Revista SescTV - Janeiro de 2012

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Espetáculo: Foi Carmen. Foto: Emidio Luisi

janeiro/2012 - edição 58 sesctv.org.br

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curtadoc

Teatro

documentário

Novos episódios da série de curtasmetragens

SescTV exibe três espetáculos de 1 Antunes Filho

As ideologias do século 20 em Utopia e Barbárie


artes visuais Jorge Guinle Dia 8/2, às 21h30

Obra: 1984. Artista: Jorge Guinle. Foto: Divulgação/MAM SP

s e s c t v . o r g .b r youtube.com/sesctv

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Teatro para compreender o mundo

Assim como as outras artes, o teatro é uma ferramenta que nos ajuda a compreender e interpretar o mundo. No palco, enxergamos nossa condição humana, manifestada por cenas cômicas, por tragédias, monólogos ou musicais. Considerado um dos grandes nomes do teatro no País, Antunes Filho tem trabalhado, ao longo de sua trajetória, na experimentação de novas linguagens estéticas e na formação de atores, de técnicos e de outros criadores cênicos. Antunes está à frente do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), do Sesc, por onde já passaram centenas de jovens atores. O interesse por novos olhares teatrais sempre inspirou Antunes Filho. Nos anos de 1960, dirigiu peças de teleteatro para a TV Excelsior de São Paulo e, na década de 1970, protagonizou essa experiência na TV Cultura de São Paulo. Nos palcos ou na TV, Antunes adaptou textos de autores nacionais e internacionais, clássicos e contemporâneos, tais como Nelson Rodrigues, William Shakespeare, Guimarães Rosa, Eurípedes, Sófocles e Ariano Suassuna. O SescTV exibe, neste mês, três trabalhos recentes de Antunes Filho: os espetáculos Foi Carmen, Lamartine Babo e Policarpo Quaresma, em gravações especialmente realizadas para a TV dos espetáculos encenados no Teatro Sesc Anchieta. Janeiro marca também a estreia de novos episódios da série CurtaDoc. Com uma hora de duração, em programas semanais, a série apresenta a produção de curtas-metragens no gênero de documentário, reunidos tematicamente. No primeiro episódio, diferentes olhares sobre o Preconceito. As ideologias que permearam o século 20 estão no documentário Utopia e Barbárie, com direção de Silvio Tendler, que o canal exibe neste mês. O filme é resultado de 19 anos de pesquisas de imagens e depoimentos e traz entrevistas com, dentre outros, cineastas, cientistas políticos, economistas e ex-militantes. A Revista do SescTV deste mês traz entrevista com o cineasta Fernando Meirelles, que fala sobre os filmes que dirigiu, como Cidade de Deus. O artigo da documentarista Kátia Klock discute a atual produção de curtas-metragens no Brasil. Boa leitura! Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo

destaques da programação 4 entrevista - Fernando Meirelles 8 artigo - Kátia Klock 10

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TEATRO

Antunes em três atos Espetáculo Foi Carmen. Foto: Emidio Luisi

são obras feitas para o palco que foram gravadas para exibição na TV. É videoteatro. É diferente do teatro adaptado para televisão, que fazíamos nos anos de 1970”, explica. “Desta vez, é uma documentação de três obras feitas para o palco, com intuito de divulgação desse trabalho. Conta mais o aspecto cultural do que o artístico. No teleteatro, era o contrário”, completa. Ou seja, os espetáculos que o SescTV exibe neste mês foram apresentados para o público e gravados para televisão. No espetáculo Foi Carmen (apresentado pela primeira vez em 2005), Antunes Filho propõe um mergulho pela miscigenação ocidente-oriente, ao partir do imaginário construído sobre Carmen Miranda, que é mostrado com elementos milenares do teatro-dança japonês, como o butô, o nô e o kabuki. O espetáculo estreou no Japão, em homenagem ao centésimo aniversário do dançarino japonês Kazuo Ohno. Policarpo Quaresma (2010) é uma adaptação da obra O Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto (1881-1922), e aborda a saga do protagonista em tentar ingenuamente resgatar o que de fato seriam as raízes da cultura brasileira. “Policarpo somos nós, que achamos que vamos ter políticos ótimos, mas não temos. É uma realidade que vemos diariamente nos telejornais. Gostaria que esse texto não continuasse tão atual”, afirma Antunes. Lamartine Babo (2009) joga luz sobre o trabalho do cantor e compositor, que viveu no Rio de Janeiro, onde produziu marchinhas de Carnaval e alguns hinos do futebol brasileiros cantados até hoje. Com texto de Antunes Filho, o espetáculo foi dirigido por Emerson Danesi. “A peça é impactante, porque traz a delicadeza do Emerson. Ele tem um senso poético aprofundado”, opina Antunes.

