Revista SescTV - Maio de 2017

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edição n.122  /  maio de 2017

INSTRUMENTAL

NOVOS ARTISTAS MINEIROS SE DESTACAM NO CENÁRIO DA MÚSICA BRASILEIRA ENTREVISTA

OS SONS DA DUPLA MINEIRA O GRIVO

CINEMA

JOSÉ AGRIPPINO DE PAULA, SÍMBOLO DA CONTRACULTURA


curta-metragem em junho

documentário

Ingrid

Direção: Maick Hannder em abril

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

A trajetória da primeira palhaça negra no Brasil

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índice

editorial

destaques 4 Os sons de Minas Gerais 6 Cinema e contracultura 7 Música, tradição e contemporaneidade 7 Esporte em tempos de guerra

A geografia da cultura

entrevista 8 O Grivo: O som que não tem definição artigo 12 “Flecha afiada para os ouvidos do mundo”, por Rodolfo Stroeter Último Bloco 14 Neste mês

capa Foto de capa: Violeiro Crédito: Divulgação

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Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo

O Estado de Minas Gerais constitui um importante polo cultural e revela, ao longo da história, artistas de destaque nas mais diversas áreas. Nomes consagrados e outros que surgem, reafirmam o valor dos encontros que trazem elementos regionais e universais, e criam novos significados para as expressões humanas de todas as culturas. Para destacar a produção musical mineira, o SescTV exibe este mês, na série Instrumental Sesc Brasil, as apresentações de Marcos Ruffato e Rafael Pansica, vencedores do Prêmio BDMG Instrumental 2016. Além deles, os shows inéditos de André Mehmari e Danilo Brito, e da banda E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante compõem a programação. O canal ainda exibe o concerto do grupo europeu Pera Ensemble, formado por instrumentistas de vários países e apresentado na última edição do Festival Sesc de Música de Câmara. O Ciclo de Cinema José Agrippino resgata filmes do cineasta da contracultura, que influenciou diversas gerações de artistas no Brasil. E o curta-metragem palestino Jogando em Gaza, da série Cores do Futebol, aborda o esporte como ferramenta de transformação social. A Revista do SescTV entrevista O Grivo, dupla de artistas mineiros formada por Marcos Moreira e Nelson Soares, sobre o experimentalismo e o encontro da música com o audiovisual. O artigo do músico Rodolfo Stroeter faz um resgate sobre a história da música em Minas Gerais. Boa leitura!

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destaques

Os sons de Minas Gerais Do Clube da Esquina à música instrumental contemporânea, o Estado mineiro mantém sua tradição em revelar novos artistas no cenário cultural brasileiro

O Estado de Minas Gerais preserva um grande patrimônio arquitetônico e artístico, herança do período colonial brasileiro, visível em cidades como Ouro Preto, Diamantina e Tiradentes. Foi a partir de tradições portuguesas, africanas e indígenas que as manifestações folclóricas mineiras se formaram. Esse legado se reflete nas mais variadas artes, da culinária à música, e se expande por todo o país. Nos anos 1960, Minas Gerais marcou presença no 4    S E S C T V    M A I O D E 2 0 1 7

cenário musical brasileiro com o Clube da Esquina, movimento precursor que fez história ao revelar artistas hoje consagrados, como Milton Nascimento, Lô Borges, Toninho Horta e Beto Guedes. Entre 1970 e 1980, Flávio Venturini, 14 Bis, Fernando Brant, Wagner Tiso e Vander Lee tornaram a MPB dos mineiros conhecida em todo o Brasil. Anos depois, na década de 1990, o país conheceu as bandas de rock e pop como Skank, Pato Fu e Jota Quest.


