Revista Cásper #20

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´ CASPER Dezembro de 2016

MARCOS FAERMAN Um perfil do jornalista que influenciou gerações com sua obra, agora disponível na internet

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O PENSADOR DA IMAGEM

A perspectiva de Josep Català sobre documentário imersivo e transmídias

PUBLICIDADE

Os native ads vieram para ficar

WIKIEDUCAÇÃO

A ferramenta invade as salas de aula


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´ CASPER ISSN 2446-4910

FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO PRESIDENTE Paulo Camarda SUPERINTENDENTE GERAL Sérgio Felipe dos Santos

FACULDADE CÁSPER LÍBERO DIRETOR Carlos Costa VICE-DIRETOR Roberto Chiachiri Filho

REVISTA CÁSPER NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMO Helena Jacob EDITOR-CHEFE Heitor Ferraz Mello EDITORAS Ana Clara Muner e Carolina Moraes CONSELHO EDITORIAL Dimas Künsch, Helena Jacob, Joubert Brito, Marcelo Rodrigues, Roberto Chiachiri Filho, Roberto D’Ugo, Sergio Andreucci e Sonia Castino REPORTAGEM Ana Clara Muner, Beatriz Fialho, Carlos Costa, Carolina Moraes, Felipe Sakamoto, Giulia Gamba, Guilherme Guerra EDITORA DE ARTE E FOTOGRAFIA Giulia Gamba PROJETO GRÁFICO Pedro Camargo DIAGRAMAÇÃO Beatriz Fialho, Giulia Gamba e Guilherme Guerra COLABORADORES Ana Carolina Fernandes, Elmo Francfort, Fabrício Tavares, Paula Calçade, Sonia Castino, Vilma Schatzer NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS Avenida Paulista, 900 – 5º andar 01310-940 – São Paulo – SP (11) 3170-5874/5814 revistacasper@casperlibero.edu.br

ESCOLHAS

estimulantes

N

ão foi tarefa fácil escolher a capa desta edição que você tem agora em mãos. Com diversas opções visuais, tratava-se de decidir entre a imagem de Josep Català, que esteve em outubro na Cásper falando sobre documentário expandido, ou a de Marcos Faerman (19431999), que desenvolveu expressiva atividade docente em nossa casa em seus últimos quatro anos de vida. Em “Marcos Faerman, o contra-manuais”, a repórter Carolina Moraes narra, em nove enxutos capítulos, a trajetória do jornalista pelas muitas redações em que deixou sua marca, e as publicações que criou – entre elas a Versus, Singular & Plural e Ex-, além da derradeira criação, o jornal-laboratório Esquinas de S.P., do curso de Jornalismo da Cásper. Já o perfil de Català é um relato breve sobre a aula magna assistida por alunos, professores e pesquisadores do mestrado de quatro programas: da Unesp de Bauru, da Fapcom e da Fiam-Faam, além da Cásper. O texto é um convite a desbravar a obra desse pensador da imagem. Há outros ótimos momentos nesta Cásper. Em Paulo Emílio de volta ao público, o repórter Guilherme Guerra fala do centenário de nascimento do grande intelectual que alinhou política, cinema e público. Giulia Gamba mostra, em Conhecimento livre, como a Wikipédia se consolida como instrumento de processos educativos. E Beatriz Fialho aborda, em Anúncio disfarçado, uma tendência do marketing de conteúdo, os “native ads”. As novas colunas são ótima novidade. Por Onde Anda mostra a casperiana Julia Duailibi e seus perfis primorosos na Piauí. Por Conta Própria foca no empreendedorismo. Feito à Mão: um infográfico mostra os custos da importação do audiovisual. Bits & Bytes aponta novidades de aplicativos e ferramentas digitais. E Para Entender Mais é um roteiro de links e histórias. A palestra de Català está lá: acesse o link e assista à aula magistral.

Boa leitura e até o número 21, com mais surpresas

CARLOS COSTA Diretor

casperlibero.edu.br/a-casper-libero/revista-casper

CAPA © Acervo pessoal

CC

BY

Se não houver um © explicitado, você pode copiar, adaptar e distribuir os conteúdos desta revista, desde que atribua créditos

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SUMÁRIO

20 52

POTENCIAL EDUCATIVO

LiAnna Davis é uma das percursoras do uso da Wikipédia nos bancos escolares

DESTRUIÇÃO

O desastre de Mariana pela fotógrafa Ana Fernandes

06 ::: POR ONDE ANDA ::: A repórter da revista Piauí Julia Duailibi

10 ::: BITS & BYTES :::

