Mp 746 e a desconstrução da Licenciatura

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MP 746 E A DESCONSTRUÇÃO DA LICENCIATURA: ESTUDO SOBRE A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE. Saulo Rodrigues de Carvalho1 Marcia Helena Domingues Camargo 2

Eixo temático: Políticas Educacionais Resumo Este trabalho analisa a Medida Provisória 746 que altera o Ensino Médio, destacando a sua relação com o processo de reestruturação produtiva do capital e reorganização da licenciatura adequando-a ao quadro de precarização do trabalho. Fundamentado no Materialismo Histórico Dialético discute as categorias de intensificação do trabalho e normatização da força de trabalho e suas implicações para o trabalho docente. A MP 746 faz parte de um conjunto de políticas que têm como propósito aprofundar o processo de precarização e desintegração da classe trabalhadora. Elaborada a partir da visão estreita e privatista de um governo guindado ao poder por meios ilegítimos, procura reformular o Ensino Médio de modo a formar um contingente da força de trabalho adequado à flexibilização das relações trabalhistas e políticas de austeridade neoliberais. Com o objetivo de atender ao lobby do setor privado, amplia a descaracterização da docência, criando a modalidade de “notório saber” desestruturando as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de licenciatura, abrindo espaço para o aligeiramento, barateamento e rebaixamento das exigências de formação intelectual de professores. Em termos práticos, amplia o “exército de reserva” do capital e pressiona o rebaixamento de salários e garantias trabalhistas da categoria docente, como piso salarial, hora atividade e plano de carreira. Constata, por fim, que a MP 746 é uma linha do retrocesso e autoritarismo da política neoliberal fixada para os países de capitalismo periférico, que prepara as futuras gerações de trabalhadores para o subemprego e subordina a educação à lógica privatista. Palavras-Chave: Políticas Educacionais, Reforma do Ensino Médio, Reestruturação Produtiva, Trabalho Docente.

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Doutor e Mestre em Educação Escolar pela Universidade Estadual “Julio de Mesquita Filho” – UNESP/Araraquara-SP. Professor Colaborador do Curso de Pedagogia na Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná – UNICENTRO/Guarapuava-PR. 2

Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual “Julio de Mesquita Filho” – UNESP/ Marília-SP.

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FIM DO NEODESENVOLVIMENTISMO E INICIO DA ORTODOXIA NEOLIBERAL. Depois de viver um breve período de expansão econômica impulsionada pelo crédito, o capitalismo brasileiro mergulhou profundamente na crise de lucratividade que assola hodiernamente toda a economia globalizada. Mas, a crise econômica não tinha sido suficiente para derrubar as vigas do “lulismo” que deram à população mais pobre um alento. Mesmo sem fazer as reformas de base essenciais, os governos petistas conseguiram inserir milhões de brasileiros no ciclo do consumo e reduzir significativamente a pobreza no país3. Isto de fato credenciou a reeleição de Dilma Rousseff que, por uma margem pequena, conseguiu derrotar o candidato Aécio Neves do PSDB em 2014. Parecia que a “hegemonia lulista” (BRAGA, 2012) iria perdurar por mais alguns anos. A política do neodesenvolvimentismo 4 tinha conseguido até então equilibrar, obviamente, de maneira desvantajosa para o trabalho, um certo padrão de lucratividade do capital, em especial do capital financeiro e um ganho progressivo do trabalho, fundamentalmente na recuperação do valor de compra do salário mínimo, 3

Frei Betto (2011, s/n) avalia com maiores detalhes o governo Lula em seu artigo para o Jornal Brasil de Fato. Sobre a diminuição da pobreza diz: “Renda aos mais pobres - através do Bolsa Família e demais políticas sociais, transferiu-se considerável soma de recursos para as famílias mais pobres do Brasil, a ponto de retirar 20 milhões de pessoas da miséria. Embora o Bolsa Família distribua como renda apenas 0,4% do PIB, e a seguridade social 7%, o fato é que, hoje, 70% das moradias possuem eletrodomésticos como geladeira, TV, fogão e máquina de lavar roupa. O aumento anual do salário mínimo acima do índice da inflação dilatou o poder de consumo da população brasileira”. 4

Conforme Alves (2014, s/n) “Diferentemente do velho nacional-desenvolvimento lastreado na burguesia nacional, o neodesenvolvimentismo baseado nos interesses da burguesia interna se resignou à mundialização do capital renunciando, deste modo, ao projeto de desenvolvimento nacional-popular (o neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo capitalista na era do globalismo sob a dominância do capital financeiro). Entretanto, setores populares da frente do neodesenvolvimentismo apoiam projeto nacional-popular de desenvolvimento digladiando-se com os interesses da burguesia interna no interior da frente política (por exemplo, os governos neodesenvolvimentistas, ao mesmo tempo que contemplam o agronegócio exportador, incrementam uma política de crédito para o pequeno produtor e assentamentos dos sem-terra; ao mesmo tempo que propicia ganhos aos sindicalismo como o aumento do emprego no setor público e privado, oficialização das centrais sindicais, melhoria salarial do funcionalismo público, recuperação do salário-mínimo, aumento da formalização no mercado de trabalho, o governo neodesenvolvimentista preserva os interesses estratégicos de acumulação e exploração da burguesia interna recusando-se a promover uma recuperação dos direitos trabalhistas e sociais corroídos na década neoliberal. Pelo contrário, mantém-se indiferente à ofensiva patronal que ocorre no Congresso Nacional e STF pela disseminação da nova precariedade salarial no Pais”.