A SÉRIE INSTRUMENTAL SESC BRASIL PROMOVE O ENCONTRO DE ARTISTAS CONSAGRADOS E DA NOVA GERAÇÃO

FOTO: PIU DIP

Hoje, o Estado mantém sua tradição em projetar artistas novos como Makely Ka, Lucas Teles, Ju Perdigão, Luiza Brina, Marcos Ruffato e Rafael Pansica. “Se tem algo que acompanha a música mineira pelo tempo, desde o Clube da Esquina até os dias de hoje, é um cheiro de montanha. Ele vem acompanhado por harmonias inusitadas e melodias peculiares”, comenta Ruffato. Bandolinista, o músico tem seu reper-

tório pautado por composições autorais que evocam tradições mineiras. Esses novos artistas trazem frescor à música, mas não se esquecem de grandes nomes que os influenciaram, como João Gilberto, Baden Powell e Hermeto Pascoal. “Hermeto é um cara à frente de seu tempo. Ele resume uma filosofia musical que eu admiro. É ousado e traduz as influências da música instrumental universal de uma forma brasileira”, revela Rafael Pansica. O compositor, arranjador e violonista recebe boas críticas por seu trabalho autoral e ainda interpreta obras de Hermeto em seus shows. Pansica e Ruffato foram vencedores do 16º Prêmio BDMG Instrumental, em 2016. O festival criado em 2001, pelo BDMG Cultural - Instituto Cultural Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, prestigia compositores e arranjadores que despontam no cenário da música instrumental mineira. Seu prêmio consagra quatro finalistas e convida os vencedores a participarem do programa Instrumental Sesc Brasil. “Foi muito bom tocar em São Paulo e mergulhar no universo da música instrumental que é novo para mim. Isso trouxe mais frescor e inspiração para o meu trabalho”, conta Ruffato. O Instrumental Sesc Brasil é um projeto pioneiro do Sesc São Paulo, que acontece desde o início dos anos de 1980. Sua realização promove encontros entre artistas novos e consagrados, com trabalhos que transitam pelas diferentes vertentes da música. Os shows, que começaram a ser adaptados para a TV em 1990, são realizados semanalmente no Teatro Anchieta, do Sesc Consolação, com entrada gratuita. O evento conta com transmissão ao vivo, nas segundas-feiras, às 19h, pelo portal do Sesc (sescsp.org.br). O SescTV exibe os shows do projeto na série Instrumental Sesc Brasil, que neste mês traz as apresentações inéditas de Marcos Ruffato e Rafael Pansica, entre outros músicos. Antes da cada episódio, o canal leva ao ar o making of documental com os artistas, na série Passagem de Som.

INSTRUMENTAL SESC BRASIL MARCOS RUFFATO DIA 7, 21H30 Direção para TV: Max Alvim. Classificação: Livre.

E A TERRA NUNCA ME PARECEU TÃO DISTANTE DIA 14, 21H30 Direção para TV: Max Alvim. Classificação: Livre.

RAFAEL PANSICA DIA 21, 21H30 Direção para TV: Max Alvim. Classificação: Livre.

ANDRÉ MEHMARI DIA 28, 21H30 Direção para TV: Max Alvim. Classificação: Livre.

Assista ao teaser dos shows:

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destaques

FOTO: DIVULGAÇÃO

Cinema e contracultura O experimentalismo de José Agrippino de Paula e sua importância na história do audiovisual brasileiro

O cineasta e dramaturgo José Agrippino de Paula imprimiu na história do cinema brasileiro sua marca. “Ele usava uma linguagem estilhaçada e fragmentada, em que as partes são ao mesmo tempo complementares, mas não têm a obrigação de fechar questões nem expressar julgamentos morais”, define a diretora, curadora audiovisual e amiga do diretor Lucila Meirelles. Nascido em Embu das Artes, em 1937, em São Paulo, Agrippino estudou na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, onde teve seu primeiro contato com o teatro, adaptando o romance Crime e Castigo, do escritor russo Fiodor Dostoievski. Na peça, atuava como ator, diretor e cenógrafo. Seu primeiro romance, Lugar Público, foi publicado em 1995, ano em que conheceu sua esposa, 6    S E S C T V    M A I O D E 2 0 1 7

a bailarina Maria Esther Stockler, com quem escreveu e dirigiu várias peças, entre elas o Rito do Amor Selvagem, de 1969. Romancista, dramaturgo e cineasta, também dirigiu e produziu roteiros de longas-metragens sobre a contracultura nos anos 1960 e 1970. “Hitler Terceiro Mundo é um de seus filmes que contém uma linguagem poética, forte, densa e revela uma mistura de signos culturais. Por isso Agrippino é tão contemporâneo”, comenta Lucila, responsável pela produção do Ciclo de Cinema José Agrippino de Paula. A série é permeada por comentários de amigos de Agrippino como Hermano Penna, José Roberto Aguilar e Jotabê Medeiros, e apresenta os filmes Hitler Terceiro Mundo, Céu sobre Água, Candomblé no Togo, Movimento de Abertura da Sinfonia Panamérica, Maria Esther e as Danças na África.

