Revista SescTV - Outubro de 2011

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OPY Imagens

Outubro/2011 - edição 55 sesctv.org.br

Coleções O som ritmado do samba de coco

Dança A nova coreografia de Ismael Ivo 1

Entrevista Ariane Mnouchkine e o Théâtre du Soleil


videobrasil na tv curadoria: solange farkas

Em outubro

Panoramas do Sul Ateliê Aberto Dia 03, às 22h

performances gravadas ao vivo no sesc belenzinho Dia 10, às 22h

Natureza e Cultura Dia 17, às 22h

Paisagens Políticas Dia 24, às 22h

Cartografias do Afeto Dia 31, às 22h

realização

sescTV.org.br sescsp.org.br/17festival


Encontro de culturas

A programação deste mês do SescTV destaca a série Coleções, que apresenta quatro episódios inéditos sobre diferentes aspectos do samba. Com origem que remete ao som dos tambores produzido pelos negros trazidos da África no período da escravidão, o samba tornou-se referência e símbolo de identidade brasileira; no entanto, adquire características distintas de acordo com a região, com a história e com a cultura local, e passa a ser cantado, tocado e dançado de diferentes maneiras. Nesse sentido, temos as manifestações do samba de roda, no Recôncavo Baiano; do samba de gafieira, dançado por casais nos salões de baile do Rio de Janeiro; e do samba de coco, em Pernambuco, cujo surgimento remete à construção das casas de taipa e do preparo do barro para fazer o chão pisado. São peculiaridades que mostram a complexidade e a riqueza do País e a criatividade de seu povo. Há sempre algo novo a ser descoberto e, ao se apropriar dessa premissa, têm-se ferramentas mais concretas para a compreensão do Brasil. São dimensões que, muitas vezes, extrapolam os limites geográficos, como prova o coreógrafo brasileiro Ismael Ivo, que vive há duas décadas na Europa, reinterpretando conceitos e movimentos vindos desse encontro de culturas. Seu espetáculo Babilônia – Il Terzo Paradiso é resultado de oficinas com bailarinos de diferentes origens que, no palco, “falam” a mesma língua e questionam os valores da sociedade contemporânea. Outra fusão – de culturas e de gerações – ocorreu em fevereiro no teatro do Sesc Pompeia, na capital paulista, em espetáculo do norte-americano Yussef Lateef, uma referência do jazz, que contou com cinco músicos convidados, dentre os quais dois brasileiros. O SescTV exibe os espetáculos inéditos neste mês. Também prossegue, às segundas-feiras, 22h, a programação Videobrasil na TV, um panorama da arte contemporânea do hemisfério Sul. A atração é parte do Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc Videobrasil e conta com curadoria de Solange Farkas. Em sintonia com esse encontro de culturas, a companhia Théâtre du Soleil e a diretora Ariane Mnouchkine realizam neste mês, no Sesc Belenzinho, o espetáculo Náufragos da Louca Esperança. Em programação paralela, o SescTV exibe uma entrevista realizada com a diretora em sua primeira passagem pelo País, em 2007; o documentário Un Soleil à Kaboul... Ou Plutôt Deux; e o espetáculo Le Dernier Caravinsérail (Odyssées), apresentado em duas partes. A Revista do SescTV deste mês traz entrevista com Ariane Mnouchkine. No artigo, a professora e jornalista Eliane Pereira reflete sobre a televisão que informa, mas não forma. Boa leitura!

Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo

destaques da programação 7 entrevista - Ariane Mnouchkine 8 artigo - Eliane Pereira 10

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Coleções

Foto: Divulgação/ Giros Produções

O som que vem dos pés

Em geral, o samba de coco tem um puxador, ou seja, um cantor que entoa versos curtos, que são repetidos pelo restante do grupo. Os pés têm a função de instrumentos de percussão e, para isso, os dançarinos usam tamancos com solado de madeira, feitos de modo artesanal pelo próprio grupo. “O primeiro tamanco foi confeccionado pelo Lula Calixto e tinha correia de jeans”, lembra o músico Assis Calixto. Além de apresentar-se, o grupo também realiza oficinas de samba de coco em escolas, contribuindo para que essa cultura se multiplique e se perpetue. O SescTV exibe, neste mês, episódio inédito da série Coleções sobre o samba de coco, dia 20/10, às 21h30. Também serão exibidos os programas: Samba de Gafieira, dia 06/10; Samba Enredo, dia 13/10; e Partido Alto, dia 27/10. A direção é de Belisario Franca.

Uma das versões que explicam a origem do samba de coco remete à construção das casas de taipa. Para preparar o chão batido, toda a vizinhança era convidada a fazer um coco, isto é, um ritual festivo com canto ritmado, dançado com pisadas firmes sobre o barro. A prática extrapolou os limites das casas e ganhou proporções culturais, especialmente em alguns municípios do Nordeste brasileiro. Como em Arcoverde (PE), distante 252 quilômetros da capital, e conhecida como a terra do samba de coco. Seus moradores contam que a tradição sempre existiu por lá, mas foi oficializada em 1992, por iniciativa de Lula Calixto, uma personalidade da cidade que defendia a cultura local e que vivia da venda de cocadas e bolos. Para chamar a atenção dos fregueses, ele costumava tocar o pífano ou cantar uma moda de coco. Certo dia, ele ouviu de uma cliente a sugestão de montar um grupo e apresentar-se. Assim surgiu o Samba de Coco Raízes de Arcoverde, atualmente com dez integrantes, que já soma três CDs e duas turnês pela Europa. O grupo é formado por integrantes de três famílias: os Calixto, os Gomes e os Lopes. ‘Não sei explicar o que acontece, porque os meninos já começam a dançar na barriga. Já nascem sapateando, cantando ou tocando. Acho que é um dom de Deus aqui na família, que vai passando de geração em geração”, explica Ítalo Silvério, um dos dançarinos do grupo. Dessa forma, os integrantes deram continuidade ao projeto mesmo após a morte de Lula Calixto. “A figura de Lula era importante para toda Arcoverde: ele estava por todo lugar, mostrando o seu trabalho. Foi uma pessoa que deixou muita saudade: todo mundo se lembra do nome dele”, afirma Damião Calixto, responsável pelo pandeiro.

Episódio inédito apresenta a tradição do samba de coco, surgida na construção das casas de taipa

Coleções Quintas, 21h30

Samba de Gafieira Dia 06/10

Samba Enredo Dia 13/1\0

Samba de Coco Dia 20/10

Partido Alto Dia 27/10

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Artes Visuais

Foto: Divulgação/Fernando lazio

Significados da memória

e desce, que exibem imagens do mar em movimento. Ou de Desnível (2007-2010), uma sequência de fotos do oceano, tiradas pelo artista com uma câmera Polaroid, alinhadas pelo horizonte, gerando uma nova paisagem. Em 33 Montanhas (2010, foto), o artista apropria-se de um tema autobiográfico, com um painel com 33 gravuras de montanhas, representando a idade que tinha no ano de sua realização. “Eu não vejo a memória hoje como o foco principal do meu trabalho, mas ela está lá. Existe sempre uma relação embutida, de alguma maneira, da memória com a paisagem e minha relação com o lugar, com o espaço”. O SescTV exibe episódio inédito da série Artes Visuais com Marcelo Moscheta no dia 19/10, às 21h30. Direção de Cacá Vicalvi.