No início da década de 1970, o diretor e dramaturgo Antunes Filho protagonizou a experiência dos teleteatros, na TV Cultura de São Paulo. Numa proposta experimental e inovadora para a época, o projeto adaptava textos de renomados escritores, como o russo Fiódor Dostoiévski, o americano Tennessee Williams, o italiano Luigi Pirandello e os brasileiros Nelson Rodrigues, Jorge Andrade e Lygia Fagundes Telles. Não era um mero registro das peças encenadas, porque o projeto embutia a proposta de uma nova linguagem, com diferentes enquadramentos e posicionamentos de câmera. Como parte do elenco, Tony Ramos, Lilian Lemmertz, Elizabeth Savalla, Raul Cortez, Denise Stoklos e Nathália Timberg. Passadas mais de três décadas, Antunes Filho é hoje consagrado um dos principais nomes do teatro no País. À frente do CPT – Centro de Pesquisa Teatral, desenvolveu o método Prêt-à-Porter, trabalhando na formação de novos atores. Aliou a maturidade à postura inquieta e à constante busca do novo, presente desde os tempos dos teleteatros, na criação de espetáculos que instigam o público. Neste mês, o SescTV exibe três de suas criações recentes: as peças Foi Carmen, Policarpo Quaresma e Lamartine Babo. Antunes pontua, no entanto, a diferença entre os teleteatros e a exibição das peças na TV. “Nesse caso,

SescTV exibe três peças de Antunes Filho: Foi Carmen, Lamartine Babo e Policarpo Quaresma

Teatro Sextas, 21h

Foi Carmen Dia 8/1, às 22h

Lamartine Babo Dia 15/1, às 22h

Policarpo Quaresma Dia 22/1, às 22h

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CURTADOC

Micro-histórias reais Curta Vissungos, Fragmentos da Tradição Oral, de Cássio Gusson. Foto: Divulgação

socioambientalismo, conflitos dos jovens, sentimentos indígenas, quilombos no Brasil, o cinema marginal, a arte como agente transformador e o teatro de resistência. Para comentar essas produções, a equipe foi em busca de profissionais de diferentes regiões do País. “Na primeira edição já havíamos viajado para algumas capitais e desta vez ampliamos ainda mais os sotaques. Os convidados desta edição são do Pará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo”, afirma a diretora. Os filmes foram selecionados a partir de um banco de cerca de 1.200 produções cadastradas no site do projeto. “Já tínhamos 500 documentários na lista. Mas, para compor os 52 programas, precisávamos avaliar um número maior de produções. Reabrimos as inscrições online e recebemos mais 700 filmes. Destes, a curadoria selecionou 170 documentários para os programas desta temporada”, explica Kátia Klock. Esse cadastro permitiu à produtora organizar também um catálogo de 750 curtas-metragens que podem ser assistidos na íntegra, pela internet. Para a diretora do CurtaDoc, são sinais do crescimento também do interesse do público por este gênero. “O formato curta-metragem, apesar de fazer parte dos primórdios do cinema, vem sendo redescoberto pelas novas gerações. Claro que os realizadores e cinéfilos de carteirinha se mantêm como público cativo. Mas hoje é um formato muito usado também por professores em sala de aula, em pontos de cultura e cineclubes”, relata. “Há uma sede do documentário, seja por histórias mais lúdicas e subjetivas, seja por assuntos ligados a questões sociais, ambientais, políticas e artísticas”, completa.

