr. Correia de Melo, e a outra para o Dr. Gameiro, verificou que o paciente da fractura exposta já estava aos cuidados de Traumatologia I, e que o pobre idoso, era o próximo paciente do Dr. Raul. Olhou para o relógio, e verificou que, com tudo isto, já passava um pouco das 10:00 horas, altura em que habitualmente, decorria uma animada tertúlia na Cafetaria do 6ºpiso. Estava a preparar-se para ir até lá, pois precisava de desanuviar um pouco, quando ouviu uma voz de homem, forte, mas bem modulada, chamá-la: — Enfermeira Teresa Vidal, por favor. Virou-se e viu um homem na casa dos quarenta, atarracado, cabelo raro e prematuramente embranquecido, com pequenos olhos sagazes muito juntos, e feições arredondadas, com ar fatigado, mas bonacheirão. — Sim, em que posso ser útil? 7


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— O meu nome é Paulo Morais. Sou o agente responsável pela investigação do jovem baleado esta manhã. — Ah, sim. Uma verdadeira tragédia. Não resistiu aos ferimentos e faleceu há pouco mais de uma hora. Já se sabe alguma coisa a respeito da sua identidade? — Isso é que é mau… Relativamente à identidade, temos uma pista, deveremos ter resultados ainda antes do almoço. — O que aconteceu ao certo? Não tenho pormenores… — Como deverá calcular, enfermeira Teresa, não me poderei alongar muito em detalhes, mas o que se sabe é que o jovem estava a passar a pé, perto de um bar, por volta das 08:00 horas da manhã, e de repente as portas abrem violentamente de par em par e saem dois indivíduos correndo, com máscaras de ski, um empunhando uma caçadeira de canos serrados, e outro um revólver. Foram perseguidos de imediato por seguranças do bar e mais uma ou duas pessoas. Nesta confusão dispararam-se alguns tiros, sendo que as testemunhas, (poucas), garantem que um dos assaltantes, terá também sido ferido. Não se sabe ao certo a veracidade desta informação, assim como ainda não foi descoberta a arma do crime. O que lhe peço é que passe a palavra de que poderemos ter um dos envolvidos feridos, não vá ele aparecer por cá… — Esteja descansado, assim farei. Tome nota do meu telefone, caso tenha alguma informação ou questão. O agente tomou nota num pequeno caderno de capa preta das indicações, despediu-se entregando um dos seus cartões, e saiu. Teresa guardou o cartão no bolso da bata, e ficou uns momentos a ver o agente desaparecer através das portas de vidro da portaria, reparando no seu aspecto pouco cuidado, e no seu fato amarrotado. Lá fora, o calor começava a apertar. Mais um dia com temperaturas a rondar os 38 graus; um pouco elevado, considerando que Junho ainda estava no seu início.

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Capítulo 2 — Pá está a doer muito — gemia um rapaz com a voz entrecortada, alagado em suor. Estava estendido numa enxerga, num autêntico pardieiro, apenas a alguns quilómetros do Hospital. — Tem lá calma e continua a segurar a toalha — respondeu-lhe o outro, que, embora mais novo e assustado, tentava disfarçar o seu nervosismo e medo. Não conseguiu, no entanto, pois a sua voz saiu fraca e hesitante, como a de um assustado miúdo de 14 anos… idade que de facto tinha. — Bem te disse que era muita areia para nós, que aquela gente era má…mas não me deste atenção… — continuou, colocando um imundo pano húmido na testa do irmão, que estremeceu mais uma vez. — Temos de te conseguir levar a algum lado, para seres tratado… — És parvo puto, não vês que a bófia vai andar a fazer perguntas por aí… João mordeu o lábio inferior para não chorar, pois as duras mas reais palavras do irmão, fizeram-no cair abruptamente na realidade. E a realidade era dura. O pai tinha morrido há quatro anos, vítima de um acidente de trabalho, deixando três filhos menores e uma viúva jovem, com pouca predisposição para assumir uma família. Logo após o funeral, arranjou um namorado e mudou-se para casa dele, deixando os filhos entregues a si próprios. Vanessa, actualmente com dezanove anos, Vítor com dezassete e João com catorze, foram assim eleitos adultos à força, e aprenderam a sobreviver, de todas as formas possíveis. Ela, adoptou o nome de Susy e a sua ocupação principal desenvolvia-se principalmente em hotéis de luxo. Vítor e João estavam habituados a pequenos furtos e roubos de carteiras no metro, tendo conseguido sempre escapar às apertadas malhas da lei, e palmando apenas o necessário para comer, e ir vivendo. O apartamento degradado onde Vítor e João habitavam, estava 9