Foram as histórias, e principalmente as imagens de familiares, que inspiraram os primeiros trabalhos de Marcelo Moscheta. Cartões postais de cidades na Itália – país onde nasceu seu avô – fascinaram esse paulista da cidade de São José do Rio Preto. Ao concluir seu mestrado pela Universidade de Campinas, escolheu um projeto em gravura, realizado a partir da reconstrução de lugares vistos nesses postais. A memória é tema recorrente de seus projetos, como um painel de desenhos e gravuras de mariposas, remetendo à experiência de infância que viveu com o pai, biólogo que realizava pesquisas com esses insetos. “Memórias são construídas. A gente cria a própria história em cima da história”, acredita Moscheta. Para ele, o ponto de partida para a realização de qualquer trabalho são os desenhos. Primeiro, faz um traçado. Em seguida, parte para pesquisas de imagens no computador. Sua obra surge muitas vezes no computador e só depois vem para a forma física. Assim, a partir de referências múltiplas, Moscheta cria algo inédito e peculiar. “A arte reconfigura o mundo de uma maneira muito particular. Estamos todos falando a mesma coisa, mas temos pontos de vista diferentes”, diz. Ao propor uma instalação, Moscheta convida o público para uma experiência singular, na tentativa de retirá-lo de um mundo racional e codificado. “Acho que, no fundo, quero trazer para o museu e para a galeria o tempo que a gente gastaria lá fora com uma viagem ou um passeio numa montanha, que é um tempo diferente, porque é o tempo da contemplação”. Não por acaso, a natureza é recurso presente em seus trabalhos, como é o caso de Maré (2009), uma instalação com três projetores em movimento de sobe

Marcelo Moscheta inspira-se em fotos, postais e histórias familiares para realizar seus trabalhos

Artes Visuais Quartas, 21h30

Rodrigo Matheus Dia 05/10

Manoel Veiga Dia 12/10

Marcelo Moscheta Dia 19/10

André Komatsu Dia 26/10

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Dança

Três passos do paraíso Espetáculo Babilônia - Il Terzo Paradiso. Foto Akiko Miyake

alcançar o entendimento e a descoberta de outras formas de entendimento”, afirma Ivo, responsável pela concepção, direção e iluminação do espetáculo. Potencializando a característica de encontro de culturas, os 25 bailarinos desse espetáculo têm diferentes nacionalidades. “Essa é a ideia de Babilônia: estilos diferentes, com pessoas de culturas e corpos diferentes, que tentam encontrar uma nova forma de expressar-se. Babilônia é um pouco esse quadro aberto de fantasia, de uma tentativa da dança como um espelho da sociedade, um documento do indivíduo que traz a arte como seu veículo de expressão”, justifica. O SescTV exibe o espetáculo inédito Babilônia – Il Terzo Paradiso no dia 26/10, às 24h. Também neste mês serão apresentados: Todas as Tardes – Silvia Geraldi Cia. de Dança, dia 05/10; Ai, ai, ai – Marcelo Evelin, dia 12/10; e Desatino – Ballet da Cidade de Niterói, dia 19/10. A direção é de Antônio Carlos Rebesco “Pipoca”. O encontro de diferentes culturas sempre interessou ao dançarino e coreógrafo Ismael Ivo. Nascido em São Paulo, na década de 1980 ele mudou-se para a Europa, onde aprendeu e assimilou, em sua arte, diversos costumes e histórias que traduziu e explorou em movimentos do corpo. Há três anos, Ismael Ivo está à frente da Bienal de Veneza: Arsenale della Danza, um encontro com bailarinos do mundo todo, com objetivo de promover a troca entre técnicas e estilos. “Esse projeto tem a proposta de ser como um centro de aperfeiçoamento na área da dança. Não é uma escola, é mais uma espécie de mestrado, dedicado a artistas jovens emergentes”, explica Ivo. “O artista é oriundo de diversas áreas e estilos da dança e precisa ter um conhecimento corporal num certo nível. A partir daí, existe um período de contaminação artística, ou de amadurecimento artístico”. Dessa experiência surgiu a trilogia de espetáculos que abordam alguns valores da sociedade contemporânea: The waste land, sobre a questão ambiental; Oxygen, que trata dos aspectos da capacidade de sobrevivência do ser humano; e Babilônia – Il Terzo Paradiso (ou O Terceiro Paraíso), em que se questionam a sociedade de consumo e o abandono de valores como o convívio e o compartilhamento. “Babilônia é uma caixa branca, onde não existe um cenário, mas um corpo, e existem outros corpos que habitam o mesmo espaço físico. Há um diálogo que pode ser uma confrontação, que pode gerar uma discussão oral, uma violência para