O curta-metragem vive um momento de expansão no Brasil. Mais do que um ponto de partida para experimentação de novos projetos, ele consagrouse como linguagem e tem atraído cada vez mais profissionais do audiovisual. “A produção de curtas – ficção ou documentário – é intensa no País”, afirma a documentarista Kátia Klock, diretora da série CurtaDoc, exibida pelo SescTV. “Além do fácil acesso que temos aos equipamentos digitais para sua produção, os filmes curtos também são motivados pelo crescimento do número de faculdades de cinema em todo o País”, acredita ela. Dentre os Estados brasileiros que vivem essa efervescência estão São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. “Mas cada vez mais Estados como Bahia, Pernambuco, Espírito Santo e Santa Catarina entram com mais força nesse cenário”, destaca. A partir deste mês, o SescTV exibe episódios inéditos da série CurtaDoc. São programas temáticos com uma hora de duração, que intercalam a exibição na íntegra de curtas-metragens de documentário e entrevistas com profissionais da área, que falam sobre os filmes e sobre o mercado atual. Dentre os temas explorados nesses novos episódios estão: preconceito, consumo,

SescTV estreia episódios inéditos da série, com temas sobre o preconceito, o consumo e o socioambientalismo, dentre outros

CURTADOC CurtaDoc Terças, às 21h

Preconceito Dia 31/1

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Coleções

Andar com fé Foto: Divulgação/Giros

de 1745, a imagem foi exposta em uma capela em Itapagipe para veneração dos fiéis. Foi nessa ocasião que nasceu a Irmandade de Devoção ao Senhor do Bonfim. O ritual de lavagem da igreja em reverência ao Senhor do Bonfim era, inicialmente, uma atividade escravocrata. “Os escravos e empregados costumavam lavar a igreja na quinta feira, para que seus patrões pudessem, no domingo, participar da festa”, explica padre Menezes. Em 1804, o papa Pio VII instituiu uma novena ao Senhor do Bonfim; preparando o local para a reza, os escravos limpavam e enfeitavam o templo. Obrigados a aderir ao catolicismo, eles passaram a associar as divindades cristãs às do candomblé. Para os católicos, a festa do Senhor do Bonfim representa o Cristo ressuscitado. No candomblé, a celebração é por Oxalá, o Deus maior. Dentre os grupos presentes na festa, um dos mais simbólicos é o das baianas. Vestidas de branco, elas preparam a água de cheiro que é usada na lavagem da escadaria e também na bênção dada aos visitantes. “A importância da lavagem do Senhor do Bonfim é o axé, a água de cheiro que traz paz”, explica a baiana Rosa de Veloso. A água é preparada com sete ervas cheirosas, dentre as quais o manjericão, o alecrim, a arruda e a alfazema. Outra presença garantida na festa é a do grupo Afoxé Filhos de Gandhi, criado em 1948 por estivadores inspirados no líder pacifista indiano Mahatma Gandhi. Em sinal de fé, eles fazem uma caminhada pelas ruas de Salvador levando uma mensagem de paz, com destino à escadaria da basílica de Nossa Senhora da Conceição. Neste mês, o SescTV exibe quatro episódios inéditos da série Coleções: Fé no Brasil, dentre os quais o programa que mostra a festa da Lavagem do Bonfim, no dia 12/01, às 21h30. A direção geral é de Belisario Franca.

A segunda quinta feira do ano marca uma das festas populares mais importantes realizadas em Salvador (BA). Católicos e adeptos do candomblé e de outras crenças reúnem-se para o ritual religioso da Lavagem do Bonfim. São pessoas de diferentes idades, vindas de diversas partes do País, que juntas dão uma mostra do sincretismo religioso que constitui a cultura brasileira. “A festa do Senhor do Bonfim é uma das mais tradicionais de Salvador; já tem mais de dois séculos. É a expressão maior da religiosidade popular do nosso povo, que vem cultivando, passando de geração em geração a fé e a devoção ao Senhor do Bonfim”, afirma o padre Edson Menezes. A origem da festa remete ao ano de 1740, quando o português Theodózio Roiz de Faria partiu para a Bahia. Católico devoto, ele carregou consigo uma imagem de Jesus Cristo crucificado, esculpida em pinho de riga, com 1,06 metro de altura. Na Páscoa