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que passou a ser corrigido pela inflação por meio do INPC 5 desde 2006. Tinha conseguido segurar a inflação e ao mesmo tempo valorizar o poder de compra da classe trabalhadora. No entanto, os efeitos da crise que em 2008 haviam sido classificados pelo então presidente Lula como uma “marolinha”, retornaram no segundo semestre de 2014, como um “tsunami” que abateu o governo de Dilma. Com a produtividade em queda e os índices inflacionários aumentando mês a mês, a burguesia interna brasileira6, tratou de proteger seus privilégios de classe, acercandose do poder político, para promover uma grande ofensiva contra o trabalho. Em suma, para manter a lucratividade com baixo crescimento econômico, a grande burguesia brasileira, precisava e ainda precisa controlar a inflação abaixo de 6,5%, fator essencial para a manutenção do rentismo; garantir a geração do superávit primário, necessário ao pagamento pontual da dívida pública; encurtar o raio de ação do Estado sobre a economia, enfraquecendo os bancos e empresas públicas que sobreviveram ao ciclo de privatização do período FHC, e reduzir diametralmente o valor da força de trabalho. Para tomar todas essas medidas impopulares tornou-se necessário mudar de interlocutor. A conciliação de classes que havia se estabelecido durante os 12 anos de governo petista, se tornou insustentável, e a retirada de Dilma do poder: inevitável para as classes dominantes. Com o argumento de que a presidente eleita teria cometido “pedaladas fiscais”7, a grande burguesia encabeçou um processo de impeachment que resultou na interrupção de seu mandato em 31 de agosto de 2016. 5

Índice Nacional de Preços ao Consumidor: é um indicador sintético que mede a variação de preços de produtos e serviços, restritos a faixa salarial de 1 a 5 salários mínimos. 6 Segundo Alves (2014, s.n) “A burguesia interna não é burguesia nacional, mas sim a grande burguesia brasileira – grandes grupos industriais, que não rompendo com o capital financeiro internacional, manteriam interesses, não apenas no crescimento do mercado interno, mas na política de financiamento da exportação com recursos do BNDES visando inseri-los na concorrência no plano internacional e tráfico de influencia e acesso a recursos do Estado político-oligárquico herdado pelos governos neodesenvolvimentistas”. 7

Até hoje as ditas “pedaladas fiscais” de Dilma Rousseff não foram comprovadas. Dois dias depois do impeachment, Michel Temer sanciona lei que autoriza abertura de créditos suplementares, normatizando as “pedaladas”. In: https://www.brasildefato.com.br/2016/09/02/dois-dias-apos-golpegoverno-temer-sanciona-lei-que-autoriza-pedaladas-fiscais/

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Com o apoio da grande mídia escrita e televisiva o movimento pelo impeachment de Dilma não só destituiu a presidente, como também buscou neutralizar uma possível ofensiva do Partido dos Trabalhadores e da esquerda em geral. Com uma campanha massiva de combate a corrupção, colocou a opinião pública contra o PT, identificando-o como o principal corruptor. Por meio de diligências contra o partido, veiculação diária de denúncias e prisões de parlamentares e personalidades do alto escalão, como a cobertura em tempo real da prisão coercitiva de Lula da Silva, conseguiram acuar o Partido. Preocupados mais em se defender e preservar a figura de Lula, os petistas não foram capazes de dar uma resposta à altura do golpe midiático-jurídico-parlamentar que se consumou em agosto de 2016. Michel Temer, o vice da chapa eleita em 2014 e integrante do PMDB, assumiu por completo o controle executivo do Estado brasileiro e tratou rapidamente de por em prática o pacote de austeridades contra os direitos sociais e os ganhos da classe trabalhadora, assumindo radicalmente a agenda neoliberal. Colocou na presidência do Banco Central o economista Ilan Goldfajn, economista chefe e sócio do Banco Itaú, o advogado Eliseu Padilha para a Casa Civil e Henrique Meireles no Ministério da Fazenda. A nova equipe político-econômica, com nomes conhecidos dos governos anteriores 8, deu iniciou a uma política ajuste fiscal com o objetivo de reduzir a inflação, diminuir a atividade econômica do Estado e reequilibrar o déficit primário9. No plano político o salva guardas do ajuste foi colocado em ação prontamente por meio de propostas de Emendas Constitucionais e de Medidas Provisórias. No Ministério da Educação colocou o administrador de empresas e partidário dos Democratas (DEM), José Mendonça Filho. De forma atropelada e autoritária, o governo Temer e sua base composta por apoiadores do golpe, conseguiram em menos de um ano encaminhar inúmeras propostas com o intuito de desregulamentar as relações de trabalho, diminuir os gastos sociais do Estado, desnacionalizar a exploração do petróleo e desonerar os impostos do setor privado. Com esse espírito foram encaminhadas a PEC 241/PEC 55, que limita por 8

Eliseu Padilha ocupou o Ministério da Secretária da Aviação Civil, no segundo governo Dilma, e Henrique Meireles foi presidente do Banco Central no governo Lula. 9

O déficit primário inclui todos os gastos do governo, menos os juros da dívida. (SANDRONI, 1999)

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20 anos os gastos públicos do Estado. O PL 4567/16 que aprova o fim da participação obrigatória da Petrobrás em todos os consórcios de exploração do pré-sal. O PL 6787/16, que propõe uma minirreforma trabalhista, que tem como medida aumentar o número de dias dos contratos temporários (de 90 para 120 dias), e aplicar o princípio do “negociado sobre o legislado”, (que dá prerrogativas aos acordos coletivos sobre a legislação trabalhista), um ataque aberto à representação sindical e aos direitos dos trabalhadores. A PEC 287 que prevê a reforma da previdência, aumentando o tempo de contribuição de 15 para 25 anos e fixando a idade mínima de 65 anos para requerer a aposentadoria. E por fim, trazemos aqui a MP 746 que institui a reforma do Ensino Médio, transformando-o em ensino integral com tendências profissionalizantes. Restringiremo-nos a discussão do texto da MP 746 nos próximos itens do artigo.