Babilônia – Il Terzo Paradiso, concebido por Ismael Ivo, encerra trilogia sobre os valores da sociedade contemporânea

Dança Contemporânea Quartas, às 24h

Todas as Tardes – Silvia Geraldi Cia. de Dança Dia 05/10

Ai, ai, ai – Marcelo Evelin Dia 12/10

Desatino – Ballet da Cidade de Niterói Dia 19/10

Babilônia – Il Terzo Paradiso Dia 26/10

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musical

Foto: Divulgação/Camila Miranda

Lenda viva do jazz

muito impressionado com a profundidade com que ele aborda a música e a vida. É uma espiritualidade muito aguçada, que transpira em tudo o que ele faz e em tudo o que ele toca”, afirma Rohrer. “Talvez em função da sua idade, ele está mais perto do céu do que nós. E quando você está perto do céu, você fala com os anjos, e começa, então, a ver e ouvir coisas de forma diferente”, completa Mazurek. No espetáculo, Lateef mostra suas habilidades ao piano, sax, flauta e nos improvisos com a voz. “Acho que a voz é o primeiro instrumento orgânico que eu conheço. Então, acredito que se deva dar uma chance para que seja ouvida. Por isso, tento utilizar o que a Providência me deu”, afirma Lateef, que traz um repertório contemplativo, cheio de experimentações. “Essa música, eu posso dizer, é proléptica. Estive trabalhando na direção deste tipo de apresentação por muito tempo. Não é nada comum, levou muito tempo, esforço... suor e lágrimas para chegar até aqui”, diz. O SescTV exibe o musical inédito com Yusef Lateef no dia 12/10, às 22h. Direção de Camila Miranda.

Uma relação quase transcendental com a música. É dessa forma que os músicos que já trabalharam com Yusef Lateef resumem a relação dele com a arte. Nascido William Emanuel Huddleston, no Tennessee (Estados Unidos), Lateef começou a tocar aos 18 anos de idade. Hoje, aos 90, ele tornou-se uma referência para músicos de várias gerações, reconhecido como um dos principais nomes do jazz ainda vivos. Em 2010, recebeu do National Endowment for the Arts (o Fundo Nacional de Cultura dos Estados Unidos) o título de American Jazz Master. Saxofonista e flautista, Lateef inovou o jazz ao misturalo com a música oriental, produzindo sons originais com instrumentos como a flauta de bambu e o koto, não convencionais nesse estilo. O artista é apontado como um dos pioneiros do que hoje se conhece por world music. Ao longo de sua carreira, dividiu os palcos com ícones como Charlie Mingus, James Moody, Dizzy Gillespie e Miles Davis. Também integrou o quinteto do saxofonista Cannonball Adderley. Em fevereiro deste ano, Lateef esteve no Brasil pela primeira vez, em espetáculo no Sesc Pompeia, na capital paulista. Apresentou um repertório que, em busca de um som mais criativo e original – segundo sua própria definição –, deixou de fora grandes sucessos. Para acompanhá-lo, convidou os músicos Rob Mazurek (trompete), Jason Adasiewicz (vibrafone), William Parker (baixo), e os brasileiros Thomas Rohrer (rabeca) e Maurício Takara (percussão). “Eu fiquei

Espetáculo inédito mostra a originalidade do norte-americano Yusef Lateef, que veio ao Brasil pela primeira vez aos 90 anos de idade

Musical Dia 12/10, às 22h

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entrevista

Foto: Isabel D’Elia

Um país chamado Teatro

Esta é a segunda vez que a senhora vem ao Brasil com sua companhia. Qual sua expectativa para esta turnê? A expectativa é igualmente alegre e maravilhosa, como da primeira vez. Nós estamos muito felizes, evidentemente, porque a impressão é a de que estamos sendo recebidos por amigos. Temos boas lembranças de São Paulo, tivemos uma boa receptividade do público.