Episódio mostra a festa da Lavagem do Bonfim, que reúne multidões todo mês de janeiro, em Salvador

Coleções - Fé no Brasil Devotos de Nossa Senhora Aparecida (SP) Dia 5/1, às 21h30

Lavagem do Bonfim (BA) Dia 12/1, às 21h30

Irmã Dulce (BA) Dia 19/1, às 21h30

São Jorge (RJ) Dia 26/1, às 21h30

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DOCUMENTÁRIO

Utopias de uma geração Foto: Acervo Pessoal

filme que apontasse as consequências daqueles atos e ideias no mundo contemporâneo. “Viajei em busca dos sonhos da minha geração. Busquei no presente minhas utopias passadas”, explica. Ao longo desse período, percorrendo 15 países, entrevistou inúmeras personalidades e reuniu imagens que marcaram a segunda metade do século 20. O resultado desse trabalho está em Utopia e Barbárie, documentário com duas horas de duração, lançado em abril de 2010, que o SescTV exibe este mês. Partindo da Segunda Guerra Mundial, Tendler apresenta fatos, ideologias e personagens que marcaram o mundo, num esforço para compreender e interpretar esses acontecimentos. Dentre as pessoas ouvidas, cineastas como o canadense Denys Arcand, o italiano Gillo Pontecorvo, o argentino Fernando Solanas, o japonês Shin Pei e os brasileiros Cacá Diegues, Sérgio Santeiro e Marlene França. Também dão depoimentos a economista (e atual presidente do Brasil) Dilma Rousseff, os dramaturgos Augusto Boal e José Celso Martinez Corrêa, o poeta Ferreira Gullar, o teólogo Leonardo Boff e os jornalistas Alberto Dines, Bernardo Kucinski e Franklin Martins. O filme, assim como a História, não é conclusivo. “Depois de quase vinte anos, descubro que esse filme é uma obra inacabável. Terminaria em 1989, com a queda do muro de Berlim, quando se anunciou prematuramente o fim do século 20. Em setembro de 2001, o ataque às torres gêmeas em Nova Iorque adiaram o fim do século 20... Esta história não tem ponto final. Termina com reticências”.

O que significou ter 18 anos em 1968? Testemunhar mobilizações juvenis, como a Primavera de Praga e as manifestações em Chicago, São Francisco, Paris, Rio de Janeiro. Sentir-se agente da História e ter a certeza de que se podia mudar o mundo. Presenciar a revolução sexual e assumir o discurso pelo amor livre. Desejar profundamente ter direito à participação civil e política. O documentarista Silvio Tendler viveu essa experiência. Aos 18 anos, era um jovem como tantos outros em busca de sua identidade. Tentava compreender as influências de sua origem judia e buscava assimilar os acontecimentos da sociedade daquele tempo. Nascido no período Pós-guerra, tentava compreender a dimensão dos horrores do Holocausto. 1968 foi o ano das grandes mobilizações estudantis pelo mundo. No Brasil, sob regime militar desde 1964, os jovens saíam às ruas para lutar por democracia. Naquele momento, Silvio Tendler percebeu sua vocação de se tornar narrador dessa história. Assim, dava seus primeiros passos como cineasta. Durante 19 anos, Silvio Tendler construiu o projeto de registrar e contar, em documentário, as utopias daquela geração. Mais do que isso, pensou num

Resultado de quase duas décadas de pesquisa, Utopia e Barbárie, de Silvio Tendler, revê as ideologias do século 20

Documentário Utopia e Barbárie Direção de Silvio Tendler Dia 21/01, às 23h Reapresentação: 22/01, às 24h.

