Revista SescTV - Junho de 2011

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Junho/2011 - edição 51 sesctv.org.br

MÚsica Uma homenagem à cantora Mercedes Sosa Sala de Cinema Milton Gonçalves relembra passagens de sua carreira

Foto: Isabel D’Elia

Instrumental A criatividade e a versatilidade de Hermeto Pascoal

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Foto: Giros Produçþes

Mercados Populares

Em Julho sesc tv.org.br 2


O canto da liberdade

Na América Latina, a música sempre foi um canal de manifestação do desejo da liberdade. Uma cantora em especial fez ressoar a mensagem de uma identidade latino-americana. Alguém que, com sua voz, despertou nos povos do continente o respeito pela diversidade e a busca da liberdade: Mercedes Sosa. A cantora, argentina, começou sua carreira resgatando músicas folclóricas de seu país, mas logo se tornou o símbolo de valorização da unidade dos povos latino-americanos. Neste mês, o SescTV presta uma homenagem a Mercedes Sosa no musical Uirapuru Latino-americano, gravado no Sesc Pinheiros. Para o show, reuniram-se os músicos que por pelo menos duas décadas acompanharam Mercedes Sosa. Entre eles, o arranjador Popi Spatocco e a assistente pessoal da cantora, Maria Miñano Cerna. Para interpretar as canções do repertório de Mercedes, foram convidados os cantores Renato Braz, Cida Moreira, Márcia Castro, Mônica Salmaso e Coqui Sosa. Carregado de emoção, o espetáculo é também um importante registro da influência que a cantora exerceu e ainda exerce sobre os mais diversos artistas do mundo todo. A programação do canal destaca também a carreira do ator Milton Gonçalves. Ele mesmo revela, em entrevista ao Sala de Cinema, a contribuição do Teatro de Arena em sua formação como ator e como cidadão. A série Coleções apresenta, neste mês, episódios sobre autos populares, manifestações com origem no sincretismo entre o catolicismo e a cultura africana. O programa Instrumental Sesc Brasil apresenta episódio inédito com o multi-instrumentista Hermeto Pascoal, respeitado no mundo todo por sua versatilidade e habilidade em extrair sons dos mais diferentes instrumentos e objetos. A Revista do SescTV deste mês traz entrevista com o musicólogo, jornalista, radialista e produtor musical Zuza Homem de Mello, que relembra passagens de sua carreira, em especial na realização dos Festivais da Record, nos anos de 1960. O artigo do professor e músico Edwin Pitre-Vásquez aborda o papel da música como formadora de identidade cultural. Boa leitura! Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc SP

Capa: Ilustração de Roney George para o espetáculo Uirapuru Latino-americano - homenagem a Mercedes Sosa

destaques da programação 7 entrevista - Zuza Homem de Mello 8 artigo - Edwin Pitre-Vásquez 10

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ESPECIAL MUSICAL

A voz da latinidade foto: Isabel D’Elia

comemora – e na cidade onde se proclamou – a independência da Argentina: 9 de julho, em San Miguel de Tucumán. De origem ameríndia, Mercedes iniciou sua carreira cantando a música folclórica de seu país e foi uma das representantes do movimento Nueva Canción, que valorizava a cultura latino-americana através da música. “Mercedes Sosa cantou em todos os lugares do mundo, levando nosso idioma e nosso sentimento latino-americano, pregando algo que era fundamental: o respeito à liberdade, à paz e à diversidade”, afirma o cantor Coqui Sosa, sobrinho da cantora. Sua mensagem de construção de uma identidade latino-americana inspirou outros artistas, que se tornaram seus parceiros em interpretações. Entre eles, os brasileiros Caetano Veloso, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gal Costa e Daniela Mercury. “Mercedes inventou o Mercosul afetivo, essa unidade através do canto. Ela cantava músicas de representantes da América Latina inteira”, lembra Mônica Salmaso. Mercedes Sosa morreu em outubro de 2009, aos 74 anos de idade. Cinco meses depois, os músicos que a acompanhavam reuniram-se no teatro do Sesc Pinheiros para o show Uirapuru Latino-americano – homenagem a Mercedes Sosa. Convidaram os cantores Cida Moreira, Coqui Sosa, Márcia Castro, Mônica Salmaso e Renato Braz. “Esse show é a forma que tenho de agradecer o que Mercedes fez por mim. Ela amava a música, amava cantar e cantava aqui no bar tomando um café, no camarim, em qualquer lugar”, afirma o diretor geral do espetáculo, Ricardo Frugoli. No repertório, sucessos como Yo vengo a ofrecer mi corazón; Duerme negrito; La maza; Volver a los 17 e Gracias a la vida. A direção do espetáculo para televisão é de Coi Belluzzo.