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CICLO DE CINEMA JOSÉ AGRIPPINO DE PAULA HITLER TERCEIRO MUNDO DIA 12, 23H CÉU SOBRE ÁGUA, CANDOMBLÉ NO TOGO DIA 13, 22H MOVIMENTO DE ABERTURA DA SINFONIA PANAMÉRICA, MARIA ESTHER E AS DANÇAS NA ÁFRICA DIA 13, 23H Direção: José Agrippino de Paula. Classificação: 18 anos.


FOTO: LECO DE SOUZA

FOTO: DIVULGAÇÃO

Música, tradição e contemporaneidade

Esporte em tempos de guerra

DIA 31, 22H. Especial Musical. Direção: Daniela Cucchiarelli. Classificação: Livre.

DIA 20, 0H10. Especial Curta. Direção: Minjung Kim. Classificação: Livre.

Desde século 12 até os dias de hoje, a música turca mantém viva sua tradição. Diferente do barroco e da música medieval, que sofreram rupturas para dar origem a outros ritmos, ela mantém os mesmos instrumentos e estilo de tocar. Inspirados por essa herança, os músicos Mehmet Yesilcay e Ihsan Ozer criaram em 2005 o grupo instrumental Pera Ensemble, que une o som da antiga Turquia à música ocidental. Formado por músicos da Turquia, EUA, Alemanha, Espanha, Itália e Rússia, tem como objetivo “trazer novas ideias de como podemos conviver neste mundo”, explica Yesilcay. A mistura de temperos orientais e ocidentais proposta por eles ganha destaque no espetáculo Café: o Oriente Encontra o Ocidente. Criado a partir de uma pesquisa histórica sobre como o grão de café começou a ser cultivado na Europa, Yesilcay compôs um repertório inspirado nas obras de Johann Sebastian Bach e André Campras. O concerto foi apresentado no Festival Sesc de Música de Câmara, em 2016, com repertórios que mesclam músicas clássicas e contemporâneas.

Mesmo em momentos de conflito, o esporte é uma importante ferramenta social. Ele permite que moradores do campo de refugiados no bairro de Shati, localizado na Faixa de Gaza, território palestino entre Egito e Israel, superem dificuldades, como a falta de recursos, desemprego, escassez de água e energia, impostas pela guerra, para praticar o futebol de praia. A proximidade de Gaza com o mar e o amor de seu povo pelo esporte possibilitaram a formação de atletas que cresceram jogando em bairros populares palestinos. Para o jogador Fadi Jaber, é uma honra representar seu país, além de isso ser uma oportunidade de ele se tornar um atleta profissional árabe. “Apesar de todos os obstáculos, estamos tentando agarrar as chances de jogar no exterior e representar a Palestina nas competições de alto nível”, afirma. A história de Jaber é retratada no curta-metragem Jogando em Gaza, que integra o projeto Cores do Futebol, série de produções realizadas por canais de TV pública em parceria com a TAL TV – Televisão da América Latina.

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entrevista NELSON SOARES E MARCOS MOREIRA. O GRIVO. MÚSICA E ARTES PLÁSTICAS. Dupla mineira conversa sobre experimentalismos artísticos e o encontro da música com o audiovisual