50 SER OU NÃO SER RP

18 PODCASTS EM ALTA

56 RESENHAS

A mídia sonora ganha impulso na internet

26 CONTEÚDO OU ANÚNCIO Publicidade nativa como a nova aposta das agências

30 04

36 FÁBRICAS DE CULTURA

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vai de vento em polpa

46 CINEASTA DO PÚBLICO

A guerra de titãs entre a Microsoft e a Apple

A obra revolucionária de Marcos Faerman

FEITO À MÃO ::: 44 :::Setor audiovisual brasileiro

08 ::: POR CONTA PRÓPRIA ::: O reconhecimento do jornalismo independente

CAPA

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JOSEP CATALÀ

A imagem pela perspectiva do pensador

Projeto do estado nas periferias e as ocupações dos aprendizes

40 MORTE E VIDA SEVERINA

Os 60 anos da principal obra de João Cabral de Melo Neto

O centenário de nascimento de Paulo Emílio

As divergências na flexibilização da profissão

59 CASPERIANAS 60 CÁSPER NA REDE

A revista agora também em versão online

66 ::: PARA ENTENDER MAIS :::



POR ONDE ANDA

De olho na política ::: JORNALISMO ::: Trajetória da ex-casperiana Julia

Duailibi, repórter da revista Piauí, é marcada pela cobertura política Foto de Orlando Brito

Quer saber quem é, de verdade, o prefeito eleito de São Paulo, João Dória Jr., ou a advogada peça-chave do impeachment, Janaína Paschoal? Leia Julia Duailibi. Repórter da revista Piauí, a ex-casperiana formada na turma de 2000 é autora de perfis dos dois personagens ascendentes da política brasileira. Sua especialidade é contar boas histórias. Foi o que fez nos bastidores do processo de impeachment de Dilma Rousseff, quando retratou com precisão cirúrgica os momentos finais do mandato da ex-presidente e a votação no Senado. Logo depois de se formar, Julia entrou como trainee da Folha de S.Paulo. Acompanhou de perto os anos Lula, quando cobria o Palácio do Planalto. Em 2006, recebeu um convite para permanecer na sucursal de Brasília da revista Veja, voltando depois para São Paulo. Mudou-se para o Estadão, onde permaneceu até 2015, quando foi para a Piauí. Uma carreira dedicada à cobertura política. Com tanta bagagem, prepara um projeto ambicioso: escrever um livro sobre a conjuntura política atual. “Acho que aos 38 anos já dá para me aventurar”, disse. Julia DuaIlibi, repórter, Formada em jornalismo na faculdade cásper líbero

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© ORLANDO BRITO

chapéu

Em 16 de abril, Julia Duailibi acompanhou de Brasília a votação do processo de impeachment de Dilma Roussef Maio de 2014 | CÁSPER

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POR CONTA PRÓPRIA

Novos rumos ::: EMPREENDEDORISMO ::: As mídias independentes, a falta de iniciativas nas universidades

ALEXANDRE DE PAULO/ADPHOTO/METRÔ NEWS

brasileiras e os discos de goma-laca na internet

Natalia Viana é a primeira mulher brasileira a receber o Prêmio Gabriel Garcia Márquez

Difícil de ensinar Responsáveis pela formação de futuros profissionais, as universidades brasileiras se mostram incapazes de ajudar os jovens a se tornarem empreendedores. A quarta edição da pesquisa Empreendedorismo nas Universidades Brasileiras, da Endeavor Brasil e do Sebrae, revela que quase metade dos docentes que ensinam a disciplina nunca tiveram uma experiência própria de empreendedorismo. O estudo aponta que 27% dos programas não têm esse tipo de iniciativa. O resultado é previsível: só 3,7% dos empreendedores universitários criam produtos inovadores para o mercado.

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Independência e vida Veículos de comunicação da América Latina que existem há menos de dez anos abocanharam as quatro categorias do prêmio Gabriel Garcia Márquez de 2016. E entre eles dois brasileiros: a Pública, agência de jornalismo investigativo, e o Repórter Brasil. Foi um sopro de esperança em meio às notícias de fechamento de redações tradicionais e demissões em massa. Já no anúncio de finalistas, metade era composta por mídias online. Natalia Viana, da Pública, venceu em Texto com São Gabriel e seus demônios – uma reportagem sobre uma comunidade indígena que sofre com a maior taxa de suicídio no país. Em Imagem, o vencedor foi JACI, sete pecados de uma obra da amazônica, documentário de Caio Cavechini, Carlos Juliano Barros, Ana Aranha, Cauê Angeli, Marcelo Min e Leonardo Sakamoto, da Repórter Brasil.

78 rotações O vinil, que hoje vive um revival, só surgiu nos anos 1940. Artistas como Dalva de Oliveira e Dorival Caymmi gravaram antes suas músicas em discos de goma-laca. São pérolas que podem ser encontradas no site Goma-Laca (www.goma-laca.com). O projeto é da ex-casperiana Biancamaria Binazzi, que se interessou em tornar públicas canções brasileiras produzidas em disco entre 1902 e 1964.

Os antigos discos giravam em 78 rotações por minuto – um CD-ROM roda a mais de 10 mil RPMs.