Ariane Mnouchkine é considerada uma das mais importantes diretoras de teatro em atividade no mundo. Ela fundou a lendária companhia Théâtre du Soleil, na ativa desde 1964, com sede em Paris (França). Surgida no contexto dos movimentos contestadores da década de 1960, sua companhia tem forte conexão com a liberdade, partindo em busca de uma linguagem inovadora. O processo de criação do grupo é coletivo, isto é,

A nova montagem do Théâtre du Soleil, Os Náufragos da Louca Esperança, é baseada no romance póstumo Les naufragés du Jonathan, de Júlio Verne. Como foi o processo de criação desse espetáculo? O processo foi duplo. A primeira parte concerne à própria história do romance. Os atores realizam um processo de mise en abîme [criação de uma narrativa dentro de outra narrativa] e improvisam a parte inventada da história.

com total envolvimento de atores, diretores e técnicos em todas as etapas de realização do espetáculo. Outra característica da companhia é seu engajamento social com as questões contemporâneas. O Théâtre du Soleil está no Brasil, neste mês, apresentando-se em São Paulo no Sesc Belenzinho, com a peça Os Náufragos da Louca Esperança. Esta é a segunda vez que o País recebe essa companhia, que em 2007 apresentou

O Théâtre du Soleil é reconhecido em todo o mundo pelo seu engajamento social e pela sua diversidade, com atores vindos de diferentes países. No que isso interfere no processo de criação e no resultado de suas obras? É difícil medir isso, porque não enxergo as pessoas que trabalham conosco como estrangeiros. Nós somos todos do mesmo país, que é o país chamado teatro. Num dado momento, não existem franceses, brasileiros, espanhóis. É verdade, nós somos vinte e três nacionalidades aqui. Ao mesmo tempo, todos falam francês, é o teatro francês, vai além de questões de etnia e nacionalidade.

Les Ephémères. Ariane, aos 72 anos, é referência de inventividade, fôlego e vigor.

“Não enxergo as pessoas que trabalham conosco como estrangeiros. Nós somos todos do mesmo país, que é o país chamado teatro”

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foi o único que, de fato, foi registrado, porque era fundamental ver o público. Os outros espetáculos são realmente filmes. Nossa intenção não é imortalizar o que quer que seja. Ouvia as pessoas pedindo que deixássemos traços para quem não pudesse ver os espetáculos. Eu compreendi isso um dia, há muito tempo, após assistir a dez segundos de um filme de uma peça. Esses dez segundos foram muito importantes para mim. A cena não era extraordinária, mas me tocou profundamente. E então eu compreendi que era importante deixar traços do nosso trabalho para que atores e estudantes pudessem ver. É mais do que uma questão de imortalizar ou atingir o maior número de pessoas: é criar um material de consulta.

“Eu não acredito que a arte seja para compreender o mundo, mas para sentir o mundo, esclarecer o mundo” A turnê do Théâtre du Soleil inclui, além da apresentação do espetáculo, encontro com o público e oficina com atores. Qual o interesse em realizar essa troca? O objetivo é chamar o máximo de jovens, estudantes, universitários e pessoas que estudam teatro para compartilhar com eles não o nosso método, porque não temos um método, mas nosso jeito de fazer a nossa pesquisa. Por um lado, é muito, muito, muito trabalho. Por outro, é mostrar que não há um segredo, mas muito trabalho.

