Revista SescTV - Maio de 2012

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Foto: Tatit brandão

maio/2012 - edição 62 sesctv.org.br

Sala de Cinema José Mojica Marins na estreia da nova temporada

Documentários

Prix Jeunesse

Filmes sobre a arte nas cidades e a vida em Oiapoque 1

produção audiovisual para crianças e adolescentes


Arthur Verocai

Foto: Divulgação

16/6, às 21h

youtube.com/sesctv

@sesctv


TV para apreciar, refletir e discutir

Investigar os processos de criação e entender as escolhas que mobilizam diretores, produtores e equipe na realização de uma obra audiovisual são ferramentas fundamentais para assimilar e compreender uma obra. Ao acompanhar o raciocínio usado pelo autor na definição de temas, linguagens, técnicas e narrativas, o espectador capta a dimensão desse processo, amplia seu repertório e aproxima-se do modo de fazer, tão único e particular a cada um. O SESCTV busca a mediação entre autor e telespectador, apresentando em sua grade programas que possibilitam apreciar as diversas artes, e também refletir sobre elas e discutir a produção audiovisual. Neste mês, o canal estreia a nova temporada do Sala de Cinema, programa de entrevistas com realizadores do cinema brasileiro. A cada episódio, um profissional é convidado a relembrar sua trajetória e revelar suas inspirações, métodos de trabalho e motivações. O ator e diretor José Mojica Marins, um dos expoentes do cinema de terror no País e criador do personagem Zé do Caixão, é o convidado do dia 31. Promover a reflexão a partir de temas variados também é uma premissa dos documentários exibidos pelo canal, que neste mês apresenta os filmes Do Outro Lado do Rio, de Lucas Bambozzi, sobre a vida na região de fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa; e Cinecidades – Paisagens em Movimento, de André Costa, sobre projetos artísticos que concebem a cidade como uma plataforma para projetos e intervenções. O canal exibe ainda uma seleção de curtas-metragens premiados no Festival Prix Jeunesse de 2011, com produções do Brasil, Chile e Cuba, todas voltadas para crianças e adolescentes. A Revista do SESCTV deste mês traz entrevista com a historiadora e pesquisadora de imagens Eloá Chouzal, que fala sobre a importância da pesquisa e da preservação da memória no audiovisual. O artigo do crítico de cinema Inácio Araújo aborda a relação entre a TV e o cinema. Boa leitura! Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo

CAPA: José Mojica Marins na estreia da nova temporada do Sala de Cinema. Foto: Tatit Brandão

destaques da programação 4 entrevista - Eloá Chouzal 8 artigo - Inácio Araújo 10 3


Sala de Cinema

Foto: nilton silva

Terror para espantar o medo

1957. Depois, vieram À Meia Noite Levarei Sua Alma (1963); Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967); e O Despertar da Besta (1969/1982), dentre outros. José Mojica chamou a atenção de outros cineastas e tornou-se ícone do cinema marginal. “Ele é um transgressor, um dos maiores provocadores do pensamento conservador de sua época”, afirma o cineasta Carlos Reichenbach. Para o jornalista Ivan Finotti, a força de sua obra está na autenticidade de Mojica. “Ele me contou que ganhou uma câmera e foi aprendendo sozinho, por instinto, errando e acertando. Isso é fundamental no trabalho dele e por isso é tão original, tão único e tão bom”. O SESCTV exibe, no dia 31/05, entrevista inédita com José Mojica Marins, na estreia da nova temporada do Sala de Cinema. Direção de Luiz R. Cabral.