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BITS & BYTES

Prático e inovador

::: TECNOLOGIA ::: Os lançamentos das grandes empresas high-tech, ferramentas

na palma da mão e o boom das mídias sociais DIVULGAÇÃO

O dia de Apple da Microsoft Da Apple se espera inovação, certo? O oposto da Microsoft. Pois o mundo se surpreendeu quando as duas gigantes da tecnologia inverteram os papéis com seus recentes lançamentos. Em 26 de outubro, a empresa de Bill Gates apresentou o Surface Studio, um “tudo em um” para deixar qualquer designer de queixo caído. Em segundos, pode virar uma mesa gráfica sensível ao toque. Com o Surface Dial, um dispositivo encaixado na tela, o usuário pode ter vários usos inovadores. E seu preço vai variar de 9 mil a 13 mil reais. Um dia depois, a Apple lançou o novo MacBookPro. Sua única novidade foi uma barra sensível ao toque acima do teclado com atalhos de cada programa. Já o preço atinge os astronômicos 21.299 reais. A confiança nas mídias tradicionais, online e redes sociais Escolha o final Uma ferramenta online promete revolucionar a forma de construir narrativas interativas. A Eko Studio permite que uma mesma história tenha percursos e desfechos diferentes. Basta o espectador decidir por cenas distintas que são apresentadas ao longo do vídeo. O resultado é uma história que prende a atenção do começo ao fim. A plataforma é de fácil uso e está disponível tanto em desktop quanto para celular (Android e iOS). [studio. helloeko.com]

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Tradicional Online Redes sociais

Fonte: Edelman Significa

Aulinhas de marketing Já não há mais desculpas para dizer que está sem tempo para estudar. Em 5 minutos, dá para aprender conceitos básicos de marketing. O aplicativo Google Primer é uma maneira rápida de ter aulas sobre publicidade, estratégia e conteúdo desse universo.Tem ótima apresentação no celular ou no tablet. Toda semana, são publicados novos tópicos e lições que indicam os próximos passos para transformar a teoria em prática. Disponível para Android e iOS.


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ENSAIO

Pensador da

imagem

BREVE RELATO SOBRE A MASTER CLASS MINISTRADA NO TEATRO CÁSPER LÍBERO PELO PROFESSOR JOSEP M. CATALÀ PARA ALUNOS E PESQUISADORES DE QUATRO PROGRAMAS DE MESTRADO

Por Carlos Costa Fotos de Jefferson Dias

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NOME

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O

s pesquisadores do grupo de estudos Comunicação Cultura e Visualidades, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Cásper Líbero, tiveram um encontro prévio com o professor Català na tarde de 24 de outubro de 2016. No dia seguinte, o professor ministraria a master class Documentário Expandido, um mergulho no filme-ensaio, docweb, documentário imersivo e outras modalidades transmídias no Teatro Cásper Líbero para um concorrido grupo de pesquisadores também de outras instituições associadas à iniciativa da Cásper. A plateia seria composta por professores e alunos dos programas de mestrado da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp-Bauru; da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (Fapcom); e do mestrado profissionalizante do Centro Universitário Fiam-Faam (a gravação da aula pode ser assistida no link http://casperlibero. edu.br/acompanhe-o-evento-documentario-expandido/). Naquela tarde anterior à grande aula, os colegas do grupo de estudos da Cásper puderam viver uma experiência muito parecida com a descrita por Eloy Domínguez Serén na introdução de uma entrevista publicada no site A Cuarta Parede: “Uma aula de Josep María Català tem muito de uma corrida de galgos, em que o aluno persegue uma e outra vez, até o cansaço, uma lebre que jamais conseguirá caçar. Por muito que o discípulo se empenhe, por muito que ele acelere, o professor Català sempre manterá muitas cabeças de vantagem. Pois, enquanto o aluno reflete sobre as experiências de Muybridge, o mestre valoriza as inovações do Microsoft Photosynth. Quando o estudante descobre a montagem paralela de Porter, Català já comenta as possibilidades do novo Split Screen multidimensional da HBO”, escreveu Eloy. A metáfora é tão boa que resolvi iniciar esse texto com ela. Se a Microsoft já decidiu que irá retirar do mercado, em fevereiro de 2017, o Photosynth (programa que permite criar fotos em 3D), a inovadora experiência da montagem paralela foi usada

pela primeira vez por Edwin S. Porter no filme O grande assalto do trem, de 1903. Com a desenvoltura e elegância de um gentil-homem da Catalunha, o professor Català transita de Hogarth a Turner, de Jim Jarmush a King Vidor, sem deixar de recorrer a ideias e conceitos de Giordano Bruno, Gilles Deleuze, Walter Benjamin, Georges Didi-Huberman e Peter Sloterdijk, autores frequentemente citados por ele. Embora no encontro informal daquela tarde do dia 24 tenha declarado total independência de escolas ou de autores – livre, ele prefere garimpar nas mais diferentes áreas e searas. É o que se experimenta na leitura de todos os seus livros.