Em 1982, uma série de shows organizada na Argentina – naquele período ainda sob regime militar – marcava o retorno de Mercedes Sosa àquele país, após três anos de exílio pela Europa, onde se consolidara como uma das principais intérpretes latino-americanas. Realizados no Teatro Colón, os shows comoveram o público não apenas pelo talento e pelo carisma de Mercedes Sosa, mas pelo que sua presença ali representava: a volta da liberdade. “Mercedes é um símbolo do que não se podia fazer, mencionar, dizer ou desejar naquele momento. Quando ela voltou ao país, sua presença foi a evidência da volta de outras coisas. Por isso o simbolismo desse regresso, que foi muito forte para nós, argentinos”, explica Popi Spatocco, diretor musical e arranjador de Mercedes. E foi assim durante toda sua vida. Mercedes Sosa é sinônimo de liberdade: nasceu na data em que se

Espetáculo presta homenagem a Mercedes Sosa, cantora que difundiu a música latino-americana, a liberdade e a diversidade

MUSICAL Uirapuru Latino-americano – homenagem a Mercedes Sosa Dia 22/06, às 22h

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Instrumental

O som do improviso foto: Nilton Silva

TV Record. Hermeto ganha então alguns prêmios como arranjador. Seu talento logo chama a atenção de músicos internacionais: em 1969, grava com Miles Davis duas de suas músicas: Nem um talvez e Igrejinha. Por conta da criatividade e da agilidade com os improvisos, Hermeto começa a ser reconhecido e premiado em festivais de jazz. “Acho curioso, é um tipo de rotulação. Mas não me importo muito, porque sei que é apenas uma divisão na música. Prefiro chamar minha música de universal”, diz. Apesar da liberdade para improvisar, Hermeto explica que a base de suas músicas é registrada em partituras, para que seus colegas de palco o acompanhem com segurança. “Como eu não enxergo bem para ler as partituras, escrevo para os outros. Assim, quando eles vão solar, a base está ali”, explica. Em 2002, Hermeto ganhou uma nova parceira de trabalho, Aline Morena, que o acompanha em solos de voz e viola, no projeto Chimarrão com Rapadura, referindo-se à origem gaúcha dela. Hermeto Pascoal é destaque no Instrumental Sesc Brasil deste mês, com direção artística para televisão de Max Alvim. Além da de Aline, o show tem a participação de Itiberê Zwarg (baixo); Márcio Bahia (bateria); Vinicius Dorin (sopros); André Marques (piano); e Fabio Pascoal, filho de Hermeto (percussão). No repertório, entre outras: Izildinha; Joyce; Fazenda Nova; Ailin; e Piano Solo.

A experimentação de sons sempre fascinou o músico Hermeto Pascoal. Nascido em Arapiraca, Alagoas, em 22 de julho de 1936, ainda criança costumava usar um cano de mamona de abóbora (“jerimum”) para tirar um som de pífano, com o qual tocava para os passarinhos. “Já com sete ou oito anos de idade eu não tinha paciência para ficar na mesmice. Fui crescendo e vendo que os dias não são iguais. O mais importante é: faz o que tu amas”, afirma. Com o avô, ferreiro, Hermeto conseguia sobras de material para extrair novos sons. Outra de suas brincadeiras era transformar a água da lagoa em instrumento musical. Ao lado do irmão mais velho, começou a apresentar-se em forrós e festas de casamento. Em 1950, Hermeto se mudou para Recife para trabalhar em rádio. Lá, encontrou um importante parceiro, que faria parte de seu trio O Mundo Pegando Fogo: o sanfoneiro Sivuca. Nesse período, Hermeto casou-se com Ilza da Silva, com quem teve seis filhos, e aprimorou os estudos na sanfona e em seguida no piano. No final daquela década, Hermeto foi para o Rio de Janeiro para apresentar-se em boates e hotéis, acompanhando grupos. Nos anos de 1960, já morando em São Paulo, participou da formação do Quarteto Novo, que passou a apresentar-se nos festivais musicais da

