Revista Cásper #19

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´ CASPER 19 Setembro de 2016

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ATIVISMO DIGITAL

A comunicação engajada da youtuber Nátaly Neri

ALAÍDE COSTA

Sessenta anos de carreira na MPB

BIG DATA

Informações além de dados e tabelas

PARATY

Outros enredos na cidade da Flip


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´ CASPER ISSN 2446-4910

FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO PRESIDENTE Paulo Camarda SUPERINTENDENTE GERAL Sérgio Felipe dos Santos

FACULDADE CÁSPER LÍBERO DIRETOR Carlos Costa VICE-DIRETOR Roberto Chiachiri Filho

REVISTA CÁSPER NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMO Helena Jacob EDITOR-CHEFE Pedro Ortiz EDITORAS Ana Clara Muner e Carolina Moraes CONSELHO EDITORIAL Dimas Künsch, Helena Jacob, Joubert Brito, Marcelo Rodrigues, Pedro Ortiz, Roberto Chiachiri Filho, Roberto D’Ugo, Sergio Andreucci e Sonia Castino REPORTAGEM Ana Clara Muner, Beatriz Fialho, Carolina Moraes, Felipe Sakamoto, Guilherme Guerra, Guilherme Venaglia, Naiara Albuquerque e Paula Calçade EDITORA DE ARTE E FOTOGRAFIA Giulia Gamba PROJETO GRÁFICO Pedro Camargo DIAGRAMAÇÃO Beatriz Fialho, Giulia Gamba e Guilherme Guerra COLABORADORES Eliana Nagamini, Giulia Gamba, Patrícia Saluti, Pedro Ortiz, Sérgio Andreucci, Sérgio Jorge, Simonetta Persichetti, Sonia Castino, Toshio Yamasaki e Victoria Leite NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS Avenida Paulista, 900 – 5º andar 01310-940 – São Paulo – SP (11) 3170-5874/5814 revistacasper@casperlibero.edu.br

tecnologia e tradição

D

a influência digital do ativismo de Nátaly Neri, youtuber que já tem mais de cem mil inscritos no seu canal que discute feminismo, movimento racial e beleza, à tradição das canções de Alaíde Costa, artista que acaba de completar sessenta anos de carreira, a Revista Cásper número 19 faz um passeio pela diversidade da cultura e da comunicação nesta metade agitada do ano de 2016. Alaíde criou um estilo próprio de cantar ao buscar uma música que transmitisse sua identidade. Hoje, com tanta experiência, se diz no melhor momento da carreira por finalmente ter conseguido gravar um CD com suas próprias composições. Nátaly continua o trabalho iniciado por lutadoras como Alaíde, discutindo o feminismo no cotidiano do consumo, dando opções de compra e questionando o mundo a partir do seu olhar de mulher negra e jovem. Dentro das inovações da Comunicação, a realidade virtual avança com novos formatos e suas estratégias caminham para tornar o mundo um só. Discutimos também o que afinal é o Big Data, este termo de que muito se fala e pouco se sabe, e os games mobile, estratégia inovadora para o mercado da Publicidade. Falando em inovação, a Faculdade Cásper Líbero, atenta ao nosso tempo, lança o Cásper Digital, portal de EAD da instituição, sabendo que o alcance do aprendizado pode, e deve, ir muito além da sala de aula. Mostramos também como a cidade da Festa Literária de Paraty também é um espaço permanente de discussão de questões literárias, comunicacionais, sociais e políticas. Na matéria, os bastidores, reflexões e imagens do evento com exclusividade. Completando o trabalho sobre a Flip, uma reportagem sobre a homenageada deste ano, a poeta Ana Cristina Cesar. E o imperdível fotógrafo Sérgio Jorge, ganhador do 1º Prêmio Esso de Fotografia, nos presenteia com seu portfólio, uma coleção impactante de imagens sobre o cotidiano do povo brasileiro.

Boa leitura,

HELENA JACOB Coordenadora de Ensino de Jornalismo

casperlibero.edu.br/a-casper-libero/revista-casper

CAPA © Alile Dara Onawale CC

BY

Se não houver um © explicitado, você pode copiar, adaptar e distribuir os conteúdos desta revista, desde que atribua créditos

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SUMÁRIO 10

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imersão tecnológica

Realidade virtual e as novas definições e limites da comunicação

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ativismo digital

A youtuber Nátaly Neri usa seu canal Afros e Afins para debater questões sociais

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cásper digital

Faculdade Cásper Líbero desenvolve nova plataforma de ensino

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os enredos de paraty

Questões políticas e sociais que vão muito além da Flip

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canções de alaíde

Perfil da cantora e compositora Alaíde Costa nos seus oitenta anos de história

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além de dados e tabelas

O uso do Big Data como nova ferramenta para cruzar informações

40 a verbal volúpia de ana c. A obra profunda e intimista da poeta marginal Ana Cristina Cesar


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“clique aqui”

O mundo de games mobile como um campo da publicidade

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um olhar, uma história

Imagens da vida brasileira retratadas pelo fotojornalista Sérgio Jorge

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SeÇões 56 61 66

resenha casperianas CRÔNICA

Comunicação contra a crise

Importância das relações públicas em um contexto de instabilidade

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NAN PALMERO

audiovisual

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IMERSÃO

TECNOLÓGICA A realidade virtual pode mudar os limites da Comunicação. Agora o público não apenas assiste, mas está imerso na narrativa

Texto por Paula Calçade Design por Beatriz Fialho

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s possibilidades são muitas, mas as aplicações ainda pouco conhecidas. A realidade virtual (VR) já propicia uma experiência completamente nova no mundo da Comunicação, que, até o ano passado, era inimaginável. Foi necessário muita conversa e convencimento nas agências de publicidade e nas produtoras de cinema, segundo Ricardo Laganaro, coordenador do Departamento de 3D e Tecnologia da O2 Filmes. “Agora temos um ecossistema voltado para o desenvolvimento dessa tecnologia. Quem experimenta esses óculos vai notar que é algo impactante, as pessoas entram em um novo ambiente e fazem parte dele”. Definir o que é realidade virtual não é uma tarefa fácil. Falar em cenas sintéticas multissensoriais que são reproduzidas por meio de linguagem numérica ou ainda em uma simulação feita computacionalmente por códigos binários é algo muito abstrato e pouco compreensível para qualquer um que não seja da área. É quase necessário tomar cuidado ao tentar classificar realidades como simuladas, virtuais, concretas ou qualquer outro termo. Isso tem a ver com teorias mais complexas e o mais importante parece ser a aplicação dessas tecnologias na vida das pessoas. Setembro de 2016 | CÁSPER

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O professor do curso de Publicidade e Propaganda da Cásper Libero, Rodrigo Morais ressalta que a publicidade tem um jeito único de se apropriar do desenvolvimento tecnológico. Para ele, por uma questão financeira, o ramo tem facilidade em aproximar as pessoas dos novos aparatos tecnológicos. “Costumo dizer em minhas aulas que fazer publicidade é criar realidades. E isso pode ser bom ou ruim”. A VR pode tornar as palavras do professor ainda mais literais. Em uma campanha publicitária, espera-se que a marca chegue até as pessoas, mas com essa tecnologia a imersão sensorial é ainda mais intensa. O público está dentro desse universo conceitual. Essas novas linguagens estão em constante e recente discussão e evolução. Alguns acham que elas são passageiras e outros as entendem como muito importantes para o futuro das áreas da Comunicação no Brasil. “Ninguém tem equipamentos sofisticados em casa, mas quase todo mundo tem um smartphone e Facebook”. Laganaro reforça que não adianta criar novas tecnologias muito avançadas se um número considerável de pessoas não usufruir delas. Mas no caso da VR, para ele, o que mais chama a atenção são as inúmeras aplicações possíveis, podendo aparecer em vídeos, jogos, filmes e propagandas. Seu maior exemplo é o clipe da Ivete Sangalo O Farol, filmado em 360 graus. Nele, o espectador pode navegar por diferentes ambientes montados nos estúdios da produtora como uma praia, uma mesa de café da manhã, um quarto e uma balada. É a primeira iniciativa no Brasil que usou este conceito e todos que possuem um smartphone podem experimentar essa imersão e se sentir próximo dessa produção. Sabina Anzuategui, professora do curso de Rádio, TV e Internet da Faculdade Cásper Líbero e roteirista, já não enxerga a possibilidade de criação de bons longas-metragens produzidos totalmente em realidade virtual, pois quando

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não existe foco narrativo e, vários cenários e situações podendo surgir, a história pode ficar confusa e, no caso de um filme, é necessário limites. “O público pode interagir em determinados momentos, por isso os formatos mistos da realidade virtual podem dar certo somente em algumas cenas, seria interessante, mas em um longa inteiro, não vejo como poderia ser viável”. Para ela, videogames e curtas-metragens com essa tecnologia se destacam mais, porque os pontos de decisões são claros, o público sabe quando e onde interferir. O curta em VR Zoom, em sua opinião, é um bom exemplo. “Excelentes animadores, equipes de produção e edição de todo o mundo se uniram para lançar esse pequeno filme e deu certo”. Com essa tecnologia, a principal diferença é que não se assiste mais a um conteúdo: o público está dentro dele: “Viramos um pouco arquitetos, agora pensamos, além de tudo, nos lugares também. Antes de criar um roteiro, temos que ter a noção exata do espaço que teremos”. Ricardo Laganaro também diferencia a passividade e a interação entre os dois formatos. No caso de um videogame, quem joga pode colocar os óculos e olhar para baixo e ver seu próprio corpo naquele ambiente virtual, já quando a filmagem é em 360 graus, o público está na cena, mas é passivo nessa nova realidade. “Na perspectiva de diretores, ter um personagem que não faz nada na cena é descartável. Em minha opinião, a ideia é válida, é o que venho tentando fazer acontecer. Criar uma presença invisível, de um telespectador passivo e ao mesmo tempo presente no filme”. Para o coordenador da O2 Filmes, assim como a câmera de cinema demorou um tempo para se tornar invisível, com a filmagem de pessoas saindo da fábrica ou com personagens interagindo propositalmente como se fosse um teatro, o público vai precisar se acostumar com a possibilidade de estar dentro da cena, mas não necessariamente fazer

parte dela. Entretanto, Laganaro reforça que são novidades e toda essa concepção cinematográfica pode mudar conforme as experiências em VR forem surgindo. Essas narrativas já são testadas na propaganda, muitas campanhas estão tentando experimentar esse tipo de linguagem. “Outra coisa importante a ser destacada é a tentativa da publicidade em ser multissensorial”. Rodrigo Morais lembra que, por muito tempo, a área não conseguia atingir linguagens que iam muito além da sonoridade e visualidade, e agora é possível trazer diversos outros aspectos sinestésicos para uma campanha. As potencialidades da realidade virtual são diversas e suas possibilidades de uso estão sendo cada vez mais exploradas. Mesmo que ainda sob um aspecto bastante inicial, elas já causam grandes impactos e vão além da comunicação. A medicina também se mostra um mercado interessado nesse desenvolvimento tecnológico. O professor Rodrigo Morais explica que o tema de sua tese de doutorado é a Terapia Avatar, um tipo de tratamento psiquiátrico que usa a realidade virtual para criar avatares das alucinações de esquizofrênicos. Os pacientes escolhem um rosto e uma voz que combinam com as vozes que escutam dentro de suas cabeças e, assim, os ajudam a materializar e confrontar suas angústias e medos. “São definitivamente muitas as aplicações da realidade virtual, mas a popularização dela depende de diversas questões políticas e financeiras, temos que esperar para ver”.

Realidade aumentada

Com o lançamento do jogo para celulares Pokémon Go, outro desenvolvimento tecnológico também despertou o interesse do mercado desenvolvedor e consumidor dessas novas realidades. A aumentada (AR) possibilita a inclusão do virtual na vida real do jogador ou espectador, enquanto a VR leva esse público para outro lugar. Para Ricardo Lagana-


GUILHERME GUERRA

Ricardo Laganaro participa no desenvolvimento de novas produções com a realidade virtual

ro, essas duas possibilidades se encontram e não são tecnologias diferentes: “A AR poderia colocar as informações de localização do motorista, como o Google Maps, no vidro de um carro, ou ainda óculos que permitiriam visualizar horário e mensagens na frente do rosto. Imagino que o mais interessante seria a mistura dessas realidades, deixar que a pessoa escolha as alternativas que ela quer no ambiente”. O desenvolvimento técnico dessa mistura ainda pode demorar. Segundo o coordenador da O2 Filmes, “seria como ir crescendo a realidade aumentada até que se crie uma realidade virtual, totalmente diferente do mundo físico em que a pessoa estava antes”.

VIRAMOS UM POUCO ARQUITETOS, AGORA PENSAMOS, ALÉM DE TUDO, NOS LUGARES TAMBÉM

Ricardo Laganaro, coordenador de 3D e Tecnologia na O2 Filmes

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©FELIPE ABE

capa

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ATIVISMO

DIGITAL Acreditando que o Youtube é uma ferramenta inovadora e poderosa da comunicação, Natály Neri combina vídeos sobre moda e beleza com engajamento político e social

Texto por Carolina Moraes e Paula Calçade Design por Giulia Gamba

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A

movimentação das pessoas causa um descompasso com a quietude dos móveis de madeira e das estátuas de anjos em um bazar no bairro da Vila Mariana, em São Paulo. Nátaly Neri, mulher negra, esbelta, de cabelos trançados e longos, anda de um lado para o outro procurando peças e falando com sua equipe. Um fotógrafo, uma assessora e uma amiga. Experimenta e ajusta roupas que lhe caem perfeitamente, mal parecem ter sido doadas para aquele lugar quase esquecido, vindas de pessoas que não enxergam mais nenhuma graça naquele cinto colorido, na blusa branca e no vestido preto. Nela, esses tecidos descobrem beleza novamente. Ela posa como quem desfila com as últimas tendências da moda dos grandes estilistas, mas gastou apenas trinta reais em uma sacola recheada de roupas. Nátaly Neri, nascida em Asis, interior de São Paulo, tem 22 anos e é estudante de Ciências Sociais na UNIFESP, feminista, apaixonada por brechó, costura, moda e pelos “faça você mesmo”. Criou um canal no Youtube, em julho de 2015, que, em suas palavras, busca incentivar a autonomia de quem assiste, ao achar as melhores opções de consumo e discutir questões importantes sobre seu lugar no mundo como mulher negra. Mas, claro, sem ignorar tutoriais divertidos de maquiagem, cabelo e tudo o que quiser e couber em seu vídeos do Afros e afins, conquistando os cem mil inscritos e quem mais a encontrar nas redes sociais. Como surgiu seu interesse pelos brechós? E como foi trazer esse assunto para o canal? Eu vim de uma família que não tinha dinheiro para comprar roupas em lojas, então tínhamos que ir a brechós, mas durante muito tempo odiei isso. Achava que só encontraria peças sujas, que não tinham informação de moda suficiente para me tornar uma pessoa legal e descolada. Quando arrumei meu primeiro emprego, com 14 anos, usei todo meu salário nessas lojas de shopping. Era meu sonho! Mas foi o grande choque da minha vida: percebi que gastei muito dinheiro com poucas peças e, depois de dois meses, os botões caíam, as calças desbotavam. Fiquei frustrada! Então, minha mente mudou: comecei a valorizar o brechó e a me dedicar a ele. Interessei-me por costura e reforma de roupas para transformar o que encontrava, e poder usá-las de uma forma completamente nova. Eu trago essas dicas para o canal, porque as pessoas sempre me perguntaram sobre as peças que usava e não acreditavam que eram de segunda mão. Agora, passo isso junto com as ideias de transformação e consumo consciente. A compra [em brechós] com certeza sai mais barata do que nas lojas e é algo socialmente mais responsável. Você diz que procura mostrar e valorizar a autonomia estética, financeira e intelectual das mulheres negras no Afros e afins. Essa foi a ideia desde o início? Como você consegue atingir esse objetivo? Coloco isso como o grande projeto do meu canal, são os três pilares. Quando entrei na faculdade de Ciências Sociais desco12