“Fui um garoto com medo. Dormia com as luzes acesas e só passei a dormir longe dos meus pais depois dos 12 anos de idade. Medo de aranha, de lesma, de cobra, medo do escuro”. A revelação é do ator e diretor José Mojica Marins, realizador de mais de 30 longas-metragens e um dos principais expoentes do gênero de terror no cinema brasileiro. Sua personagem principal, Zé do Caixão, é conhecida internacionalmente. “Zé do Caixão nasceu de um pesadelo que eu tive em 1963. Uma coisa bem estranha que me pegava e me arrastava para o cemitério, numa sepultura. Quando eu acordei, pensei: acho que é por aí que eu vou”, lembra. “Criei a personagem por tanto medo que eu tinha das coisas. Era o cara que mais contava histórias de terror para as pessoas, mas eu morria de medo”. O cinema é uma arte com a qual José Mojica tem contato desde o berço, como gosta de dizer. “Meu pai tomava conta de um cinema. Fui crescendo vendo aquele telão. Subia na cabine e via tudo quanto era fita, até as proibidas, e fui me acostumando com as coisas difíceis”, conta. Essa proximidade com a sétima arte o levou, aos oito anos de idade, a pedir de presente uma câmera em vez de uma bicicleta. As primeiras incursões como realizador foram com curtas-metragens. “Procurava os casos mais estranhos da Vila Anastácio, o bairro onde eu morava. Fulano que sumiu de casa deixando mulher desesperada... eu pegava como tema e fazia os curtas. Com 13 ou 14 anos eu comecei a realizar os longas”. Sua estreia foi com o filme A Sina do Aventureiro, de

José Mojica Marins fala de seus temores e suas inspirações na estreia da nova temporada da série

Sala de Cinema José Mojica Marins Dia 31/05, às 22h

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Temporal

Múltiplas histórias Foto: D ivulgação

Estratégia. O programa mostra que a arte de competir desperta o interesse de pessoas de diferentes gerações, que disputam desde jogos de estratégia, de tabuleiro e de botões até os jogos eletrônicos. Para Carlos Seabra, filho do inventor de jogos que criou o Clube de Jogos para Amadores, as relações humanas são permeadas por jogos, abrindo espaço para aflorar os instintos. A homossexualidade é o foco do episódio O Canto da Biá, com o comovente depoimento de Eduardo Albarella, ator transformista que há mais de 50 anos encarna a Miss Biá. Ao longo de cinco décadas, Miss Biá testemunhou as conquistas de espaço para viver sua opção, mas também enfrentou as dificuldades de aceitação familiar e de estabelecer vínculos duradouros com parceiros. O episódio também traz entrevista com o cineasta Marcelo Caetano, que produziu o curta-metragem ABC Bailão, sobre uma casa noturna voltada para o público gay maduro. O episódio Ciganos acompanha o cotidiano de uma comunidade que vive acampada em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. A condição nômade, a preservação da língua e o casamento entre ciganos são características desse povo, que luta pela sobrevivência de sua cultura, diante dos apelos da cidade grande. O programa também destaca o casamento cigano como exemplo de seu comportamento alegre, já que as festividades chegam a durar até três dias. Temporal é exibida todas as sextas-feiras, às 22h, com produção da Paleo TV.

Histórias comoventes e depoimentos reveladores. Relatos de experiências das relações entre pessoas de diferentes gerações. Estes são os ingredientes que compõem a série Temporal, dirigida por Kiko Goifman e Olívia Brenga, que estreou em abril no SESCTV. Tendo como ponto de partida o relacionamento entre gerações, nos seus mais diversos graus e aspectos, a série é um retrato da diversidade humana. Em linguagem documental, os episódios apresentam as personagens a partir de temas predeterminados, tais como o amor, a homossexualidade e a música. Neste mês, o canal exibe quatro programas inéditos da série. Os desafios e as experiências de convivência entre vizinhos de condomínios paulistanos estão no episódio O Limite do Vizinho. A equipe vai até o edifício Copan, considerado o maior prédio residencial da América Latina, localizado na região central de São Paulo, onde moram, aproximadamente, seis mil pessoas. O programa também apresenta a vida de integrantes de um movimento de moradia de uma ocupação em Mauá (SP) e acompanha moradores de um flat que constroem relações duradouras, apesar das rígidas regras de convivência. A paixão por jogos é o mote do episódio Sorte e