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alugado a uma velhota por duzentos e cinquenta euros por mês, e era o único contributo que provava que ainda tinham mãe. Susy ia lá muito raramente, apenas parando o tempo necessário para curar algum sinal visível, de um amante mais apaixonado. Sempre que lá passava, deixava dentro de uma velha e enferrujada lata de café, algum dinheiro para os irmãos. Apesar de mau, ia-se levando. O problema agudizou, quando no início do ano, Vítor sucumbiu à tentação da droga. A partir daí, o dinheiro nunca chegava, o risco começou a ser maior, para a recompensa também o ser, e começaram a meter-se com gente da pesada. Desde vidros de carro partidos para roubar gps e rádios, até assaltos por esticão, a diversidade dos métodos utilizados foi crescendo, bem como a violência associada a cada uma das operações. Num dos carros assaltados encontraram uma arma calibre 38 e a partir daí, o Vítor trazia-a sempre no cós das calças. Foi como se tivesse crescido dez anos… E embora a arma não tivesse munições, Vítor já a tinha exibido várias vezes, até para conseguir mais alguns gramas de produto, pelo mesmo preço. João tinha-lhe pedido, por várias vezes, que se livrasse daquele sinistro objecto, que o assustava. Como Vítor lhe respondesse sempre que não, João deixou de o acompanhar constantemente, limitando-se a fazer-lhe companhia apenas algumas vezes. Vítor, no entanto, sentia-se cada vez mais com três metros de altura… Uma vez, porém, tentou ameaçar um tipo com uma grande cicatriz e metade da orelha esquerda, mas este não esteve com meias medidas, e logo que o apanhou desprevenido, pregou-lhe um grande pontapé nas partes baixas. Quando Vítor voltou a si, estava na bagageira de um luxuoso todo terreno, ao lado de um gigante e ameaçador Rotweiller. Assustado, instintivamente levou a mão ao cós das calças, mas a sua companheira não estava lá. 10


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— Ó chavalo, procuras alguma coisa? Ria-se um enorme negro, com pinta de segurança. — Sabes que o uso de arma obriga a licença, e que a posse ilegítima da mesma é crime? — Perguntou, com voz suave, um sujeito parcialmente tapado pelo negro. Vítor não respondeu, mais preocupado com os olhares ameaçadores e rosnadelas, que o monstro sentado ao seu lado, lhe dirigia. — Diz-me lá o que devo fazer contigo. Levar-te às autoridades… entregar-te aos teus pais… o que achas? — Não tenho pais e se me leva preso, tenho um irmão que não se safa sozinho – respondeu atabalhoadamente o rapaz. — Faço o que quiser, mas deixe-me em paz – suplicou. — Olha querem lá ver o mariquinhas, ainda vamos passar um bom bocado — rosnou o negro. — Vá lá, calma — continuou com ar apaziguador o outro sujeito. Vítor ainda não tinha conseguido vê-lo claramente, mas exalava poder. Notava-se que era o chefe. — Passa para aqui, pois quero ver-te melhor – ordenou. Vítor notou que ainda estava dorido, e gemeu, quando tentou erguer a perna para ultrapassar o assento, mas lá se deixou cair, ficando agora ao lado do enorme negro. — Bem, tens pinta, tens tamanho… com algum treino podes vir a ser-me útil — referiu o chefe, lançando vários olhares para o negro, que acenou, aprovando a escolha. Vítor conseguiu agora ver todo o vulto do chefe, viu que estava bem vestido, com um bonito relógio e brilhantes abotoaduras, mas o que lhe prendeu a atenção foram as suas feições — eram grotescas, sem vida. Fixou melhor o olhar, e constatou que se tratava de uma máscara de borracha. Alguém não queria ser reconhecido, ou identificado — Pensou Vítor. — Útil para quê — perguntou a medo o rapaz. — Ora então, em vez de andares para aí aos caídos, a fazeres roubos miseráveis, trabalhas para mim. Eu mando-te recado do que deves fazer, quando e onde, e tu fazes, simples não é? — Perguntou com voz melíflua o chefe. 11