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bri que uma série de coisas fez com que eu tivesse autonomia enquanto indivíduo. Antes, não tinha condições de fazer meu próprio cabelo, de comprar maquiagem e roupas. Então, tive que buscar formas de lidar, não só com a indústria da moda, mas com a minha beleza e meu corpo. Aprendi a trançar o meu cabelo e comecei a ganhar dinheiro com isso, consegui comprar tecido e alguns produtos. Foi um processo que aconteceu na universidade, trançava cabelo e costurava para amigas. Tirava daí o meu sustento. Ter acesso a tudo isso, possibilitou não depender mais dos meu pais, que não tinham condições de me manter fora da minha cidade. A autonomia financeira é bem geral: estimulo com os vídeos de brechós, para as mulheres não gastarem muito dinheiro, e com os vídeos de costura, porque quem assiste aprende a reformar e a fazer roupas para vender. A autonomia estética é saber que eu mesma posso cuidar do meu corpo, não preciso ir ao melhor salão de beleza afro e posso trançar meu cabelo com muita qualidade sozinha, por exemplo. A autonomia intelectual que, para mim, é a mais importante, foi ter acesso a conhecimentos que eu não tive na escola e na minha vida. Na faculdade, descobri as pautas dos movimentos negro e feminista, comecei a entender meu lugar na sociedade por mim mesma, não pelo o que a mídia e as pessoas me diziam. Busquei formas de subverter essa lógica que me aprisionava e comecei a mostrar essas discussões no canal, com entrevistas e depoimentos meus e de outras pessoas. Como é a escolha desses temas no Afros e afins? Este é um ponto que sempre foi complexo para mim. Estudo educação e faço projetos na área. Estou estagiando como professora de sociologia, é uma experiência muito rica. O grande desafio que temos lá é elaborar uma forma de levar um conhecimento científico para pessoas que não tem a mesma bagagem teórica que nós. Como falar de um pensamento super-requintado para adolescentes? É a mesma questão para o meu canal, falar de feminismo e luta antirracista para jovens negras no Youtube. Essas meninas estão na internet procurando dicas de moda e beleza, por isso a estética é um mecanismo fundamental para o Afros e afins, não estaria onde estou se não tivesse feito vídeos de maquiagem e roupa. Caso contrário, seriam aulas, o que não seria legal. Não quero falar com quem já sabe, quero conversar com quem não teve acesso a essas discussões. A escolha dos vídeos é feita pensando no meu público, que tem, majoritariamente, entre 15 e 17 anos. São meninas que estão na internet e gostam de moda, mas também se interessam por questões sociais e políticas. Nessas discussões que você leva para o canal, tem alguma referência ou influência que te ajudou e te inspira com os temas? Uma pessoa que sempre me ajudou muito foi a Djamila Ribeiro, porque ela é da minha universidade e foi com quem tive os primeiros contatos com as pautas do feminismo negro. No meu primeiro ano, comecei a me envolver com as discussões feministas, mas eram debates generalizados, sem recortes, bastante amplos e que comtemplava todas as mulheres. Mas


JOÃO GABRIEL HIDALGO

O YOUTUBE É ESSENCIAL NESTE MOMENTO DO PAÍS PORQUE A JUVENTUDE ESTÁ EM MASSA LÁ

Nátaly Neri, youtuber

©ALILE DARA ONAWALE

foi quando fiz um minicurso com a Djamila sobre mulheres negras na América Latina que tudo mudou para mim: eu me enxergava em tudo o que ela falava. Foi assim que comecei a ler autoras negras. É muito complicado, tive que fazer um curso bastante específico para encontrar esses debates, por isso é tão importante falar sobre feminismo negro na internet. Outra mulher que me ajuda nos textos acadêmicos é a Sueli Carneiro, uma filósofa e militante incrível. São pessoas reais que compartilham uma trajetória muito parecida com a

minha e é nelas que eu me inspiro para continuar estudando e levando esses debates para as meninas da minha geração. Como você administra seu tempo para conseguir se dedicar à faculdade e aos vídeos? É muito corrido. Meu canal nasceu em julho de 2015, que foi um ano terrível para mim. O Afros e afins estourou depois de uma participação que fiz no canal da Jout Jout, graças ao meu vídeo sobre apropriação cultural. Quando isso aconteceu, Setembro de 2016 | CÁSPER

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fiquei deslumbrada, confesso. Nós, mulheres negras, não estamos acostumadas a sermos o foco, com as pessoas ouvindo o que temos a dizer. Então fiquei muito perdida, me distanciei dos estudos e foi um semestre em que não aprendi muita coisa. Estava me sentindo vazia porque não tinha adquirido conhecimento e senti que me sacrifiquei muito. A partir daí, minha prioridade se tornou meus estudos, porque se eu não souber o que estou falando, meu canal não continua. Não posso achar que sou só uma youtuber. É uma parte do que sou, mas antes de tudo sou uma estudante de Ciências Sociais e é assim que tenho que me colocar. Hoje em dia, é uma vida de sacrifícios; se aparecer um evento bacana no meio da semana, não vou porque tenho aula no dia seguinte e não posso faltar e ficar cansada. Mas estou levando bem. CAROLINA MORAES

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Sua família te apoia com o Afros e afins? Como eles reagem? A minha mãe tem pouco acesso à internet. É uma questão bastante complicada. Falo sobre feminismo e empoderamento, alcanço milhares de garotas, mas isso não chega a minha mãe, uma mulher negra de pele escura, que tem muitos problemas de autoestima e entende pouco sobre discussões feministas, mesmo nós duas conversando a respeito. Isso mostra a deficiência do nosso discurso. Minha mãe sabe que eu faço vídeos. Quando pode, vê e acha muito legal, mas não sabe direito do que estou falando. Meu pai mostra o canal para todo mundo. Ele é um homem branco e quando assiste alguns vídeos diz que estou exagerando um pouco, mas logo explico que não. Os dois me apoiam muito.


Você falou do canal da Jout Jout, como você enxerga outros youtubers que fazem sucesso? Acho o Youtube uma plataforma muito poderosa, para o bem e para o mal. A televisão é uma mídia que está perdendo força entre os jovens, eles não se vêm mais representados lá. Mas esse pessoal está no Youtube em peso, você forma personalidade e caráter quando tem um canal. Em determinado momento, formei o que sou assistindo à televisão, mas a nova geração não, isso se deslocou para a internet. Os grandes youtubers falam sobre problemas da vida deles, não acho que todo mundo tem que discutir questões sociais e políticas, mas as pessoas acabam criticando o “politicamente correto”, como se fosse difícil ter que respeitar. Esse é o problema dos maiores youtubers, o de não tomarem cuidado com o tipo de

discurso que estão reproduzindo: às vezes é violento para muitas pessoas e continua objetificando a mulher e estereotipando os negros e as pessoas transexuais. Essa geração precisa tomar muito cuidado com o poder que tem. Quais outros canais você gosta e indicaria? Uma coisa muito interessante que acontece no Youtube é que existe um limbo na plataforma em que pessoas poderiam dquirir um conhecimento rico e profundo. Espaços de mulheres negras, homens negros, pessoas LGBT, que se propõem a falar sobre questões fundamentais para os jovens, mas não conseguem alcançar visibilidade e ficam com uma média de inscritos baixa. Isso acontece porque a plataforma exige um investimento financeiro grande e a maioria das pessoas não tem condições de produzir conteúdo de qualidade, competindo com quem tem equipamento de ponta dentro de casa. As empresas também não valorizam tanto esses discursos posicionados, elas querem as meninas que falam apenas sobre beleza, que não vão apontar que determinada marca é racista e não tem bases para pele negra, por exemplo. Então isso dificulta muito. Mas algumas mulheres conseguem, como a Ana Paula Xongani, que fala sobre afroempreendedorismo e moda negra. Os vídeos delas são muito bons, tem uma desenvoltura ótima, aprendi muito com ela. A Gabi Oliveira, do canal DePretas, que também é incrível e muito engraçada. São diversos canais sob diferentes formas. E a Jout Jout, claro, que sacou exatamente a linguagem da plataforma e alcança um público enorme, justamente porque vai de mansinho, mas toca nos assuntos mais legais e importantes, como a série de vídeos sobre HIV que ela fez. Como você lida com as pessoas que odeiam seus vídeos e as que adoram? Com as pessoas que amam não sei lidar, não consigo ter a noção do que são cem mil inscritos no meu canal, não me enxergo ainda como uma pessoa que influencia muitas outras, justamente porque acompanho canais grandes. Sei que meu alcance é muito pequeno perto do que existe no Youtube. Mas ainda assim, o espaço que tenho no meu nicho é fundamental. Às vezes, aparece gente que gosta muito de mim, como em um dia em que uma menina veio me abraçar tremendo, querendo tirar uma foto comigo. Fiquei muito mexida. Penso que minha responsabilidade é muito grande. Com os haters eu lido muito bem agora, me divirto e dou risada! No começo, tinha muito medo, porque eles apareceram de forma muita intensa, criaram grupos para me humilhar e compartilhavam fotos minhas em todas as redes sociais. Mas fiquei vacinada, faço graça e acabo agradecendo a dedicação a mim, porque estão em todos meus vídeos e comentam tudo. Você tem interesse em ampliar seu trabalho para outros lugares e projetos, como um livro? A gente se deslumbra muito fácil, ainda mais quando é pobre e negra. É fácil estar em uma posição de centralidade e foco Setembro de 2016 | CÁSPER

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e se deixar levar. Uma coisa que aprendi é que a educação é a única forma de eu conseguir me posicionar no mundo e sobreviver, sem isso não vou alcançar muito mais coisa. Nunca largaria meus estudos para me dedicar ao Youtube, porque sei que é um espaço de competição e injusto, onde dez dos maiores youtubers são brancos e estão na lógica dos melhores equipamentos. Óbvio que pretendo sempre melhorar meu canal, agora até comprei tecnologia nova depois de juntar dinheiro por um ano, mas em momento algum vou abandonar os estudos. Preciso ser uma cientista social antes de tudo. Você comentou que quem assiste aos vídeos são, majoritariamente, meninas entre 15 e 17 anos. Seus vídeos sempre foram pensados para este público? Quando comecei meu canal, fiz porque cresci assistindo ao Youtube. Aos 12 anos, eu ia à lan house e ficava assistindo vídeos de maquiagem e coisas assim. Acompanhei bem do início as youtubers que hoje já estão com milhões de seguidores. Vivi nesse mundo e segui mulheres negras, como a Raysa Nicácio e a Maraisa Fidelis, que fazem vídeos de cabelo e beleza negras, porque queria entender como cuidar de mim, já que eu não tinha dinheiro para isso. Eu nunca tive autoestima, sempre me odiei. Mas quando entrei na universidade, descobri que o fato de me odiar não era culpa minha, que não me odiava porque era uma pessoa feia, horrível. Eu me odiava porque a sociedade, em todos os espaços da minha vida, me dizia que eu devia me odiar. Ao não me mostrar na televisão, na propaganda, a não ter produtos para minha pele, ao não valorizar o meu cabelo e o cabelo da minha mãe. Então, quando comecei a universidade, entrei em choque: onde estava essa informação todo esse tempo? Não culpo as youtubers negras. Elas não tinham consciência disso, éramos todos perdidos naquela época. Mas se alguma delas tivesse falado sobre racismo, que existe uma estrutura que fez com que eu me odiasse, minha vida teria sido diferente. Não passaria 17 anos da minha vida me odiando. Faço mais vídeos pensando nessa menina que está no Youtube para saber sobre cabelo e maquiagem, e que vai assistir a um vídeo sobre moda ou sobre brechó porque não tem dinheiro e vai ouvir sobre consumo consciente. E ouvindo sobre consumo consciente, ela vai saber sobre a sociedade, sobre mulheres negras. Este é o objetivo. Sempre foram elas. O que fez com que você quisesse fazer Ciências Sociais? Acho que a maioria das pessoas quando entram em Sociais tem uma visão muito altruísta de “vou salvar o mundo”. E essa era um pouco da minha visão. Quando criança, sempre quis fazer Biologia, porque queria salvar a fauna e a flora. E vi que Biologia, Física e Química eram matérias que não ia muito bem. No ensino público, essas áreas são muito ruins. 16

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Então, decidi que não era isso que eu queria, mas ainda estava muito perdida. Comecei a me interessar por História, Sociologia, e tive professores muito importantes que me falaram que me daria bem nisso, que deveria investir. E, além disso, sempre tive empregos que me colocaram em situações limites. Trabalhava entregando panfletos, chamando pessoas para fazer cursos na Embelleze, fazendo trabalho voluntário. Passei por situações horríveis e fui descobrindo o ser humano. E, então, um dia falei “não quero mais salvar a fauna e a flora, o animal que mais precisa da salvação é o ser humano [risos].” Foi logo ao entrar na universidade que você decidiu que o Youtube seria sua ferramenta para ajudar as pessoas? Não! Acho que todo mundo que assisti ao Youtube tem, no fundo, vontade de fazer vídeo, mas eu sempre me achei muito feia para colocar meu rosto na internet. Já durante a universidade, nos primeiros três anos, só estudava feminismo, ele movia a minha vida. Naquele momento, isso me deu firmeza, percebi que estava consciente do meu discurso, e que não estava mais reproduzindo algo: estava refletindo por mim mesma. Conseguia pegar coisas que aprendi, que li, e juntar com a minha experiência. Quando percebi que tinha segurança e que aquele conhecimento me autonomizou, porque eu não estava mais reproduzindo e só recebendo, mas conseguia interiorizar e refletir junto com a minha realidade de modo a servir para mim ou não, senti que as pessoas precisavam saber disso! E aí fui para o Youtube pregar a palavra do feminismo! É impossível não falar sobre a conjuntura política atual do Brasil e você já falou sobre isso no Afros e afins. Seu canal também pode ser um veículo para essa problematização? O Youtube é um espaço de resistência e combate? Sim. Na teoria, o Youtube é democrático, porque podemos falar sobre o que quisermos, não existe censura, mesmo existindo todos os apontamentos que já falei sobre ser um ambiente racista e classista. Mas, o Youtube é essencial nesse momento do país porque a juventude está em massa lá e os questionamentos podem chegar até ela, são aqueles assuntos que provavelmente não são discutidos em outros espaços. Esses adolescentes podem contrapor o que veem na televisão e é reproduzido por seus pais, por exemplo. É uma possibilidade de conscientização do que estamos vivendo e muitas discussões básicas ainda precisam ser feitas, como em um debate que trouxe para o canal sobre o tema colorismo. Muitos ainda nem sequer problematizaram o racismo, justamente porque essas questões não estão nas grandes mídias. O Youtube pode ser uma alternativa.


chapéu

Maio de 2014 | CÁSPER

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ensino

CÁSPER DIGITAL Nova plataforma da Faculdade Cásper Líbero disponibiliza cursos online na área da Comunicação Texto por Carolina Moraes Design por Guilherme Guerra

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eja pela flexibilidade de horário ou ausência de um lugar fixo, o Ensino à Distância (EAD) tem atraído cada vez mais alunos. Plataformas online, como a norte-americana Coursera, oferecem opções de aulas com profissionais vinculados a instituições renomadas. Motivada por essa possibilidade de expansão de seu conhecimento e por este novo público que busca outras formas de acesso ao ensino, a Faculdade Cásper Líbero criou a Cásper Digital, um ambiente com cursos de curta e longa duração. Lançada em junho deste ano, a plataforma oferece dois módulos atualmente: Ética nas Organizações, com Ágatha Paraventi, e As mídias digitais e as relações humanas, com Luís Mauro Sá Martino. Em ambos, e nos outros que estão por vir, o aluno obtém o certificado de conclusão se tiver a partir de 70% de aproveitamento durante as aulas.

O entretenimento no ensino

Um desafio que permeou a produção do material foi pensar em um formato mais interativo. Normalmente, os vídeos de EAD 18

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são gravados com um professor diante da lousa. Como as aulas online não permitem uma interação direta entre professor e aluno, manter o modelo de sala de aula pode tornar o conteúdo entediante e de difícil apreensão. Lidiane Faria, coordenadora do Núcleo de Mídias Digitais e Produção Web da Fundação Cásper Líbero, conta que o grande diferencial nesse processo foi combinar a experiência audiovisual com o entretenimento na aplicação deste projeto, fazendo com que o resultado final dos primeiros dois cursos não fosse um material tradicional de EAD. Foram aplicadas técnicas de teatro e de storytelling, os ambientes de gravação foram alternados e o ângulo de enquadramento dos professores foi pensado para se aproximar ao de um bate-papo. “EAD muitas pessoas fazem, mas a Cásper está acertando em propor um novo formato mais dinâmico e moderno, que atenda a uma necessidade das pessoas que querem estudar hoje em dia.” Segundo Rubens Ishara, roteirista responsável pelo projeto, os vídeos para a internet precisam ser reinventados por sua incapacidade em prender a atenção do espectador. Apesar de trabalhar esta necessidade de renovação, em um primeiro momento, na produção de conteúdo de entretenimento, ele reco-


©DIVULGAÇÃO

O professor Luís Mauro Sá Martino ministra o curso As mídias digitais e as relações humanas

nhece a necessidade de aplicar este conhecimento também nos cursos online: “Além de aprendermos muito com as aulas dos professores, descobrimos também a colocar toda essa nossa bagagem em um conteúdo relevante”. As aulas contemplam as áreas de expertise da Faculdade: Jornalismo; Rádio, TV e Internet; Relações Públicas e Publicidade e Propaganda. Apesar de cada curso ter um direcionamento específico, o conteúdo se mantém conectado à dinâmica social e à rotina dos alunos: “Algo que foi muito importante para o nosso planejamento foi adaptar o conteúdo do professor ao dia-a-dia. Queríamos trazer um exemplo na aula, mas que ele fosse muito prático”, explica Lidiane. Com o apoio da equipe operacional da TV Gazeta, dois ambientes foram explorados no curso Ética nas Organizações: a sala de aula com uma lousa touch e ambientes reais de empresas e escritórios para exercitar os exemplos dos conceitos teóricos. As aulas, com uma perspectiva prática, buscaram mostrar o que pode ser a ética nas organizações e o papel fundamental do comunicador para atuar em apoio a este desenvolvimento dentro das organizações. O conteúdo, originário das aulas de Ética, Legislação e Relações Públicas, ministradas pela professora no curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero, foi pensado para o formato digital e, segundo Ágatha, a proposta multidisciplinar para montar o formato foi fundamental, “se não fosse isso, o material não teria a mesma qualidade”.