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POR MUITO QUE O DISCÍPULO SE EMPENHE, O PROFESSOR CATALÀ SEMPRE MANTERÁ MUITA VANTAGEM Eloy Serén, cineasta

Mas é do cinema que vêm as maiores referências. No artigo “Enquanto a cidade dorme”, inserido no livro A Cidade e a Imagem, publicado em 2013 pelo referido grupo de estudos da Cásper, Català menciona uma dezena de filmes para abordar o tema da cidade. Um dos capítulos de seu livro inaugural, La violación de la mirada, de 1993, o referido texto foi traduzido pelo pesquisador José Geraldo de Oliveira, um dos participantes do grupo, atualmente trabalhando seu dou-

toramento com o professor. O artigo é longo (cerca de 140 mil caracteres, ante os 11 mil deste ensaio), como costumam ser extensos os livros de Català. Para ficar num exemplo, La imagen compleja, de 2005, é um alentado volume de 750 páginas. Numa brincadeira durante um jantar na noite de sua chegada a São Paulo, comentei que ele devia seguir o exemplo do filósofo sul-coreano Byung-Chui Han. Vivendo atualmente na Alemanha, Han é autor de livros curtos, como A sociedade do cansaço, que tem 64 páginas. Segundo esse parâmetro, La imagen compleja poderia render pelo menos dez volumes! Em Enquanto a cidade dorme, extraído de seu primeiro livro, Català transita por filmes como Trem mistério, de Jim Jarmush (1989) e O vingador do futuro, de James Cameron, estrelado por Arnold Schwarzenegger em 1984, além de Turbilhão na metrópole (King Vidor, 1931). Entre dezenas de outros, são citados Dziga Vertov e seu Um homem com uma câmera (1929); O processo (Orson Welles, 1962) e O planeta dos macacos (Franklin Schaffner, 1968). Ou o clássico trash A noite dos mortos-vivos (George Romero, 1968), filme produzido com minguados 114 mil dólares e que rendeu 30 milhões de verdinhas. Escrito há quase 25 anos, o referido artigo/livro de Català antecipa temas como a realidade aumentada, a interface (tema do livro La imagen interfaz, de 2010), e as experiências de realidade virtual desenvolvidas na época pela NASA, como uma luva eletrônica (dataglove) que o usuário deveria calçar para desfrutar da vivência virtual. A utilização do artefato “supõe um nível a mais de interação com o espaço virtual. A luva, cuja imagem aparece em forma de mão no campo de visão do usuário dos óculos, permite manipular o entorno da realidade virtual”. Ainda nesse artigo, Català antecipa, com boa dose de ironia, modismos que estão hoje vigentes, como a alimentação orgânica ou o ecologicamente correto. Merece a citação: “Se o romance gótico povoou de fantasmas as mansões e castelos, a modernidade os expulsa para fora e torna a casa um santuário. É interessante descobrir que o pobre Samsa de A metamorfose se liberta da sua recém-


Josep Català conversa com os pesquisadores do Núcleo de Estudos de Comunicação, Cultura e Visualidades da Cásper Líbero: Ana Coiro, Carlos Costa e Simonetta Persichetti

-adquirida condição de barata voando através de uma janela aberta. Ou seja, ele não se liberta do novo aspecto, mas da casa onde sua nova condição monstruosa era intolerável. Tendo Samsa se transformado em parte do imaginário, a casa não pode mais acolhê-lo. Portanto não é de estranhar que sua família o ignore: se já existisse a televisão, ninguém haveria reparado em sua mutação até que uma notícia no telejornal informasse da horrível transformação. A casa é o último reduto da antiga realidade, nela sobrevivem os últimos suspiros de um senso comum que antigamente foi patrimônio dos mais apegados à terra, os agricultores. E com o real, refugia-se hoje na casa a natureza, infiltrada por meio dos produtos alimentícios – arroz integral, ovos orgânicos, verdura sem agrotóxicos – e no vestuário de roupas de algodão, lã virgem ou seda natural. É através de mecanismos como estes que o interior se torna exterior e o imaginá-

rio se sedimenta no exterior”. Só faltou antecipar o presunto gourmet ou o tomate “vintage”. Comparecem no citado artigo além da cantora Linda Ronstadt, o musical Um violinista no telhado, autores como Nicolau de Cusa (século XV), ou contemporâneos como Sigmund Freud, Jacques Lacan, sem esquecer de Roland Barthes e seu Sade, Fourrier e Loyola. Ler Català ou assistir a algumas de suas palestras (ao vivo ou pelo Youtube) é experimentar vertigens intelectuais como um passeio de montanha russa. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Autônoma de Barcelona, Josep María Català Domènech se licenciou em História Moderna e Contemporânea pela Universidade de Barcelona, fazendo o mestrado em Teoria do Cinema na California State University em San Francisco. Em sua estadia na América, ministrou cursos na Universidade Autônoma de Guada-