Episódios inéditos da série que aborda a diversidade humana e as relações entre as gerações

Temporal Direção: Kiko Goifman e Olívia Brenga Sextas-feiras, 22h

O limite do Vizinho Dia: 04/05

Sorte e Estratégia Dia 11/05

O Canto da Biá Dia 18/05

Ciganos Dia 25/05

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Prix Jeunesse

Criança levada a sério Foto: Rafael Pieroni/divulgação

americano, no Prix Jeunesse Iberoamericano. Em 2011, o festival aconteceu no SESC Consolação. Além da projeção das obras, o evento realizou debates com produtores, canais, pesquisadores e também com o público, configurando-se como um espaço de troca de experiências e de amadurecimento para a realização de novos projetos. O SESCTV exibe, neste mês, as produções premiadas na edição de 2011 do Prix Jeunesse Iberoamericano. São curtas-metragens entre três minutos e 14 minutos de duração, realizados por produtores do Brasil, Chile e Cuba. Dentre os brasileiros, a obra Enciclopédia, direção de Bruno Gularte Barreto, apresenta as descobertas de um garoto sobre o amor e sua tentativa de compreensão desses sentimentos por meio de uma enciclopédia. A produção recebeu o primeiro lugar na categoria de 7 a 11 anos – ficção. As obras serão exibidas conforme programação no quadro abaixo, e também durante os intervalos.

Produções premiadas no festival voltado a discutir e apresentar obras audiovisuais para público infantil A produção audiovisual voltada para o público infantil vive um momento de efervescência. A incorporação de novas linguagens e tecnologias e o crescente interesse de produtoras e canais em atender esse segmento têm ampliado o número de produções e gerado debates sobre a qualidade das obras. A questão central dessa discussão está em como realizar um programa, filme ou animação que entenda as especificidades da criança, considerando sua capacidade de apreensão e apreciação da obra. Pesquisadores e realizadores defendem e praticam que o produto audiovisual voltado para esse público deve levar em consideração, acima de tudo, a dignidade e a inteligência da criança. Ampliar o repertório cultural, apresentar a diversidade de linguagens, temas e narrativas e oferecer subsídios para a compreensão do mundo em que vivem são foco dessa preocupação. Tais preceitos orientam também o Festival Prix Jeunesse, realizado em Munique, na Alemanha, desde 1964. A cada dois anos, produtores do mundo todo inscrevem suas obras, que concorrem em cinco categorias para faixa etária e gênero da obra. Desde 2001, uma edição desse festival é realizada no continente

Especial Prix Jeunesse Dia 13/05, 12h Reapresentações: 14/05, às 11h; 16/05, às 10h; 17/05, às 13h; 18/05, às 17h

A Velha a Fiar 05’16’’; Brasil; Dir.: Cesar Cabral; 0 a 6 anos – Ficção

Cantamonitos – Duerme Negrito 03’38’’; Chile; Dir.: Vivienne Barry; 0 a 6 anos – Não-ficção

Enciclopédia 14’; Brasil; Dir.: Bruno Gularte Barreto; 7 a 11 anos – ficção

Pubertad – Me Gustas Tú 07’32’’; Cuba; Dir.: Ernesto Piña; 12 a 15 anos – Ficção e Não-ficção

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Documentário

Foto: divulgação

Foto: Nilton Silva

A corrida pelo ouro e a arte na cidade

documentário Cinecidades – Paisagens em Movimento. Com direção de André Costa, o filme acompanha o processo de criação de artistas que entendem as cidades como plataforma e como inspiração para seus projetos e intervenções. “Faço parte daquele grupo de pessoas que não tinham contato com o audiovisual e começaram a produzir a partir do celular, registrando imagens enquanto dirigiam”, conta Giselle Beilguelman. Para a artista Regina Silveira, a cidade não pode ser vista apenas como uma tela, mas como um espaço vivo para o diálogo da obra com os transeuntes. É criação dela a intervenção Passeio Selvagem, em que prédios e monumentos históricos ganham a projeção de pegadas de animais. Cinecidades – Paisagens em Movimento traz ainda depoimentos do cineasta Wim Wenders, do artista José Sampaio, do Coletivo Studiointro, e do pesquisador em mídias sociais Eric Messa. É uma realização do SESC São Paulo.