Uma nova linguagem

O mundo de Beakman, Cosmos e O Professor, séries de divulgação científica dos anos 80 e 90 são algumas das referências neste processo de roteirização que também priorizou a movimentação. Essa lógica, que é propriamente do entretenimento, segundo Luis Mauro Sá Martino é fundamental para o processo de aprendizagem. “EAD é um outro tipo de aprendizado e

não podemos simplesmente transpor a linguagem de um lugar para outro. Cinema não é teatro filmado. Cada mídia tem uma exigência de linguagem”. Em seu curso, Luís Mauro Sá Martino discute a relação entre pessoas e as mídias digitais, lembrando que, diante de cada uma delas, há um ser humano, e é ele, segundo o professor, que deve ser pensado em primeiro lugar. “Somos nós que estamos agindo na sociedade, têm seres humanos com emoções, afetos, razões, e políticas neste ambiente”. Nas aulas, as condições de comunicação nos ambientes digitais são pensadas sob uma perspectiva complexa da realidade, considerando tanto os pontos bons quanto os ruins desta nova forma de interagir: “Neste ponto, a ideia é realmente pensar relações humanas. Elas continuam existindo, mas se transformam”, explica Luís Mauro. As inscrições foram abertas quatro dias antes do lançamento e, já na primeira turma, sete mil pessoas estavam inscritas. Segundo Olga Magalhães, responsável pelo Núcleo de Tecnologia Educacional, o número superou as expectativas e, hoje, são mais de dez mil inscritos. Outros dois cursos serão disponibilizados na plataforma – um de Empreendedorismo para jornalismo e outro de Promoção e Merchandising – e continuarão com a proposta inicial de um conteúdo online relevante e com um formato diferenciado que, segundo Ágatha, é o que a sociedade demanda: “As instituições precisam se preparar para isso e, mais do que nunca, oferecer um curso EAD de qualidade, porque é disto que a gente precisa”. A grande procura por vagas nos cursos iniciais da plataforma mostrou o interesse pelo contato com conteúdos disponíveis online. Segundo o diretor da Faculdade Cásper Líbero, Carlos Costa, acreditar que o EAD é um esvaziamento do ensino é um grande equívoco: é o próprio interesse do aluno que move sua aprendizagem. Setembro de 2016 | CÁSPER

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OS ENREDOS DE

PARATY A Festa Literária Internacional de Paraty, além de um espaço cultural, é uma oportunidade para a visibilidade de questões políticas Texto por Felipe Sakamoto Design por Giulia Gamba

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la rodopia e canta as palavras de ordem. “É ou não é piada de salão? Na cidade da Flip está faltando educação”. Usa um chapéu de cangaceiro com seu nome artístico estampado, colares de diversas cores, tipos e tamanhos, óculos escuro, indumentárias coloridas e, nas costas, um colete formado por diversos cordéis de sua autoria em parceria com seu marido. A professora de sociologia de 48 anos, Marinalva Bezerra, conhecida como Querindina, acompanha o ato dos estudantes e professores das escolas municipais e estaduais de Paraty por melhorias na educação. Não somente sua voz e presença fazem parte de uma ação política, mas também sua poesia. Na época em que acontece a Feira Literária Internacional de Paraty, a Flip, um fluxo intenso de pessoas toma conta da cidade. Criado em 2003, o evento tem como objetivo ser uma manifestação cultural, ao debater música, arte, ciência e literatura. A cada edição um autor brasileiro é homenageado, um modo de valorizar a língua portuguesa e as produções nacionais.

“Há muita gente circulando, mas do ponto de vista do consumo, não vai muito bem. Isso é da conjuntura [econômica] atual ”, comenta o representante comercial Fernando Rocha, de 54 anos, conhecido por Macambira, personagem que interpreta, referindo-se a situação econômica e política do país. “A crise acabou atingindo todo esse cenário e a gente percebe”. Enquanto aguarda a volta da esposa, Macambira apresenta todas as produções do casal, dispostas em uma mureta de pedra, no centro histórico de Paraty. Ser diferente é normal, Bullying tô fora, Homofobia mata, são alguns dos títulos, dentre outros de temática infantil e social, de seus cordéis, gênero a que começaram a se dedicar a partir de 2003. É pela técnica da xilografia que a dupla também realiza as ilustrações. Macambira explica que seus três filhos não se envolvem com sua literatura, acusa a internet pela alienação dessa juventude e se explica parafraseando Mário Quintana: “O verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê”. Incorporando sua personagem, o cordelista conta que “se pudesse, morava aqui”, olha para o céu limpo e ensolarado e para as pessoas à volta e diz: “Paraty tem

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Fernando e Marinalva divulgam seus cordéis anualmente na Flip

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essa coisa bucólica e nostálgica que inspira arte, literatura e poesia”. Há nove anos, ele e sua esposa viajam de Esperança, na Paraíba, para a Flip, aproveitando a visibilidade do evento para divulgar os folhetos típicos do nordeste brasileiro. “Ana Cristina Cruz Cesar é seu nome todinho, essa poetisa notável escrevia com carinho, era tradutora, além disso, professora. Estava sempre juntinho de quem queria a literatura defender, a poesia divulgar”, esses são versos do casal paraibano, sobre a homenageada desta edição da Feira. “Ô filho!”, diz Querindina que chega de encontro. Mesmo não me conhecendo, cumprimenta de maneira calorosa. Despeço-me da dupla para acompanhar os passos dos manifestantes, que se concentraram na praça da Matriz. Pedra por pedra, cerca de duzentas pessoas, de acordo com os organizadores, percorrem as ruas do centro histórico da cidade. À frente, uma grande faixa preta com dizeres em branco “ato em defesa da escola pública” estendida por alunos e alunas que vestiam roupas pretas, simbolizando o luto pela educação. Alguns jovens estão com medalhas improvisadas com denúncias escritas, feitas com pratos de plástico e fitas azuis, no pescoço: “Assédio moral, 0% de reajuste salarial e violência injusta”. A aluna do terceiro colegial, Luana, de 16 anos, explica que em Angra dos Reis e em Paraty três escolas foram ocupadas e que o governo do Rio de Janeiro, até então, não quis negociar. “Aproveitamos a Flip é uma feira que vem pessoas do mundo todo, para mostrar que o governo tem um descaso com a educação. Estou tendo aula, mas de poucos professores. Mesmo não estando em greve, existe uma carência de profissionais”. Depois de ser contactada para falar sobre o assunto, a Prefeitura da cidade não respondeu até o fechamento desta edição. Um menino com chapéu e luvas escuras, segura uma tocha olímpica feita de alumínio e saco plástico amarelo. O levante critica a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro em um momento de tantos problemas sociais. “Não vai ter tocha, vai ter luta”, é um dos cartazes entre outros como “medalha de ouro no sucateamen-


No cais, barcos levam os turistas para conhecer as ilhas da região de Paraty

to da educação” e “me chama de Olímpiada e investe na educação”. O grupo atravessa a ponte da rua do Comércio – cheia de bandeiras estampando os patrocinadores da Feira – com seus tambores e gritando “ocupa ponte!”. Os estudantes e professores caminham em direção à tenda principal da festa, onde durante os dias 29 de junho até 3 de julho acontecem os painéis dos autores convidados. Os seguranças tentam, sem êxito, impedir a continuidade do ato. A produção do evento pede para que eles se afastem da entrada, com receio que ocupassem a mesa Encontro da arte com a ciência, com os autores Arthur Japin e Guto Lacaz. O protesto já havia passado pela Pousada do Ouro, onde acontecia a palestra da vencedora do Nobel de Literatura, Svetlana Aleksiévitch. Na coletiva de encerramento, a diretora da Casa Azul, empresa que produz o evento, Belita Cermelli, declarou que “era uma manifestação legítima, reuniu vozes que estão se expressando no Brasil. Mas gerou um ruído que interferia a fala de Svetlana. O que ela tinha para dizer era

de interesse das pessoas que se manifestavam. Não foi um alinhamento legal”. Os manifestantes se mantêm na entrada cantando as palavras de ordem e estendendo as faixas e cartazes. “O professor é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo”. Além da pauta a favor da melhoria na educação, os docentes da região, que estão em greve há quatro meses, pedem pelos seus direitos. De acordo com a professora de História, Chrisna Bittencourt, do Colégio Estadual Engenheiro Mário Moura Brasil do Amaral (CEMBRA) que se encontra ocupado pelos secundaristas, “são várias questões que se arrastam nos dez anos que dou aula. A greve dos professores está ligada à lei do um terço que não é cumprida. Essa garante que um terço da carga horária [dos professores] seja para planejamento fora do horário de aula, e o Estado não paga isso. Estamos sem reajuste há três anos”. E também alerta que as salas têm mais de quarenta alunos, e por Paraty ser uma cidade cara de se viver, muitos profissionais que passam nos concursos públicos não conseguem

FELIPE SAKAMOTO

se manter, assim algumas turmas não possuem três ou quatro matérias. O levante se redireciona para a praça da Matriz, onde acontece a Flipinha, uma ação de permanência voltada para as crianças, decorada com faixas de São João e uma tenda parecida com a de circo, com peças de teatro e voluntários que leem histórias infantis para os menores. Existem outras ações espalhadas pela cidade como a FlipZona e FlipMais, proporcionando um encontro com a arte, debate e performances cênicas. Lá, eles se unirão aos movimentos feminista, LGBT, indígena e caiçara de Trindade para um ato em conjunto. É como Macambira diz: “A Flip para nós é uma grande oportunidade. Encontramos de verdade uma porta aberta para o mundo nessa cidade”.

Do cais a Trindade

Antes do sol do meio dia e próximo ao entardecer. Este é o horário dos pescadores e de quem trabalha em escunas, que partem logo quando a maré abaixa e voltam antes que suba. O cais de Paraty é Setembro de 2016 | CÁSPER

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Fotos do movimento de resistência do povo de Trindade

preenchido por diversas embarcações de todos as cores e nomes. Escuto o barulho do mar e do vento, enquanto comerciantes ofertam o passeio pelas praias. Escolho o barco branco e azul, o Turbo II, que se lança ao mar. Olho para trás e vejo um retrato das montanhas, que me acompanham por qualquer canto de Paraty. Jonas, conhecido como Russo, aponta para as diversas ilhas e diz: “O dono da Havaianas é o proprietário dessa daí”. Trabalhando há vinte anos nos mares, o barqueiro conta que em Paraty ou se é pescador, ou se trabalha com turismo. O avô, pai e irmão seguiram o rumo da pesca. Russo só não continuou com a tradição porque para ele a vida de pescador é difícil, “só se tiver um barco bom para ir longe” e completa dizendo que o esforço é grande para a baixa remuneração. Ao navegar pelo mar, também é possível conhecer a praia de Trindade, que atrai diversos turistas na época de alta temporada, mas a realidade do lugar, muitas vezes, não é vista pelos visitantes. 24

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Há mais de quarenta anos, os caiçaras de Trindade lutam pela permanência em territórios que são ocupados há cinco gerações. Em 1970, a companhia Paraty Desenvolvimento Turístico, uma união entre duas multinacionais, a Brascan e a Agência de Desenvolvimento na América Latina (Adela), holding de 270 multinacionais, alegou que era dona das terras. “Ela trouxe sessenta homens armados para coagir a comunidade, porque a ideia dela era construir um grande condomínio de luxo em Trindade, fato que conseguiu realizar na praia de Laranjeiras”, conta o jornalista e trindadeiro Davi Paiva, que entrou na causa porque sua mãe Maria Helena foi uma das lideranças do movimento. A holding também queria construir um grande resort naquela década, mas a população resistiu. Os caiçaras, em conjunto com amigos que visitavam a comunidade, criaram o movimento de resistência Trindade para os Trindadeiros, e durante dez anos realizaram

mutirões para construírem suas casas, que eram destruídas pelos tratores da companhia. Ela cerceou a comunidade de diversas maneiras: destruíram plantações, compraram propriedades por preços baixos ou ofereciam outra construção em Ubatuba, onde as moradias não tinham água e nem luz. O jurista Sobral Pinto, conhecido por tentar impedir que Olga Benário fosse levada para a Alemanha no governo Vargas, abraçou a causa dos trindadeiros. A partir de então, a força do movimento começou a ter mais relevância, constata Paiva, que realizou o documentário Trindadeiros 30 anos depois (2009). Em 1982, foi feito um acordo com a empresa em que se delimitou o território dos nativos. Atualmente, a Trindade Desenvolvimento Turístico (TDT) – que já teve diversos donos – não conseguiu realizar nenhum empreendimento, pois a legislação ambiental na área é bastante restritiva. Os policiais militares, conhecidos por jagunços


PARATY TEM ESSA COISA BUCÓLICA E NOSTÁLGICA QUE INSPIRA ARTE, LITERATURA E POESIA Fernando Rocha, representante comercial

armados, ainda realizam a vigilância da terra para a empresa. “Alguns limites não são bem definidos, existe um atrito entre a comunidade com esses seguranças”. Próximo à rua do Comércio, no centro da cidade, encontra-se uma tenda branca com uma faixa no topo “Trindade Vive Na Luta pelo Território Caiçara”. São expostas fotos da população no século passado, artesanato local e um painel com notícias sobre a questão da especulação imobiliária e da violência policial. “Estamos aqui na Flip aproveitando a visibilidade do evento para criar um espaço cultural do povo de Trindade, uma realização da associação de moradores e dos cole-

tivos Trindade Vive e Mulheres na luta por Trindade, e fazer uma denúncia em relação à violência que está acontecendo”, explica Davi. Do lado esquerdo, um banner mostra a foto de um jovem vestido com uma camiseta azul de time de futebol. “Homenagem ao nosso filho da terra Jaison Caique Sampaio ‘Dão’”. No último dia 2 de junho, seguranças da TDT entraram na casa do jovem, localizada na área de lavouras da comunidade, alegando que a família morava na propriedade da empresa e ameaçaram derrubar a residência para incorporar à terra da empresa. Jaison, de 23 anos, estava acompanhado de seu amigo. Eles pediram aos policiais que voltassem com

Índios Pataxós ocuparam a região, não demarcada pela Funai, próxima à Praia do Iriri

um mandato judicial e, caso estivessem errados, sairiam da propriedade. Mas um policial militar de folga, a serviço da empresa, atirou em Dão, que não resistiu. Paiva, porta voz do movimento, conta que a população caiçara se organiza para que haja uma investigação mais apurada do crime, já que os policiais envolvidos estão soltos. Ele explica que os trindadeiros querem o território deles de volta, pois acreditam que aquele espaço é de uso coletivo, tanto para o ambiente quanto destinado ao lazer.

As terras de Paraty

Às luzes das casas, os cantores de rua e o ambiente acolhedor tornam a noite de FELIPE SAKAMOTO

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Edilza Alves é autora do livro Confidências de uma mulher (1992)

Paraty romântica. A voz de cinco crianças indígenas envergonhadas chama a atenção dos turistas, que tiram fotos do momento. Uma placa de papelão explica a situação: “Ajudem a tribo Guarani Mbya”. Ando pela rua Tenente Francisco Antônio, no centro histórico, marcada pela cultura indígena, tanto Guarani quanto Pataxó. Na esquina com o Largo do Rosário, famílias guaranis estão sentadas no chão, a maioria são mulheres cuidando de crianças. Pergunto a uma senhora da mesma etnia o porquê do grande número de indígenas, ela responde que é preciso de dinheiro para viver. Quando questionada sobre a demarcação de terra, garante que está tudo certo. De acordo com a assessora de comunicação da Fundação Nacional do Índio (Funai), Clarissa Tavares, no munícipio de Paraty existem duas terras indígenas regularizadas: Parati-Mirim

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e Guarani Araponga; e três em fase de estudos antropológicos. “Nós não arredamos o pé de lá não”, afirma o índio Maiô. Há dois meses, alguns indígenas da etnia Pataxó ocuparam a região próxima à praia do Iriri. “Em questão da Funai, que deveria nos auxiliar, no momento, não está dando. Ela diz que não fazemos parte do orçamento deles”, conta. A Fundação esclarece que recentemente teve conhecimento de indígenas Pataxós Hã-Hã-Hãe, mas ainda não há uma demanda fundiária da etnia registrada na instituição. Ele explica o significado dos artesanatos, um instrumento que imita o canto dos pássaros, o chocalho que é usado nos rituais da tribo, dentre outros artefatos.