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— Tens a minha protecção e apoio, e acredita… é bem melhor do que aquilo que te aconteceu hoje — continuou, cruzando a perna com ar altivo. Vítor, acabrunhado e triste pensou durante um pouco e resolveu aceitar a proposta sem mais delongas. Queria sobretudo sair dali, ir embora, ter com o irmão. Durante uns meses, tudo tinha corrido bem. Tinha assaltado várias estações de serviço, ameaçando toda a gente com a sua arma, para a qual, entretanto, os seus novos amigos já lhe tinham arranjado as respectivas munições. Contavam-se ainda no seu curriculum dois assaltos a minimercados e a uma residência. O esquema estava a resultar bem, e o Chefe pagava-lhe uma comissão sobre o produto dos roubos, a qual, como é óbvio, Vítor não tinha qualquer possibilidade de controlar… No entanto, agora encontrava-se a lutar pela vida, com uma bala no peito e o aterrorizado irmão mais novo ao pé. — Dá-me água — pediu baixinho João levantou-se de um salto e limpando as lágrimas com as costas da mão, correu para o velho frigorífico retirando uma garrafa de plástico com água. Encheu um copo e apressou-se a ajoelhar de novo, ao pé do irmão. — Toma — disse, tentando ajudá-lo a soerguer-se. Quando Vítor a custo se levantou, apoiado no cotovelo, João reprimiu um grito de horror — a pequena cama, mesmo à ténue luz do fraco candeeiro, estava ensopada em sangue. Tomou então uma decisão: — Ia procurar ajuda, não queria ter de perder o irmão mais velho, como havia perdido o pai. — Tenho de ir buscar leite — mentiu — volto já. Vítor estava fraco demais para protestar, ou sequer responder. O jovem olhou por cima do ombro para ter a certeza de que o irmão não o estava a ver, dirigiu-se ao seu esconderijo secreto, e retirou duas notas de vinte euros. — Deve chegar — pensou. Saiu, e apressado dirigiu-se para a rua principal, a cerca de trezentos metros. 12


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— Táxi, táxi — gritou O primeiro passou sem lhe ligar qualquer importância, e embora livre não demonstrou a mínima intenção em parar. O segundo, no entanto, parou, e após ter ouvido a indicação do jovem rapaz, fez inversão de marcha e iniciou o seu percurso.

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Capítulo 3 Num moderno e sumptuoso escritório no 18º andar, de um emblemático edifício da Baixa, o discreto sinal sonoro e a indicação luminosa mostravam, que havia uma chamada não atendida, na linha particular. Um executivo alto, elegante, ostentando roupa feita á medida e um relógio de griffe dirigiu-se para o telefone. Marcou o número de cor. — Sim, que se passa — atirou sem perder tempo, pois apenas uma pessoa tinha acesso ao mesmo. — Um dos veículos que estava ao seu serviço esta manhã, sofreu um acidente, e foi rebocado… ao que parece terá ficado avariado. — Hum… qual dos veículos foi? — O mais moderno. — Ok, verifique as oficinas. — Infelizmente, não é tudo…um outro veículo, que circulava perto do acidente, foi também muito afectado…receio que… permanentemente. — Conseguimos os seus dados para o seguro? — Sim. — Pois bem, sabe o que tem a fazer. Contacte-me imediatamente após terminar. Pousou calmamente o telefone. Tinha orgulho em manter o sangue frio em todas as situações, mesmo quando lhe tinham acabado de transmitir uma mensagem codificada pela sua linha privada. E a mensagem era clara e perturbadora: o assalto ao bar tinha corrido mal, um dos assaltantes tinha ficado ferido, e um transeunte ocasional havia também sido atingido, ao que parecia, com gravidade. O assaltante ferido era sem dúvida o recruta recente. Recordava-se bem, da noite em que havia sido convidado a juntar-se à organização, apenas há alguns meses, e tinha boa opinião dele. Fora ordenado que fossem verificados os hospitais, e também que fosse feita uma visita, aos familiares do fortuito acidentado. 15