A senhora acha que a televisão abre espaço para apreciar e discutir as artes? Muito raramente, mesmo na França. Cada vez menos. Mas, no ano que vem isso vai mudar, porque vamos ganhar as eleições. Estou brincando, mas espero. Cena do espetáculo Les Ephémères. Foto: Isabel D´Elia

A companhia surgiu em 1964, em meio à efervescência cultural e política que o mundo vivia. Passadas cinco décadas, o que mudou nesse trabalho? A gente mantém as bases como no início: a igualdade de salários, a democracia nas decisões grandes e importantes, uma forma bastante coletiva de trabalhar, mas talvez de certa forma também tenhamos avançado, eu espero. Temos trabalhado cada dia mais e mais. Na sua opinião, qual o papel do teatro e das artes na compreensão do mundo? É uma pergunta difícil, porque isso renderia um livro. O teatro encarna o mundo, é uma arte da encarnação. Ele não conta ideias, ele conta corpos, atos e emoções. É através desses corpos, atos e emoções que certas ideias são esclarecidas. Eu não acredito que a arte seja para compreender o mundo, mas para sentir o mundo, esclarecer o mundo. A senhora está à frente do Thêátre du Soleil desde a fundação. Como pensa na continuidade da companhia? Trabalho na formação de sucessores. Eu tenho um codiretor, por exemplo, o Charlie-Henri Bradier, que trabalha comigo há vinte anos. É preciso que isso continue depois de mim. Cada um sabe o que pode ser feito, o que não pode ser feito, o que pode ser falado e o que não. Todos pensam e refletem; o segredo em si é o processo de criação ser aberto. O segredo da continuidade é a hospitalidade, que nós já fazemos agora, o modo como recebemos gente nova. Eu tenho muito trabalho, o que é cansativo às vezes.

“A gente mantém as bases como no início: a igualdade de salários, a democracia nas decisões grandes e importantes, uma forma bastante coletiva de trabalhar”.

Há um rico material de cinema sobre o Théâtre du Soleil. Qual a motivação do grupo para realizar o registro dos espetáculos? Nós realizamos filmes, não meros registros das peças, sobre nossos trabalhos. O espetáculo Les Ephémères

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artigo

Uma televisão que informa, mas não “forma” Como se não bastasse o baixo nível, esses programas são copiados e multiplicados por outras emissoras, e insistentemente veiculados. São pacotes prontos e mal embrulhados que resistem ao tempo, e por isso são mantidos no ar, lamentavelmente, talvez porque são capazes de garantir um bom índice de audiência. Não há como não admitir, nesse caso, que o conteúdo é abortado em detrimento do resultado. Diante desse contexto, a pergunta é inevitável: até que ponto a televisão está preocupada com o seu público? Informações que não estabelecem nenhuma relação com o seu cotidiano, e por isso parecem inatingíveis. Ou ainda, discussões que estão imersas na sua rotina e podem não despertar interesse. O que na TV realmente chama a atenção ou proporciona cultura ao telespectador que se propõe a ocupar o tempo assistindo a TV? O sociólogo francês Pierre Bourdieu já dizia, décadas atrás, que muitas das notícias veiculadas em nada modificam a sociedade, mas servem apenas para entreter, diminuindo o debate público sobre questões que influenciam no cotidiano. Mas, infelizmente, é uma tendência que se tem observado. As informações, aos poucos, vão-se tornando algo espetacular, apenas espetacular, sem serventia alguma. Sob esse aspecto, voltamos ao ponto inicial para buscar entender a apatia do público diante do vídeo em plena era da interatividade, o que, em um primeiro momento, parece contraditório. Se por um lado o telespectador se mostra pouco exigente quanto à qualidade da programação das emissoras de televisão, por outro ele tem canal aberto para interagir, opinar e participar de determinados formatos de programa. A identificação do perfil e interesse desse público pode render muitos pontos de audiência à emissora que se arriscar a mergulhar no universo social, que talvez esteja abandonado em prol de uma programação de resultado e não de conteúdo e que, assim, possa gerar conhecimento. Do contrário, pode restar ao público – e muitos estudiosos contam com isso – usar a única arma que tem: o controle remoto.