Para elas: um outro lado

“A pessoa que invadiu a minha terra me cedeu esse espaço”, conta a comerciante

Edilza Alves Nascimento. A ponte no centro da cidade une as margens do rio Perequê-Açu. Rente às águas, encontram-se diversas barracas de bijuteria e artesanato. A mulher de 60 anos, cabelo grisalho e sorridente está sentada em sua cadeira e, sempre que passa alguma pessoa, chama para ver os colares, brincos e pulseiras que revende. Ela e a autora Tati Bernardi – que estava na mesa Mixórdia de temáticas junto ao escritor Ricardo Araújo Pereira – dividem o prazer pela escrita. Em 1992, Edilza conseguiu publicar o seu livro Confidências de uma mulher. “São relatos sobre a minha vida. É um livro que, para os padrões da época é muito forte, só que agora seria como uma cartilha para muitas mulheres e meninas”, define a escritora, da mesma forma que a obra Depois a louca sou eu, de Tati, que aborda a questão da ansiedade e o uso de remédios tarja-preta partindo de uma ótica pessoal. Após ter conseguido publicar seu livro, a paulistana viajou por diversas cidades para promover seu trabalho. Sua irmã acabou se mudando para Olinda, e a convidou para morarem juntas. Enquanto divulgava sua obra, conheceu um jornalista italiano. “Quando ofereci o meu livro, ele sorriu e questionou como eu consegui produzir aquilo, pois naquela época era muito caro. Contei que me desfiz de tudo que tinha para lançá-lo”, conta. Eles se tornaram amigos, e Edilza acabou se apaixonando pelo homem que deixava seu livro na cabeceira da cama. Itinerante, a mulher mudou-se para Belo Horizonte e desistiu do que sentia pelo jornalista. Retomaram o contato, e ele ofereceu a ela um terreno em Paraty. Depois de tanta recusa, a escritora aceitou e se mudou para a cidade, mas logo depois sua terra foi invadida. Nessa época, passou a ter problemas financeiros e, enquanto isso, cuidava de sua mãe, que sofria de Mal de Alzheimer. Recorreu a um representante que invadiu sua propriedade e pediu uma quantia mínima pela venda da posse, a proposta foi aceita. Hoje, a senhora vive afastada do centro, na estrada do Corisco, em uma casa sem número. Revela que Paraty carece de opções de transporte público. “Nós trabalhamos mais que as pessoas de


São Paulo. Nós, moradores, não temos o mesmo acesso que os turistas. Aqui vivemos do turismo”. A Casa da Cultura, localizada no centro histórico, paralelamente à Flip está abrigando a intervenção A arte delas, que mostra o papel feminino nas artes. No dia 1 de julho, aconteceu a mesa Mulheres na literatura marginal, formada somente por autoras negras, como a assistente social Eloa Silva, a poeta Brisa de Souza, a pesquisadora Bianca Gonçalves e a escritora Conceição Evaristo. Durante o evento, uma mulher negra na plateia se levanta para fazer uma pergunta, mas antes, em crítica à curadoria da Flip, cita o nome de diversas autoras negras: Carolina Maria de Jesus, Bianca Santana, Ana Maria Gonçalves, Nina Rizzi, dentre outras, que não estavam sendo representadas no evento. A 14ª edição da Flip foi celebrada pelo recorde de representatividade feminina nos pai-

néis, dos 39 convidados, 17 são mulheres – e nenhum deles negros. No show da banda As bahias e a Cozinha Mineira, que aconteceu no Sesc Paraty, as vocalistas Raquel Virgínia e Assucena Assucena, ambas mulheres transexuais, fazem uma pausa nas melodias inspiradas nos discos de Gal Costa para falar sobre essa questão. Elencam as autoras negras e nordestinas do Brasil e escancaram também a transfobia. De acordo com a ONG Transgender Europe, entre 2008 e 2014, cerca de 604 pessoas transexuais e travestis morreram no Brasil: é o país com o maior número de assassinatos. Para a pesquisadora de autoras negras e estudante de Letras da Universidade de São Paulo, Bianca Gonçalves, “o discurso de gênero muitas vezes apaga outras diferenças como a questão racial”. Em reação à polêmica, Bianca e Eloa Silva, assistente social, estão organizando um manifesto dirigido

à organização da Flip exigindo que no próximo ano uma autora negra seja a homenageada da edição. “Exatamente para eles fazerem o que não fazem, tencionar com uma produção hegemônica”. Como nos versos de Drummond, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu. A Festa Literária Internacional de Paraty se encerrou no domingo. As críticas sobre a falta de assuntos políticos e a questão da representatividade negra marcaram essa edição, mas não a cidade. A beleza do local destinada ao turista apaga questões mais importantes. O transporte público de Edilza. A terra dos caiçaras e dos indígenas. A educação e trabalho dos estudantes e professores. E a vida dos pescadores. A cidade está vazia em comparação aos dias anteriores. Ando pelas ruas do centro histórico ao entardecer, a maré sobe e as águas invadem as ruas. Paraty é Veneza. Para ti, viajante. FELIPE SAKAMOTO

Na mesa Literatura e Feminismo, artistas reinvindicam a falta de representatividade de mulheres negras na Flip

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p e r f i l

CANÇÕES DE ALAÍDE

Aos sessenta anos de carreira, a cantora Alaíde Costa passa pelo samba até os dias atuais, consolidando a música popular brasileira

Texto por Ana Clara Muner Design por Giulia Gamba

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uem canta refresca a alma/ Cantar adoça o sofrer/ Quem canta zomba da morte/ Cantar ajuda a viver/ Quem canta seu mal espanta/ Eu canto pra não morrer”. São as palavras que Alaíde Costa Silveira usou para traduzir o significado de cantar. Essa composição de Tom Jobim descreve muito bem o que senti quando a vi em minha casa, no mesmo lugar onde nos encontrávamos cinco anos atrás, em um dos recitais que minha mãe organizava, em que Alaíde foi recebida com inúmeros aplausos de uma plateia que estava ali para relembrar os bons momentos de uma época antiga. De vestido e xale preto, ela começa a primeira música, é Matita Perê de Tom Jobim. Entra tímida, com aquele sorriso acanhado, quase infantil. De olhos fechados, Alaíde traz a emoção de um mundo que ninguém conhece. Sua voz é única. Doce e melancólica me lembra Billie Holiday cantando blues. Sua postura acompanha as vibrações do tom da canção, assim como as expressões em sua face, que mudam conforme o sentimento que quer passar. Ela já não é a mesma. A letra e a melodia tomam conta dela, sabe palavra por palavra e cada pedaço é tomado por um sentido diferente. Seu sorriso já está mais solto, a postura mais ereta e o olhar vibrante. Para ela, que nasceu escutando música, cantar era uma forma de reviver a alma e superar a timidez. Tira lágrimas da plateia. No final, embora com a voz ainda acanhada e sutil, nos recorda das histórias de sua época, quando alguns dos melhores músicos brasileiros se reuniam para compor e fundar a Bossa Nova (BN). Apesar do tempo que havia passado, Alaíde continua a mesma. O batom vermelho brilhante é do mesmo tom e ressalta os traços de sua face, fazendo com que seus olhos fiquem ainda mais serenos. Seu cabelo, que acompanhou suas diferentes fases, mudou do black

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às trancinhas, e hoje, embora com seus oitenta anos, continua preto, agora com seus cachinhos curtos e já finos. A blusa azul marinho combina perfeitamente com a calça preta, e a deixa com a mesma postura elegante de quando entra no palco. Sua voz é aquela que conversa cantando, como quem tem cautela para contar casos. São marcas de sua timidez, ou vontade de guardar o que é dela, e de mais ninguém.

O samba nas rádios

“Atualmente está sendo a melhor época da minha carreira que completa sessenta anos. As pessoas estão me procurando muito para me homenagear. Estou participando de muitos shows e finalmente consegui gravar um CD com as minhas composições e letras”, conta Alaíde depois de recordar sua vida. Parece que a idade não afeta em nada sua memória. “O que mais admiro na Alaíde é como consegue se lembrar de todos os detalhes de seu passado, e as letras, ela decora todas sem exceção, nunca lê uma partitura”, comenta Jane Julião, idealizadora da exposição em homenagem aos sessenta anos de carreira da cantora, junto com Rose Corrêa e o fotógrafo Cirilo Castro, que acontecerá no final do ano no Conjunto Nacional, na avenida Paulista. De fato, sua memória é impecável. Pode ser que a repetição dos casos tenha feito com que decorasse a grande maioria. Mas não parecia. Ela me diz nome por nome, os pequenos detalhes estão lá, presos em seu presente. Cansada de dar entrevistas e contar os mesmos fatos, Alaíde é sucinta no que diz. Ela já havia feito uma seleção do que mostraria ao mundo: “As coisas mais atuais eu não estou conseguindo lembrar muito bem, mas as antigas estão todas registradas”. Ao retomar seu passado, as histórias fluem rapidamente. São pequenos fatos: onde nasceu, como começou a carreira, assuntos sobre a Bossa Nova. Está tudo pronto para ser contado e esquecido quando não quer mais lembrar.

“Desde o começo?”, confirmo com a cabeça. Alaíde ri e começa a me contar sua história. Em 1936, nasceu longe do centro do Rio de Janeiro, no Meiér, zona norte, subúrbio da cidade. Era um bairro histórico, por ter tido grandes centros de engenho, onde tempos depois, teria seus primeiros moradores, pessoas escravizadas que fugiram e formaram alguns quilombos. Filha de Hermínio Silveira, forneiro, com quem teve pouco contato pelo divórcio dos pais quando ainda era nova, e de Manoela Costa, dona de casa e, no tempo livre, lavadeira, Alaíde teve seis irmãos. No entanto, as três mulheres do meio morreram de tuberculose, antes mesmo de conhecer, sobrando apenas ela e dois homens. Depois de ter passado pouco tempo de sua infância nessa região, mudou-se para o bairro da Água Santa, também na zona norte. Lá, os meninos brincavam nas ruas e as portas e janelas podiam ficar abertas. Porém, por morar em uma casa que não possuía muitas maneiras de se divertir, Alaíde, junto com seu lampião e rádio, descobriu a melhor forma de passar o tempo: escutar os programas da época. E foi assim que ela se aproximou da música popular brasileira. Na década de 1950, o samba-canção, um subgênero do samba, dominava o cenário musical brasileiro. Mesmo com o crescimento da indústria fonográfica, as rádios, que eram ainda muito atrasadas e convencionais, não tinham estrutura para comercializar o samba de uma maneira eficiente, e por isso, o estilo ainda acontecia dentro de cassinos e rodas de rua. Começava a necessidade do Brasil de se mostrar desenvolvido para o exterior. Isso fez com que nosso país fosse estampado com fotos da Carmen Miranda, criando o estereótipo brasileiro. Com sua espontaneidade e com um ritmo mais pulsante, o samba era feito para todas as classes sociais, mas ele ainda continuava na marginalidade: “Quem comprava as músicas para passarem na rádio não sabia o que tinha do outro lado. Quando esses produtores conheciam os artistas, havia um preconceito porque viam pela


Alaíde Costa já gravou mais de vinte discos, entre eles Canções de Alaíde (2014), com músicas autorais

primeira vez quem estava cantando”, conta Welington Andrade, professor da Faculdade Cásper Líbero. As poucas músicas de que Alaíde gostava na época fizeram com que começasse a cantarolar em seus afazeres domésticos. Eram mulheres como Neu-

za Maria e Dalva de Oliveira que, com uma elegância na voz, entoavam canções de melodias mais robustas e iam além da espontaneidade da música romântica, daquelas que traziam uma euforia maior na voz. “Aprendi muito com elas. Embora tivessem um vozeirão, passavam

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uma emoção muito grande. Consegui trabalhar meus sentimentos na hora de cantar”. Até que um dia seu irmão mais novo, Adilson Costa, que seria mais tarde jogador de futebol profissional pelo Vasco e Corinthians, inscreveu Alaíde em um programa de calouros no circo Setembro de 2016 | CÁSPER

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Alaíde cantou com diversos intérpretes importantes como Claudette Soares

do bairro. “Quando me contou, falei que não ia. Ele insistiu, eu era muito tímida, cantava porque gostava. Então falou que tinha que ir porque se não a polícia vinha me prender. Fiquei com medo e fui, vestida de qualquer jeito, mas fui”. Descendo as ruas do bairro junto com os amigos e com o prêmio na mão, Alaíde, que tinha ido sem contar para a mãe, chegou correndo para dizer a grande novidade. “Ganhei o primeiro lugar e uma surra, porque saí sem avisar. Pelo menos comecei a participar de todos os programas de calouro do bairro, porque as pessoas iam e me inscreviam antes mesmo de me perguntarem se eu queria ir”. Depois dessa história, ela começou a participar de várias competições e a ga32

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nhar todas. Chegou até a cantar no programa Sequência G3, do Paulo Gracindo, na rádio Tupi, que por gostar muito dela continuou a convidando para participar, até que a rádio pegou fogo e o auditório parou de funcionar. A infância de Alaíde não lhe trouxe boas memórias. Em uma época que a surra valia mais do que a conversa, a timidez da cantora só aumentava. “Aquele tempo era esquisito, qualquer coisa você apanhava, então eu ficava muito quietinha.” Sua rotina era rodeada pela música e lições de casa. Do rádio para o colégio público, a cantora surpreendia pelo êxito na matéria de matemática e pelo seu bom comportamento. Aos 16 anos, Alaíde começou a trabalhar como babá de três crianças, fi-

lhas de uma professora que a ajudava com as lições de casa: “Eu vivia cantarolando na casa e a Dona Wanda ficava falando que eu deveria ir ao programa de rádio do Ari Barroso porque cantava bem”. De tanto insistir, ela aceitou o convite. Escolheu a música que Silvio Caldas interpretava. Uma composição de Custódio Mesquita e Evaldo Ruy, chamada Noturno em tempos de Samba. Comprou a partitura e foi ao programa de calouros. Lá, Alaíde teve que ficar esperando ser chamada para poder ensaiar a peça. “Quando chegou a minha vez, o pianista me falou que a música era muito difícil, que eu não poderia cantar naquele dia, porque ele ia ter que passar para o meu tom e que quando estivesse pronta me chamariam”.


ATUALMENTE ESTÁ SENDO A MELHOR ÉPOCA DA MINHA CARREIRA [...] FINALMENTE CONSEGUI GRAVAR UM CD COM MINHAS COMPOSIÇÕES E LETRAS Alaíde Costa, cantora

por ela, da mesma maneira que cantou pela primeira vez quando ganhou a nota máxima no programa do Ari Barroso.