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Era um amante da perfeição, não se poderia dar ao luxo de ter pontas soltas. — Dr. Afonso — soou uma voz nasalada no intercomunicador — Já estão na Sala de Reuniões todos os elementos do Conselho de Administração, prontos para iniciar a reunião. — Sim, desço imediatamente — respondeu. Consultou o relógio, único, que lhe havia custado o equivalente a um automóvel de gama média. — Passei os últimos anos a esperar por estas bestas, que esperem hoje por mim — disse, com um ar duro, para os seus botões. Vestiu o casaco que lhe assentava como uma segunda pele, olhou de relance para um espelho enorme que cobria parte da apainelada parede do escritório, deu um jeito à dispendiosa gravata, e passou os dedos pelo farto cabelo negro, com ligeiros laivos embranquecidos nas têmporas. — Impecável — pensou. Saiu sorrindo, satisfeito consigo mesmo.

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Capítulo 4 Uma mulher trauteava baixinho uma conhecida melodia, enquanto arrumava a cozinha do seu pequeno mas simpático apartamento dos arredores, quando foi interrompida nas suas lides, pela estridente campainha do telefone. — Estou sim, boa tarde — atendeu de forma educada. — Boa tarde, gostaria de falar com a Sra. D. Amélia Pires. — Sou eu mesma, quem fala? — O meu nome é Carmo Soares e estou a contactar da TrendSoft. Gostava de saber se me pode ajudar. — Sim, com certeza — respondeu a mulher, reconhecendo de imediato o nome da empresa onde o seu filho trabalhava. — Passa-se alguma coisa — perguntou receosa. — Bem … provavelmente não é nada, mas como o Bruno nunca faltou, e mesmo quando está a prever chegar um pouco mais tarde, avisa antes… Se calhar tenho o número de telemóvel errado… — Está a dizer que o meu filho ainda não chegou? Ai meu Deus! — Respondeu aflita a pobre mulher. — Como referi, provavelmente não se passa nada de especial, teve que fazer alguma coisa e ficou sem bateria no telemóvel. Coisas que acontecem… Vai ver que não é nada de cuidado. Tenha calma — tentava tranquilizá-la a voz ao telefone, sentindo, no entanto, que não estava a conseguir obter o efeito desejado. — De qualquer modo, sugiro que me dê o número de telemóvel, não vá estar errado… A mulher pálida, tremendo, ditou-lhe o número com voz embargada, ansiosa por desligar, para tentar também encontrar de imediato, o filho. O número não dava sequer sinal de chamada, ia logo para as mensagens. Por descargo de consciência deixou uma mensagem na caixa de correio. Com um mau pressentimento, ligou de imediato para o 112. — Boa tarde. Qual é a emergência? — Queria comunicar o desaparecimento do meu filho. 17


