Filosofia Nietzsche

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assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes. E não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!’ Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: ‘Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!’ Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: ‘Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?’ Pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?” A indagação que Nietzsche propõe no aforismo acima não significa uma negação da vida, pelo contrário, seria uma afirmação do viver. Não podemos crescer se não experimentarmos o declínio e vice-versa. São faces de uma mesma moeda, sem uma demarcação temporal definida. Nietzsche nos mostra que: “Os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas, mas como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias dirão à vida: uma vez mais”. – Eis aqui uma bela negação, de Nietzsche ao “pessimismo” de Arthur Schopenhauer. O Eterno Retorno defende a tese de que polos se alternam nas vivências num eterno ciclo de repetição. Criação e destruição, alegria e tristeza, saúde e doença, bem e mal, belo e feio, tudo se vai e tudo retorna. Porém, esses polos não são opostos, complementam-se, pois são faces de uma mesma realidade, são contínuos; fragmentos de um único jogo. Alegria e tristeza, por exemplo, seriam faces de uma única experiência, sentida em graus diferentes. Ao contrário do que muitos acham, a temporalidade como percebemos não está presente no Eterno Retorno. A realidade para Nietzsche não tem uma finalidade, nem um objetivo a cumprir, e por esse motivo as alternâncias de prazer e desprazer se repetiriam durante todo o ciclo da vida. O Eterno Retorno não se reporta a uma demarcação temporal cíclica, exata e cartesiana, mas às nuances de vivências que se complementam e dão o colorido do viver. Com O Eterno Retorno, Nietzsche questiona a ordem das coisas, indica um mundo não feito de polos

Nietzsche considerava sua visão de O Eterno Retorno como seu pensamento mais profundo e ao mesmo tempo, mais assustador. O Eterno Retorno teria assaltado sua mente durante uma caminhada em 1881, ao contemplar uma formação rochosa. Durante esse passeio, Nietzsche refletiu sobre os sentidos das vivências em alternâncias que se repetem

Estoicos Gregos O estoicismo surgiu na Grécia e sua tradição apareceu na Roma por volta do ano 155 a.C. O estoicismo é uma doutrina filosófica criada por Zenão, que afirma que o universo é corpóreo e governado por um Logos de ordem divina.

opostos, e inconciliáveis, mas de faces complementares de uma mesma e múltipla, e única realidade. Logo, bem e mal, angústia e prazer são instâncias complementares da realidade – instâncias que se alternam eternamente. Como a realidade não tem objetivo, ou finalidade (pois se tivesse já a teria alcançado), a alternância nunca finda. Ou seja, considerando-se o tempo infinito e as combinações de forças em conflito que formam cada instante finito, em algum momento futuro tudo se repetirá infinitas vezes. Assim, vemos sempre os mesmos fatos retornarem indefinidamente. Tal conceito leva a uma indagação: amamos ou não amamos a vida? Se tudo retorna, isso seria um dom divino ou uma maldição? Amamos a vida a tal ponto de a querermos, mesmo que tivéssemos de vivê-la infinitas

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