Programa apresenta o talento e a criatividade de Hermeto Pascoal para criar sons a partir dos mais diversos objetos e instrumentos

Instrumental Sesc Brasil Hermeto Pascoal Dia 20/06, às 23h

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Coleções

Foto: Divulgação

Frutos do sincretismo

A cultura popular brasileira tem a mistura como ponto de partida. Diferentes culturas, ritos, sons e crenças se fundem e se transformam, criando novas referências e constituindo a identidade da nação. É o chamado sincretismo, presente principalmente na religiosidade e nas manifestações culturais. Os autos populares são exemplo dessa miscigenação. São práticas nascidas em comunidades locais, muitas vezes tendo como base a religião católica acrescida de rituais de origem africana trazidos pelos escravos e incorporados à cultura brasileira. “Um auto popular é uma reunião de um culto religioso – uma prática cultural e religiosa, que reúne a identificação e o significado tanto da fé quanto da cultura popular com a sociedade e com as pessoas envolvidas”, explica o historiador Dário B. Rodrigues. “Entendo que também é algo da devoção pessoal e coletiva, que reúne elementos da memória, do passado, da sua religiosidade”, afirma. Os autos populares estão no cotidiano da vida da comunidade local, mas também têm seu momento de festa, numa data muitas vezes ligada à comemoração de algum santo ou festa católica. A preparação para o evento ocorre muitos meses antes, na confecção de figurinos, enfeites, máscaras e instrumentos, portanto envolvendo nos preparativos boa parte da comunidade. É o que ocorre, por exemplo, na cidade de Bragança, no Pará, onde se realiza a Marujada. Os moradores explicam que esse auto é uma tradição cultural trazida pelos escravos no final do século 18, quando, ao receberem o consentimento de seus donos para organizar a Irmandade de São Benedito, em comemoração saíram dançando pelas ruas. Todos os anos, entre março e abril, três comitivas partem com a imagem de S. Benedito para visitar

as casas, numa peregrinação que dura até 26 de dezembro, data em que os grupos retornam para a grande festa na igreja principal da cidade. Ao chegar a cada casa, a comitiva realiza um ritual que envolve rezas, cantos e ladainhas de louvor e súplica entoadas em latim e em português. Em troca, o anfitrião oferece aos integrantes abrigo para o pernoite, além de comida e bebida. A Marujada está em episódio inédito da série Coleções, dedicada neste mês a autos populares. Também estão na programação o auto Zambiapunga, realizado em Nilo Peçanha, no sul da Bahia, dia 16/06; e o Cavalo Marinho, praticado por cortadores de cana da região da Zona da Mata, em Pernambuco, dia 30/06. Direção de Belisario Franca.

Resultado da mistura entre crenças e culturas, os autos populares criam tradição e mobilizam a comunidade em torno de um ritual