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— Há quanto tempo está desaparecido? — Saiu de casa às sete e meia e devia ter chegado ao emprego por volta das oito horas, mas ainda não chegou. — Portanto, há cerca de 7 horas, correcto? — Sim, suponho que sim — respondeu a mulher, demasiado agastada para fazer cálculos mentais. — Aguarde em linha por favor, vamos transferir a chamada para a esquadra de polícia da área da sua residência. Não desligue… Passados breves instantes, de novo actividade na linha — Oficial de dia, em que posso ser útil? — Trata-se do meu filho… desapareceu esta manhã… — Dê-me os seus dados, por favor — solicitou o oficial suspirando. — Bruno Manuel Jesus Pires; 20 anos; alto, magro, cabelo curto castanho-escuro — Quando foi a última vez que o viu? — Hoje, quando saiu, por volta das sete e meia da manhã. — Faço-lhe sempre o pequeno-almoço — continuou soluçando. — Talvez uma namorada nova… repare que ainda é muito cedo para ficar em cuidados… — respondia-lhe o oficial — Já sei que ainda não passaram muitas horas, mas acreditem, conheço bem o meu filho e ele nunca faria uma coisa destas sem aviso — referiu a mulher, como que imaginando o ar enfadado do polícia. — Muito bem, vamos investigar e comunicaremos de imediato. Boa tarde. Desligou o telefone, com o coração apressado e as mãos com suores frios, temendo o pior. Angustiada e com um sentimento de impotência, deixou-se cair no sofá, com a cabeça entre as mãos, chorando baixinho. — Onde estás filho? — pensou, deixando agora as lágrimas soltarem-se livremente e correrem em catadupa, pelo rosto marcado pelo tempo.

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Capítulo 5 A máquina de pesos rangeu, quando um par de braços negros cheio de músculos, atacou de novo a armação metálica, elevando mais de 50Kg. Adorava treinar o seu corpo, e agora que ganhava para isso, tinhase permitido instalar um completo ginásio no seu apartamento, onde até estava incluída uma sauna, no terraço. Embora a pele escura estivesse repleta de gotas de suor, não estava a fazer tenções de parar, nem tão pouco de abrandar o intenso ritmo. Precisava de tentar descontrair, mas não estava a consegui-lo. Tinha transmitido ao Chefe uma má notícia, e, embora já estivesse à espera da reacção, a frieza e distanciamento dele, deixavam-no sempre perplexo. Mas as ordens tinham sido inequívocas. Levantou-se abandonando a cansada máquina, tomou um duche rápido, vestiu-se, e foi até um dos quartos, que tinha transformado num pequeno escritório. Em cima da secretária estava uma carteira, um telemóvel e uma mala, objectos que lhe tinham sido entregues, apenas duas horas após o assalto… Abriu a carteira, procurando uma morada nos documentos. Deteve-se breves instantes, mirando a fotografia do bilhete de identidade. Não tinha sido actualizada recentemente e apresentava um miúdo magro, com um sorriso forçado, aparentando cerca de catorze anos, com marcas de borbulhas e cabelo ligeiramente comprido. Virou o bilhete, e verificou pela data que tinha sido emitido há cinco anos. De seguida concentrou-se na data de nascimento: faria vinte e um anos em Agosto. — Parece-me que já não chegas lá — pensou. Segurava agora a carta de condução com a mão esquerda, apontando num pequeno bloco a morada aí constante. Verificou também o certificado de seguro, e constatou que a morada era a mesma da carta. 19


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Voltou ao bilhete de identidade e copiou os nomes do pai e da mãe, bem como o nome do próprio titular: Bruno Manuel Jesus Pires. Concentrou-se agora na mala mensageiro, que os jovens costumam usar a tiracolo. Encontrou uma série de papéis com uns gráficos, outros com umas barras e com uns nomes de pessoas, que ilustravam como estavam uns em relação aos outros. Numa das bolsas com fecho, encontrou um cartão magnético de acesso, em que constava o nome de uma empresa: TrendSoft. — Bingo — exclamou. Agora já tinha maneira de se aproximar e apalpar o terreno… Havia muitos trabalhos que fazia para o chefe que não o incomodavam, e às vezes até conseguia retirar algum prazer dos mesmos, como quando lhe era pedido para dar uns apertos ou partir uns ossos a algum mafioso ou drogado, que se tinha imiscuído no território do chefe. Não era nada que uns dias de molho e algum gesso não curassem, e tinha a certeza de que mereciam o castigo. Mas, neste caso, era diferente. Pelo menos, no que respeitava à família do rapaz que por grande azar, estava apenas a passar, quando os dois artistas fugiram e resolveram desatar aos tiros. No caso do puto ferido, bastava, quando o fosse visitar, colocar uma das suas manápulas na omoplata, e apertar com força durante um ou dois minutos, para que este fosse atacado por um súbito, mas persistente ataque de amnésia. O puto até nem era muito parvo, por isso perceberia rapidamente, que também teria muito a perder se começasse a abrir a boquinha… O outro, e a respectiva família, é que o preocupavam. Não encontrava justificação para a ordem do chefe. Não lhe era possível, no entanto, recusar a mesma ou fazer-se desentendido. O chefe era o seu dono! Há alguns anos, tinha estado envolvido numa rixa num bar, e a coisa tinha corrido mal. Tinha morto dois imbecis, e mandado para uma cadeira de rodas, o 20