MP 746 e a ruptura com o neodesenvolvimentismo.

No dia 22 de setembro de 2016, foi designada em Diário Oficial a Medida Provisória que reforma o Ensino Médio (BRASIL, 2016). Os defensores da medida argumentam a respeito da urgência na tomada de ações que promovam uma mudança radical no Ensino Médio, para transformá-lo num espaço atraente para os jovens possibilitando a sua inserção no mercado. Apoiaram-se principalmente nos resultados parciais do IDEB10 do ano anterior, para buscar legitimar o uso de Medida Provisória em 10

Os dados do IDEB utilizados pelos articuladores da MP da reforma do ensino médio, não apresentavam o desempenho dos Institutos Federais de Educação. O INEP publicou uma nota no dia 04 de outubro de 2016 admitindo o erro pela não divulgação dos IFs. Atualmente não é possível mais ver a nota no portal do INEP. (http://portal.inep.gov.br/visualizar/-/asset_publisher/6AhJ/content/divulgacao-dos-resultados-dosinstitutos-federais-no-enem-2015-por-escola?redirect=http%3a%2f%2fportal.inep.gov.br%2f). O desempenho das IFs aumenta consideravelmente o rendimento das escolas públicas em relação ao ensino privado, derrubando a tese de “tragédia” do ensino público, como veiculado pelo portal G1http://g1.globo.com/educacao/noticia/ideb-no-ensino-medio-fica-abaixo-da-meta-nas-escolas-dobrasil.ghtml em 08 de setembro de 2016. É importante ressaltar também a análise feita pelo prof. Luiz Carlos de Freitas (2016), publicada em seu blog “Avaliação Educacional” (https://avaliacaoeducacional.com/2016/10/09/comparacao-de-escolas-publicas-com-privadas/), no estudo comparativo dos dados no IDEB, demonstra que houve um crescimento no desempenho das escolas públicas, enquanto que na rede privada os índices decaíram.

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assunto tão delicado. Mas, fundamentalmente têm se amparado de uma forte campanha publicitária e da parcialidade evidente dos meios de comunicação, que evitam a todo custo veicular a opinião de estudiosos da educação que apresentem argumentos contrários à reforma. Dentre os pontos mais polêmicos da reforma se encontram: 1) a desobrigatoriedade das disciplinas do núcleo das humanidades, (como Filosofia, Sociologia, Educação Física e Artes) do currículo geral, 2) a dissipação do Ensino noturno, que não é sequer citado na primeira redação oficial 11, 3) A convalidação e certificação de aluno via setor privado (não-escolar), 4) contratação de professores via “saber notório”, 5) Centralização e personificação dos mecanismos de fomento para a implantação e manutenção do Ensino Médio em período integral. A reforma é nitidamente um acordo explícito entre grandes corporações privadas, como a Fundação Lemann12, o Instituto Ayrton Senna13, a ONG Todos pela Educação14, Fundação Roberto Marinho15 e os partidos políticos que sustentaram o impeachment de Dilma. É fato que o texto da MP deriva do Projeto de Lei 6840/2013 de autoria do Deputado Federal Reginaldo Lopes do PT de Minas Gerais. O que demonstra a ruptura da burguesia interna com o projeto neodesenvolvimentista do Partido dos Trabalhadores. O PL 6840-A/2013 (BRASIL, 2014a) debatido na câmara também previa um processo de flexibilização do currículo e implementação do Ensino Médio em tempo integral com ênfase na formação técnica profissional. Contudo, essa “escolha” se daria somente na última série do ensino médio. § 5º A última série ou equivalente do ensino médio será organizada a partir das seguintes opções formativas, a critério dos alunos: I – ênfase em linguagens; II – ênfase em matemática; III – ênfase em ciências da natureza; 11

O Parecer do senador Pedro Chaves recomenda que ensino médio noturno seja realizado por meio da A Fundação Lemann, pertence ao empresário Jorge Paulo Lemann dono de um conglomerado de empresas (AMBEV, Burguer King, J. Heinz, entre outras), considerado pela revista Forbes o homem mais rico do Brasil e o segundo mais rico da Suíça. 13 O Instituto Ayrton Senna é uma ONG dirigida por Viviane Senna, mas é mantida pela doação de um roll de empresas e corporações como o Banco Itaú, a Procter & Gamble, a Raizen, entre outros. 14 A ONG Todos pela Educação, procura reunir e apresentar uma proposta unificada dos grupos empresariais e corporativos interessados no setor da educação pública. 15 A Fundação Roberto Marinho pertencente ao grupo Globo tem sido o braço ideológico das propostas empresariais e privatistas para a educação pública. 12

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IV – ênfase em ciências humanas; e V – formação profissional16. (BRASIL, 2014a, p.3-4)