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especial entrevista

Foto: Ligia GBrosch

A publicidade me ensinou O senhor fez graduação em Arquitetura. Como foi sua passagem para o cinema? Nem percebi essa passagem. Estava concluindo a faculdade e resolvi fazer, como projeto de conclusão de curso, um médiametragem. Fui para o Japão, e voltei com uma câmera para realizar esse filme. Quando concluí o curso, tinha uma câmera na mão, mas não a ilha para a edição. Voltei ao Japão, comprei outros equipamentos e montei, assim, a produtora Olhar Eletrônico. Alguns colegas lá da USP logo se juntaram a nós. Marcelo Tas, que vinha do curso de Engenharia, foi um deles. Nós aprendemos tudo, literalmente, consultando manuais. Em cada gravação, fazíamos um revezamento na equipe: ora eu estava na câmera, ora na montagem. Assim, todo o mundo aprendeu a fazer um pouco de tudo. Foi um aprendizado na prática. Já nos primeiros trabalhos, a Olhar Eletrônico chamava a atenção pela inovação da linguagem. Essa suposta linguagem inovadora era, na verdade, falta de técnica. A gente errou muito e, assim, aprendeu a fazer de forma diferente. A TV do final da década de 1970 e começo da de 1980 era muito formal e a gente não tinha isso, porque não havia passado por essa experiência. As câmeras nas TVs eram grandes, eles não tinham equipamentos portáteis. Nossa realidade era outra. Consequentemente, a gente acabou fazendo coisas diferentes. Outro fator era nossa falta de dinheiro. Sem grana para contratar apresentadores, nós mesmos fomos nos arriscando, inventando fórmulas, experimentando. A Sandra Annenberg e o Serginho Groisman passaram por lá. O personagem Ernesto Varela, do Marcelo Tas, também surgiu nessa época. Com ele, fizemos várias entrevistas – todo o mundo daquela época passava por nós: Fernando Henrique Cardoso, Paulo Maluf... A gente começou inventando algo que ainda hoje repercute. Como ninguém nos conhecia, a gente circulava e surpreendia.

Fernando Meirelles é considerado um dos principais cineastas brasileiros na atualidade. Formado em Arquitetura, assim que concluiu a graduação ele montou uma produtora, com a qual experimentou linguagens e técnicas, como a usada pela personagem Ernesto Varela, de Marcelo Tas, a qual repercutiu na TV da década de 1980. Meirelles conquistou projeção internacional com o longa-metragem Cidade de Deus. Em paralelo com uma consolidada carreira no mercado publicitário, também dirigiu os longas Jardineiro Fiel,

Como era a relação dos profissionais envolvidos

Ensaio Sobre a Cegueira e 360.

com a Olhar Eletrônico? É engraçado, porque a gente não pensava em enfrentar a ditadura, e só dava risada. Mas é claro que a gente levava aquilo a sério, fazia reuniões culturais, ciclos de filosofia. Mas a Olhar Eletrônico era uma empresa mesmo, com nota fiscal, tínhamos os sócios e uma turma que circulava. A gente morava numa casa no bairro de Pinheiros. A produtora ficava na sala e nós morávamos nos quartos.

A primeira vez que a gente pisava numa TV era para dirigir um programa. Nem preciso dizer que a estreia foi um desastre, mas depois a gente melhorou

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Era uma comunidade hippie eletrônica. E foi com essa configuração que fomos convidados pelo Goulart de Andrade para fazer nosso primeiro programa de televisão. Muito curioso: a primeira vez que a gente pisava numa TV era para dirigir um programa. Nem preciso dizer que a estreia foi um desastre, mas depois a gente melhorou. Com o tempo, o pessoal começou a casar, ter filho, e passou a procurar outras coisas. Porque ninguém ganhava dinheiro com a Olhar. Começamos a ser chamados para fazer campanhas publicitárias, e aos poucos o perfil da produtora foi mudando. Como algumas pessoas não tinham interesse em enveredar para esse ramo, a produtora foi desfeita e eu montei, com o Paulo Morelli, a O2 Filmes.

A publicidade me deixou rigoroso, porque os clientes passavam horas tentando encontrar erros naqueles meus 30 segundos, criticando frame por frame

ler. Lá pela página 60, comecei a fazer umas anotações no livro. Fui me envolvendo com a leitura, e quando voltei para São Paulo já queria fazer. Foi uma loucura, porque tecnicamente era um livro infilmável. Eram mais de 200 personagens, havia muitas histórias. Dei o livro para o Bráulio Mantovani. Foi seu primeiro roteiro para um longa-metragem. Eu tentava arrumar um financiamento, e como não consegui, resolvi bancar o filme. Porque não tínhamos muitos atores com o perfil dos personagens, resolvemos montar, com ajuda do grupo Nós do Morro, uma oficina de teatro. Fizemos uma seleção com 200 garotos e trabalhamos por seis meses, com aulas das 8h às 20h. Para testar algumas técnicas, realizamos o curta-metragem Palace 2. E em seguida, fizemos Cidade de Deus, que eu considero um filme bem sucedido. O coração do filme são os atores. Mas também tem um roteiro eficiente, as falas são orgânicas, a fotografia foi pensada para atores não profissionais. A montagem de Daniel Rezende é excelente, e a trilha também. Por isso o filme funciona.