O som que não tem definição Aos 15 anos de idade, os vizinhos Nelson Soares e Marcos Moreira começaram uma amizade que resultou em uma parceria musical intensa e duradoura. Juntos criaram O Grivo. Nos anos 1990, a dupla realizou seu primeiro concerto em uma escola de artes de Belo Horizonte, a convite de uma professora que conhecia a proposta experimental dos jovens. O trabalho ainda ganhava forma, a partir de pesquisas no campo da Música Nova. Interessados na expansão do seu universo sonoro e na descoberta de maneiras diferentes de organizar suas improvisações, a dupla desenvolveu uma linguagem musical peculiar, marcada pela busca constante por novos sons e por possibilidades diferentes de orquestração e montagem. Até hoje, O Grivo segue à procura de fontes acústicas e eletrônicas, e se dedica à construção de máquinas e objetos sonoros, utilizados como instrumentos musicais. Além das artes plásticas, o trabalho polivalente de Nelson e Marcos dialoga com as linguagens do cinema, do vídeo, do teatro e da dança. Nos concertos, há um espaço para que o público faça sua própria leitura da obra, seja música ou silêncio. Ao propor a contemplação e a discussão das relações dos sons com o espaço, a arte da dupla instiga a curiosidade do público, ganha reconhecimento da crítica e se expande, cada vez mais, para o mundo. Como vocês se conheceram? Moramos perto um do outro. Desde os 15 anos de idade, nos encontrávamos para tocar e ir a shows. Começamos a estudar música em uma fundação de educação artística, onde havia um movimento de pessoas que trabalhavam com

música contemporânea e erudita. Nessa época, aprendemos várias formas de fazer música. Foi então que começamos a trilhar nosso caminho, eu tocando violão e o Nelson bateria. Só mais tarde optamos por fazer um trabalho experimental. O que é O Grivo? O Grivo é uma dupla formada por nós, Marcos Moreira Marques e Nelson Soares. Desde 1990, fazemos um trabalho musical que foi se desenvolvendo também nas áreas das artes plásticas através de algumas engenhocas que criamos para explorar os sons. Nós também fazemos trilhas sonoras para o cinema e a dança, conversamos com todas essas formas de arte. De onde surgiu o nome da dupla? Nós fizemos uma trilha sonora para o grupo de teatro Giramundo. Era uma trilha para o espetáculo O Diário. Ficamos sabendo que ela ia concorrer em um festival francês e precisávamos de um nome artístico. Foi quando o Nelson achou esse nome em um livro do Guimarães Rosa. O Grivo foi retirado de um conto chamado O Cara de Bronze. Ele conta a história do vaqueiro Grivo que recebe a missão de fazer uma viagem para seu velho amigo, o Cara de Bronze. O que é música para vocês? Música é uma coisa mais ampla do que a música convencional que estamos acostumados a ouvir em shows, no teatro ou em casa. Através de nossas experiências com as gravações de sons que acontecem na natureza e nos ambientes, percebemos que a música está em tudo o que nos cerca. Não cabe uma definição, ela pode estar na

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FOTO: DIVULGAÇÃO

RAIO-X O GRIVO, BELO HORIZONTE (MG)

“A música está em tudo que nos cerca.”

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entrevista

“A experimentação artística não depende tanto da tecnologia, ela pede mesmo é a aplicação de uma linguagem que não é tão usual, uma surpresa ou reflexão.”

“Se a gente estabelece um limite para o som, isso fecha as possibilidades. Eu consigo imaginar a música até sem som, por um movimento que às vezes sugere a musicalidade.”

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amplificação do som de um galho de árvore, no barulho do vento e da chuva ou em um movimento. No ambiente urbano, nós conseguimos ouvir música em um prédio, por exemplo, na reverberação das vozes percebidas nos andares inferiores, ou no silêncio. O que os levou a trabalhar com música instrumental? Uma canção em que você não tenha compromisso com a voz permite que você trabalhe a harmonia e a melodia, indo direto ao assunto. Isso tudo é possível com a música instrumental. Como fazemos muitas trilhas para filmes e elas pedem um pouco mais de instrumental, isso colaborou em nossa escolha. Como classificam a música que fazem hoje? Fazemos um tipo de música instrumental improvisada e aberta para a descoberta de novos timbres. Nós montamos as peças musicais, tentamos descobrir uma sonoridade e improvisar com ela. Às vezes, a característica do material sonoro basta, o som pelo som. Também usamos o recurso da amplificação para descobrir os mínimos sons dos objetos. Nós os transformamos através de filtros e tocamos em tempo real. Vocês fazem a chamada Música Nova? Para nós, Música Nova é a música que é composta hoje em dia, mas que é a menos tocada. Atualmente o que mais se toca são os clássicos e suas releituras, músicas antigas, principalmente no universo instrumental. Não podemos deixar de tocar o que fazemos agora senão viveremos de releituras. Precisamos prestigiar mais os novos compositores.