Muitas histórias, um mesmo sonho: fazer a vida através do ouro. Em Oiapoque (AP), região de fronteira com a Guiana Francesa, boa parte dos moradores é migrante. Gente que está ali de passagem, disposta a arriscar-se em situações de clandestinidade, atraída pelo desejo de fazer fortuna ou, ao menos, melhorar de vida. Nesse lugar, o preço das mercadorias e dos serviços é dado em gramas de ouro. Realidade ou ilusão? Um número incontável de brasileiros atravessa a fronteira de Oiapoque, no extremo norte do País, em direção à Guiana Francesa, um departamento ultramarino da França em que a extração de ouro nos garimpos ainda é grande. A maioria entra no país vizinho de maneira ilegal, fazendo a travessia do rio Oiapoque durante a noite, assim fugindo da vigilância da guarda da fronteira, do Exército e da polícia local. Não são apenas os garimpeiros que se arriscam nessa travessia, mas também outros brasileiros que enxergam ali uma oportunidade de reconstruir sua história. Como Telma Maria Borba Ferreira, garota de programa que quer atender clientes na região dos garimpos; e Kátia e Geni, travestis que entendem a imigração como porta de entrada para uma vida de glamour em Paris. Essas histórias estão no documentário Do Outro Lado do Rio, dirigido por Lucas Bambozzi, que o SESCTV exibe neste mês. Lançado em 2004, com produção de Daniela Capelato e Maria Pidner Boucinhas, o filme apresenta relatos e acompanha a viagem clandestina desses brasileiros em busca de uma vida do outro lado da fronteira. Outro destaque da programação deste mês é o

Documentário Cinecidades – Paisagens em Movimento Direção: André Costa Dia 13/05, às 20h

Do Outro Lado do Rio Direção: Lucas Bambozzi Dia 27/05, às 20h

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entrevista

A memória e a preservação do audiovisual Foto: Pedro Abude

A senhora trabalhou na pesquisa do filme Tropicália, dentre outros projetos. Como foi esse processo? Delicioso! Eu já tinha feito uma grande pesquisa anterior para um filme que acabou não indo ao ar, no aniversário de 60 anos do Caetano Veloso, em 2002. Eu já era uma espécie de “caetanóloga”. Quando o Marcelo Machado (diretor) foi chamado para fazer o Tropicália, ele me convidou a participar, porque eu já havia trabalhado com ele e ele sabia que eu já possuía um certo know how no tema. Ele me chamou para coordenar e fazer a pesquisa, e eu indiquei o Antonio Venancio, no Rio, para fazer a pesquisa também nos acervos de lá. Ir aos acervos, assistir a horas e horas de filmes, selecionar partes, decupar, acionar acervos no exterior, pesquisar online quando havia a possibilidade, estudar o tema para saber quem poderia ter material mais pessoal de fotos e super 8 – foi garimpagem pura. O que o processo de pesquisa exige de minha parte começa com paixão, estudo do tema, leitura para conhecer, paciência para pesquisar, garimpar e, claro, conhecimento profundo das fontes, também. Qual a importância da pesquisa de acervo para a produção audiovisual? A pesquisa em acervo só existe quando já se tem o conceito de que se quer mesmo fazer um filme histórico usando material de época. Isso é uma opção conceitual. As imagens de época ajudam a roteirizar e a compor os filmes. O uso de filmes “antigos” demonstra a importância do acervo. Porém, um acervo que apenas guarda está faltando com a sua missão. Quando se disponibilizam os filmes para pesquisa, dá-se a chance de que essas imagens antigas possam ser “ressignificadas”, isto é, de que elas possam ser usadas num documentário ganhando novos significados, vida nova, nova roupagem, novas cores, novo público. Esse arquivo passa a viver. E é meio dialético, porque ao usar filmes antigos, você mostra a importância do acervo, do arquivo que vai guardar seu filme, que um dia vai ser antigo, de época também. Existe uma metodologia para a pesquisa de dados e imagens? Acho que não. Cada pesquisador cria seu método. Eu criei o meu. Tenho necessidade de estudar primeiro. Assim, consigo acessar as diversas camadas dos temas da pesquisa.