Do samba à Bossa

“Aliás, sonhei com Ari Barroso na noite passada, que estava no programa dele”. Conta-me Alaíde feliz com o sonho que havia tido. A imagem daquela menina tímida, que já não existe mais, vem a sua cabeça e ela ri. Lembra que o programa do Ari era parecido com os que acontecem na televisão. Quando os juízes não aprovam a pessoa, eles tocam o gongo e ela é desclassificada. Morrendo de medo de deixar o jurado descontente, Alaíde fechou os olhos e entrou na música. “Tarde na noite na rua deserta/ A vagar eu estou/ Não tenho destino nem rumo/ Não sei de onde vim/ Não sei para onde vou”. Foi a letra que deu inicio à carreira da cantora e que iria acompanhá-la. Noturno em tempos de Samba é cantada até hoje

“A música significa tudo para mim. Se não fosse ela ainda estaria trabalhando de babá, ou fazendo algum serviço parecido, ela me permitiu viver minha vida”, diz Alaíde ao lembrar-se de quando abandonou o serviço para poder começar a participar dos programas de calouro nas rádios. Foram muitos, mas sem um convite que a fizesse crescer em sua carreira. “Ninguém se interessava em me tornar profissional. Ou tinha escolhido uma música difícil, ou porque não tinha o vozeirão daqueles cantores da época.” Foi então, no programa Pescando Estrelas da rádio Clube, que Alaíde foi convidada para fazer um teste no Dancing Avenida, onde foi aceita. Foi seu primeiro trabalho remunerado como crooner, cantora feminina que se apresenta junto com um grupo musical, em que tocou do samba ao blues junto com a banda chamada Conjunto Copacabana. Durante uma de suas apresentações, um técnico de som a ouviu e conseguiu um teste para ela na Odeon. Alaíde cantou Tarde demais de Hélio Costa e Anita

Andrade e conseguiu gravar, em 1957, seu primeiro 78 rotações, disco antigo composto por goma-laca, usado na primeira metade do século XX. Ele abriu porta para seu segundo disco produzido em 1958. Foi no estúdio dessa gravação que João Gilberto a escutou e pediu para que Aluísio de Oliveira a convidasse para participar de um encontro onde alguns meninos estavam fazendo uma música diferente. Era o começo da Bossa Nova, época em que músicos como Bené Nunes, Carlos Lira, Roberto Menescal, Nara Leão, Oscar Castro Neves, entre outros, pegavam a onda da modernização do Rio de Janeiro para mudar a música popular brasileira. Apesar da capitalização do samba, ele ainda era um movimento de rua. Foi assim que, no final da década de 1950, ele foi “adestrado” por um novo movimento musical que surgia na cidade carioca, a Bossa Nova. Acompanhando o processo que tentava modernizar o nosso país, a BN fez parte da nova arquitetura de Oscar Niemeyer, das conquistas do Cinema Novo e da modernização e profissionalização da imprensa, que iniciava a importarção do modelo dos Estados Unidos. Era o começo de um jornalismo mais especializado, da gravação de discos ao vivo com capas mais Setembro de 2016 | CÁSPER

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© ACERVO PESSOAL

sofisticadas e com um design moderno e de um meio de comunicação que tentava se relacionar mais com o público, através das apresentações de auditório. Da classe média feita para a classe média, as reuniões da Bossa Nova aconteciam na zona sul do Rio de Janeiro. Alaíde, que morava ainda no Água Santa, demorava mais de hora para atravessar a cidade carioca e chegar na Gávea, onde aconteciam as reuniões. Foi nesses encontros que finalmente o grupo conseguiu fazer um show, dentro do auditório do O Globo, que não foi muito aceito, já que as pessoas não acreditavam no sucesso da BN. Foi só quando João Gilberto lançou seu LP, O Amor, o sorriso e a flor (1960), que a fama chegou. Novos músicos entraram na onda e pegaram carona no sucesso que foi o novo movimento da música popular brasileira. “Não sou da Bossa Nova. Participei do movimento, mas não me considero dele. Fazia parte de um ciclo de cantoras que lutavam pelo mesmo ideal, um tipo de música que não só a BN. A gente queria algo moderno, era desde a música que eu cantei no Ari Barroso até as que canto hoje. Nós íamos contra aquelas canções com gritaria, dramáticas. Buscávamos a poesia, a suavidade.” Apesar das composições em conjunto com Tom Jobim, gravações com João Gilberto, encontros com Vinicius de Moraes ou a amizade com Oscar Castro Neves, Alaíde não era do movimento. Foi em 1962, no mesmo ano em que a Bossa Nova já se mostrava esgotada, que a cantora não foi convidada para fazer o famoso show no Carnegie Hall, nos Estados Unidos. Foram diversos festivais em que ela não era chamada, que mostraram o movimento elitizado e preconceituoso que acontecia na época: era tudo para inglês ver. Isso fez com que Alaíde fosse atrás de outros trabalhos e seguisse batalhando pela vida que queria ter.

Da bossa a São Paulo

Alaíde e seu irmão Adilson, ex-jogador profissional de futebol 34

CÁSPER | Setembro de 2016

A primeira vez que Alaíde escutou blues foi na casa de Vinicius em um de seus encontros, em que ela aproveitava para estudar piano e compor. Quando ouviu Sarah Vaughan, se apaixonou. Era o


mesmo tom melancólico de sua voz e a mesma sofisticação que buscava alcançar em suas músicas. As escolhas de Alaíde nunca foram simples. Ou tristes demais, ou difíceis de escutar, ela nunca conseguia terminar um show sem chorar ou se emocionar com as letras que cantava. Ao continuar em sua busca pelo som que achava ser de boa qualidade, a cantora, em uma de suas vindas à capital paulista, que se tornavam cada vez mais frequentes, participou em 1960 do primeiro festival da Bossa Nova paulistana, onde cantou quatro músicas, entre elas Lágrimas e Chora tua tristeza. Ambas com as letras mais tristes que já ouvi. Alaíde venceu o festival e conseguiu um programa na TV Tupi chamado No balanço do samba. As portas em São Paulo, então, começaram a se abrir cada vez mais, até que conheceu Mário Lima, um locutor da rádio Eldorado com quem se casou anos depois. Foi um dos motivos para que a cantora saísse da cidade carioca e se estabelecesse na capital paulista onde, depois de idas e vindas, mora até hoje. Ao começar do zero, em um lugar em que poucas pessoas a conheciam, Alaíde participou em 1964 do show O Fino da Bossa, onde cantou uma composição nova de Oscar e foi aplaudida de pé pelo público. Foi quando conseguiu conquistar um espaço dentro do mercado de São Paulo. No entanto, em 1965, Alaíde teve que se afastar de sua carreira. Grávida pela segunda vez, começou a ter um problema de otosclerose, uma doença que dificulta a audição e que exigiu dela duas operações e um grande tempo de recuperação. Quando voltou, percebeu que havia se perdido dentro da música brasileira. Para ela, era a gritaria de que não gostava de um lado e as letras politizadas do outro, dois polos que não tinham um lugar para a voz de Alaíde, que se recusava a se encaixar em qualquer tipo musical. Entre Festivais Universitários da Música Popular Brasileira da TV Tupi, boates e peças de teatro que se atreveu a participar, a cantora ia sempre buscando a perfeição naquilo que escolheu seguir como profissão. Com seus sessenta anos

de carreira, podemos dizer que alcançou aquilo que procurava. Sua parceria com Johnny Alfie elaborou o jazz brasileiro. As gravações com Milton Nascimento são as mais bonitas que já ouvi. Do samba, quando foi cantora da escola

Salgueiro, à Bossa, gênero brasileiro que foi mostrar ao exterior em sua série de shows internacionais, Alaíde, quando canta, representa todas as barreiras que já ultrapassou por ser a pessoa que é. Uma vida inteiramente dedicada à música. © ACERVO PESSOAL

Alaíde fez diversas apresentações em festivais da Bossa Nova e programas televisivos Setembro de 2016 | CÁSPER 27


informações

alem de

dados e tabelas Como o big data tem mudado a área de Comunicação Social Texto por Guilherme Guerra Design e ilustração por Beatriz Fialho

A

informatização dos serviços gera diariamente bilhões de dados em todo o mundo: hospitais coletam informações de seus pacientes, times esportivos reúnem características físicas de jogadores e estratégias táticas de adversários, o varejo observa o histórico de consumo de seus clientes. Essas e outras empresas de diversos setores armazenam, ordenam e analisam esse monte de informações, chamado de big data.

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O conceito foi nomeado no início do milênio, mas, na prática, é bem antigo. Grandes acervos sempre existiram, porém há mais espaço de recolhimento, velocidade no processamento dessas informações e variedade, que hoje vai muito além de fichas de catálogos. À primeira vista, planilhas, textos, fotografias, áudios e vídeos são ilegíveis, pois seu conteúdo não é claro sob a análise de um computador. Porém, quando tratados, isto é, inseridos nos softwares corretos, esses formatos tornam-se legíveis. Então, o conteúdo

pode ser assimilado e interpretado por um profissional. Daí em diante, o cruzamento de diversas informações produz insights pertinentes a essas empresas. Um centro hospitalar pode saber quais são os tratamentos mais eficazes, custosos ou de menos custo e poupar despesas desnecessárias; um técnico pode apontar os pontos altos e baixos dos times adversários e precisar qual é o ataque ou defesa mais eficiente; e um varejo pode determinar quais os próximos produtos a serem comprados por determinado grupo de clientes.


Relações Públicas Monitorar bases de clientes pode permitir que uma marca melhore a relação com o consumidor — ou até mesmo prevenir e conter crises na imprensa

Publicidade e Propaganda Entender o gosto e hábitos do consumidor pode aperfeiçoar a estratégia de marketing de uma empresa — ou repensar tudo desde o começo

Evitar, prever e conter

panhamento. Dentre elas, buscar novos O novo conceito da inteligência pre- clientes que tenham demonstrado inteditiva tem ajudado a evitar crises nas resse em um produto similar. É o que fez relações públicas e a antecipar com- a rede de varejo norte-americana Target portamentos na área do Marketing. em um episódio que acabou sendo conIsso é realizável graças a ferramentas de siderado um fiasco de relações públicas, monitoramento online que trabalham com destaque na revista Forbes e jornal Texto por Times. Gabriel Nunes New York com grande volume de dados retirados The Design por Guilherme Guerra A equipe de estatísticas da Target das mídias sociais, como Facebook, concluiu, ao analisar o recente histórico Twitter e Instagram. É o caso da empresa Sprinklr, cujo de uma adolescente de Minessotta, nos mecanismo seleciona posts públicos a Estados Unidos, que a jovem estava grápartir de termos pré-decididos por um vida. No entanto, o pai da garota só desanalista. Nesse caso, o software busca cobriu a gravidez quando notou que sua por palavras específicas em uma base filha recebia cupons de desconto com de informações de milhões de pessoas outros itens utilizados por grávidas. E foi que expõem gostos, pensamentos e aí que o caso veio à tona na imprensa. O fiasco deve-se a uma razão muito conversas. Esse potencial de inteligência se traduz em mudanças nas agências simples de que não houve um analista de marketing. “Boa parte das iniciativas que interpretasse a situação, somente a das estratégias de divulgação de uma máquina. A mestra em Comunicação e marca surgem do monitoramento”, afir- Informação e professora da Faculdade ma Diego Blanco, gerente da Sprinklr Cásper Líbero, Ana Brambilla, defende que “o trabalho não pode ser feito única na América Latina. “É possível economizar dinheiro e exclusivamente por máquinas, a comue ganhar eficiência”, diz Blanco ao nicação deve ter um elemento humano, enumerar as possibilidades do acom- por mais caro ou demorado que seja”.

O TRABALHO NÃO PODE SER FEITO ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE POR MÁQUINAS, A COMUNICAÇÃO DEVE TER UM ELEMENTO HUMANO Ana Brambilla, professora

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Rádio, TV e Internet

Jornalismo Fiscalizar órgãos públicos e organizações pode ser mais fácil com softwares especializados em cruzamento de dados ­— e para os jornalistas isso faz toda diferença

Inovar e esclarecer

O modelo tradicional de televisão não abre espaço para conhecer quem a assiste. As operadoras de canais não compartilham os dados de audiência com as emissoras, ao contrário do formato video on demand, em que o assinante escolhe o que assistir a partir de um catálogo de títulos disponíveis. No entanto, a ideia de estimular a segunda tela vem dando esperanças ao setor. Ao mesmo tempo em que assiste à televisão, o telespectador usa o celular e gera engajamento enquanto comenta ao vivo sobre o programa a que assiste. Dependendo da resposta que o acompanhamento online dá, “é possível alterar todo o planejamento da divulgação”, comenta Diego Blanco. “Ou melhorar o marketing com base no monitoramento”, sugere. Portanto, acompanhar a atividade de segunda tela do público é uma boa alternativa aos canais tradicionais, que perdem espaço aos novos formatos. Por outro lado, o sucesso da Netflix vem justamente do processamento de dados gerados por seus clientes ao redor do mundo. Ao contrário das emissoras de televisão, a gigante de video-streaming 38

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Diversas produtoras já criam roteiros inspirados nos desejos do público — coletados e analisados em grandes bases de dados

possui os horários de acesso, quantidade de conteúdo visualizado e ranqueamento do catálogo, dentre outras informações valiosas que os outros canais não têm. O cruzamento de todos esses dados gerou a primeira série produzida pela empresa, o drama político House of Cards, com Kevin Spacey e Robin Wright. Tendo como base os hábitos de consumo, o canal analisou os desejos do público e produziu uma série que destoa do que se vê na televisão tradicional: os episódios são mais longos e os protagonistas não são o centro moral da história. Outras tentativas na televisão têm sido exploradas, principalmente no jornalismo. No Brasil, a jornalista Amanda Rossi realizou para a TV Globo uma reportagem baseada em dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP). A matéria explicava que a queda no índice de mortes da capital paulista referia-se somente ao número de policiais em serviço (com uma queda de 17%, conforme a divulgação da SSP-SP), mas o índice crescia quando se tratava de policiais que não estavam em seu horário de trabalho (crescimento de 61%). Em palestra do 11º Congresso de Jornalismo Investigativo, Rossi conta

como foi o processo para conceber a matéria: “Primeiro, obtemos e analisamos os dados e aí nos concentramos na apuração”. Foram duas semanas gastas para tratar apenas de informações, e, posteriormente foram mais dois dias para se dedicar a criar um mapa interativo de violência em São Paulo, tido como o primeiro do Brasil. No entanto, esse processo pode diferir. “Nem sempre é assim , podemos partir da rua e só então recorrermos aos números”. Mas o jornalismo de dados não precisa necessariamente se ater à informação pública. Planilha com todos os super-heróis Vingadores e mapa com turnês da banda Led Zeppelin estão entre as publicações do blog Afinal de Contas, que esteve no ar entre 2012 e 2013 no site do jornal Folha de S.Paulo. Atualizado pelo jornalista Marcelo Soares, foi pioneiro no Brasil por tratar exclusivamente deste tipo de jornalismo. Soares comenta que, no jornalismo, “números sempre foram notícia, porém, a possibilidade de ‘entrevistá-los’ desagregados em razoável quantidade é decorrente das ferramentas”. É o que faz a diferença no processo de notícia. O uso de softwares especializados faz


o trabalho de ordenar dados diversos, enquanto ao jornalista, resta refletir sobre essas informações. “Mas vale a pena tratar os dados como se trata fontes: entendendo suas limitações e sendo cético com algumas das suas respostas”. Contudo, é preciso que o profissional saiba manusear números, e para muitos isso é motivo para se afastar do jornalismo de dados. Marcelo Soares faz críticas a essa mentalidade: “Trata-se de uma profissão cujo pessoal orgulha-se em dizer que não gosta de matemática”. A mestra Ana Brambilla defende que é necessário que se tenha afinidade com estatística. “Geralmente, é algo de qual o comunicador foge, mas é preciso ter ideia de como chegar a uma média, como analisar gráficos”, afirma. “Inclusive, saber fazer os cruzamentos desses dados, que nem sempre a máquina oferece de maneira correta”. Por isso conclui que deve haver sempre um profissional para questioná-la.

Visualizar

Quando se trata de pôr os dados a público, a visualização é essencial. Seja em tabelas, mapas ou aplicativos, é necessário que a leitura seja fácil. E o meio online aumenta as oportunidades, principalmente porque não há limite de espaço ou tempo. Por isso, não são só agências de comunicação que têm usado grandes volumes de dados para divulgar conteúdos. Com a ajuda de softwares especializados e profissionais competentes, é possível trazer ao público informação relevante, como estudos de mercado, reportagens que desvendam realidades locais ou também séries que inovam e, ao mesmo tempo, atendem aos desejos do público. Um exemplo é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conhecido por disponibilizar longos e diversos documentos em seu site, o instituto neste ano lançou o site Nomes

no Brasil, que cruza dados de localização (cidade e estados), anos (individuais que são agrupados por décadas) e nomes de brasileiros por todo o país. O cruzamento de todas essas informações e a interface amigável atingem o interesse do público em saber o histórico de nomes conhecidos e desconhecidos Brasil afora. Rapidamente, Nomes no Brasil foi assunto bastante comentado nas mídias sociais. A audiência entre o público não surpreende, visto que o órgão federal de estatística reuniu aspectos de consolidação de marca (ao se divulgar frente ao público que não usa o site), interesse público (disseminar informações curiosas) e inovação (visualizar de maneira simples, mas eficiente) em um só projeto que usa base de dados. Nesse ponto, Marcelo Soares é enfático: “Quando os dados respondem a curiosidades, o público mergulha neles.”

Variedade A variedade é essencial para a diversidade de informações a serem analisadas. Texto, imagem, áudios, vídeos e até transações bancárias podem ser analisados

Os 3 V’s O especialista Doug Laney define Big Data com os três vês:

Volume

Velocidade

O volume de informações é essencial para compor a base de tudo a ser analisado. Quanto maior armazenamento, melhor

É preciso de velocidade no tratamento das informações. Geralmente, esse processamento pode ser feito em tempo real

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literatura

A VERBAL VOLÚPIA DE

ANA C.