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terceiro. E o pior, sabia-o bem, tinha sido ele a provocar a briga. A acusação estava a pedir a pena máxima e apresentava um caso muito sólido, com várias testemunhas credíveis, das quais um bombeiro condecorado, era certamente a principal. O chefe, que nessa altura ainda exercia, conseguiu através de jogadas bastante obscuras, levar o bombeiro a cair em algumas contradições. Mas, continuava a ser uma sólida testemunha, até á altura em que foi também descoberta uma relação, íntima, com uma senhora de reputação duvidosa… Como exemplar marido e pai de família que era, o bombeiro achou por bem, acentuar propositadamente as contradições que já tinha demonstrado e, com algumas hesitações encenadas, conseguiu transmitir dúvidas e insegurança ao Juiz. A leitura da sentença foi uma surpresa para todos, menos para o chefe: — Dois anos de pena suspensa! Quando o abraçou, murmurou apenas: vou precisar dos seus serviços… A partir daí, nunca parou e tomou providências para que ele fosse cada vez mais propriedade sua: - Filmou alguns dos incidentes e guardou as gravações em lugar seguro. Era definitivamente propriedade do Chefe! …

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Capítulo 6 A meio da tarde, num quarto de um hotel caro mas discreto, nos subúrbios, um casal estava deitado lado a lado, sem roupa nem pudor. Ela, ainda arfando, com o comprido cabelo escuro a colar do suor. Ele calmo e tranquilo, fumando um caro charuto. — Querido, hoje estiveste ainda mais fantástico do que o costume, se é possível! — É, tirando um pequeno pormenor, a minha vida está fantástica. — Foi hoje a votação para o cargo de CEO, e fui nomeado por unanimidade. Com 36 anos, sou o mais novo na história da companhia a ter este título — continuava vaidoso. — Tu mereces — disse baixinho a rapariga, enquanto acariciava o magro mas musculado peito do amante. — Também tive alguma sorte — respondeu-lhe o homem, exibindo uma falsa modéstia. Sabia perfeitamente que para esta sorte, tinha em muito contribuído o facto de ter casado com a filha do presidente da companhia. Mas, talvez o mais importante, apesar de tudo, fosse que nos últimos anos tinha partilhado a cama, com a digníssima e acima de qualquer suspeita … esposa do presidente. A pergunta dela, arrancou-o do torpor em que se encontrava. — Diz, não estava a ouvir. — Tinha-te perguntado qual é o pormenor… disseste que tirando um pormenor tudo estava bem — disse, sorrindo a rapariga. — Ah sim, isso… não te preocupes — respondeu-lhe o homem, virando-se e colocando cuidadosamente o charuto no cinzeiro. — Precisamos de manter os nossos segredos. Sem nomes, lembraste? — Continuou. Virou-se para ela, começando a acariciar-lhe os quadris com a ponta dos dedos. — Ainda temos tempo? — Perguntou com voz rouca. — Meu Deus, tu matas-me! — Exclamou ela sorrindo, preparandose para a 2ª dose. Estava agora sozinha na cama, ouvindo a água que caía em cascata 23