Eloá Chouzal é pesquisadora de imagens. Graduada em História pela Universidade de São Paulo, com pósgraduação em Cinema Documentário pela Fundação Getúlio Vargas, trabalhou na pesquisa do filme Tropicália, dirigido por Marcelo Machado, e, mais recentemente, para o documentário Santos, 100 Anos de Futebol Arte, direção de Lina Chamie, que celebra o centenário do clube.

“O mais importante é o seu papel nesta cadeia de preservação, porque você, de certa forma, salva do desaparecimento um pedacinho da História em forma de imagens”

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Em Tropicália, nós construímos, a pedido do Marcelo Machado, uma cronologia superdetalhada: uma tabela com várias colunas, com dados sobre o movimento, sobre a História do País e do mundo e sobre os arquivos de que dispúnhamos, que servia para todos da equipe. Tem gente que quer fazer filme de longa-metragem em um mês! Não dá. Eu estudo e vou a campo. Acervos pessoais, acervos de museus, o Arquivo Público do Estado, de TV, de jornais, revistas, cinematecas, bibliotecas. Os que estão online são mais fáceis, pois é possível fazer a pesquisa em casa. Fico horas fuçando. Muitas vezes, a gente sabe que as indexações dos bancos de imagens são mal feitas. E ainda existe o fator sorte. Tem hora que só ela explica alguns achados incríveis. Como é tratada a memória do audiovisual pelos profissionais brasileiros? Os profissionais estão valorizando cada vez mais essa memória. Existe um boom de documentários usando arquivo, nem sempre bem feitos, é claro, mas é visível o aumento exponencial da produção. E tem coisas incríveis como o filme A Música Segundo Tom Jobim, do Nelson Pereira e da Dora Jobim, todinho feito com imagens de arquivo, com pesquisa do Venancio. Isso é muito bom para os acervos, gera demanda, as pessoas percebem que o arquivo é importante, que os filmes guardam uma memória que deve ser preservada e disponibilizada. Temos muitos problemas com os acervos, de acesso principalmente. Acho que este é um dos maiores problemas que o pesquisador enfrenta no Brasil atualmente. Ia ser incrível para a produção audiovisual ter esses acervos todos digitalizados e disponíveis. Ao longo da história da TV no Brasil, importantes acervos foram perdidos, seja por incêndios seja por falta de um arquivamento apropriado. Por que isso ocorre? Aconteceram mesmo muitos incêndios nas televisões, a maior parte deles nos anos de 1960: dois incêndios na TV Excelsior, que inclusive a fizeram fechar, outro na Bandeirantes, na RBS, na TV Cultura (nos anos de 1980). Em geral, nunca se soube quais foram as causas. Muita coisa se perdeu. Também se faziam coisas como gravar por cima das fitas; isso era tão comum, que aconteceu até com os registros do homem na Lua. E também não havia uma cultura de preservação correta, imagino. A memória da televisão tem buracos imensos. De muitas novelas da TV Globo memoráveis só se têm o primeiro e o último capítulos. Os antigos festivais da Record estão com as imagens deterioradas por falta de cuidados