Poeta da geração marginal e homenageada da Flip, Ana C. quebra com a ideia de “poesia feminina” e explora a forma intimista em sua escrita Texto por Naiara Albuquerque Ilustração por Beatriz Fialho Design por Guilherme Guerra

N

ão conheci Ana Cristina Cruz Cesar em 1968 após o golpe militar, ou depois que foi decretado o AI-5. Sequer minha geração era nascida quando ela, no auge de sua carreira, vivia em um ambiente político conturbado e violento que foi o Brasil da década de 1970. Sua figura, ou melhor, suas figuras, moldadas por cada um que a conheceu ou estudou sua obra de perto, aproximam-se de tantas formas que fica difícil enumerá-las. Bissexual, poeta, tradutora, professora, aluna, jornalista, e todo o desbunde de sua geração marginal. Muitos leitores de Ana C., como ficou popularmente conhecida, buscam, em sua escrita, significado.

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Assim, parece distante focar somente em sua obra sem que sua imagem e memória estejam presentes. Filha única de família protestante da classe média carioca, Ana escreveu desde sempre. Aos 5 anos, começou a ditar poemas empoleirada no sofá de sua casa enquanto sua mãe anotava com afinco o que dizia. Aos 16, a morte era um assunto recorrente em sua obra, como em um de seus versos mais conhecidos: “Eu não sabia/ que virar pelo avesso/ era uma experiência mortal”. Ela se deliciava com o engano, e em criar camadas de cenas e despistar qualquer um que tentasse chegar perto de sua essência. Sua literatura é de uma delicadeza intimista, em que a autora se dirige ao leitor na tentativa de trazê-lo para dentro de seus versos.

Existe uma confissão que perdura em sua prosa e nos gêneros que a autora usa: as ideias de cartão postal, cartas e diário íntimo são repetidamente usadas. Em uma de suas cartas, ela escreve: “27 de junho/ Célia sonhou que eu a espancava até quebrar seus dentes. Passei a tarde toda obnubilada. Datilografei até sentir câimbras. Seriam culpas suaves. Binder diz que o diário é um artifício, que não sou sincera porque desejo secretamente que o leiam. Tomo banho de lua. [...]” Em um documentário recentemente lançado sobre ela, Bruta Aventura em Versos (2016), dirigido por Letícia Simões, Heloísa Buarque de Hollanda, amiga e editora da escritora, conta que Ana tinha obsessão e extremo cuidado em construir personagens de si mesma.


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De fato, a variedade de fotografias que se tem da poeta em diferentes momentos ajudam a construir essa ideia. Os cabelos encaracolados, óculos chamativos e expressão forte em alguns momentos se contrapõem a uma Ana vulnerável, com um olhar distante, mas que continua a encarar a câmera que tenta desmascará-la para além de seus versos, valorizando a ideia performática que tinha.

A construção do mito

© JOÃO ALMINO

[“SEREIA DE PAPEL”] A IDEIA DE ALGUÉM QUE TE SEDUZ, MAS QUE VOCÊ NÃO CONSEGUE MERGULHAR NO PAPEL PARA DECIFRÁ-LA Viviane Bosi, crítica literária

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Escolhida como homenageada da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano, Ana C. é a segunda mulher a integrar essa lista. Antes dela, apenas Clarice Lispector havia sido nomeada. Em doze edições do evento, a Flip foi criticada inúmeras vezes pela falta de diversidade entre seus convidados. O movimento #KDMulheres que promove a visibilidade das mulheres no campo da literatura e da escrita, esteve presente na Flip e apontou, também, a falta de escritoras negras. Além disso, uma das críticas feita pelas organizadoras é sobre a venda da imagem de Ana C. como um produto, desmerecendo sua obra. Em um de seus textos publicado recentemente na página do movimento no Facebook, as organizadoras criticam como a Flip focou em aspectos intímos da homenageada, especialmente vindos à tona durante o evento. De acordo com elas, o resultado é que a intenção se tornou desvendar a vida de Ana Cristina e não conhecer de fato sua obra e estilo. A falta de um público diversificado na plateia também foi uma das críticas ao evento. O preço para acompanhar cada mesa era de cinquenta reais, além do custo de pagar hotel e alimentação na cidade de Paraty. O escritor e professor da Faculdade Cásper Líbero, Heitor Ferraz, que já foi convidado pela Flip em edições anteriores, explica que existe um interesse das grandes editoras em promover suas escolhas literárias nos painéis do evento. “Em algumas mesas você tem mais liberdade de convidar os palestrantes e em outras, nem tanto”. A própria aposta do Paulo Werneck, curador da Flip, em optar por uma poeta marginal, já que a maioria dos outros homenageados foram autores considerados mais clássicos pode não ter sido algo tão aleatório.


Em 2013, a Cia. das Letras, uma editora de peso, lançou Poética de Ana C., e isso pode ter contribuído na escolha. Juliana Costa, 31 anos, conta que vem ao evento há mais de cinco anos. E apesar de não ter conhecido Ana C. previamente, se identificou com a homenageada carioca. “Sou das artes plásticas e da literatura e me identifiquei muito com a autora. Ela, assim como eu, também foi uma pessoa precoce e das coisas que ela sofreu, eu também passei.” De fato, a escolha de uma poeta marginal em um contexto que o ministério das mulheres foi extinto e uma escritora que questiona padrões clássicos, tanto de estilo, quanto de conteúdo, é algo que deve ser levado em conta.

Herdeira?

Encontrei Marília Garcia junto com seu novo livro, Um teste de resistores, em um café no centro de São Paulo. Considerada uma das escritoras que levam adiante o estilo de Ana C. em seus versos, participou de uma das mesas principais sobre a poetisa na Flip, A Teus Pés, juntamente com mais outras autoras que também têm proximidade com a poeta: Annita Costa Malufe e Laura Liuzzi. Marília conheceu o trabalho de Ana C. durante a faculdade, onde começou a lê-la com afinco. Nos anos seguintes, o mergulho na obra e o jeito como enxergou o processo de curadoria da autora a ajudou em seus próprios versos e no processo de aproximação e distanciamento; como, por exemplo, sua proximidade em demarcar um “aqui e agora” e a diferença da poesia fragmentária, trabalhada de forma distinta em ambas as obras. Marília me explica que Ana C. tem uma linguagem ágil e atual se comparada com o nosso cotidiano. A mesma literatura feita sem uma forma fixa e extremamente oral e cotidiana pode ser vista como algo que se aproxima do que temos hoje na internet. A reflexão em torno da escrita e um eu que habita de forma oculta o leitor é, também, um mistério. “O texto [de Ana C.] não se deixa ver linearmente. Ele é cortado e tem ondas de sombra. A princípio ela te captura dizendo ‘ô leitor, estou falando com você’, mas se você começa a ler com mais atenção percebe

Nota cedida pelo professor Heitor Ferraz, publicada em 30 de Outubro de 1983 pela Folha de S.Paulo, um dia após a morte de Ana C. Setembro de 2016 | CÁSPER

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© JOÃO ALMINO

Ensaio feito com a poetisa em Paris, no ano de 1980

que ela não está falando com você”. A obra de Ana C. é extremamente difícil de ser enquadrada. Apesar de ser considerada uma poeta marginal, a autora não tinha um conteúdo tão imediato e ligado a aspectos políticos da ditadura, como seus colegas da época. Sua poesia é mais trabalhada e previamente pensada e construída. Muitos de seus poemas demoravam para ficarem prontos, já que ela os reescrevia de modo incessante. Para Viviana Bosi, crítica literária, o termo “sereia de papel” define bem a autora. “A ideia de alguém que te seduz, mas que você não consegue mergulhar no papel para decifrá-lo”. Percorrer os versos de Ana C. é também reparar que seu trabalho é costurado pela ideia de um interlocutor; de um leitor convidado para ser seu confidente, a quem a autora dá informações de aspectos pessoais, mas por escrever versos tão entrecortados 44

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nessa ideia de “colagem de vozes” e intertextualidade, acabam por lhe escapar. Assim como a tentativa repetida [e frustrada] dos leitores em segurar Ana C. e mergulhar em sua vida, são aspectos que, dentro de sua obra, são confidentes, nos levando à pergunta: mas onde ela está?

Sereia de papel

Durante uma palestra que Ana C. deu em uma universidade carioca, um aluno a questionou sobre o porquê de seus poemas não focarem em aspectos femininos, como as estrelas e o mar, comuns na obra de Cecília Meireles. Ela apenas respondeu: “Mas Cecília é homem.” Seu desbunde e ironia quanto questões sérias, ou seu questionamento à poesia feminina e seus moldes, é também uma marca de seus versos. Viviana Bosi explica que Ana C. era uma estudiosa e tradutora de seu tempo, logo, tinha consciência dos

estereótipos da literatura feminina. “Ela estava quebrando com tudo de sua época, fazendo uma poesia em que aparecia muito mais a intimidade e o corpo.” É clara a tentativa de enquadramento de Ana C. em pequenas caixas. Seu suicídio em 1983 e sua fragilidade foram explorados pelo festival de Paraty, que soltou uma série de vídeos antes do início do evento usando uma atriz que tentava copiar os gestos da poeta com movimentos lentos e uma música dramática ao fundo. Já para Marília García, Ana C. ressignifica muitos gêneros literários que foram usados durante a história como formatos naturais para mulheres, como a carta e o postal. Virginia Woolf, durante sua trajetória nos séculos XIX e XX, acredita que a escrita é um instrumento de poder feminino e a partir disso é que essa condição pode mudar. Ainda hoje, muitos dos trabalhos de Ana C. não foram


editados ou estão fora do alcance do público. Sua obra, após a morte de seus pais, está sob a responsabilidade do Instituto Moreira Salles, de seu amigo Armando Freitas e muitas cartas que escreveu estão com seus destinatários; além de suas agendas, que funcionavam como diários minuciosos do cotidiano. “Escrever em si já é um ato importante. Não acho que o tema [da condição da mulher] precisa estar presente. Se tem um espaço que eu luto para ter, e crio esse ‘quadradinho’ em meio ao mundo para pensar uma maneira de escrever, tudo isto está nas entrelinhas e no não dito,” conclui Marília. Durante o Festival de Paraty, muitas pessoas se juntaram para manifestar sobre

a autora. “ANA C. É GAY”, dizia um dos cartazes em frente a uma das mesas do evento. O que se sabe é que a poetisa de fato se relacionou com diversas pessoas. A amizade com o escritor Caio Fernando Abreu, por exemplo, pode ter se constituído pelo fato de ambos terem tido relacionamentos homossexuais. Existe ainda a suposição de que seu último relacionamento foi com outra mulher. É inegável que Ana C. era cativante. Muitos autores, inclusive, tentaram colocar o logo de “musa” sobre ela, que sempre se lançou livre e solta sobre onde queria estar. Em 1983, a poetisa, após ligar para seu amigo da época, Armando Freitas, saltou do oitavo andar do prédio

de seus pais. Dessa vez, os temas que escreveu desde os 16 anos, eram parte constituinte de sua matéria. Ela estava certa: “É sempre mais difícil ancorar um navio no espaço”, diria um de seus versos. Deixou sua pasta rosa, poemas fragmentários e um mar de significados que havia engolido e cuspido de volta. Anos depois, Eliane Brum escreveria em seu livro Meus Desacontecimentos que a escuridão era parte de uma ausência de palavras em seu peito. “Essa escuridão é minha pré-história. Eu antes da história, eu antes das palavras. Eu caos.” Assim como Ana C., que caminhou para transbordar seu próprio corpo, tão pequeno para tanta poesia.

Conversa de Senhoras Por Ana Cristina César, 1984, “Inéditos e dispersos”

Não precisa nem casar Tiro dele tudo o que preciso Não saio mais daqui Duvido muito Esse assunto de mulher já terminou O gato comeu e regalou-se Ele dança que nem um realejo Escritor não existe mais Mas também não precisava virar deus Tem alguém na casa Você acha que ele aguenta? Sr. ternura está batendo Eu não estava nem aí Conchavando: eu faço a tréplica Armadilha: louca pra saber Ela é esquisita Também você mente demais Ele está me patrulhando Para quem você vendeu seu tempo? Não sei dizer: fiquei com o gauche Não tem a menor lógica Mas e o trampo? Ele está bonzinho Acho que é mentira Não começa Setembro de 2016 | CÁSPER

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tecnologia

“CLIQUE AQUI” A logística por trás da publicidade voltada para o mercado de games mobile Texto por Beatriz Fialho Design por Guilherme Guerra

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os últimos anos, os jogos de celular deixaram de ser apenas uma ferramenta de entretenimento e se transformaram em um verdadeiro mercado. Em menos de uma década, o famoso “jogo da cobrinha”, pré-instalado nos aparelhos Nokia a partir de 1997, tornou-se extremamente obsoleto e deu lugar a uma legião de sucessores modernos, sofisticados e altamente rentáveis. Algumas agências de marketing intelligence, responsáveis por coletar e analisar dados de um determinado mercado, traçam um panorama promissor para esse negócio. A multinacional New Zoo revelou em uma pesquisa de 2015 que, em 2016, pela primeira vez na história dos games, o mercado mundial de jogos mobile ultrapassará o de computador

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e renderá aproximadamente quarenta bilhões de dólares. O cenário de crescimento acelerado não é diferente no Brasil, que nos estudos da New Zoo aparece como o maior mercado de games da América Latina e o 11º do mundo. Para falar em números, apenas neste ano é esperado um rendimento de 285 milhões de dólares, o que já representa um crescimento de 50% a mais do que no ano anterior dentro do mercado brasileiro.

Dos jogos aos ads

Para quem não trabalha na área, ads não passa de uma abreviação da palavra inglesa advertise (propaganda). Mas, para os publicitários atentos, essa é uma palavra muito significativa e diretamente relacionada ao novo mercado de games mobile. Joubert Brito, professor e coordenador do curso de Publicidade e Propaganda

da Faculdade Cásper Líbero, comenta que os jogos geram grande engajamento no consumidor através do movimento das luzes, cores e sons. Além disso, eles também se configuram como uma plataforma inovadora por serem considerados uma mídia de grande duração: quando jogamos, dedicamos nossa total atenção por um longo período de tempo, diferentemente do que acontece nas mídias tradicionais. Assim, a publicidade descobriu novas possibilidades de anúncios, aliando a propaganda com a experiência oferecida pelos jogos. Os formatos são variados. Os ads, muitas vezes, aparecem de maneira tímida, como um banner no rodapé da tela, um espaço no menu principal ou um link que redirecione o usuário para outro site. Também podem se apresentar de modo mais invasivo, no formato pop up (uma janela que surge interrompendo o jogo)


TAINÁ COSTA

ou ainda como troca de pontos no jogo, links de publicidade para clicar e ganhar vantagens, como vidas, estimulam e induzem diretamente o jogador. Ainda que não aparente, existe um extenso processo por trás de cada pequeno anúncio veiculado. Marivaldo Cabral, CEO da desenvolvedora de jogos QUByte Interactive, explica que existe um caminho que começa com o desenvolvimento dos games, porém é mais longo do que se pode imaginar. A empresa responsável pela criação do jogo reserva espaços internos exclusivamente dedicados à propaganda. Assim, quem decide onde e como os ads aparecem é o desenvolvedor. No entanto, embora ele possa escolher o tamanho, formato e apresentação do anúncio, o conteúdo a ser veiculado não pode ser controlado totalmente. Isso porque, na maioria das vezes, os espaços reservados são vendidos por uma empresa intermediária, como a Google Admob, que funciona como um mercado central de propagandas. Nela, a desenvolvedora coloca à venda o seu espaço e a agência de publicidade escolhe o mais adequado para seu objetivo. De acordo com Cabral, as empresas intermediárias fornecem frameworks, que são como bibliotecas responsáveis por integrar espaços dentro do jogo com as chamadas dos ads. Visando à melhor experiência dos seus usuários, a desenvolvedora pode aplicar um filtro nesta biblioteca, sugerindo quais tipos de anúncio seriam mais adequados para aquele jogo. Em um infantil, seriam permitidas propagandas de brinquedos ou personagens infantis. Estas palavras-chaves são importantes para que as agências entendam qual tipo de jogo atrai o seu público-alvo, adequandose ao veículo.