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O que norteia a pesquisa musical d’O Grivo? Há um processo de criação em que nós achamos um objeto, amplificamos o som dele, vemos qual filtro vai funcionar e descobrimos uma saída para cada improvisação acontecer e ser diferente da outra. Isso tudo se integra aos instrumentos de percussão e de corda tradicionais. Existem limites para o som? Se a gente estabelece um limite para o som, isso fecha as possibilidades. Eu consigo imaginar a música até sem som, por um movimento que às vezes sugere a musicalidade. É interessante deixar o conceito sem definição, mais aberto, sem fronteiras. Com o avanço tecnológico, o espaço para a experimentação se ampliou? A experimentação artística não depende tanto da tecnologia, ela pede mesmo é a aplicação de uma linguagem que não é tão usual, uma surpresa ou reflexão. Os softwares trazem a praticidade, mas há a questão da ideia necessária para fazer uso deles. A tecnologia colabora, sim, mas como uma possibilidade. Em que consistem seus concertos musicais? Nossas apresentações são formadas por várias peças sincronizadas e prontas, em que cada um de nós sabe o momento exato do que fazer. Para as próximas apresentações, como a que faremos em junho deste ano, no Sesc Jundiaí, vamos misturar as peças que temos, modificar os formatos que já utilizamos e quebrar as estruturas de nossas apresentações.


Qual a receptividade do público? A receptividade é boa e tem situações bem engraçadas, como uma vez, durante uma apresentação em um teatro em Ipatinga, aqui em Minas Gerais. Eu, Marcos, estava tocando um berimbau de boca e o show era baseado em uma nota só. O público não entendeu nada e ficou inquieto, falava muito. Ao invés de tocar mais alto, diminuí o volume, porque o som do berimbau é sutil, pede uma percepção da variação rítmica. Não teve jeito. Muitos foram embora e o show acabou.

O GRIVO EM TRÊS TRABALHOS

Da música para o audiovisual, como se deu essa transição no trabalho de vocês? Foi muito natural porque já fazíamos trilhas para os filmes do Cao Guimarães. Em um dado momento, nós sentimos a necessidade de produzir imagens para a música. Às vezes, a imagem gera o pulso para a gente tocar e fazer a música, o visual acaba ditando o andamento, o ritmo do nosso som. A relação entre música e vídeo é uma camada que, se você souber usar, pode ser muito expressiva. No cinema, podemos usar diferentes fontes sonoras, mas ainda é um espaço pouco experimental sonoramente falando, o foco é quase integral na narrativa.

i Concerto O Grivo.

i Concerto O Grivo. FOTOS: DIVULGAÇÃO

i 57 Nós.

Quais as diferenças entre compor trilhas para o cinema e para a dança? Cada filme inspira de uma forma. Pode permitir o uso de gravação de sons captados do ambiente e às vezes pedir uma limpeza de som. Quando fazemos trilha para dança, em alguns trabalhos usamos um software desenvolvido por um matemático que associa movimentos dos bailarinos às transformações sonoras, ele é o responsável pela composição do som. Também fazemos trilhas com base em coreografias já criadas. Quais são os próximos projetos d’O Grivo? Recebemos um convite para expor no Museu de Arte Moderna de São Francisco, nos Estados Unidos, em julho. Devemos ficar por aproximadamente uns três meses. A exposição ainda não tem nome, mas será totalmente mecânica. Para ligar e desligar mecanismos, utilizaremos um rolo com várias faixas de contatos ligadas por fios. Será uma orquestração, como costumamos dizer, com vários instrumentos e diferentes combinações que vão funcionar mecanicamente.