“Os profissionais estão cada vez mais valorizando esta memória. Existe um boom de documentários usando arquivo”

lá na origem. Quando você precisa de imagens de época e começa a pesquisar, sofre, porque percebe tudo o que foi perdido. Como as novas tecnologias contribuem para aprimorar o trabalho de pesquisa? As novas tecnologias contribuem, por exemplo, com a possibilidade de digitalização dos filmes e fitas e sua consequente conservação num suporte que teoricamente não se deteriora. Agora, o trabalho humano por trás disso tudo tem de ser muito bem feito, com gente capacitada para indexar, catalogar, criar tags, decupar os filmes – para que o pesquisador encontre isso. Pois é assim que a busca online é feita, sempre por termos. Num arquivo da França, os Mutantes estavam catalogados como Mutantos. São erros de digitação assim que fazem com que um filme ou uma foto não sejam achados nunca. O uso de imagens extraídas da internet tem sido cada vez mais comum. Esse fácil acesso é positivo? Sim, a internet trouxe um mundo de imagens, e todo o mundo pode ser pesquisador com as novas tecnologias digitais. O que diferencia um profissional de “todo o mundo” é somente sua experiência, sua sabedoria, seu know how. Como com a informação, há excesso de imagens disponibilizadas na internet. Saber ir às fontes certas é que conta para fazer um bom trabalho. Apesar da internet e de todo um mundo disponível online, existe em filmes, em informações e em livros uma imensa produção do passado que não está disponível e dificilmente estará tão cedo. Talvez um dos grandes trabalhos não óbvios do pesquisador seja atuar nesse universo dos suportes que muita gente esquece, por achar anacrônicos. Meu coração acelera quando tenho a sensação de achar imagens preciosas “perdidas” por aí. Assim, o mais importante é o seu papel nesta cadeia de preservação, porque você, de certa forma, salva do desaparecimento um pedacinho da História em forma de imagens, lá onde ninguém mais faria esse resgate.

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artigo

O cinema na TV Quem foi adolescente nos anos 70 do século 20 sabe do que estou falando: assim que a musiquinha chamava para a Sessão da Tarde, todo o mundo ia para a frente da TV. Havia dramas e comédias, faroestes e musicais, ficção científica e aventura. Cada dia se sonhava de um jeito. O que ninguém sabia é que, tarde após tarde, estava desenvolvendo uma cultura cinematográfica que levaria para o resto da vida. Uma experiência precária? Talvez. Os filmes eram interrompidos para os comerciais. A tela não era a ideal. A imagem da TV era precária. Mas era o que dava para ser. Estávamos no Brasil, e aqui o cinema não fazia parte da cultura: os cineclubes definhavam já havia alguns anos; a Cinemateca, como até hoje, raramente tinha filmes para exibir. Para os mais velhos, o cinema naquele tempo era um escape, sim, uma das maneiras de driblar as durezas da ditadura: buscava-se cultura. Esperava-se pelo novo Godard, pelo último Visconti. Pela Mostra de Cinema, que apenas dava seus primeiros passos. Para a garotada não havia durezas, fora as de sempre, as da adolescência. Não se sabia de ditadura, nem se tinha ideia de que a TV Globo era uma espécie de monopólio. Mas era. E, aliás, graças a isso não tinha que programar as coisas horríveis que passam hoje em dia para ganhar audiência. O programador da Globo era um fino crítico. Os filmes eram só americanos, mas que importa? Ali se viam os biscoitos finos. Mas não só, porque isso é impossível. Tanto melhor. Ali se podia comparar John Ford a William Wyler, Jerry Lewis a Woody Allen, Sergio Leone a George Stevens. Era possível escolher o seu lado, os seus preferidos, o seu gênero... O que a TV oferecia era uma experiência capaz de suprir a falta de boa programação na maioria dos cinemas. Nosso grande descaso, no fim das contas, pelo cinema. (À noite, diga-se, não era tão diferente assim. A mesma variedade, entre o ótimo e o medíocre, era oferecida diariamente na, por exemplo, Sessão Coruja). Vamos voltar no tempo. No começo dos anos 60, quando qualquer filme mais complicadinho já era proibido aos menores de 18 anos. Que fazer? A TV Excelsior era um escape importante, onde num dia da semana o cinema era visto de fato como arte e via-se Antonioni e Fellini, Godard e Bresson, Bergman e Monicelli. Que digo eu? E Totó? Sim, havia as comédias de Totó. Legendadas, como os outros filmes. E havia a série das comédias juvenis italianas de Marisa Allasio.