Nessa época você já pensava em fazer cinema? Todo mundo na Olhar queria fazer cinema, mas nos anos 1980 não existia cinema no Brasil. A gente via nossos colegas da ECA sofrendo para produzir um filme. Por isso, escolhemos fazer televisão, o que nos deu bagagem para na década seguinte investir no cinema. Mesmo do ponto de vista técnico, o cinema não tinha como se sustentar nos anos 1980 sem a publicidade. Não tenho dados, mas acredito que até hoje a publicidade deve movimentar mais dinheiro do que o cinema no mercado brasileiro. Devo ter feito mais de 600 comerciais, mas confesso que não sou bom publicitário. O que sei fazer é traduzir aquele roteiro em som e imagem, sem avaliar se é a melhor estratégia. A publicidade me deixou rigoroso, porque os clientes passavam horas tentando encontrar erros naqueles meus 30 segundos, criticando frame por frame. Foi uma grande escola. A publicidade também foi um total campo de experimentação, para copiar ideias, testar técnicas. A gente aprende quando copia.

Depois, sua carreira enveredou para o circuito internacional, com a direção de Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira. Como se deu essa escolha? Como carreira, nunca pensei em ser cineasta internacional. Não me interessava propriamente por esse mundo. Jardineiro Fiel foi um roteiro que caiu pronto. Topei, porque tinha em mente fazer o filme Intolerância, que seria rodado em vários países. Entrei nesse projeto para ver como circula no mundo, para aprender. Só que acabei não fazendo o Intolerância. Já o Ensaio Sobre a Cegueira foi um roteiro que chegou em casa por amigos. Já tinha lido o livro e até cogitado comprar os direitos, mas José Saramago não autorizou. Relutei um pouco ao receber o convite, porque estava estafado, mas acabei aceitando. No meu filme mais recente, 360, também recebi o roteiro e gostei muito. Inicialmente, eu não faria, porque estava envolvido com a biografia de Janes Joplin. Mas como o projeto não deu certo, retomei a ideia; e foi a experiência mais agradável de filmagem que eu tive.

Como surgiu a ideia do filme Domésticas? Nos anos 1990, estávamos doidos para fazer um longa-metragem e corríamos atrás de projetos. Fui ao teatro ver a montagem de Domésticas, e achei que poderia ser um bom filme. Fizemos em três meses, foi muito rápido rodar e foi muito fácil codirigi-lo com o Nando Olival – a gente se entendia bem. Depois, o filme ficou um tempo parado na montagem; acho que não tínhamos trabalhado muito bem o roteiro. Além disso, nessa época eu já estava envolvido com o projeto de Cidade de Deus. Dez meses depois, voltamos para a ilha e o concluímos. Acho que o resultado do filme foi positivo, porque ele foi feito sem pretensão, não tinha muita expectativa. Era um filme para pôr os pés no cinema. Qual foi seu primeiro contato com o projeto Cidade de Deus? Como eu estava doido à procura de boas histórias, recebi de uma sócia o livro do Paulo Lins. Eu o levei para as férias de Natal e não conseguia parar de