Os advergames

Apesar do caminho normal da publicidade ser mediado pelas bibliotecas, existe também a possibilidade de fazer negócio de maneira direta. Marivaldo Cabral conta que esse processo é muito comum em algumas situações. Um exemplo é o caso de desenvolvedoras novas no mercado que aproveitam que estão começando para oferecer vantagens para integrar a

publicidade. Outra ocorrência é quando uma agência procura mais agilidade e tem pressa em veicular seus anúncios, assim, ela coloca dinheiro diretamente para custear um jogo. Quando uma empresa contata uma desenvolvedora diretamente, os resultados normalmente são personalizados e têm um custo diferenciado. O jogo feito exclusivamente para suprir um pedido da publicidade é chamado de advergames (do inglês advertise: propaganda, e game: jogo). Estes podem apresentar o conteúdo publicitário de quatro maneiras: a primeira delas é quando o jogo é desenvolvido inteiramente para propaganda, com personagens principais e objetivos envolvendo a própria marca; a segunda é o próprio game como veículo, por exemplo, em um joguinho de futebol os anúncios do uniforme do time são patrocinados por uma marca; já a terceira maneira funciona como um redirecionamento para outro jogo ou site da empresa anunciante. O último tipo de advergame é também o mais subliminar: ele incorpora o produto à jogabilidade quando, por exemplo, seu bichinho virtual está sem energia e para isso você

precisa alimentá-lo com uma Pepsi e um pacote de Ruffles. No entanto, ainda que os advergames representem uma boa oportunidade para os publicitários, é também um veículo que pode causar um efeito indesejado aos usuários. O casperiano estudante de Jornalismo Victor Coelho já trabalhou com desenvolvimento de jogos e conta que algumas empresas sabem lidar com a propaganda de maneira muito profissional, sempre tomando cuidado para que ela não se torne repetitiva, mas comenta que já teve algumas experiências ruins: “Tem jogos que desisto e apago o aplicativo em virtude de terem propagandas excessivas e que não permitem ser deixadas de lado”. Segundo o Prof. Joubert Brito esse é um dos grandes desafios da área. Os publicitários precisam se adaptar a esse novo formato e tomar os mesmos cuidados que tomam com outros anúncios, considerando, também, que jogos podem ser voláteis e cair no esquecimento facilmente. O professor conclui que os games já são parte da nossa cultura, resta agora à publicidade se adequar a eles e buscar uma constante evolução. Setembro de 2016 | CÁSPER

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portfรณlio

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Cร SPER | Setembro de 2015


um olhar,uma

história Ganhador do 1º Prêmio Esso de Fotografia, Sérgio Jorge narra imageticamente momentos importantes da vida brasileira

Fotografia por © Sérgio Jorge Texto por Simonetta Persichetti Design por Giulia Gamba

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Série de fotos que ganhou o primeiro Prêmio Esso de Fotografia, em 1960

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avi versus Golias. É esta imagem que nos vem à mente, quando observamos a foto de uma criança tentando salvar seu cachorro de ser levado pela carrocinha. O ano é 1960. A foto publicada nas páginas da então revista Manchete venceu o 1º Prêmio Esso de Fotografia. Seu autor foi o fotógrafo Sérgio Jorge, natural de Amparo, que inicou na carreira de fotojornalista em 1956 no jornal O Dia, passando em seguida para o jornal A Gazeta Esportiva para depois trabalhar durante dez anos, de 1960 a 1971, na revista Manchete: “Na verdade, quando publiquei esta foto, ainda era colaborador da revista. Graças a ela fui contratado logo em seguida”, comenta. A foto nasceu de uma ideia do próprio fotógrafo durante uma reunião de pauta: “Queriam falar da raiva canina, mostrar crianças tomando vacina, mas eu me lembrei de quando era criança em Amparo e do medo da carrocinha pegar seu cachorro. Eu mesmo tive um cachorro pego por ela. Mas ainda bem que meu pai conseguiu salvar o cão”, relembra. Com a pauta aceita, acompanhou uma equipe da carrocinha pelas ruas de São Paulo e foi assim que conseguiu o flagrante tão emocionante. Foi uma época importante do fotojornalismo brasileiro. Quando a estética se consolida e se torna uma das mais importantes linguagens da fotografia do Brasil. Um tempo que na vida de Sérgio Jorge ficou para trás quando optou por trabalhar com publicidade nos anos 1970. Mesmo assim, sua contribuição para a história do fotojornalismo nacional é essencial. Sérgio Jorge foi testemunha ocular e registrou alguns dos mais importantes momentos da história brasileira, como a construção e inauguração de Brasília. No início dos anos 1970, pela situação política do Brasil, se desencanta com o fotojornalismo e resolve se voltar para a área de publicidade. Hoje, está empenhado na revisão de seu vasto acervo e na publicação de seu livro que narra imageticamente parte da história de nosso país.

Simonetta Persichetti é jornalista, crítica de fotografia e docente dos programas de graduação e mestrado da Faculdade Cásper Líbero.

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Monumento do IV Centenário de São Paulo, de Oscar Niemeyer, no Parque do Ibirapuera

Vista do Vale do Anhangabaú na comemoração dos 400 anos da cidade de São Paulo 52

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SÉRGIO JORGE FOI TESTEMUNHA OCULAR E REGISTROU ALGUNS DOS MAIS IMPORTANTES MOMENTOS DA HISTÓRIA BRASILEIRA

Simonetta Persichetti, crítica de fotografia Setembro de 2016 | CÁSPER

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Fotos tiradas na região da Freguesia do Ó, em São Paulo

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© BORIS KOSSOY

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resenha

Paraísos

vir

Onde mídia, religião e sociedade se encontram Texto por Pedro Ortiz Design por Guilherme Guerra

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á vai longe na memória coletiva o tempo em que as televisões abertas apresentavam esporadicamente, em horários para poucos notívagos, alguns programas em que líderes religiosos carismáticos, aqui apelidados de telepastores, discursavam para plateias de telefiéis. A novidade chegava aos lares brasileiros vinda dos Estados Unidos, na voz de Rex Humbard, Billy Graham ou Jimmy Swaggart e suas cerimônias neopentecostais produzidas especialmente para a TV. Humbard foi um dos pioneiros, chegou a construir ainda no final dos anos 1950 a sua Catedral do Amanhã, em uma cidadezinha de Ohio, projetada para receber equipamentos de broadcasting para gravação ou transmissão ao vivo e capacidade para mais de cinco mil fiéis/ espectadores. E veio ao Brasil várias vezes, apresentando cultos em estádios de futebol lotados.

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Religiões, nas suas várias denominações e origens, sempre precisaram, de certa forma, traduzir a linguagem do divino para o terreno, falar a língua dos homens para comunicar-se com seus fiéis, adeptos e seguidores. E alguns líderes religiosos, ao longo da história, mostraram-se excelentes comunicadores em seus escritos, sermões e no contato diário com seu público. Com o crescimento dos meios de comunicação, era natural que os discursos religiosos em busca de mais ouvidos e corações migrassem para o rádio, a televisão, as várias publicações e, mais recentemente, mídias digitais e sociais. As diferentes mediações e as relações entre mídia e religiões são sem dúvida, um dos temas contemporâneos de grande alcance e relevância, presente no dia a dia de uma parcela muito significativa da sociedade. O espaço público onde se tecem essas relações, em articulação com as diversas mídias, ou por intermediação delas, cresce em pluralidade e amplitude.


Mídia, religião e sociedade: das palavras às redes digitais Luís Mauro Sá Martino Editora Paulus, 2016, 208 p.

tuais Em Mídia, religião e sociedade – das palavras às redes digitais, o pesquisador e professor da Faculdade Cásper Líbero Luís Mauro Sá Martino mergulha sem medo nesse universo profundamente complexo e por tantas vezes polêmico. Vai às origens históricas da midiatização das religiões, trazendo para o campo da comunicação uma contextualização abrangente desses fenômenos sociais e comunicacionais, em essência, culturais. A dimensão pública das religiões, no âmbito da esfera pública habermasiana, onde sociedades plurais constituem Estados laicos e a participação cidadã é o motor da chamada democracia ocidental, aparece na segunda parte do livro, trazendo à tona reflexões importantes sobre o público e o privado, ou o pessoal, como salienta o autor. E a complexa teia de relações entre o campo religioso, o interesse público e o exercício da cidadania, com respeito à diversidade e autonomia dessas esferas, ainda que entrelaçadas e atravessadas pela mídia e suas construções simbólicas.

Na terceira e última parte da obra, Martino recorre aos estudos culturais e convida à oportuna reflexão em torno de temas fundamentais como mídia, religião e identidades culturais, com os conflitos, disputas de poderes e relações cotidianas nesses campos. Aponta, com base em um resgate histórico de ideias e ideais fundantes, os conceitos de tolerância e alteridade, tão necessários em todas as épocas, mas sobretudo hoje, se almejamos sociedades cada vez mais plurais, em que a convivência na diversidade seja prática cotidiana, nas relações sujeito-sujeito e também nas instâncias midiatizadas, de forma compreensiva. Em pleno acordo com o autor, “quanto mais se conhece a alteridade, menos se tem medo do outro”. Pedro Ortiz é editor-chefe da Revista Cásper e professor da graduação e pós-graduação em Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero

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empresas

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Cenário econômico e político instável no Brasil reacende debate sobre a importância das relações internas nas organizações Texto por Guilherme Venaglia Design por Beatriz Fialho

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esde o início de 2015, mais de 1,8 milhão de vagas formais de trabalho foram encerradas no Brasil, o que representa cerca de 4,5% do emprego no país. Divulgada no final de junho de 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa informou que já eram 11,2% desempregados. O medo entre aqueles que seguem em suas posições aumenta, trazendo desconfiança e insegurança para as organizações e reacendendo o debate sobre a importância da Comunicação Corporativa como ferramenta na organização das relações internas empresariais e suas reações a cenários de crise.

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Para Patrícia Salvatori, especialista em Comunicação Interna e professora da Faculdade Cásper Líbero (FCL), é essencial que as empresas se comuniquem com seus funcionários a respeito de seu panorama. “Elas deveriam ser mais transparentes. Quando não falam, a comunicação entre os funcionários se baseia em boatos e ocupa o espaço da comunicação interna, já que esse nunca fica vazio. Se a organização não fizer, alguém faz”. Sérgio Andreucci, coordenador de ensino de Relações Públicas da FCL, concorda: “Especulação gera incerteza e revolta”. Se o assunto for a crise econômica, social e política pela qual atravessa o Brasil desde 2015, o que não vai faltar são intensas divergências e pontos de vista diferentes. Para as empresas, pode

ser a oportunidade para começar a tratar do assunto e de outros temas complexos. Na avaliação de Paulo Nassar, presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), este é um dos grandes desafios das organizações brasileiras. “A Comunicação começa a ter uma função educativa e passa a ser essencial observar que as pessoas querem participar e ajudar a construir esses processos”. Parte importante do atual cenário nacional se deu pela Operação Lava Jato, deflagrada em 2014 pela Polícia Federal que investigou um sistema de desvios na Petrobras. Envolvendo executivos, políticos e grandes empresas, ela trouxe ainda um novo desafio para profissionais da área: a situação em que organizações,


com décadas de tradição e marcas consolidadas, passam a estar no centro dos escândalos. Entre os casos mais famosos está o da construtora Odebrecht, que viu seu presidente, Marcelo Odebrecht ser preso. “É impossível que a mão de obra não fique desmotivada e com baixa autoestima. A única saída para amenizar é que a empresa tenha um plano de crise bem estruturado e dê sempre respostas rápidas e verdadeiras”, afirma Andreucci. Envolvidas ou não em acusações de corrupção, as organizações devem, segundo Paulo Nassar, entender que as transformações tecnológicas derrubaram as barreiras entre o que está dentro da empresa e o que está fora: “Ela não é um território isolado. Não existe mais a lógica do interno e externo.”

De dentro para fora

Consagrado com o nome de Comunicação Interna, o segmento da Comunicação Corporativa voltado para as relações internas das organizações vem, aos poucos, ganhando outras nomenclaturas – e, com elas, novos propósitos. Sem a barreira que separava o que acontece dentro para o que acontece fora de uma organização, cabe aos profissionais da área repensar a forma de trabalhar. A Comunicação com Empregados, uma das nomeações que tem ganhado força, atua com base na concepção de que o funcionário, além de ser integrante da empresa, é um agente social com muitas facetas que pode interferir diretamente na projeção desta para a comunidade. “O empregado é um multiplicador.

Quem está dentro, também está fora dialogando na sociedade”, lembra a professora Patrícia Salvatori. Seja qual for o desafio que a organização enfrente, é essencial, segundo a especialista, que a comunicação para quem trabalha na empresa venha antes de quem está fora dela, e que seja transparente para ser efetiva e garantir a preservação de sua imagem. No entanto, como alerta Salvatori, as narrativas precisam ser fundamentadas na realidade da corporação. “Se a empresa se revolta com os casos de homofobia em Orlando, por exemplo, isso pode ser bem visto, mas se no dia-a-dia os funcionários sofrerem preconceito, pode garantir que virá à tona e a empresa, ao invés de se destacar, vai se queimar”. O mesmo aplica-se para as relações interpessoais na organização. Na avaliação de Paulo Nassar, que também é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), não há mais espaço para “tirania” no mundo corporativo. “Não existem mais instituições que conseguem viver fora da lógica da democracia. Se a empresa não se adequa ao ambiente democrático, ela certamente corre o risco de desaparecer”. Ele ainda completa que é uma missão das corporações, por causa deste cenário e, também, para a

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©ROGÉRIO LORENZONI/STUDIO 3X

[A ORGANIZAÇÃO] NÃO É UM TERRITÓRIO ISOLADO. NÃO EXISTE MAIS A LÓGICA DO INTERNO E EXTERNO Paulo Nassar, presidente da Aberje

obtenção de bons resultados, ter uma posição de destaque no combate à intolerância com as diferentes formas de ser e viver em uma sociedade.

Botão vermelho

É comum filmes e desenhos, principalmente os originários dos Estados Unidos, que mostrem a figura de chefes de Estado e a presença do botão vermelho que desencadeia reações preparadas com antecedência em situações de urgência. Para Sérgio Andreucci, especialista em gestão de crises, as organizações precisam ter seus botões vermelhos e seus planos de atuação devem ser pensados antes que haja a necessidade de usá-los. “A resposta para os questionamentos deve ser sempre rápida, objetiva e transparente”, observa o professor. 60

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O patrimônio de uma empresa é composto, sobretudo, de três vertentes: o recursos físicos, como prédios, estrutura e equipamentos, o humano, com seus colaboradores e conhecimentos imateriais, e o branding, a marca e o capital social projetados por sua imagem. Na opinião do professor, um plano de crise deve contemplar a gama mais ampla possível de situações e ser sempre construído de narrativas verdadeiras. Em tempos de permanentes conexões aos meios digitais, Andreucci alerta que as respostas não podem, em hipótese alguma, demorar mais de 24h para serem dadas. “Passando dessa faixa os danos gerados por essa crise, seja ela qual for, podem ser irreversíveis”. Paulo Nassar concorda e reforça que, na sua avaliação, as empresas não têm a opção de se ausentar do debate

público, uma vez que “não se posicionar sempre é se posicionar”. Seja pensada para empresas pequenas, médias ou grandes, elaborada para tratar de assuntos cotidianos ou extraordinários, a Comunicação Organizacional, na visão dos três especialistas, deve estar no coração das companhias. As ações do segmento têm um papel único na tarefa de construir e preservar as reputações e imagens, combater cenários de crise, internos ou externos, e proporcionar o progresso da atividade de uma organização. No entanto, necessitam representar a realidade interna da empresa. Situações de dificuldade podem ser oportunidades para a transformação de ações e para o alcance de um novo papel de destaque da Comunicação no mundo dos negócios.