A TV, essa TV ainda não submetida à corrida maluca por audiência, que faz qualquer coisa para ganhar um ponto ou dois na audiência, sobretudo enterrar a cultura – cinematográfica ou não. Por isso a TV paga foi uma esperança grande, quando surgiu. Todo o mundo achava que haveria uma oferta variada, quase infindável de bons filmes. No começo foi isso mesmo que aconteceu. Lembro-me de quando o Telecine tinha um programador que ficava atormentando os estúdios para que copiassem os filmes no formato original. Cinemascope era cinemascope... Tinha que ser exibido como cinemascope... Nesse momento dava para pensar numa TV que ensinaria a ver filmes. Ela trazia ciclos completos de diretores, de épocas, de gêneros, de países. Mais ou menos quando a TV paga entrou no circuito, os canais abertos passaram a exibir quase exclusivamente produtos de terceira linha. Era para “o povão”. Que, como se sabe, não merece nada... exceto desprezo. As coisas já andavam ruins, mas sempre dá para piorar. E isso aconteceu quando a TV paga passou a adotar hábitos de TV aberta. Começou, por exemplo, a interromper os filmes para anúncios. Conforme o canal, há mais tempo de anúncio do que de filme... E passaram também a encher a tela de mensagens, anúncios do que seria exibido no dia seguinte, no mês seguinte, mensagens do patrocinador. Não interessa, não aqui pelo menos, investigar por que isso aconteceu. O certo é que nos últimos anos a TV paga virou o mesmo que a aberta: uma máquina de venda. No mais, os DVDs, com sua qualidade de imagem, impuseram-se como opção. E a TV paga não soube ou, sobretudo, não quis retomar o papel da velha Sessão da Tarde, de Cinemateca informal, e buscar os filmes que estavam fora do mercado. E organizá-los em ciclos. Essas coisas que dão trabalho, afinal. Para completar, surgiu a opção internet. Qualquer garoto sabe como baixar filmes na internet. Com legendas ou sem. Formato original ou em tela cheia. À vontade. Os mais espertos, os que têm mais informação, vão atrás dos filmes que não existem em DVD ou TV. O mundo caminhou e a TV, paga ou não, ficou para titia... Seus bons tempos, parece, passaram. Mas, enquanto foram mesmo bons souberam preservar o interesse e o amor pelas imagens que carregam nossos sonhos.

Inácio Araújo é crítico de cinema. 10


último Bloco Foto: divulgação Foto:

Arte em foco

De casa para a escola Em 13 episódios, a série Caminhos acompanha o trajeto de crianças, jovens e adultos para a escola, revelando os desafios e as diferenças culturais num País de dimensão continental. Neste mês, serão exibidos quatro programas inéditos, com direção geral de Heloisa Passos: Memória e Leite, realizado na Reserva Chico Mendes (AC), dia 06/05; Assim que Subir a Maré, gravado no arquipélago de Bailique (AP), dia 13/05; Trilhos e Grãos, sobre a jornada diária de Julião, que cruza a capital paulista de trem para estudar, dia 20/05; e A Casa da Nonna, produzido no vilarejo de Coronel Pilar (RS), colonizado por italianos, dia 27/05. Sempre às 19h.