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artigo

Flecha afiada para os ouvidos do mundo

Rodolfo Stroeter é instrumentista, compositor e produtor musical. Foi um dos fundadores do grupo Pau Brasil e do selo Pau Brasil Music. Produziu em seu catálogo artistas como Gilberto Gil, Monica Salmaso, Joyce, Banda Mantiqueira e outros. Em 2016 colaborou como jurado para o prêmio BDMG Instrumental.

por Rodolfo Stroeter  foto Divulgação

Fincado no meio do sem mar e cercado de terras baixas e altas, entre rios, serras e horizontes diversos cobertos por matas estradas, trilhas e montanhas, existe um lugar de cidades com vocabulários e sotaque próprios, de modos extremados e prodigiosa singularidade. O Estado possui alma irradiadora e nela se processa uma originalidade brasileira carregada de usos e costumes locais, ainda que sempre antenada aos sinais externos. Sendo terras do sem mar, navega-se nas Gerais por um oceano de artes e ideias, fazendo dali um polo revelador de manifestações possíveis apenas de ali terem nascido, para depois seguirem para outras terras, mares e aléns. Pensei nisso agora, ao me dar conta de que escrever sobre o cenário cultural, principalmente falar sobre a cena musical mineira, é tarefa árdua, espinhosa. Foi de Minas Gerais que saíram uma quantidade de músicas

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e músicos de fundamental importância para o cenário brasileiro, como Ary Barroso, mineiro de Ubá, e Milton Nascimento, nascido carioca do bairro da Tijuca, mas criado na cidade de Três Pontas, em Minas, onde cresceu. Ary, entre tantas canções definitivas, escreveu Aquarela do Brasil, um hino extraoficial, anunciando o Brasil para o mundo através do desenho animado Saludo Amigos, de 1942 (que no Brasil recebeu o título de Alô Amigos). Nesse desenho animado, o Pato Donald é apresentado ao Rio de Janeiro pelo papagaio anfitrião Zé Carioca, enquanto a canção de Ary Barroso, interpretada por Aloysio Oliveira, abraça a cena num encanto irresistível. Um ano depois, em 1943, Aquarela do Brasil aparece definitivamente, dessa vez brilhando na voz de Carmen Miranda, acompanhada do grupo musical Bando da Lua, no filme The Gang’s All Here (aqui, Entre a Loira e a Morena).


Já em meados da década de 1960, Milton Nascimento ganhava projeção como artista de fôlego nacional. Revelado pelos Festivais de Música então em voga no Brasil, seu trabalho destacava-se de qualquer manifestação musical em curso. No Brasil pós-bossa nova, da recente jovem guarda e do tropicalismo, Milton apareceu para o grande público junto a uma geração de jovens músicos e compositores mineiros com o álbum duplo Clube da Esquina (1972). Assinado juntamente com o compositor Lô Borges, o disco pode ser entendido como um dos primeiros projetos coletivo criados no Brasil, anunciando toda uma geração de músicos, compositores e arranjadores, que iriam ao longo do tempo amadurecer, inserindo-se posteriormente no mercado musical brasileiro e internacional por caminhos próprios. Alinhando o dom de compositor intuitivo a sua voz, Milton revelou Minas Gerais a seu próprio país, numa mescla de tradição e renovação, influenciando uma geração no Brasil e fora dele. Exemplo disso foi a gravação do disco Native Dancer (1974). Criado em parceria com o saxofonista norte-americano Wayne Shorter, o álbum se tornou um marco porque difundiu elementos de música brasileira, jazz e música regional e provocou uma geração inteira de músicos espalhados por vários continentes. Depois desse disco, Milton se tornou um artista de livre trânsito e globalizou a sua carreira de modo definitivo. Como um país dentro de um país estranho, Minas Gerais sempre conteve um cenário próprio, um território encaixado no Brasil, permanecendo até então quase intacto quanto a influências de um mundo estético e musical

externo. Beto Guedes, Lô Borges, Márcio Borges, Nelson Angelo e Fernando Brant são alguns compositores e parceiros da geração de Milton, que, embora influenciados pela música pop internacional, sempre preservaram as características da música regional, aliadas a harmonias sofisticadas oriundas da bossa nova. Diferenciando-se em muitos aspectos da música produzida em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco – alguns dos maiores centros irradiadores da música de nosso país – , Minas congrega artistas de expressão exclusiva e surpreende sempre pela sua capacidade de renovação e aglutinação. É surpreendente confirmar a vocação irradiada em música e artes de modo geral pelo Estado de Minas Gerais, que tem um potencial criativo em permanente e silenciosa convulsão criativa. A produção musical mineira é tão rica e diversificada que seria pretensão de minha parte tentar resumir aqui sua grandeza. Alia-se a essa criação musical uma esmerada produção fonográfica em que, além da música, existe um casamento criativo com artistas gráficos locais resultando em trabalhos de grande impacto e DNA próprio. Renovada por uma geração enriquecida pela sua história musical e seu passado, a nova geração de músicos mineiros busca desafios diversos, mesclando gêneros como o choro, o jazz moderno, o improviso livre, o samba, e ainda se baseia na tradição regional para criar uma atmosfera musical que – longe de poder ser resumida em palavras – lança sua flecha afiada para os ouvidos do mundo. Evoé Minas Gerais!