lajara e foi auxiliar de ensino no Departamento de Cinema da San Francisco State University. Realizou programas e documentários para diversos canais de TV, como a TVE espanhola, ou os canais 4 de Televisa Internacional e o Canal 6 de San Francisco. Foi numa de suas primeiras vindas à Cásper, em 2011, ano em que lançou aqui o único livro já publicado no Brasil (A forma do real, introdução aos estudos visuais), que assisti a uma aula de Català. Descobri com ele a surpresa de Aby (Abraham) Warburg (1866-1929) e sua inovadora serialização da história das imagens no Atlas Mnemosyne; as montagens do ilusionista Georges Méliès (1861-1938), que modernizaram a visão contemporânea cinematográfica. Ou ainda o “memex”, uma máquina visionária concebida pelo cientista americano Vannevar Busch em 1945, como ferramenta para auxiliar a memória no armazenamento de dados. Vannevar Dezembro de 2016 | CÁSPER

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EM VEZ DE TENTAR ENQUADRÁ-LAS EM TEORIAS DESGASTADAS, O PROFESSOR NOS CONDUZ A UM TERRITÓRIO INCERTO Marcelo Santos, professor

apontava que a avassaladora onda de novos conhecimentos não encontrava uma solução para os meios de armazenamento e acesso aos dados recebidos. Na master class sobre o documentário expandido, Català utilizou seu clássico pacote visual mostrado em didática apresentação em Power Point. Apenas um pretexto ou ponto de partida para que sua memória seja detonada por teorias, autores renascentistas, pintores, leituras sistemáticas de (quase) tudo o que produziu o gênio humano. Suas palestras seguem o mesmo roteiro criativo de apresentar, como o escriba da sentença bíblica, “que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mateus 13:52). Temas queridos do filósofo são a imagem complexa, o ensaio como modo de exposição sem os parâmetros estéreis do fazer acadêmico, a interface, as representações audiovisuais contemporâneas, sempre transitando por terrenos com a memória, a imaginação, a metáfora, a alegoria e a técnica, propondo uma reflexão sobre a necessária aliança entre o saber e a imagem. A aula termina e segue-se um debate com quatro professores representantes dos programas que se associaram na palestra. Laan Mendes de Barros (pesquisador de comunicação e experiência estética, professor da Unesp de Bauru); Daniel Amadei, (professor doutor da Fapcom); Edson Rossi (do programa de mestrado da Fiam-Faam); e Marcelo Santos (do mestrado da Cásper Líbero). “Català nos apresenta imagens contemporâneas, ambivalentes e, por isso mesmo, provocadoras. Em vez de tentar enquadrá-las em teorias desgastadas, o professor nos conduz a um território incerto e para muitos desconfortável: o de

pensar sem pontos finais, enfrentando as contradições da visualidade pós-moderna no lugar de negá-las ou simplificá-las com as teorias que já não fazem sentido”, comenta Marcelo Santos. Como se disse acima, ler Català é experimentar vertigens intelectuais como uma volta de montanha russa. Já comentei que dificilmente alguém sai ileso de uma leitura de Català. O leitor atento terá realizado um número não imaginado de consultas sobre autores, ferramentas, ideias, filmes, um arsenal de riquezas novas e velhas. Se o amigo leitor quiser aprofundar a experiência, anote os dez livros de Català, a começar pelo mais recente. La gran espiral: capitalismo y paranoia (2016, 593 páginas); Estética del ensayo: la forma ensayo de Montaigne a Godard (2014, 559 páginas); El murmullo de las imágenes: imaginación, documental y silencio (2012; 300); La imagen interfaz: representación audiovisual y conocimiento en la era de la complejidad (2010; 391); Pasión y conocimiento: el nuevo realismo melodramático (2009: 264); La forma del real (2008: 331; publicado no Brasil como A forma do real, introdução aos estudos visuais, 2011: 271); La imagen compleja: la fenomenología de las imágenes en la era de la cultura visual (2005: 750); La puesta en imágenes: concepto de dirección cinematográfica (2001: 382); Elogio de la paranoia (Prêmio Cidade de Irun, 1996: 370); La violación de la mirada: la imagen entre el ojo y el espejo (1993: 355). Há ainda muitos outros textos, artigos, aulas, entrevistas que podem ser baixadas da internet. Como dizia um antigo anúncio de uma loja de departamento americana: é satisfação garantida ou seu dinheiro de volta.