Foto: piu dip

Os trabalhos de Aleijadinho e de Victor Meirelles, dois importantes artistas plásticos brasileiros, são apresentados em curtas-metragens no episódio inédito Clássicos da Arte, da série CurtaDoc. Dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, o curta O Aleijadinho (22 min., 1972) lista os principais feitos do artista mineiro. É uma obra-prima restaurada recentemente pela Cinemateca Brasileira e pela Trama, com roteiro de Lúcio Costa e locução de Ferreira Gullar. O curta Victor Meirelles – Quadros da História, de Penna Filho (24 min., 1996), mistura ficção e realidade para recriar a história do pintor catarinense, famoso pelo quadro da Primeira Missa no Brasil. O historiador Fernando Boppré comenta os filmes. Dia 22/05, às 21h.

Diversidade musical As atrações musicais do SESCTV, neste mês, destacam a música erudita contemporânea, com a exibição de concertos do Festival de Música Nova. Compõem a grade de programação o Duo Contexto, dia 01/05; Les Percussions de Strasbourg, dias 08/05 e 15/05; Ensemble Mentemanuque, dia 22/05; e Meirelle Gleizes, dia 29/05, sempre às 19h. Já as noites de quarta feira são reservadas para espetáculos do projeto Movimento Violão, com: Paulo Bellinati e Weber Lopes, dia 02/05; Paulo Martelli, dia 09/05; Brasil Guitar Duo, dia 16/05; Fábio Zanon, dia 23/05; e Duo Siqueira Lima, dia 30/05, às 22h.

Sobre o homem e o meio ambiente A sustentabilidade e a relação do homem com o meio ambiente são abordadas na série Somos1Só, projeto com oito documentários, um longa de ficção e interprogramas realizado pelo SESCTV em parceria com a TV Cultura de São Paulo. Neste mês, o canal apresenta os episódios Trabalho e o Português Gostoso, dia 04/05; Cultura e a Casca de Banana, dia 11/05; Produção e o Cocô da Minhoca, dia 18/05; e Espiritualidade e a Sinuca, dia 25/05. Sempre às 20h. Direção geral de Ana Dip.

O SESCTV é credenciado pelo Ministério da Cultura como canal de programação composto exclusivamente por obras cinematográficas e audiovisuais brasileiras de produção independente em atenção ao artigo 74º do Decreto nº 2.206, de 14 de abril de 1997 que regulamenta o serviço de TV a cabo. Para sintonizar o SESCTV: Aracaju, Net 26; Belém, Net 30; Belo Horizonte, Oi TV 28; Brasília, Net 3 (Digital); Campo Grande, JET 29; Cuiabá, JET 92; Curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; Goiânia, Net 30; João Pessoa, Big TV 8, Net 92; Maceió, Big TV 8, Net 92; Manaus, Net 92, Vivax 24; Natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; Porto Velho, Viacabo 7; Recife, TV Cidade 27; Rio de Janeiro, Net 137 (Digital); São Luís, TVN 29; São Paulo, Net 137 (Digital). Na GVT, canal 228. No Brasil todo, pelo sistema DTH: Oi TV 28 e Sky 3. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC Administração Regional no Estado de São Paulo

Presidente: Abram Szajman Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

A Revista é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Rua Cantagalo, 74, 13.º andar. Tel.: (11) 2227-6527

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Coordenação Geral: Ivan Giannini Editoração: Ana Paula Fraay Revisão: Maria Lúcia Leão Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio Magalhães

Leia as edições anteriores da Revista do SESCTV em sesctv.org.br Envie sua opinião, crítica ou sugestão para atendimento@sesctv.sescsp.org.br

Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas. A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.


Ciclo de Cinema

O cotidiano de pessoas que fazem dos materiais recicláveis seu sustento e meio de integração social

“Estamira”, Direção de Marcos Prado

Inclusão e Sustentabilidade

De 5 a 9 de junho, às 23h Verifique a programação no site

youtube.com/sesctv

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