Coleções Quintas, 21h30

Autos Populares: Zambiapunga Dia 16/06

Autos Populares: Marujada Dia 23/06

Autos Populares: Cavalo Marinho Dia 30/06

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Sala de Cinema

Ele Não Usa Black-Tie Foto: Divulgação

o promotor Lourival Prata da novela Roque Santeiro (1985) e o senador Romildo Rosa de A Favorita (2008). Crítico e consciente, Milton Gonçalves foi um dos precursores da ampliação de espaço para atores negros no Brasil. “Sou um cidadão como qualquer outro neste país, que vota, que participa e que procura compreender as coisas. Não quero que me tratem paternalizando ou que me desrespeitem como cidadão”. A dedicação e o estudo minucioso dos personagens são características de sua atuação, a exemplo do protagonista travesti de A Rainha Diaba (1974, de Antonio Carlos de Fontoura). “Quando você consegue estudar um personagem, quando você confia nele, é algo inexplicável. Você começa a adquirir aquilo que você tem na cabeça. Eu tinha uma Rainha Diaba na cabeça. Era o braço da minha mulher, o jeito de cruzar a perna da minha cunhada, o olhar lânguido da menina apaixonada. Stanislavski nos ensina a incorporar isso no personagem com tal força e tal energia, que você se apropria e ele passa a ser seu”. Milton Gonçalves está em episódio inédito do Sala de Cinema, no dia 16/06.

O primeiro contato de Milton Gonçalves com o teatro ocorreu quando, ainda menino, trabalhava como operário em uma gráfica e recebeu a encomenda para imprimir convites para a apresentação de uma peça. Ao entregar o material, ele ganhou um dos convites e foi assistir. Na semana seguinte, ao lhe perguntarem se havia gostado, respondeu: “Sim, e sou capaz de fazer aquilo”. A frase foi seu passaporte para o universo das artes cênicas. “Se eu tivesse feito um teste vocacional lá no início da carreira teria dado, entre as opções, o teatro, porque eu já gostava muito”, lembra Milton Gonçalves. Após o primeiro contato com o teatro amador, Milton Gonçalves passou a receber convites para participações em outros projetos, até ser chamado para representar um negro escravo na montagem Ratos e Homens, do grupo Arena, com direção de Augusto Boal. “No Arena, fui jogado num caldeirão de ideias. Fizemos algo muito importante: organizamos, reunindo grandes nomes para oficinas e discussões, o Seminário de Dramaturgia e o Seminário de Interpretação, cujo resultado rege a TV brasileira e ainda hoje faz sucesso com o público”, acredita. Sua carreira inclui mais de 60 filmes, entre os quais O Anjo Nasceu (1969, direção de Júlio Bressane); Eles não Usam Black-Tie (1981, de Leon Hirszman); e Quilombo (1984, de Cacá Diegues). Trabalhou ao lado de Grande Otelo no clássico Macunaíma (1969, de Joaquim Pedro de Andrade). “O Grande Otelo e eu tivemos escolas diferentes. Ele vinha de um lugar onde, por ser baixinho e preto, nem sempre era respeitado como tal. E eu vinha de um lugar, no teatro, no qual era respeitado como cidadão. E ele sabia o que era a dor, a vitória e a derrota, dada a sua vivência”. Na televisão, desempenhou dezenas de papéis, como

Direção de Luiz R. Cabral.

Ator consagrado, com participação em mais de 60 filmes, Milton Gonçalves tem como base o trabalho realizado no Teatro de Arena

Sala de Cinema Quintas, às 22h

André Klotzel Dia 02/06

Geraldo Sarno Dia 09/06

Milton Gonçalves Dia 16/06, às 21h

Francisco César Filho Dia 23/06

Cláudio Assis Dia 30/06

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entrevista

Foto: Alexandre Nunis

A música popular brasileira na TV

Sua trajetória profissional está ligada a importantes projetos de música na televisão. Quando e em que contexto essa relação começa? Começa em 1959, quando entrei

A história da música popular brasileira na televisão passa por Zuza Homem de Mello. Musicólogo, jornalista, radialista e produtor musical, ele teve participação ativa na realização de programas musicais na TV da década de 1960. Contratado pela Record em 1959, Zuza ajudou a construir os Festivais de Música Popular Brasileira, que revelaram talentos como Chico Buarque e Nara Leão, entre tantos outros. Formado em Musicologia pela Juilliard School of Music de Nova York, Zuza já trabalhou como assessor da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo; atualmente assina uma coluna no jornal Valor Econômico e ministra aulas em cursos pelo País.

na Record como ajudante de caboman. Em pouco tempo, eu me tornei chefe de som do teatro daquela emissora. Rapidamente, eu fui de soldado raso a comandante. Vinha de uma trajetória nos Estados Unidos, onde estudei e me preparei para isso, e lá na Record perceberam que eu tinha condição de assumir responsabilidades maiores. Essa função no teatro me permitiu contato com artistas nacionais e internacionais. Alguns programas de rádio e da TV, com plateia, eram transmitidos desse teatro. Conheci os mais importantes artistas da época, orquestras e cantores. Foi assim que começou.