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INTERNET

A hora e a vez

do podcast

Programas difundidos pela internet ganham popularidade e conquistam um público que quer liberdade para interagir com seus conteúdos Por Beatriz Fialho

E

les começam com uma vinheta ou um cumprimento. Às vezes há apenas um narrador, mas em outras o assunto é debatido por um grupo. As conversas tratam dos mais variados temas — de saúde à educação, do cinema ao humor. Fala-se de tudo um pouco e com a naturalidade de uma conversa de boteco. E, assim, o diálogo fluído dos podcasts vai ao ar. Ou melhor, “sobem” para a rede, em bibliotecas virtuais de áudio (como o iTunes), em portais ou nos sites e blogs dos próprios autores. O termo surgiu em 2004, a partir da aglutinação das palavras iPod e broadcast (emissão ou transmissão de informação através de rádio ou TV), e, por muitos anos, eram a promessa que nunca se cumpria. Os podcasts sobreviviam em nichos, de gamers a cinéfilos. Mas essa realidade mudou. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos e publicada em 2016 mostra que os podcasts se tornaram populares. O estudo Infinite Dial revelou que dez anos atrás apenas 22% dos entrevistados conheciam o termo podcasting. Em 2016, esse contingente saltou para 55%.

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Isso representou um natural aumento do número de ouvintes, que passou de 11% para 36% no mesmo período. A pesquisa da empresa Edison Research foi realizada por meio de ligações aleatórias para dois mil americanos. “Este é o ano da explosão do podcast, e veio para valer”, comenta Nair Prata, ex-coordenadora do grupo de pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom e professora da Universidade Federal de Ouro Preto. Parte do sucesso dos podcasts se deve ao seu formato, muito mais democrático que seu ancestral de ondas eletromagnéticas. Enquanto a radiotransmissão é monopolizada pelas concessões, os podcasts permitem que qualquer entusiasta possa difundir suas ideias. Ele só precisa uma boa pauta, investimento material (entre computadores, microfones e softwares de edição, pode-se gastar centenas de reais para o pontapé inicial e chegar aos cinco dígitos caso os equipamentos sejam profissionais) e um espaço na web para hospedar a peça sonora. E, ao contrário de um programa de rádio, engessado por uma grade de programação, os podcasts não têm um limite de duração e podem ser ouvidos

Em 2015 o site Mundo Podcast fez uma pesquisa com o público para saber os melhores podcasts brasileiros. O primeiro lugar foi para o já conhecido Mamilos que, ao contrário do que o nome sugere, não trata de assuntos femininos mas de política, meio-ambiente, e outros assuntos polêmicos. Com o tema “Jornalismo de peito aberto”, Juliana Wallauer e Cris Bartis comandam o programa que vai ao ar todas as sextas-feiras. As duas entraram na lista de mulheres mais inspiradoras do site Think Olga. O segundo podcast no ranking foi o Café Brasil, encontrado no portal de mesmo nome. Os assuntos variam entre política, novidades, entrevistas e polêmicas. Fundado por Luciano Pires, o intuito era lançar “iscas intelectuais”, como ele mesmo menciona nos programas.


a qualquer momento. Mais que isso, eles podem ser baixados para serem reproduzidos diversas vezes. A relação com o tempo muda. Essas características são resultado da demanda dos novos ouvintes, ou como aponta Prata, os ouvintes-internautas, que “não apenas escutam, mas interagem e produzem conteúdo”. Os atuais consumidores de informação preferem formatos mais dialógicos e menos unidirecionais. O analista digital Ken Doctor publicou no site Nieman Lab uma série de cinco artigos tratando da popularização desse fenômeno promissor. No primeiro deles, Não mais uma ilha: por dentro dos negócios da explosão dos podcasts menciona alguns fatores que deram fôlego à produção de programas, sendo um dos principais a publicidade. Ele menciona que as propagandas no setor aumentaram 48% no último ano e tende a crescer mais 20% ao ano até 2020. Para ele, o novo formato entrou definitivamente para a lista de mídias rentáveis por ter cada vez mais audiência.

Cinthia Murta, pesquisadora do Grupo de Estudo sobre Mídias Interativas em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos, comenta em seu estudo Podcast: conversação em rede, apresentado no Intercom 2016, que o material produzido pelos podcasts é fonográfico, mas se difere do radiofônico por não ser transmitido em tempo real, sincrônico e é muito pouco dependente da radiotransmissão. Mas a estratégia de herdar características dos programas de rádio fez com que os podcasts ganhassem público. Para o professor e coordenador do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura do ouvir da Faculdade Cásper Líbero Eugênio Menezes, a valorização da linguagem radiofônica reforça a tradição de ouvir a informação como se fosse uma conversa e é a característica que une os dois formatos: “[o podcast] é uma mídia sonora, mas não é rádio no sentido técnico, e sim no sentido de compartilhar da mesma linguagem”. Murta acrescenta: “O formato do podcast permite uma proximidade, característica da mídia sonora, que não é vista em outras ferramentas de interação.”