O projeto ainda citava a inclusão de temas transversais e a não desvinculação dos conteúdos curriculares obrigatórios da formação profissional escolhida pelo aluno, mantendo até certo ponto a redação original do artigo 36 da LDB, no que tange a obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia em todas as séries do Ensino Médio (BRASIL, 2010). § 2º Os currículos do ensino médio contemplarão as quatro áreas do conhecimento e adotarão metodologias de ensino e de avaliação que evidenciem a contextualização, a interdisciplinaridade e a transversalidade, bem como outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos. § 3º Serão incluídos como temas transversais no ensino médio os seguintes: I – prevenção ao uso de drogas e álcool; II – educação ambiental; III – educação para o trânsito; IV – educação sexual; V – cultura da paz; VI – empreendedorismo; VII – noções básicas da Constituição Federal; VIII – noções básicas do Código de Defesa do Consumidor; IX – importância do exercício da cidadania; X – ética na política; e XI – participação política e democracia. [...] § 6º A ênfase na formação por áreas do conhecimento ou profissional não exclui componentes e conteúdos curriculares com especificidades e saberes próprios, construídos e sistematizados, implicando o fortalecimento das relações entre eles e a sua contextualização para apreensão e intervenção na realidade, requerendo planejamento e execução conjugados e cooperativos dos seus professores. (BRASIL, 2014a, p.3-4)

A construção de parcerias com o setor privado e com o terceiro setor é igualmente prenunciado no projeto petista, mas há uma certa preocupação com o 16

Na MP 746, o item V é apresentado como “formação técnica e profissional”. Essa diferenciação na realidade se consubstancia numa desqualificação do Ensino Técnico, como ressalta Mauro Sala (2016), transformando a educação Técnica numa simples qualificação profissional.

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destino do Ensino noturno e com a formação de professores para o Ensino Médio, que simplesmente desaparecem na MP anunciada por Mendonça Filho. Questionada pela sociedade e combatida firmemente pelos estudantes secundaristas, que promoveram o maior Movimento de Ocupação de escolas que o país já conheceu, a MP tramitou, mesmo assim, pela câmara e senado sem abrir nenhuma possibilidade de diálogo. No senado, recebeu a chancela do senador Pedro Chaves (PSC), que é empresário e dono de um dos maiores conglomerados educacionais do Brasil, a UNIDERP (Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal), o CESUP (Centro de Ensino Superior Prof. Plínio Mendes dos Santos) e o MACE (Moderna Associação Campograndense de Ensino), sediados no Mato Grosso do Sul. Nas mãos de Pedro Chaves a MP, sofreu alterações que reforçaram ainda mais o seu caráter privatista, abrindo a possibilidade de criação do ensino médio noturno por via modular e à distância17 e introduzindo no artigo 6° da referida MP, a “complementação pedagógica” como possibilidade de admissão de professores para o Ensino Médio.

Abaixo citamos a redação final da MP 746 que foi aprovada pelo

senado em 17 de fevereiro de 2017, transformando-se na Lei 13.415 (BRASIL, 2017). Art. 6. O artigo 61 da Lei n°9394, de 20 de dezembro de 1996 passa a vigorar com as seguintes alterações: ‘Art.61..................................................................................................... ................................................................................................................ . IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. 36; V - profissionais graduados que tenham feito complementação pedagógica, conforme disposto pelo Conselho Nacional de Educação. 17

Por emenda apresentada pelo Deputado Federal Arthur Maia (PPS-BA) que, “Acrescenta, onde couber na MPV, a previsão de que os currículos do ensino médio noturno possam ser cumpridos por meio da educação a distância, de créditos de horas de trabalho e ênfases cursadas em outro turno” (BRASIL, 2016, p.43). Sendo esta a sua redação, que permaneceu a mesma no texto final, “§ 2º Os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de educação de jovens e adultos e de ensino noturno regular, adequado às condições do educando, conforme inciso VI do art. 4º”.

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...............................................................................................’ (BRASIL, 2017, p.2, grifo meu)

Com isso abre caminho para um processo de descaracterização da docência e desvalorização dos cursos de licenciatura. Na sequência discutiremos as implicações da homologação desta MP para as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Licenciatura.

O notório saber e a desvalorização da Licenciatura

Depois do processo de descaracterização da docência (TANURI, 2000) efetivado durante os anos de ditadura militar, houve em meados dos anos de 1980 e décadas seguintes um grande movimento pela valorização da docência e dos cursos de licenciatura. Embora, a década de 1990 tenha sido marcada pela ascensão da política neoliberal na educação, esse movimento conseguiu arrancar da LDB o compromisso com a formação de professores para a educação básica, em nível superior, circunscrevendo as Diretrizes Curriculares Nacionais que viriam se consolidar em 2015. Em 1º de julho de 2015 o Ministério da Educação por meio do Conselho Nacional de Educação Conselho Pleno, aprova a Resolução n°2 definindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (BRASIL, 2015). Essas diretrizes apresentam uma síntese da longa caminhada que busca considerar e articular um conjunto de resoluções e pareceres anteriores, definidos pelo CNE, tanto em seu Conselho Pleno como na Câmara de Educação Básica, bem como, as deliberações das CONAEs de 2010 e 2014 e do PNE de 2014 (DOURADO, 2015).

É importante salientar que a formação de profissionais do magistério da educação básica tem se constituído em campo de disputas de concepções, dinâmicas, políticas, currículos. De maneira geral, a

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despeito das diferentes visões, os estudos e pesquisas, já mencionados, apontam para a necessidade de se repensar a formação desses profissionais. Nessa direção, considerando a legislação em vigor, com especial realce para o PNE, suas metas e estratégias, após amplo estudo e discussões com diferentes atores, e considerando a definição da Comissão Bicameral no sentido de encaminhar diretrizes conjuntas para a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica, bem como as políticas voltadas para maior organicidade desta formação e as deliberações da Conae (2010 e 2014), as novas DCNs aprovadas pelo CP/CNE, em 09.6.15, e sancionadas pelo MEC, em 24.6.15, apresentam os seguintes considerandos como aportes e concepções fundamentais para a melhoria da formação inicial e continuada e suas dinâmicas formativas [...] (DOURADO, 2015, p.304).