“A grade de programação da TV por assinatura até contempla a música, com reportagens, entrevistas e elementos complementares, como informações e análises”

A música esteve presente na TV desde as primeiras experiências. Na sua opinião, seria uma herança da rádio?

Os primeiros programas ligados à música popular na TV eram atrações esporádicas e especiais, com uma hora de duração, dedicados a um artista específico. Alguns desses programas usavam o mesmo formato e as mesmas características dos musicais da rádio. Eram amostras das músicas mais executadas na rádio. A Record tinha uma

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atração chamada Astros do Disco, da TV Record, que era um hit parade da semana, em que os próprios artistas cantavam seus sucessos. Então, é evidente que esses artistas migravam da rádio, porque ainda não havia uma consolidação da TV. Eram programas de rádio televisionados. Mas nem tudo o que existia na rádio funcionava na TV. Era apenas o começo do processo de

“Um dos aspectos mais importantes [dos Festivais] é que muitas dessas músicas apresentadas na TV eram inéditas. Isso despertava no público a sensação de participação”

se encontrar um formato típico e próprio para televisão. Ao longo dos 60 anos da história da TV no Brasil, a música brasileira viveu um marco, com os Festivais da Record, até hoje uma referência. Quais as conjunturas daquele momento que proporcionaram tamanha projeção desse evento? É

Até os anos de 1980, os programas musicais ainda eram comuns nas grades de programação. Nas duas últimas décadas, no entanto, essa fórmula parece ter perdido

bom lembrar que, antes dos festivais, havia os musicais na TV. A TV Tupi já tinha feito algumas experiências nesse sentido. O marco significativo em termos de conteúdo televisivo é a Elis Regina. Quando ela cantava Arrastão na TV Excelsior, dava uma interpretação visual que artistas de rádio não tinham. Era só ela no palco, sem bailarinas nem adereços. A Elis na televisão foi um acontecimento. Logo depois, ela foi contratada pela TV Record para fazer O Fino da Bossa. O diferencial estava na participação do público, que pagava ingresso para assistir ao programa, algo inimaginável nos dias atuais. Esse público era focalizado pelas câmeras reagindo às músicas. Isso foi completamente inovador. Além disso, os programas traziam cantores convidados para interpretarem outras músicas. Não era para repetir o que já estava no disco, eram novas interpretações das canções. Isso trazia dinâmica aos programas. No teatro da Record, o som era real, autêntico e emocionante, porque era produzido ao vivo. Esses aspectos mudam completamente os padrões e a Record passa a dominar o cenário musical com outras atrações, preenchendo sete dias por semana de programação com música popular brasileira. Depois disso é que entram os Festivais. O primeiro Festival na televisão, por sinal, foi realizado pela TV Excelsior e deu indicações à Record de que havia um público de TV interessado em assistir e em vibrar

fôlego. Houve uma crise de formato? Sim, é exatamente

isso: uma crise de formato. A TV aberta está à procura de outra fórmula que talvez nem encontre. A grade de programação da TV por assinatura até contempla a música, com reportagens, entrevistas e elementos complementares, como informações e análises. Quando um programa fala da formação de um arranjo, a história daquela composição, isso acrescenta ao programa. A TV aberta abre espaço para a música também em quadros dos programas de auditório. Sim, mas com uma preocupação totalmente comercial. Basta dizer que o mercado fonográfico paga para os artistas se apresentarem na TV. Fica uma coisa de cima para baixo. Só se pensa no público em termos de audiência, mas não é indagada a qualificação dessa audiência. Mesmo que o público não esteja gostando daquele programa. Esse é um viés que desqualifica a música, ou seja, mudam-se as regras do jogo. A música, hoje, não vale pelo que é, se é boa ou ruim. Para citar um exemplo: pergunte ao leitor desta revista quando ouviu pela última vez uma música do Chico Buarque ou do Tom Jobim num programa da TV. Muito raro! E, no entanto, eles são duas das mais ilustres figuras da música brasileira.