Distribuição de audiência por tipo de player:

Novos hábitos

É por essa razão que um outro estudo, a PodPesquisa, realizado em 2014 no Brasil por uma equipe de produtores de podcasts descobriu que os temas preferidos dos ouvintes são humor, entretenimento, séries e cinema e games. Ou seja, não faltam assuntos para uma longa conversa ao pé do rádio. Temas ásperos ficam de fora. Segundo a mesma pesquisa, entretenimento, qualidade do áudio e utilidade do conteúdo são decisivos para o ouvinte acompanhar um desses produtores de conteúdo. Outra tendência é ouvir o programa em casa, com a atenção dividida entre o áudio e outras tarefas. Falta ao Brasil, como no resto do mundo, levantamentos mais precisos sobre o volume de produções desse universo, o que torna a chamada podosfera imensurável. Imensurável, mas previsível: as pesquisas pelo termo “podcast” no Google aumentaram após anos estáveis. É mais um indício do que pesquisadores, podcasters e ouvintes acreditam ser a era de ouro desta nova mídia sonora.

43% computador 42% celular 12%

iPod e semelhantes

2% som automotivo

A média de idade dos

Lugar onde normalmente escutam o programa:

é de Fonte: Podpesquisa 2014

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EDUCAÇÃO

Conhecimento

e v li r

Wikipédia se consolida como ferramenta para processos educativos Por Giulia Gamba

A

cada sete segundos, uma nova palavra foi incluída na Wikipédia por um aluno do programa Wiki Education Foundation em alguma parte dos Estados Unidos ou do Canadá. Pode ser um novo verbete sobre o assunto pop do momento. Ou apenas a correção de uma data errada publicada em um texto sobre a Revolução Francesa. Nos últimos sete anos, 5 mil estudantes passaram da categoria de meros consumidores e copiadores de informações para a de produtores de conteúdo da maior enciclopédia online aberta do mundo. Traduzindo em números: juntos, eles foram responsáveis pela adição de mais de 25 milhões de palavras em verbetes. Para ter uma ideia mais clara do que esses números representam, é como se o texto desta reportagem fosse replicado mais de 16 mil vezes. Alunos que deixam de ser apenas alunos para se tornar editores têm ares revolucionários. Eles estão produzindo conteúdo, pesquisando e desenvolvendo 20

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habilidades relacionadas às novas tecnologias, ao mesmo tempo em que contribuem para que um conhecimento colaborativo sirva de consulta para milhares de pessoas no mundo. Se qualquer um pode editar a Wikipédia, a experiência quando bem feita pode agregar não apenas informação de qualidade para a plataforma, mas ajudar na formação individual do estudante-editor. O programa da Wiki Education Foundation foi fundado nos Estados Unidos em 2010 com 200 alunos e, desde então, faz a diferença na produção de conteúdo para a enciclopédia digital. A organização sem fins lucrativos busca impulsionar professores a trazerem a possibilidade “wiki” para o ambiente escolar. Essa primeira etapa é fundamental, porque ao envolver o docente, incentivando-o a se tornar editor da Wikipédia, maiores as chances de seus alunos se transformarem em colaboradores do site. “A Wikipédia é um dos sites mais visitados do mundo, e é o primeiro lugar que a maioria das pessoas procura informação. É crucial que ela seja encontrada lá apurada e com alta qualidade”, afirma a diretora de programas da fundação,

LiAnna Davis. Segundo ela, a enciclopédia lusófona é uma ferramenta poderosa para desenvolver capacidades que podem ser úteis em diversos aspectos do pensamento intelectual. “Quando os estudantes escrevem para a Wikipédia, eles estão ganhando importantes habilidades do século XXI como pesquisa, escrita, pensamento crítico, experiência com as mídias e práticas de comunicação.” No Brasil, iniciativas acadêmicas voltadas para tecnologias como a Wiki-


pédia ainda são desvalorizadas. Parte se deve a formas arraigadas dos métodos de ensino, em que o professor não aceita ser contestado em sala de aula. E parte porque essa enciclopédia faz sentido de existir no ambiente colaborativo da internet, mas as pessoas ainda desconfiam dos conteúdos digitais. Para mudar esse panorama, é preciso alterar mentalidades. No tradicional método de avaliação aplicado em diversas instituições de ensino, há variações entre modelos de

trabalhos mais práticos e provas. Os resultados, então, são compartilhados apenas entre duas pessoas: docente e aluno. Um trabalho elaborado na e para a Wikipédia permite ao estudante não apenas expor sua produção para o professor, mas também para milhares de pessoas. Foi o que fez o professor de Ciência Política da Faculdade Cásper Líbero João Alexandre Peschanski. Seus alunos participam de atividades, como a edição de verbetes na enciclopédia lusófona. “Visualizei a pos-

sibilidade de um aluno deixar de escrever simplesmente para o professor para ter um impacto no mundo. O aprendizado também se torna um ensino, e é um ensino colaborativo”, diz. A Wikipédia, óbvio, ainda está longe de ser perfeita. Muitos verbetes possuem baixa qualidade ou estão incompletos, além de nem sempre terem fontes confiáveis. Esse é um dos pontos debatidos acerca da validade da plataforma, principalmente em ambientes Dezembro de 2016 | CÁSPER