© BEATRIZ VACCI / CENTRO DE EVENTOS

casperianas Os ciclistas Joel Padro Júnior e Daniela Lionço foram os vencedores da 70ª edição da Prova Ciclística 9 de Julho

Prova Ciclística 9 de Julho Por Victoria Leite

Realizada no sábado, dia 9 de julho, período da manhã, a Prova Ciclística 9 de Julho foi um sucesso em sua 70ª edição. O circuito teve mais de 90 km de percurso. Ocorreram três largadas: uma às 6h45 para Aspirantes, num trajeto que contaria com 23,5 km pela cidade de São Paulo, outra às 8h03 para Elite Feminina, com 73,7 km de percurso, e a última às 8h05, com a maior distância para a Elite Masculina, 96,4 km. A corrida, que começava e terminava na avenida Lineu de Paula Machado, sentido USP/Morumbi, bateu o recorde em número de aspirantes. Com mais de mil inscritos oficialmente, foram cerca de 2100 participantes no dia da prova. Junto à Fundação Cásper Líbero, a corrida contou com a participação da assessoria de imprensa que, no mês de maio, realizou o trabalho de divulgação da 70ª edição da Prova 9 de julho em parceria

com a Federação Paulista de Ciclismo. A assessoria foi responsável pela produção dos textos de divulgação e da coletiva de imprensa. Foram mais de sessenta matérias em outros veículos esportivos sobre a realização da prova. Além de colaboradora, a Gazeta Esportiva foi uma das organizadoras e também participou da cobertura do evento. A Prova também significou um marco para o veículo esportivo: pela primeira vez sua transmissão foi ao vivo pela web. Foram cerca de cinquenta profissionais da área de Comunicação, contando com repórteres, fotógrafos, estagiários e estudantes da Faculdade Cásper Líbero que se voluntariaram. As inscrições foram abertas no dia 3 de junho de 2016 e, a partir de então, todos os finais de semana desse mês tiveram seus sábados e domingos repletos de eventos voltados para a corrida. Entre

congressos técnicos e encontros para debater o cicloativismo. Os participantes tiveram a oportunidade de adquirir conhecimento sobre a prova e de se aproximar ainda mais desse mundo. A edição de 2016 teve um resultado inesperado: os vencedores da categoria Feminina e Masculina da Elite, são um casal. Joel Prado Júnior e Daniela Lionço. No ano anterior, Daniela chegou em segundo no pódio, e seu noivo foi vencedor. Já neste, os dois terminaram a prova em primeiro lugar. Na categoria Aspirante Feminina, a atleta Gabriele Rodrigues Bezerra ficou com o primeiro do pódio, enquanto na Masculina foi o Daniel Conti de Oliveira quem venceu.

Victoria Leite é estudante de Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e estagiária na Gazeta Esportiva

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© BEATRIZ VACCI / CENTRO DE EVENTOS

André Ballesteros é coordenador institucional da Fundação Amazonas Sustentável

O 6º PRATICOM Por Sérgio Andreucci

O Encontro Cásper Líbero de Práticas de Comunicação (PRATICOM), coordenado pelo curso de Relações Públicas, ocorreu entre os dias 7 e 8 de junho, abordando como tema principal a Sustentabilidade, Avanços e Desafios em uma série de painéis divididos entre o período diurno e noturno. O evento reforçou o compromisso da Cásper em ampliar a discussão e a postura ativa dos alunos, professores e profissionais na gestão da sustentabilidade. Essa edição do PRATICOM foi resultado do desdobramento da cobertura da Conferência do Clima (COP 21), realizada em Paris, com a participação de docentes da Faculdade em dezembro de 2015. Por se tratar de um tema transversal à prática de um comunicador, a programação contou com diversas conferências, palestras, painéis e oficinas realiza62

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das para que estudantes de Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Rádio, TV e Internet e Relações Públicas pudessem, juntos, conhecer, discutir e trocar informações sobre a relevância da comunicação da sustentabilidade sob diversas óticas: questões relacionadas às mudanças climáticas, licenças ambientais, políticas públicas, governança sustentável, impactos sociais e comunitários, além de outros temas importantes. Entre os diversos palestrantes, empresas e agências de RP convidadas, o destaque foi a participação de Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima; Sonia Favaretto, diretora de imprensa e sustentabilidade da BMF&Bovespa; Maria Eugênia Sosa Taborda, gerente de sustentabilidade do Itaú Unibanco; Paulo Ramicelli, assessor da diretoria do Instituto EDP; André Palhano, fundador

e organizador da Virada Sustentável; André Ballesteros, coordenador institucional da Fundação Amazonas Sustentável; Dal Marcondes, diretor executivo do Site Envolverde; Mario Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica; Dacio Nitrini, diretor de Jornalismo da TV Gazeta, entre outros. O evento contou com o apoio institucional da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom) e da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp).

Sérgio Andreucci é professor e coordenador do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero


Semana de Publicidade e Propaganda Por Patrícia Andreotti Saluti

tou sobre as técnicas do storytelling. A palestra noturna recebeu os exalunos Bruno Bernado, sócio-diretor executivo de planejamento da Agência Peppery e Henrique Rojas, CCO da Agência Peppery. A discussão foi sobre o processo criativo como algo livre. Para encerrar, Jario Anderson – diretor de criação da Agência VML – abordou a importância de entender o repertório de todas as áreas da agência. O terceiro dia de palestras foi aberto por Daniela Cachich – VP de Marketing da Heineken – que mostrou toda a evolução da marca. Para completar, Marcelo Tripoli, Sócio e CCO da Agência Ref + T, abordou o branding no meio digital. As palestras da noite começaram com Ricardo Martins, gerente de marketing da Polishop, que falou aos presentes os desafios do varejo. Para encerrar, Gabriel Nobrega e Fabio Acorsi, ambos diretores da Vetor Zero, mostraram os bastidores da produção audiovisual. A quinta-feira, dia 19 de maio, começou com Renato Rogenski – editor do Portal Adnews – que abordou cases de sucesso. Para completar a manhã Gabriela Comazetto – diretora de Ven-

das do Twitter – explicou o funcionamento de posts patrocinados e a relação do Twitter com a televisão ao vivo. O último dia teve Emerson Cação e Felipe Favoretto, respectivamente, diretor e gerente de marketing da Bic, que comentaram a relação entre empresa e agência, e a importância de um briefing em uma campanha. Os alunos também receberam André Barros e Rafael Grostein – sócios do canal Desimpedidos e o personagem Bolivá, que falaram sobre Youtube versus marcas. Na rodada final, Rodrigo Cerveira – VP de planejamento da Agência Havas – falou sobre renovação de marca com o case da Tim, e Alexandre Silveira, diretor criativo da Wuderman, mostrou que a criatividade é um fator importante na inovação. Por fim, os youtubers Marimoon, Maira Medeiros, Becca Pires e Igor Sariger, explicaram o funcionamento da publicidade dentro desse novo mundo de influenciadores.

Patrícia Andreotti Saluti é monitora da Coordenadoria de Publicidade e aluna da Faculdade Cásper Líbero © BEATRIZ DE OLIVEIRA/CENTRO DE EVENTOS

Em maio, durante os dias 16 a 20, a Coordenadoria de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero organizou a 13ª semana do curso. O principal objetivo do evento é reunir diversos nomes e setores que compõem o mundo da Publicidade. A abertura contou com a presença do Ricardo Guerra – diretor de marketing do Giraffas – que discutiu a inserção da marca no mercado, com o grande crescimento das redes de fast foods. O advogado Pedro Hartung do Instituto Alana, também presente, questionou os limites da publicidade infantil. No período da noite, Luciana Nicola, superintendente de relações institucionais do Itaú, narrou a trajetória da implantação do projeto de mobilidade urbana do banco. Para compor as palestra, Celso Teixeira, diretor nacional de comunicação da Rede Record, abordou os desafios da televisão brasileira. No dia 17, período da manhã, Aldo Pini – diretor de planejamento da Agência Bullet – falou sobre a importância das marcas dialogarem com as pessoas. André Castilho – sócio e roteirista da produtora La Casa de La Madre – con-

Alexander Hilsenbeck Filho, Celso Teixeira, Luciana Nicola e Rodrigo Morais abriram a Semana de Publicidade e Propaganda no período noturno

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2ª Semana de Cultura Geral Por Eliana Nagamini

Rodrigo Ciríaco, blogueiro e professor, apontaram o poder transformador do artista na segunda mesa: Arte e Política, mediada por Alexander Hilsenbeck Filho, doutor em Ciência Política. A mesa Protagonismo, empoderamento e lugares de fala: potencialidades, necessidades e limites envolveu as relações entre lugares de fala e condições sociais. Mediada por Vitor Grunvald, doutor em Antropologia Social pela USP, os convidados foram Elvis Stronger, representante político da Família Stronger, Amara Moira, ativista trans e doutoranda em Teoria Literária pela UNICAMP e Eliane Dias, feminista e produtora do Racionais MC’s. Invisibilidades e cidadanias: a questão indígena e imigrante foi mediada por Sandra Goulart, doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP, e com os debatedores Marcelo Haydu, diretor do Adus – Instituto para Reintegração de Refugiados – Akon Patrick, diretor de cinema e ator, Salvador Schavelzon, doutor em Antropologia Social pela UFRJ, Danilo Paiva Ramos, pós-

-doutorado em Antropologia pela USP e Sheylla Cantarelli, advogada e ativista indígena. Reflexões sobre a representação de indígenas e imigrantes na mídia foram relevantes para a percepção da invisibilidade desses grupos. Quais os impactos da invisibilidade no universo do trabalho? A questão norteou o debate da mesa Impactos de flexibilização no trabalho, mediada por Rafael Grohmann, doutorando em Ciências da Comunicação pela USP, com Bárbara Castro, doutora em Ciências Sociais pela Open University, Ludmila Abilio, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho pela UNICAMP e doutora em Ciências da Comunicação pela UNICAMP e Vander Casaqui, doutor em Ciências da Comunicação pela USP. A plateia participou com perguntas e comentários em momentos de diálogo que demonstraram o interesse dos jovens em discutir questões sociais. Eliana Nagamini é professora da graduação e pós-graduação na Faculdade Cásper Líbero

© BEATRIZ VACCI / CENTRO DE EVENTOS

Invisibilidades, Alteridades e Convivências foi o tema da 2ª Semana de Debates de Cultura Geral, da Faculdade Cásper Líbero, entre o dia 11 e 13 de maio de 2016. Na abertura, a profa. Sonia Castino, coordenadora de Cultura Geral e organizadora do evento, e o prof. Carlos Costa, diretor da Faculdade, destacaram a relevância temática para comunicadores e estudantes da área. A mesa Relações centro-periferia: mobilidade e direito à cidade contou com a presença de William Nozaki, doutorando pelo Instituto de Economia da UNICAMP, Graziela Kunsch, artista plástica, doutoranda pela ECA–USP, Jefferson Mariano, doutor em Economia pela UNICAMP e professor da Faculdade Cásper Líbero. A desigualdade social a partir de políticas urbanas foi tema central da mesa, mediada por Raphael Faustino, mestre em economia pela UNICAMP. Anna Lucchese, pós-graduada em direção cinematográfica pela ESCAC, Fernanda Azevedo, mestranda pela UNESP, Oswaldo Mendes Filho, jornalista, ator, diretor e dramaturgo e

Anna Lucchese, Oswaldo Mendes Filho e Fernanda Azevedo participaram da mesa Arte e Política

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Cannes Lions 2016, o Oscar da Propaganda Por Toshio Yamasaki

tragédia que mudou sua carreira – um incêndio matou suas três filhas e fez com que prometesse a si mesma, neste dia, que lutaria pela igualdade de gênero e pelo respeito às mulheres como legado de sua perda. Não só o engajamento de Badgner teve destaque, mas, durante todo o festival, os temas sociais dominaram. Na premiação, um trabalho em especial chamou a atenção: O New York Times

lançou o aplicativo NYT VR, que oferece uma experiência em realidade virtual, a possibilidade de uma visão 360º da notícia. Há quem diga que esse mecanismo irá revolucionar o jornalismo levando o leitor para dentro da notícia. E isto é apenas uma fração do evento. Toshio Yamasaki é professor da graduação na Faculdade Cásper Líbero © DIVULGAÇÃO

O Festival de Cannes continua a ser o Oscar da Propaganda e é fundamental para quem quer ser publicitário. São nove dias de imersão completa nesse mundo que revelam suas tendências e os caminhos que a indústria da comunicação está tomando. Reúnem-se ali as mentes mais criativas do mundo – e é justamente o campo da criação que hoje toma conta de todos os departamentos publicitários, da agência aos anunciantes. Ganhar um leão, o prêmio principal do evento, pode mudar o rumo da sua carreira: você passa a fazer parte do time mais produtivo do mundo. Além das 24 categorias de premiação, hoje os seminários ganharam muita importância. Grandes celebridades, como o ex-presidente Bill Clinton e o cantor Lou Reed, já passaram por lá. Este ano, além dos nomes consagrados da propaganda, estiveram presentes o cantor Iggy Pop, a editora da Vogue americana Anna Wintour, o cineasta Alejandro Gonzáles Iñárritu e o ator Will Smith. Já nos seminários, o destaque ficou para a publicitária Madonna Badgner, que luta contra o uso da mulher como objeto na propaganda desde a

O Festival de Cannes Lions 2016 contou com a presença da editora da Vogue Anna Wintour

A evolução da acessibilidade Por Giulia Gamba

Educação inclusiva: esse foi o debate trazido por Liliane Garcez, mestre em psicologia e educação e assessora técnica na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, em palestra para os alunos do 3º ano do curso de Jornalismo. O evento, organizado pela professora Ester Rizzi, levantou questões sobre os direitos das pessoas com deficiências, as acessibilidades e os impedimentos enfrentados por elas, inclusive no ambiente acadêmico. Para Liliane, “a maior barreira é a forma como a pessoa com deficiência é vista na sociedade”. A visibilidade é imprescindível para o desenvolvimento social e permite debates enriquecedores e inclusões mais efetivas.

A declaração para pessoas com deficiência entrou na agenda pública apenas em 2006 e o desenvolvimento deste debate abrange políticas públicas, que, segundo Liliane, acompanham a mudança na forma que a sociedade vê as deficiências. Desde então, esse conceito mudou constantemente, assim como seu símbolo – “A acessibilidade”, logomarca criada pela ONU em 2015, substitui a imagem de uma pessoa sobre uma cadeira de rodas e mostra quatro pontos ligados por um círculo, que representa a harmonia entre o ser humano e sociedade, e seus braços abertos indicam a inclusão. O símbolo, mais do que uma nova representação imagética, passou a não se referir direta-

mente a apenas um tipo de deficiência, como a logomarca anterior. Uma das questões de maior relevância é a acessibilidade ter relação com pessoas, e não apenas com lugares – é necessário que o indivíduo com deficiência seja visto, ouvido e notado para que medidas inclusivas efetivamente existam. O debate promovido por Liliane Garcez engrandece a convivência, seja acadêmica ou em sociedade, entre deficientes e não-deficientes. Superar barreiras é importante para incentivar a inclusão. No final, todos saímos ganhando. Giulia Gamba é editora de arte da Revista Cásper e aluna do curso de graduação de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero

Setembro de 2016 | CÁSPER

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HERÓI Texto por Sonia Castino Design por Guilherme Guerra

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á me contaram algo semelhante – acredito que todas as narrativas já foram inventadas. É só colhê-las em cachos e novamente colocá-las para desfilar. Tinha ouvido histórias parecidas. Mesmo assim, impressionou-me o desempenho dos atletas nas Olimpíadas. Como, gente, aquele chinês bateu o recorde de levantamento de peso que seu adversário, também oriental, minutos antes, já havia acabado de bater? Levantar 170 quilos de uma vez, com arremesso, é exemplo da realização do improvável. De quebra, ainda bateu o recorde mundial, considerando-se a soma das tentativas (307 quilos, pasmem!). Superação sobre-humana principalmente de si mesmo. Elias Canetti, escritor e judeu sefardita de origem, em sua autobiografia, A Língua Absolvida, conta como, aos dez anos, aprendeu o alemão em apenas três meses, com sua mãe, educada em Viena, poliglota, muito culta, a quem detestava desapontar. Ela o torturou com a exigência de decorar uma frase, após ouvi-la algumas vezes, sem saber o que significava e depois das explicações nunca mais poder esquecê-la. Inicialmente negou-lhe até o auxílio da escrita, por acreditar que uma língua se aprende falando.

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CÁSPER | Setembro de 2016

Há qualquer coisa de herói no menino Canetti e no atleta chinês, vivendo aqueles momentos raros que desafiam as pessoas comuns. Se me permitem, retomo Terêncio: “Sou um ser humano – nada do que é humano me é estranho”. Isso vale para o mal e igualmente para o bem. Assim, em diferentes graus, somos todos heróis em trajetória de autossuperação, que iniciamos ao nascer. Superar-se é olhar firme para o próprio preconceito e lutar para livrar-se dele. É levantar cedo para pegar o trem, um, dois ônibus lotados para chegar ao trabalho. É conseguir terminar a tarefa que o chefe pediu com prazo de urgência. Continuar o dia a dia, mesmo quando um filho querido enfrenta injustiças e passa por péssimas experiências. Superar-se pode ser aprender a usar corretamente a vírgula e a crase. Entregar na data um TCC nota dez, fazendo estágio e vários freelas ao mesmo tempo. Esquecer a timidez pensando na sua equipe, quando em posição de liderança, e defender de sua própria teimosia alguém de quem se gosta. O bom é saber que não é preciso fazer nada disso sozinho: Elias Canetti teve a ajuda da babá, Fanny, para convencer a mãe dele a entregar-lhe um livro de gramática e o chinês, o apoio de uma equipe técnica.

JJSALA

crônica


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Maio de 2014 | CÁSPER

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