com seus cantores. Outro formato explorado pelos canais é o dos reality shows Em que sentido os Festivais da Record e outros programas musicais, como O Fino da Bossa e Jovem Guarda, contribuíram para popularizar a música brasileira? Um

musicais. Na sua opinião, esse tipo de programa abre espaço para novos talentos? Não sei até que ponto esses

novos artistas têm liberdade de escolher e interpretar o que querem. Lembro-me daquela cantora britânica, Susan Boyle, que se tornou atração mundial por ter cantado algo que era autenticamente dela, sem seguir orientações de um diretor que aplaina a naturalidade do artista. Isso é muito mais interessante. Quando se dirige, até se produz algo mais acessível, mas no fundo é como se fosse algo industrializado, como uma linha de montagem. E, na arte, linha de montagem é algo que não funciona.

dos aspectos mais importantes é que muitas dessas músicas apresentadas na TV eram inéditas. Como os telespectadores as estavam ouvindo pela primeira vez, eles tinham despertada a sensação de fazer parte da construção daquele momento. É histórico. Não eram hits já consagrados. Com emoção, a participação é muito maior. São pessoas trocando ideias sobre algo até então inédito. E há também outro elemento, a competitividade das canções, que dava ao público a chance de torcer por sua música preferida.

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artigo América Latina: Música e Identidade Em 1995, iniciei estudos sobre Música e Identidade na América Latina, no mestrado da Universidade de São Paulo. Na época havia uma voz recorrente que afirmava: “a música brasileira e cubana são muito parecidas...”. Essa voz, que vinha de músicos, pesquisadores, dançarinos, produtores musicais e público em geral, acabou configurando uma pergunta: será que a música brasileira e a cubana se parecem? A pesquisa realizada objetivava encontrar as semelhanças e diferenças, levantar a bibliografia existente, em um estudo comparativo. O desafio foi enorme, por envolver aspectos sobre música e identidade na América Latina. Este artigo traz as reflexões levantadas na época complementas por análises posteriores. O autor Otávio Ianni argumenta que a América Latina continua a viajar em busca da ocidentalização, no intuito de tornar-se contemporânea do seu tempo. Mas, segundo ele, essa é uma viagem acidentada, somando conquistas e frustrações, originalidades e distorções. Nesta proposição, Otávio Ianni coloca o paradigma cultural e identitário em debate, suscitando a pergunta: não seria uma nova forma “caótica” de encontrar resposta a este paradigma? Néstor García-Canclini, ao abordar as questões culturais na América Latina desde “A Hibridação e sua família de conceito”, tais como a mestiçagem e o sincretismo, também nos coloca diante de questões conflitantes das fusões étnico/raciais, crenças, entre o culto e o popular, a oralidade o escrito e o visual, observando que todos estes processos se encontram em transformação. O mesmo autor cria uma imagem possível de ser vinculada à de Ianni, ao comparar o Latino-americano com um pêndulo, ou seja: às vezes se comporta como “tradicional” e às vezes como “moderno”. Todas estas contradições aparecem quando queremos encontrar elementos identitários na Música da América Latina. Contudo, a Música produzida neste território possui características próprias e originais, e mostra a diversidade e a liberdade de criação, seja ela folclórica, tradicional, popular ou de massa, cada uma expressando-se com a sonoridade da cultura à qual pertence. Desde esta perspectiva, observo que se entendermos o contexto em que esta música é produzida, podemos compreender sua gente e seus valores culturais. Se tomarmos como exemplo duas cantoras ícones representativas como Celia Cruz e Mercedes Sosa, que a partir da segunda metade do Século XX surgiram como “adjetivos musicais” dos seus países, notamos que deixaram um material simbólico importante. Celia Cruz (1925-2003), cantora de ascendência afrocubana, possui mais de 90 discos gravados. O primeiro deles, de 1948, inicia uma carreira vinculada a orquestras