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artigo

Vida longa ao curta A produção de curta-metragem no Brasil é vigorosa. A estimativa é que 300 filmes deste formato são realizados por ano em todo o País. Mas quem vive de curta? É verdade que inexiste um mercado para essa produção (e tantas outras quando o assunto é arte, ousadia e idealismo). O longametragem também sofre com isso, salvo os filmes amparados por um time seleto de produtores articulados com uma distribuidora que abra os caminhos das salas de cinema, tão focadas nos blockbusters... um assunto até repetitivo. O curta segue uma via paralela. O foco dos realizadores de curta-metragem está nas dezenas de festivais brasileiros, a principal vitrine. Se passar pelo crivo dos principais festivais, é comum ter uma vida longa circulando durante um, dois anos. E depois, o que fazer com esse filme? Pelo valor cultural, pode pelo menos estar nas salas de aula ou em um catálogo na web. O acesso e a circulação estão em trânsito. Se um filme curto cai nas graças de um júri internacional, é certo que o diretor está dando um passo largo, experimentado por poucos (infelizmente), ao pensar na ativa e distinta produção brasileira – dos diretores metropolitanos aos coletivos do interior do Brasil. Todos buscam um lugar nessa seara disputada. Alcançar uma carreira internacional é uma experiência que, no mínimo, traz reconhecimento dentro da nossa realidade audiovisual. Faz o diretor pensar grande: o próximo filme quem sabe será um longa. Mas muitos curtas ficam fora de festivais, e isso pode ser às vezes incompreensível. Vamos crer que apenas os ótimos e muito bons têm uma circulação diferenciada. E os filmes medianos? O rumo é outro. As mostras em cineclubes e pontos de cultura e a exibição em canais de compartilhamento potencializam esses filmes, que encontram um público. Com o advento da banda larga temos um crescimento de canais na web exibindo e fomentando o curta-metragem, formato muito adequado às novas mídias. As emissoras de televisão sempre foram questionadas sobre o espaço para a produção independente. O panorama atual se mostra otimista, e cada vez mais as tevês se abrem para o curta-metragem. Temos programas que repercutem esse formato no SescTV, TV Brasil, Canal Brasil, TV Cultura. Algumas emissoras regionais, como Rede Minas e TVE/RS, também têm espaço para o curta-metragem. Realmente, os filmes curtos realizados com dinheiro público deveriam ter como contrapartida a exibição em emissoras educativas. Sem compromissos comerciais, o curta é um filme

cultural, depende da criatividade e da liberdade do realizador e sua equipe. A maioria é fruto de prêmios, editais, apoios culturais através de leis de incentivo. Há ainda os curtas de conclusão de cursos, crias das dezenas de faculdades de cinema no Brasil. As produções contemporâneas são marcadas pela diversidade, com uma gama de temáticas que valorizam as buscas internas, as artes, a memória, as relações sociais, o universo urbano. Os roteiros, as linhas narrativas e a estética são os pontos de experimentação que fazem os diretores testar a criação sem restrições. O cinema nasceu curto, lá em 1895, com os irmãos Lumière. No Brasil, os primeiros foram rodados a partir de 1897 por imigrantes europeus. Nos anos 1920, as histórias longas conquistaram espaço e o cinema ganhou uma importância significativa como entretenimento e arte. A partir daí o curta passou a ser o que é até hoje, um laboratório para as narrativas breves. Nem por isso sua história é abreviada. A cada década, um movimento, uma mudança, novos festivais. Com a Lei do Curta (nº 6.281/1975), que obrigava a exibição de um curta-metragem nacional antes de um longa estrangeiro, o público brasileiro pôde enxergarse na tela. Com a crise econômica e a dormência da produção de longas nos anos que antecederam o fim da Embrafilme (1990), surgiram novos cineastas em todo o País entusiasmados com o curta-metragem, a conhecida ‘geração do curta’. Mas a Lei do Curta ficou parada no tempo, apesar da militância das entidades de classe que amparam o audiovisual. Em 2006, a Ancine (Agência Nacional de Cinema) foi convocada a regularizar a Lei novamente, e repassou a missão para a Secretaria do Audiovisual. Se a Lei do Curta voltasse, já seria uma ação importante para a distribuição. O curta-metragem é uma janela para experimentar, um exercício, um aprendizado. O desafio é sintetizar e encontrar um percurso, seja na tela do festival ou da praça, na tevê ou na web. Os filmes de todas as durações são feitos com um objetivo: exibir! Apesar dos percalços, quem persiste numa trajetória de curtas é porque tem um incontrolável amor a essa arte. Alguém já falou, e replico: “Só se faz curta com o coração”. Kátia Klock é jornalista, documentarista, diretora do CurtaDoc, programa exibido no SescTV e também um canal na web (www.curtadoc.tv) 10