Diante da tela, a passividade. Os mais variados gêneros e formatos de programas são transmitidos todos os dias pela televisão. Muitos à revelia dos telespectadores que não raramente assistem, sob aparente inércia, à programação que lhes é oferecida. Walter Clark diz que “TV não é programa, é programação”. Ele, que é um dos mais respeitados nomes da televisão brasileira, defende que um programa deve ter ligação com o outro. De maneira ordenada. Assim como soam os instrumentos de uma orquestra, considerando o ritmo e a cadência. No entanto, nos bastidores é possível perceber que essa programação – ou grade horária, como é tecnicamente chamada – não respeita tal harmonia. Sentado na poltrona, o telespectador talvez não entenda como é elaborado o processo de programação de uma emissora. Por trás das câmeras, é fácil constatar que cada horário é estrategicamente planejado. Esse planejamento nos remete a uma reflexão: se desde que surgiu, há 60 anos, a Televisão deve entreter e informar, as emissoras brasileiras estão, de fato, preocupadas com o conteúdo ou com o resultado dos programas exibidos em rede nacional? A frase “nem todo brasileiro decodifica um texto, mas todo brasileiro decodifica uma imagem”, assinada pelo jornalista e pesquisador Alfredo Vizeu, explica o motivo dessa indagação. Segundo o Ibope, 96% dos lares brasileiros têm ao menos um aparelho de televisão. É um público das mais variadas faixas etárias e classes econômicas, que decodifica, mastiga e engole todo material produzido e exibido pelas emissoras espalhadas pelo Brasil. É dessa responsabilidade que estamos tratando aqui. Precisamos detectar quais são as razões pelas quais determinado programa está no ar. E também identificar até que ponto o público está, de fato, interessado em tudo o que está sendo veiculado. Ao abrir essa porta, observamos, sem mesmo pôr a mão na maçaneta, que do outro lado existem programas sensacionalistas, apelativos, e até mesmo agressivos, que em diferentes horários desfilam pelas telas todos os dias, quase sempre ignorando a classificação indicativa e o bom senso.

Eliane Pereira é jornalista e professora de graduação no curso de Rádio e TV da Universidade Bandeirantes. 10


último Bloco Foto: Divulgação

SescTV promove encontro para apresentar programação O mercado de TV por assinatura está em ebulição. O número de assinantes aumenta vertiginosamente, novas operadoras estão iniciando suas operações, proliferam os serviços on demand e uma legislação, recém sancionada, regulamenta o setor. Trata-se da lei 12485/2011 que, entre vários dispositivos, determina que todos os canais de conteúdo qualificado exibam 3,5 horas semanais de programação brasileira, em horário nobre. Determina também que um terço desses canais sejam brasileiros. O SescTV figura entre os canais cuja programação e modelo de operação respondem a esse novo cenário. O canal, 24 horas por dia dedicado à cultura, tem toda a sua programação baseada em produção independente e, vinculado ao Sesc São Paulo, tem grande potencial para a geração de conteúdos. As possibilidades para explorar isso, inclusive por meio de parcerias com outros canais de televisão, agências de fomento e operadoras de TV por assinatura, serão apresentadas em evento que ocorrerá no próximo dia 27 de outubro, às 10h, no Sesc Pompeia, em São Paulo. Mais informações: (11) 2227-6522.

Blues instrumental

Foto: Foto: Piu DiP

Nuno Mindelis teve seu primeiro contato com a guitarra aos cinco anos de idade. Aos nove, já tocava instrumentos que ele próprio construía. Nascido em Angola, Mindelis viveu no Canadá até 1990. Mudou-se então para o Brasil, onde aprimorou seu som na guitarra, tornando-se uma referência no blues. Em 1994, a revista norte-americana Guitar Player o elegeu como o Melhor Guitarrista de Blues. Mindelis é destaque no Instrumental Sesc Brasil deste mês, com repertório em que celebra seus 30 anos de carreira. Ele é acompanhado por Humberto Ziegler (bateria); Marcos Klis (baixo); e Flávio Naves (teclados). Dia 31/10, às 23h.