Entretanto, a homologação da MP 746 se opõe a Resolução n° 2 (BRASIL, 2015), desconsiderando os princípios básicos de uma formação sólida e interdisciplinar; abrindo espaço para o aligeiramento, superficialidade e desprofissionalização da formação docente. Destacaremos aqui em especial o artigo 13 do capítulo V, da Resolução n°2 (BRASIL, 2015). O mesmo trata da Estrutura e Currículo da Formação Inicial do Magistério da Educação Básica. Art. 13. Os cursos de formação inicial de professores para a educação básica em nível superior, em cursos de licenciatura, organizados em áreas especializadas, por componente curricular ou por campo de conhecimento e/ou interdisciplinar, considerando-se a complexidade e multirreferencialidade dos estudos que os englobam, bem como a formação para o exercício integrado e indissociável da docência na educação básica, incluindo o ensino e a gestão educacional, e dos processos educativos escolares e não escolares, da produção e difusão do conhecimento científico, tecnológico e educacional, estruturam-se por meio da garantia de base comum nacional das orientações curriculares. (BRASIL, 2015, p.11)

Indiretamente, o perfil estabelecido pelo caput do artigo 13 é desconsiderado no “notório saber” definido pela Medida Provisória. O critério em questão foi definido para atender apenas a formação técnica e profissional, mas trata-se, de um retrocesso, uma vez que o PNE estabelece que “todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura

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na área de conhecimento em que atuam” (BRASIL, 2014b, p.78, grifo meu). À medida que as Diretrizes (BRASIL, 2015) avançam no reconhecimento das especificidades docentes (referentes ao ensino, a didática e a prática pedagógica), o artigo 6° da MPV, que altera o artigo 61 da LDB, anula tais compromissos com a qualificação para lecionar. O notório saber é um critério vago e subjetivo que omite qualquer relação com os parâmetros básicos, indispensáveis e universalmente referendados pela literatura pedagógica, ao exercício da docência. Não bastasse o notório saber voltado para as áreas do ensino técnico e profissional, o artigo 6° da Lei 13.415/2017 prevê ainda no item V, que profissionais graduados em outras áreas (bacharelados), possam lecionar nas disciplinas específicas por meio de “complementação pedagógica”. Com isso, sinaliza positivamente para criação de cursos de curta duração nas instituições privadas, ressuscitando a velha celeuma dos cursos normais superiores, que se tornaram na década de 1990 segundo Saviani (2005, p.24) em alternativa ao curso de pedagogia “podendo fazer tudo que estes fazem, porém, de forma mais aligeirada, mais barata”. Ora, a “complementação pedagógica”, nada mais é do que uma alternativa barata e aligeirada aos cursos de licenciatura. Ela não é uma licenciatura e nem pode ser considerada como um curso de nível superior. No texto da Lei que Reforma o Ensino Médio é citado apenas que poderão ser admitidos os professores que fizeram a complementação pedagógica conforme o disposto pelo CNE. Ela não diz literalmente qual seria este disposto, mas encontramos na Resolução n° 2 de 1997 (BRASIL, 1997) uma diretriz que regula os programas especiais de formação de professores para a educação básica. Não é nossa intenção aqui analisar essa resolução, mas nos chama a atenção o artigo 4°, que estabelece o patamar mínimo de horas que um programa como este precisa ter. Diz: “Art. 4º O programa se desenvolverá em, pelo menos, 540 horas, incluindo a parte teórica e prática, esta com duração mínima de 300 horas” (BRASIL, 1997, p.1). A inclusão desse item na MPV é um claro sinal de que a formação docente nas áreas específicas poderá ser realizada por essa via, que sempre foi o modelo almejado pelas instituições privadas. No Artigo 14 das DCNs (BRASIL, 2015, p.12), há também uma

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orientação para os “cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados de caráter emergencial e provisório [...]”, que estabelece um quadro de horas mais robusto e um currículo mais exigente quanto aos aspectos teóricos e práticos da docência, no entanto, as DCNs encontram-se em fase de implantação e embora tenham revogado a Resolução 02/1997, muitas instituições que oferecem cursos de complementação pedagógica citam a resolução de 1997 como principal referência legal para a estruturação curricular de seus cursos18. Diretamente tais medidas correspondem a um enfraquecimento das DCNs aprovadas em 2015. Elas disfarçadamente desobrigam as instituições a cumprirem com os requisitos estruturais mínimos exigidos pelo artigo 13° das DCNs. § 1º Os cursos de que trata o caput terão, no mínimo, 3.200 (três mil e duzentas) horas de efetivo trabalho acadêmico, em cursos com duração de, no mínimo, 8 (oito) semestres ou 4 (quatro) anos, compreendendo: I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, distribuídas ao longo do processo formativo; II - 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao estágio supervisionado, na área de formação e atuação na educação básica, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto de curso da instituição; III - pelo menos 2.200 (duas mil e duzentas) horas dedicadas às atividades formativas estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição; IV - 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estudantes, 18

Visitamos a página virtual de algumas instituições que como citamos acima mantém a Resolução 02/1997 como referência legal. Faculdades SESPA (Pato de Minas –MG) http://sespa.edu.br/complementacao_pedagogica acessado em 27 de fevereiro de 2017; FAAL (Limeira-SP) http://www.faal.com.br/curso/complementacao-pedagogicamatematica/ acessado em 26 de fevereiro de 2017; Isee Faved Faculdades (Virginópolis-MG) http://www.iseed-faved.com.br/cursos/formacao-pedagogica / acessado em 27 de fevereiro de 2017; Menezes Cursos (Anápolis –GO) http://menezescursosconsultoria.com.br/complementacao-pedagogica27973 acessado em 27 de fevereiro de 2017; Instituto Ágora (EAD) http://www.agoraedu.com.br/site/inscricao.php?id_curso=12 , acessado em 27 de fevereiro de 2017 e Faculdade Dom Bosco (Cornélio Procópio –PR) http://www.facdombosco.edu.br/MasterPagePublic.master.php?s=formacaopedagogica Acessado em 27 de fevereiro de 2017.