TOM DUGAR

do chuveiro no quarto de banho, onde o seu amante se expurgava dos pecados. — Com muitos clientes destes, depressa compro uma casinha para mim, e arranjo um espaço melhor para os meus irmãos — pensou. Depois, reviu mentalmente a sua agenda. — Óptimo, tenho tempo de lhes fazer uma visita hoje mesmo. A última vez que lá tinha ido, o pequeno João tinha-se queixado que o Vítor andava com gente da pior espécie. O problema é que Vítor já se achava adulto, e não ouvia conselhos de ninguém, muito menos da irmã que seguindo as pisadas da mãe, também os tinha abandonado. No entanto, ela acreditava no poder curativo de umas notas extra… — Vou ter de sair agora, o quarto está pago, podes ficar à tua vontade — gritou-lhe da porta o seu companheiro de ocasião. — Tudo bem, também já vou. Até breve querido. — Respondeu ela com a sua voz de profissional. Sentia-se cansada, e por isso decidiu ficar um pouco mais, no aconchego dos deliciosos lençóis de cetim. A vida não lhe tinha dado nada, e tudo o que tinha agora, havia sido arduamente conquistado com sangue, suor e lágrimas. Desde a morte do pai, as coisas tinham ainda piorado. Ainda o corpo não tinha esfriado, já a sua mãe tinha saído de casa, deixando três crianças indefesas, entregues a si próprias. Um, dia, cerca de duas semanas após a morte do pai, o irmão da mãe apareceu lá em casa. Todo falinhas mansas, muito simpático, a perguntar como se estavam a aguentar, onde estavam os irmãos, que se calhar iriam todos viver para casa dele… um monte de tretas… Vanessa, começou a chorar e o tio abriu os braços de par em par e abraçou-a com força. — Oh, meu Deus, como precisava de carinho — pensou enquanto sentia o calor do corpo do tio. Passados uns segundos recuou enojada, quando as mãos dele lhe desceram pelas costas, e lhe apertaram as nádegas com força. — Não! — suplicou — por favor não faça isso — disse chorando e debatendo-se o melhor que podia. — Quieta sua vaca — rosnava o tio, com respiração entrecortada, 24


ANIMAL DE SANGUE FRIO

pregando-lhe um enorme tabefe com as costas da mão. Tentou resistir o melhor que pôde, mas a rápida e violenta sequência de murros, bofetadas e pontapés venceu, acabando por desmaiar. Quando acordou, tinha um rasgão na sobrancelha, a boca toda ensanguentada, um fio de sangue coagulado que lhe saía da zona da saia e parava no joelho. Doía-lhe o corpo todo, mas a dor maior, no entanto, era a da alma. Enfiou-se a custo no chuveiro, só tendo saído debaixo do mesmo, muito tempo após as mãos se encontrarem totalmente engelhadas. E assim, havia passado de menina, a mulher. Agora, tomava um longo e repousante banho de imersão com sais, num imenso jacuzzi do quarto de hotel. — Tenho que voltar a estudar para poder ter uma vida melhor e libertar-me desta situação degradante! — exclamou, enquanto brincava com a fofa espuma. Deixou-se estar por mais uns minutos, de olhos fechados, a saborear estas pequenas mordomias, que pagava caro, com o corpo. Preparava-se entretanto para sair, e procurava uma das meias de seda preta debaixo dos móveis e da roupa da cama, quando viu uma pequena agenda electrónica. Tinha a certeza que era do seu cliente, pois recordava-se de o ter visto a utilizá-la algumas vezes. O problema é que ele era fanático pela sua privacidade, e nunca lhe havia fornecido qualquer contacto pessoal ou profissional. Os encontros eram sempre marcados por uma terceira pessoa, através de um número não identificado. — Tanto pior — pensou a rapariga — pode ser que ainda ganhe mais uns cobres, para lhe devolver este brinquedo. Guardou cuidadosamente o pequeno aparelho, terminou de se arranjar, e saiu com destino a casa, para mudar de roupa e ir ter com os irmãos.

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