Histórias de circo A série Faixa Curtas apresenta, neste mês, o episódio inédito Cinema e Circo, com quatro curtas-metragens de ficção que exploram o universo sob as lonas. O filme Mr. Abrakadabra (1996), com direção de José Araripe Jr., traz Jofre Soares no papel de um ilusionista idoso que decide suicidar-se após suas mágicas não funcionarem. A Mulher do Atirador de Facas (1988), de Nilson Villas Boas, aborda a vida de um casal de circo no momento em que a mulher descobre que está grávida. Cedro do Líbano (2009), de Conrado Krainer, retrata poeticamente a vida de um palhaço. Piruetas (2007), de Haroldo Borges, registra as mudanças, em especial para um senhor e seu neto, provocadas pela chegada de um circo à cidade. Dia 03/10, às 21h.

A sustentabilidade e o meio ambiente O padrão de consumo da sociedade contemporânea, a busca de modelos de gestão ambientalmente sustentáveis e os impactos nos meios de produção, na educação e na cultura são temas abordados na série Somos1Só, que o SescTV exibe neste mês. Com oito episódios de uma hora de duração, a série, por meio de depoimentos, entrevistas e esquetes de ficção, discute questões do socioambientalismo e sua interface com a cultura, a economia, a espiritualidade e as relações de poder. O projeto, realização do SescTV em parceria com a TV Cultura de São Paulo, tem direção geral de Ana Dip. Sextas-feiras, às 20h.

O SESCTV é credenciado pelo Ministério da Cultura como canal de programação composto exclusivamente por obras cinematográficas e audiovisuais brasileiras de produção independente em atenção ao artigo 74º do Decreto nº 2.206, de 14 de abril de 1997 que regulamenta o serviço de TV a cabo. Para sintonizar o SescTV: Aracaju, Net 26; Belém, Net 30; Belo Horizonte, Oi TV 28; Brasília, Net 3 (Digital); Campo Grande, JET 29; Cuiabá, JET 92; Curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; Goiânia, Net 30; João Pessoa, Big TV 8, Net 92; Maceió, Big TV 8, Net 92; Manaus, Net 92, Vivax 24; Natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; Porto Velho, Viacabo 7; Recife, TV Cidade 27; Rio de Janeiro, Net 137 (Digital); São Luís, TVN 29; São Paulo, Net 137 (Digital). E a partir de 17/10, na GVT, canal 228. No Brasil todo, pelo sistema DTH: Oi TV 28 e Sky 3. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC Administração Regional no Estado de São Paulo

Presidente: Abram Szajman Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

A Revista é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Rua Cantagalo, 74, 13.º andar. Tel.: (11) 2227-6527 Coordenação Geral: Ivan Giannini Editoração: Érica Dias Revisão: Maria Lúcia Leão Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio Magalhães

Direção Executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini Coordenação de Programação: Juliano de Souza Coordenação de Comunicação: Marimar Chimenes Gil Redação: Adriana Reis Divulgação: Jô Santina e Jucimara Serra sesctv.org.br Envie sua opinião, crítica ou sugestão para atendimento@sesctv.sescsp.org.br

Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas. A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.

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Ariane Mnouchkine e o Teatro de Soleil

entrevista

Direção geral: Antonio Jordão Pacheco Dia 11/10, às 20h documentário

Un Soleil à Kaboul... Ou Plutôt Deux Direção: Duccio Bellugi Vannuccini, Sergio Canto Sabido e Philippe Chevalie Dia 18/10, às 19h espetáculo

Le Dernier Caravinsérail (Odyssées) Parte1 - “La fleuve curel” Dia 24/10, às 18h Le Dernier Caravinsérail (Odyssées) Parte 2 - “Origines e destins” Dia 25/10, às 18h Direção: Ariane Mnouchkine

youtube.com/sesctv

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