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conforme núcleo definido no inciso III do artigo 12 desta Resolução, por meio da iniciação científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria, entre outras, consoante o projeto de curso da instituição. (BRASIL, 2015, p.11)

Entre a escolha, em especial do setor privado, em oferecer um curso de licenciatura em uma área específica, ou criar um bacharelado e uma complementação nesta mesma área; se torna mais vantajoso optar pela segunda opção. O mesmo vale para o estudante, que ao invés de ingressar num curso de licenciatura em biologia, se torna mais vantajoso fazer um bacharelado e depois uma complementação num curso de curta duração. Mutati mutandis, a Reforma nos remete ao famigerado modelo de formação “3+1” (três anos de disciplinas específicas e um de didática), que imperou durante a década de 1940 até a reforma de 1971, decorrente da ditadura militar (SAVIANI, 2009).

Em termos gerais ela praticamente anula os propósitos

fundamentais das DCNs de 2015, ou seja, o fortalecimento dos cursos de licenciatura e a valorização do magistério. Num outro sentido, este item é inserido para dar suporte a implantação

do

modelo

de

formação

docente

estadunidense,

conhecido

mundialmente por Teach for All. Como explica Freitas (2016, s/n) A Teach For All é a internacionalização de uma ONG americana chamada Teach For América. A TFA forma professores em seis semanas e é sustentada com dinheiro que inclui financiamento privado oriundo de Fundações da Família Walton e de Bill Gates. Foi uma forma improvisada de aumentar os quadros de professores para atender a demanda por mais professores. Lança no mercado profissional da educação 8 a 10 mil professores por ano.

No Brasil a TFA tem sido financiada pela Fundação Lemann e a Itaú Social, instituições que se mostraram muito interessadas na Reforma do Ensino Médio desde o início. Por meio do programa Ensina Brasil19, promete colocar professores nas salas de aula, em apenas 5 semanas. O curso na verdade tem a duração de 2 anos, contudo, são necessárias apenas 5 semanas de aulas presenciais para a realização da formação em serviço ao longo do curso. As 3200 horas, realizadas em 4 anos que as DCNs 19

<http://ensinabrasil.org/>

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(BRASIL,2015) estabeleceram como patamar mínimo para a formação docente, se reduzem à 5 semanas, pelo programa Ensina Brasil. É oferecida uma remuneração aos cursistas que “[...] irá variar de acordo com a sua alocação no programa, mas será sempre igual ao salário de um professor em início de carreira com a mesma carga horária da localidade de alocação” (ENSINA, 2017a, grifo nosso). O modelo que vigora nos EUA é alvo de inúmeras críticas por lá, devido ao seu caráter transitório e superficial da docência. A experiência desta organização nos Estados Unidos é nefasta [...]. Criou em cada escola uma porta giratória em que professores temporários estão entrando e saindo o tempo todo, pois converteram a profissão em “bico” de estudante universitário desempregado. Tão logo se localizam no mercado em sua profissão de origem abandonam a escola. Além disso, convertem nossas crianças em “cobaias” de professores mal formados e vão aprender com elas a dar aula durante dois anos de suposto “treinamento em serviço” (FREITAS, 2016, s/n)

A contradição se amplia quando conhecemos a fonte pagadora das remunerações dos “ensinas” (como são chamados os cursistas do programa). Na página de “perguntas frequentes” do site, quando questionado se a pessoa que participa do programa será uma funcionária do Ensina Brasil a resposta é um direto “Não. O participante será um funcionário dos governos parceiros do Ensina Brasil, mas contará com todo nosso apoio, acompanhamento e formação” (ENSINA, 2017a, s/n). Isto é, o próprio Estado atenta contra as Diretrizes que ele estabeleceu. Mas, isso se dá porque a Reforma do Ensino Médio não é uma política de Governo, quando muito menos uma política de Estado, é por outro lado, uma política de precarização da força de trabalho, oriunda do mais ortodoxo neoliberalismo.

Reestruturação Produtiva e Reestruturação do Trabalho Docente

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A reforma do Ensino Médio da maneira como foi disposta acena para a precarização da força de trabalho em dois sentidos: a) A precarização da força de trabalho em geral, por meio do empobrecimento do currículo da formação técnica reduzida a formação profissional e da ampliação do exército de reserva colocando no mercado, cada vez mais cedo, um contingente de mão de obra, semiqualificado e politicamente desorganizado; b) Precarização do trabalho docente, por meio da fragmentação, aligeiramento e “anomização” de sua formação.