como a “Sonora Matancera”. Sua voz e performance trouxeram elementos identitários que caracterizam o povo cubano. Foram expressões idiomáticas, repertório, gestual, timbres vocais e instrumentais que nos permitem aproximar-nos dessa cultura. No ano de 1990, ganhou o Grammy, e em 1994, a Medalha Nacional de Artes do governo norte-americano. Com a Fania All Stars (grupo musical integrado pelos principais artistas de Salsa), esteve no antigo Zaire, hoje República Democrática do Congo, promovendo a integração entre América Latina e África através da música. Em 1995, Caetano Veloso e Celia Cruz se apresentaram em São Paulo, acompanhados pela Orquestra de Tito Puente. Mercedes Sosa (1935-2009), cantora argentina de ascendência ameríndia, inicia sua carreira nos anos 1950 com um repertório de música tradicional e regional da Argentina. “La Negra”, como era conhecida, gravou 50 discos e imprimiu uma marca identitária da América Latina, a partir da sua imagem, performance, voz, instrumentação e gestual. Durante os anos 1960 participou do Movimento Novo Cancioneiro com base na “Música de caráter social”. Sua trajetória artística vinculada ao Movimento Peronista de esquerda provocou sua prisão e posteriormente seu exílio. Recebeu honrarias como Embaixadora da Boa Vontade pela UNESCO (2000) e o Grammy Latino (2003 – 2006). No Brasil (1976), junto com Milton Nascimento, foi uma das vozes em espanhol que reiniciou a tão sonhada integração latino-americana. A trajetória destas duas artistas permite entender que a música faz parte da história no continente e constitui um dos fatores formadores da identidade. O sentido de pertencimento encontrado em cada manifestação, nas sobrevivências ameríndias, ibéricas e africanas na música, aponta para uma história da América Latina que ainda está sendo escrita, podendo inclusive ser contada através de sua música. É possível que as respostas às contradições e essa forma caótica de buscar “tornar-se contemporâneo do seu tempo” estejam com os músicos, receptores e transformadores das mudanças culturais, sociais, políticas, comportamentais e práticas sociais por ocuparem uma posição privilegiada, convertendo-se em cronistas de seu tempo, às vezes de uma forma critica ou bem-humorada.

Edwin Pitre-Vásquez é professor do Departamento de

Artes da Universidade Federal do Paraná. 10


Foto: Jair Bertolucci

Foto: Divulgação

último Bloco

Literatura que inspira outras artes O SescTV traz neste mês uma programação especial de Literatura, com a reapresentação dos episódios da série Autor por Autor. Coproduzida pelo SescTV e TV Cultura de São Paulo, a série traz o perfil de grandes nomes da Literatura a partir de entrevistas e ficção. Entre os retratados estão Ferreira Gullar, Ignácio de Loyola Brandão (foto) e Lygia Fagundes Telles. De 13 a 19/06, às 19h. O canal exibe também documentários inspirados em temas da Literatura, como, entre outros, O poeta é um ente que lambe as palavras e se alucina, dia 28/06, às 20h. A programação terá ainda espetáculos de Dança Contemporânea, entre os quais Duas Mulheres com Sombrinhas Brancas na Fábrica de Explosivos, da Cia Artesãos do Corpo, baseado na obra Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino. Dia 22/06, às 24h. Confira programação completa no site.

Fotografia brasileira em foco Fotógrafos brasileiros de diferentes estilos estão na programação deste mês do SescTV, que faz um panorama da fotografia no País. A série Artes Visuais aborda o trabalho de Mário Cravo Neto, no dia 02/06; Claudia Andujar, no dia 09/06; Caio Reiseiwitz, no dia 16/06; Vicente Melo, no dia 23/06; e João Luiz Musa, no dia 30/06, sempre às 21h. O canal também reapresenta o episódio Thomaz Farkas: Linguagem e Evolução, da série Mundo da Fotografia, no dia 04/06, às 14h, com um panorama da produção do fotógrafo, que faleceu em março deste ano, aos 86 anos. Outro programa dessa série a ser exibido é Araquém Alcântara e a Natureza, no dia 05/06, às 13h.