último Bloco Foto: Foto: Julia Moraes

Música na Pauliceia

Vertentes da arte eletrônica A série Artes Visuais propõe uma visita à edição de 2011 do FILE, o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica. A curadora do evento, Paula Perissinotto, guia o telespectador pelas obras e intervenções artísticas que mesclam tecnologia, games e a linguagem audiovisual, vindas de diferentes países, como Alemanha, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Bélgica, Reino Unido e Brasil. A interatividade é a tônica da maioria das obras, permitindo o envolvimento direto do público e buscando estabelecer-se como uma frente da arte contemporânea. Dia 18/01, às 21h30.

Foto: Elcio paraíso

O cantor e compositor paulista Eduardo Gudin é atração do SescTV no dia 25, aniversário da cidade de São Paulo. Ele apresenta o musical Eduardo Gudin & Notícias Dum Brasil, em que mostra composições próprias e parcerias com grandes nomes da MPB. No repertório estão Chorei, Samba de Verdade, Paulista e Velho Ateu, entre outras, interpretadas por ele e por cantores convidados, como Luciana Alves, Fabiana Cozza, Maulise Rossato, Maria Martha, Edson Montenegro, Mônica Salmaso, Luiz Bastos, Renato Braz e Márcia Lopes. O episódio traz também entrevista com Gudin, que relembra o início de sua carreira, aos 16 anos, no programa O Fino da Bossa. Dia 25/01, às 22h.

Arte contemporânea em pauta

Ao som do jazz

O SescTV exibe, neste mês, o último episódio da série Videobrasil na TV: Seminários Panoramas do Sul 3. O programa apresenta as publicações relacionadas à arte, seja como um objeto de expressão artística, seja como um meio de difusão de informações. Videobrasil na TV integra a programação do Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc – Videobrasil, que pela primeira vez incorporou a televisão como uma de suas plataformas de ação. O festival, que é realizado desde 1983, tem curadoria de Solange Farkas. Dia 02/01, às 22h.

O Instrumental Sesc Brasil apresenta, neste mês, espetáculo inédito com o trompetista Wagner Souza. Acompanhado de seu sexteto, ele traz um repertório de jazz e improvisação, com composições próprias e de outros músicos consagrados, como Naquela Época, Sub Fausto, Preciso Aprender a Viver Só e Joy Spring. Souza começou sua carreira tocando em bandas de bairro. Tocou em orquestras filarmônicas e em bandas de baile, tendo-se influenciado pelo trabalho de Daniel Cântara, Jessé Sandoc, Cláudio Roditi, Vander e Clifford Brown. Dia 16/01, às 22h.

O SESCTV é credenciado pelo Ministério da Cultura como canal de programação composto exclusivamente por obras cinematográficas e audiovisuais brasileiras de produção independente em atenção ao artigo 74º do Decreto nº 2.206, de 14 de abril de 1997 que regulamenta o serviço de TV a cabo. Para sintonizar o SescTV: Aracaju, Net 26; Belém, Net 30; Belo Horizonte, Oi TV 28; Brasília, Net 3 (Digital); Campo Grande, JET 29; Cuiabá, JET 92; Curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; Goiânia, Net 30; João Pessoa, Big TV 8, Net 92; Maceió, Big TV 8, Net 92; Manaus, Net 92, Vivax 24; Natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; Porto Velho, Viacabo 7; Recife, TV Cidade 27; Rio de Janeiro, Net 137 (Digital); São Luís, TVN 29; São Paulo, Net 137 (Digital). Na GVT, canal 228. No Brasil todo, pelo sistema DTH: Oi TV 28 e Sky 3. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC Administração Regional no Estado de São Paulo

Presidente: Abram Szajman Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

A Revista é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Rua Cantagalo, 74, 13.º andar. Tel.: (11) 2227-6527

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Espetáculo: Ewá - Studio 3 Cia. de Dança. Foto: Arnaldo J G Torres

dança contemporânea Todas as quartas, à meia-noite

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