Nos restringiremos a

discutir os aspectos mais candentes relacionados à precarização do trabalho docente. O professor é sem dúvidas o profissional proveniente diretamente do trabalho intelectual, que mais proximidade tem com as massas trabalhadoras. Para o capital, em estrito, a função docente se resume ao preparo técnico e ideológico das massas para o trabalho. No entanto, a docência extrapola em muito tal função, mostrando-se necessário de tempos em tempos à reafirmação da força do capital sobre sua atividade. Embora, o controle sobre a formação docente tenha sido destinado ao Estado nas sociedades modernas, nas últimas décadas os setores privados têm se interessado, cada vez mais, pelo domínio desse campo profissional. O maior controle político e ideológico dos setores privados vem acompanhado, igualmente, de uma maior sujeição do trabalho docente aos ditames e crises do mercado de trabalho. A MP 746 é uma prova desse predomínio do capital sobre o trabalho dos professores. Encabeçada por uma lista de fundações mantidas por corporações privadas ela impõe um modelo unilateral de estrutura escolar que ocasiona ao mesmo tempo a deterioração das condições de trabalho dos docentes. O anúncio da retirada das disciplinas de Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia do currículo obrigatório é uma ação que de imediato ocasionará o desemprego de uma parte significativa do professorado. Por outro lado, para as áreas que possivelmente terão ausência de docentes, o projeto do governo, juntamente com os setores privados, é de criar empregos com contratos precários, os “Notórios Saberes” e os “Ensinas”. Esse novo tipo de relação contratual criada pelo Estado, como desculpa para sanar a falta de professores é na verdade um processo de ampliação do ciclo de

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precarização do trabalho docente (CARVALHO, 2016). A precariedade dos contratos de professores não é um assunto novo no Brasil, segundo o senso escolar de 2013 (BRASIL, 2014c), cerca de 30% dos professores nas redes municipais e estaduais do país, possuem contratos temporários, em algumas regiões como Acre, Ceará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, esse número ultrapassa os 60%. Contudo, a MP apresenta uma nova modalidade de precarização, na qual não somente a estabilidade profissional é retirada dos professores, mas também seus direitos trabalhistas ligados à função da docência são diminuídos. É um processo de precarização da precariedade. Isso porque, os muitos professores que possuem contratos temporários, não deixam de ser professores, na sua maioria possuem curso de licenciatura ou equivalentes para poderem lecionar e por isso, têm minimamente o acesso aos direitos da profissão. Já os Notórios Saberes e os Ensinas20, são um tipo especial de educadores que não possuem uma licenciatura e, em tese, não teriam garantidos os preceitos legais de uma profissão regulamentada. Os professores conquistaram ao longo do tempo alguns direitos que são específicos de sua profissão, como a hora atividade, o plano de carreira, o piso salarial, a licença para aprimoramento profissional (Mestrado, Doutorado), a Licença-Prêmio, entre outros. Sabemos, no entanto, o quanto os Estados e Municípios lutam para não cumprir com estes direitos, para os professores que possuem alguma estabilidade e como deixarão de cumprir para os que não têm nenhuma21. A reestruturação do trabalho docente segue a lógica da reestruturação do trabalho produtivo em geral. Fragilizando as relações de trabalho, por meio da fragmentação e homogeneização do trabalho, provocando ao mesmo tempo uma sensação de incerteza e de “anomia” nos indivíduos. A fábrica flexível produziu nos últimos anos uma “massa flutuante de trabalhadores instáveis” (BIHR, 2012), a qual as forças capitalistas têm conseguido manobrar para a manutenção de seus interesses. 20

Os Ensinas recebem um certificado de equivalência ao magistério na área escolhida, ao fim dos 2 anos de curso. Mas, enquanto isso não acontece, ele continua trabalhando sem ter acesso aos direitos legais da profissão. 21 Exemplo disso, no Paraná, atualmente há uma briga jurídica e política entre o Estado, governado por Beto Richa (PSDB) e os professores, na qual o governo busca reduzir a hora atividade dos professores e impor novos critérios para a atribuição de aulas no início do ano.

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Como analisa Bihr (2012), essa massa flutuante possui diferentes categorias, todas elas precarizadas. . os proletários das empresas que operam por subcontratação (terceirização) e por encomenda, geralmente em pequenas e médias empresas, trabalhando no ritmo das encomendas das empresas doadoras de ordem, mais sensíveis a flutuações econômicas . Desde o inicio da crise, a subcontratação desenvolveu-se particularmente em certos ramos industriais (têxtil-vestuário, fabricação mecânica, transformação de plásticos). A essa categoria podemos juntar os trabalhadores em domicílio, envolvidos em uma forma aparentemente arcaica de submissão do trabalho ao capital. [...] . os trabalhadores em tempo parcial, por opção ou imposição, por definição mal integrados ao coletivo de trabalho de sua empresa e que, com frequência, não se beneficiam dos benefícios sociais reservados aos trabalhadores em tempo integral. [...] . os trabalhadores temporários, quer se trate de trabalhadores interinos ou de trabalhadores com contrato de duração determinada (CDD) que, portanto, não têm qualquer garantia de emprego permanente (podemos a eles juntar os folguistas e os auxiliares das administrações e dos serviços públicos). Quase desconhecidas antes da crise, essas formas de trabalho instável estão agora em constante crescimento. Embora seu número ainda permaneça modesto em termo de estoque, é duas a três vezes mais importante em termos de fluxo. Trata-se, então, de uma categoria de trabalhadores particularmente móveis, passado com frequência da atividade ao desemprego e vice-versa. . os estagiários, basicamente jovens, mas que incluem também cada vez mais trabalhadores mais velhos, “beneficiários” de múltiplas formas de estágio (de inserção, de qualificação, de adaptação, de reciclagem, etc.) que os governos ocidentais multiplicam, menos para lutar contra o desemprego do que para mascarar ou evitar riscos sociais e políticos dele decorrentes; . enfim, no cúmulo da instabilidade, os trabalhadores da “economia subterrânea”, que tentam escapar ao desemprego trabalhando “clandestinamente” (sendo, além disso, frequentemente colocados em situação de sobcontratação em relação à economia oficial), ou entregando-se à pequena produção mercantil (principalmente no setor de serviços prestados a particulares). (BIHR, 2012, p.84-85, grifos no original).