Música para crianças

Dia Mundial do Meio Ambiente

A diversidade da produção da música infantil compõe o especial Encontro Internacional da Canção para Criança, que o SescTV exibe este mês. São cinco programas que apresentam músicos do Brasil e da América Latina que se dedicam a produzir para crianças. Cada episódio traz um espetáculo musical e entrevistas com compositores, cantores e instrumentistas, entre os quais Hélio Ziskind, Arnaldo Antunes, o argentino Luis Pescetti, e diversos grupos musicais do Movimento da Canção Infantil Latino-americana e Caribenha, de países como Argentina, Uruguai, Colômbia e Cuba. A curadoria do evento é assinada por Márcio Coelho e Ana Favaretto. De 27/06 a 30/06, às 13h.

Na semana em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, cinco de junho, o SescTV apresenta uma programação temática. Do gênero de documentários, serão exibidos Lutzenberger: For Ever Gaia, que aborda a obra do ecologista José Lutzenberger, dia 02/06, às 20h; e Brasil Imaginário: Tumbalá – Tupinambá, que narra as histórias de duas nações indígenas da Bahia, dia 03/06, às 19h. A faixa de Dança Contemporânea explora o assunto nos espetáculos Grito Verde, da Cia. de Dança do Amazonas, dia 02/06, às 24h; Rito de Passagem, da Cia. Índios, dia 05/06, às 18h, e Kuarup ou A Questão do Índio, do Ballet Stagium, dia 06/06, à 1h.

O SESCTV é credenciado pelo Ministério da Cultura como canal de programação composto exclusivamente por obras cinematográficas e audiovisuais brasileiras de produção independente em atenção ao artigo 74º do Decreto nº 2.206, de 14 de abril de 1997 que regulamenta o serviço de TV a cabo. Para sintonizar o SescTV: Aracaju, Net 26; Belém, Net 30; Belo Horizonte, Oi TV 28; Brasília, Net 3 (Digital); Campo Grande, JET 29; Cuiabá, JET 92; Curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; Goiânia, Net 30; João Pessoa, Big TV 8, Net 92; Maceió, Big TV 8, Net 92; Manaus, Net 92, Vivax 24; Natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; Porto Velho, Viacabo 7; Recife, TV Cidade 27; Rio de Janeiro, Net 137 (Digital); São Luís, TVN 29; São Paulo, Net 137 (Digital). No Brasil todo, pelo sistema DTH: Oi TV 28 e Sky 3. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC Administração Regional no Estado de São Paulo

Presidente: Abram Szajman Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

A Revista é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Rua Cantagalo, 74, 13.º andar. Tel.: (11) 2227-6527 Coordenação Geral: Ivan Giannini Editoração: Viviana Bomfim Moreira Revisão: Maria Lúcia Leão Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio Magalhães

Direção Executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini Coordenação de Programação: Juliano de Souza Coordenação de Comunicação: Marimar Chimenes Gil Redação: Adriana Reis Divulgação: Jô Santina e Jucimara Serra Estagiário: Estevan Muniz sesctv.org.br atendimento@sesctv.sescsp.org.br

Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas. A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.

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mês do rock

Foto: Grupo Keystone

música, dança e documentário

11/7 - Magic Slim | 12/7- Era Iluminada Jovem Guarda | 13/7- Viagens: Raul Seixas | 14/7 - Pepeu Gomes | 15/7 - Inocentes | 18/7 - Era Iluminada Rock anos 80 | 19/7 - Lobão | 20/7 - Nação Zumbi | 21/7 - Era Iluminada Mangue Beat | 22/7 - Pato Fu | 25/7 - Club 8 | 26/7 - Marcelo Camelo | 27/7 - Macaco Bong | 28/7 - Catatau | 29/7 - Autoramas e Cachorro Grande | 30/7 - Astronauta Pinguim + Daniel Belleza e os Corações em Fúria | 31/7 - Stereotipos e Porcas Borboletas

em julho sesc tv.org.br


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