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último bloco FOTO: MÍDIA NINJA

Dia 17, 21h IDENTIDADE NACIONAL Galáxias. Direção: Isa Grispum Ferraz. Classificação: Livre.

“A partir da relação com o outro é que criamos nossas especificidades”, explica o crítico de arte Moacir dos Anjos. Ele e outros pensadores discutem a complexa formação da identidade brasileira.

Dia 8, 16h

Dia 14, 11h

OPERÁRIOS DO MUNDO, ESCREVEI!

CASA DO COLONO ALEMÃO

O escritor e jornalista Roniwalter Jatobá produz histórias proletárias a partir de suas próprias experiências. “Uma de minhas grandes frustações foi com minha mãe analfabeta. Tinha um filho escritor e nunca leu um livro meu.” Ganhador do prêmio Jabuti em 2013 com o livro Cheiro de Chocolate e Outras Histórias, o ex-operário revela seus contrastes e estimula a produção de um gênero pouco conhecido no país, a literatura proletária.

Moradores de Anitápolis, Santa Catarina, apresentam a cultura e a arquitetura de seus ascendentes, preservadas até hoje na cidade. “O governo brasileiro incentivou a vinda de imigrantes, principalmente alemães para essa região, para assegurar a desocupação do território pelos índios”, revela Wilson Schimidt que, junto a outros colonos, comenta as transformações urbanas e rurais e a valorização da cultura alemã na cidade.

Super Libris. Direção: José Roberto Torero. Classificação: Livre.

Habitar Habitat. Direção: Paulo Markun e Sergio Roizenblit. Classificação: Livre.

FOTO: DIVULGAÇÃO

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FOTO: ADALBERTO LIMA

Dia 26, 23h HYGIENE

Dramaturgia. Direção para TV: Amílcar Claro. Classificação: 14 anos.

Encenado na Vila Maria Zélia, o espetáculo discute o processo de higienização e limpeza social nos centros urbanos brasileiros, iniciado no século 19. Questões sobre moradia, trabalho e exclusão social são resgatadas na dramaturgia, sob a ótica de moradores de um cortiço, durante o período de urbanização do país. Produzida pelo Grupo XIX de Teatro, a peça foi apresentada em 7 países e ganhou o Prêmio Qualidade Brasil.

Dia 19, 21h ADORNO

Dança Contemporânea. Direção para TV: Antonio Carlos Rebesco Classificação: 14 anos.

Para as tribos do Vale do Omo, na África, o adorno é uma forma de comunicação e expressão artística, produzida coletivamente. O fotógrafo alemão Hans Silvester passou alguns meses juntos a essas etnias africanas e registrou sua cultura. A coreógrafa Suely Machado, do Grupo de Dança Primeiro Ato, ao ver as fotos feitas por Hans, teve inspiração para criar o espetáculo Adorno.

Sesc – Serviço Social do Comércio Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do conselho Regional Abram Szajman Diretor do Departamento Regional Danilo Santos de Miranda A revista SescTV é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Ninguém está autorizado a vender anúncios. Coordenação Geral Ivan Giannini Supervisão Gráfica Hélcio Magalhães Redação João Cotrim e Eloá Cipriano Editoração Lourdes Teixeira Benedan e Aline Gomes Soares Revisão Marcelo Almada projeto gráfico Marcio Freitas e Renato Essenfelder Revista Digital Ana Paula Fraay e Marilu Vecchio

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/sesctv ISSN 0016-7606

FOTO: GUTO MUNIZ

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BADBADNOTGOOD em junho

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Arte: IV artwork

Musical


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