Guardando as devidas proporções, o que observamos atualmente com o trabalho docente é um processo de fragmentação, com a criação de diversas

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“categorias” de contratação de professores (Efetivos, Temporários, Estagiários, e os recentes Notórios Saberes e Ensinas), ao mesmo tempo em que ocorre a homogeneização da docência. Isto é, o enfraquecimento do caráter didático e pedagógico do ensino, a partir da generalização da docência via “notório saber” e “complementação pedagógica”, composta pelo declínio das qualificações teóricopráticas para ensinar. Transforma a docência em uma atividade treinável, provisória e modular, em outras palavras, apenas um “bico”, enquanto os indivíduos não se enquadram em suas profissões de origem. Igualmente, temos aí um projeto de descaracterização e anomização da docência, cujo professor é obrigado a conviver com o depauperamento de suas condições de trabalho e desvalorização do ensino enquanto, sua atividade precípua. Paralelo a isso, um procedimento de revisão salarial (sempre em baixa), redução de direitos trabalhistas e intensificação do trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encaminhada num momento conturbado da política nacional a Reforma do Ensino Médio, demonstra no seu escopo, não uma preocupação genuína com a melhoria das condições de ensino e aprendizagem dos envolvidos no Ensino Médio, mas um projeto articulado de precarização da qualificação da força de trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas dos professores. O uso de Medida Provisória é uma nítida objeção ao diálogo com os verdadeiros partícipes desta modalidade de Educação. Por outro lado, é clara a concepção privatista e subserviente que dão as diretrizes desta reforma, ditada por corporações privadas ligadas ao setor produtivo e financeiro. Ela tão somente não oferece respostas aos problemas estruturais que assolam o Ensino Médio, como cria um formato que penaliza, ainda mais, os estudantes das classes menos favorecidas, reforçando o dualismo escolar, que “empurra” os pobres para o ensino profissional e reserva o ensino superior para os

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mais ricos22. Nesta mesma linha, gera “categorias” especiais e precarizadas de docência, enfraquecendo as licenciaturas e desvalorizando o trabalho dos professores. Nesse sentido, faz parte de um conjunto de políticas de recomposição da taxa de lucratividade do capital, conduzindo a classe trabalhadora a um processo de normalidade da força de trabalho 23, que em face do incremento informacional e tecnológico, estabelece uma reescala das qualificações profissionais, substituindo as habilidades físicas banais da produção repetitiva e parcelada do fordismo, por “outro tipo de tarefas triviais, reduzidas à capacidade de leitura e de interpretação de dados formalizados” (BIHR, 2012, p.89. grifo no original). Ao mesmo tempo, impõe aos trabalhadores um “engajamento” e “responsabilização” com a produção e os rumos escolhidos pelas empresas, absorvendo cada vez mais, todos os âmbitos de suas vidas pessoais. A mesma tendência segue para o trabalho docente 24, com a pequena diferença de que grande parte do professorado se encontra no funcionalismo público, cujo ordenamento, ainda permite certo distanciamento e estabilidade do funcionário público entre seus dirigentes. Ao enfraquecer o magistério e criar novas modalidades de docência, a Lei da

Reforma do Ensino Médio busca reduzir essa distância e

aumentar o controle sobre a atividade docente. 22

Para citar Frigotto (2016, p.331, grifo nosso) “[...] uma traição aos alunos filhos dos trabalhadores, ao achar que deixando que eles escolham parte do currículo vai ajuda-los na vida. Um abominável descompromisso geracional e um cinismo covarde, pois seus filhos e netos estudam nas escolas onde, na acepção de Desttut de Tracy estudam os que estão destinados a dirigir a sociedade. Uma reforma que legaliza a existência de uma escola diferença para cada classe social”. 23

Conforme Carvalho (2014, p.29) “As condições de normalidade da força de trabalho são o que determinam os fatores subjetivos do processo de produção. Elas definem a qualidade das condições de uso dos objetos e dos instrumentos de trabalho. Também, estabelecem o grau de habilidades e conhecimentos da força de trabalho para a realização específica do trabalho exigido socialmente”. 24

No site do Ensina, é possível observar o tipo de compromisso que o setor empresarial exige hoje dos trabalhadores em educação. “Alinhamento de Valores: Acredita e quer contribuir para a visão de que um dia, todas as crianças brasileiras terão acesso a uma educação de qualidade e está alinhado com os valores do Ensina Brasil; Resiliência e Persistência:Não desiste diante de dificuldades, aprende constantemente e se adapta a situações adversas; Humildade e empatia: Sabe ouvir e colocar-se no lugar do outro; Habilidades interpessoais: Se comunica, motiva, e colabora efetivamente com times para alcançar objetivos comuns; Pragmatismo e Responsabilização: Apresenta soluções palpáveis, sem se sentir paralisado pela complexidade dos problemas e toma a responsabilidade para si sempre que necessário; Capacidade de Resolução de problemas: Sabe conectar argumentos e chegar a conclusões coerentes; Sonha grande: Tem sonho grande para si mesmo e para os outros.” (ENSINA, 2017b s/n, grifos nossos)

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Diante desse quadro, finalizamos nosso artigo reafirmando a ineficiência e ineficácia da reforma contra a resolução dos sérios problemas de ensino e aprendizagem que persistem no nosso sistema escolar, sobretudo no Ensino Médio. Face ao compromisso ideológico e político dessa reforma com o poder corporativo do capital, consubstancia-se num projeto à médio e longo prazo de precarização e flexibilização de direitos do trabalho produtivo em geral e da função docente em estrito.

REFERÊNCIAS

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