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GIULIA GAMBA

Marília Carreira em gravação do projeto Matemática Falada: audiodescrição de verbetes de probabilidade e estatística na Wikipédia

de ensino. Para alguns professores, a enciclopédia lusófona não é confiável e, na maioria das vezes, ela é simplesmente abolida do uso escolar. O problema, para Peschanski, é mais complexo. “A princípio, deveríamos estar ensinando, praticando o questionamento sobre tudo. Temos que questionar não só a Wikipédia, mas tudo aquilo que nos rodeia. Ela é tão boa quanto as referências que estão lá colocadas”, argumenta. Iniciativas como Ano da Ciência, evento promovido em 2016 pela Wiki Education Foundation e colocado em prática no Brasil pelo Centro de Pesquisa Inovação e Difusão em Neuromatemática (Neuromat), sediado na Universidade de São Paulo, são maneiras de encorajar cientistas e pesquisadores a aperfeiçoarem conteúdos da Wikipédia. Quanto mais especialistas participarem ativamente da edição de verbetes, maior a qualidade das informações disponibilizadas e a confiabilidade do que é encontrado por lá. O Brasil carece de engajamento na área da ciência – estima-se que 90% da população seja considerada analfabeta científica – e projetos dessa natureza podem expandir esse tipo de conheci22

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mento e estimular a própria pesquisa. Um dos efeitos colaterais possíveis desse tipo de edição é o risco de os verbetes serem inundados por uma linguagem complexa e científica, utilizada pelos pesquisadores. Esse problema corre em direção contrária à proposta da enciclopédia online de ser um local de todos e para todos. É com essa preocupação que entram os editores

voluntários, responsáveis por traduzir o conteúdo para a plataforma e tornar os dados mais acessíveis.

Do mundo para a internet

“A enciclopédia livre”, como é definida a Wikipédia, surgiu em 15 de janeiro de 2001 e atualmente está disponível em mais de 284 idiomas diferentes. O termo “wiki” é traduzido do idioma havaiano

TEMOS QUE QUESTIONAR NÃO SÓ A WIKIPÉDIA, MAS TUDO AQUILO QUE NOS RODEIA. ELA É TÃO BOA QUANTO AS REFERÊNCIAS QUE ESTÃO LÁ

João Alexandre Peschanski, professor


para “extremamente rápido” e foi usado como nomenclatura para softwares colaborativos em 1993, a partir do trabalho de Howard G. “Ward” Cunningham, que desenvolveu o primeiro wiki. Apesar de muito conhecida, ela ainda é pouco explorada em diversos países como o Brasil – são cerca 939.000 artigos em português antes os 5.260.000 verbetes da versão americana. Um dos grandes paradigmas acerca da plataforma é justamente a possibilidade dos verbetes, chamados de artigos, serem escritos, apagados e remodelados por qualquer editor –- usuário da rede –de forma anônima ou não. Assim, o resultado depende dessa ação voluntária, que pode tanto colaborar para a enciclopédia com bons conteúdos e referências como também inserir conceitos duvidosos e algumas vezes até ofensivos. Segundo Marília Carrera, formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e pesquisadora na Fapesp, o mecanismo de “auto-gestão” é eficiente em trabalhar para banir e corrigir edições indevidas. “Vandalizações não duram nem um dia e são revertidas rapidamente. Isso até incentiva a melhoria e visibilidade dos conteúdos. A comunidade da Wikipédia é mais engajada do que imaginamos”, diz.

VINICIUS SIQUEIRA

Professor João Alexandre Peschanski falando sobre a relação entre a Wikipédia e a pedagogia na Campus Party de 2015

Das salas de aula para a internet

Desprezar a força da Wikipédia é deixar de se comunicar com milhões de pessoas. O verbete mais lido em 2012, um artigo sobre o Facebook, teve 31.672.942 visualizações na versão em inglês da enciclopédia. A questão é como fazer com que a plataforma colaborativa seja alicerçada em informações válidas e críveis. Por incrível que pareça, isso já está acontecendo. Para João Peschanski, aprender a trabalhar em comunidade se tornou um dos ensinamentos da plataforma. “A Wikipédia talvez seja o que de melhor houve na internet. Em diversos ambientes, como o Facebook, as pessoas só leem aquilo com que concordam, estão manifestando suas opiniões de maneiras extremistas em uma bolha. E a ela te obriga a interagir. Se você quer ganhar na Wikipédia, você precisa entrar em um consenso.” É sobre isso que a recente pesquisa realizada por Shane Greenstein ,Yuan Gu

e Feng Zhu na National Bureau of Economic Research fala: ao analisar a edição de artigos da Wikipédia sobre partidos políticos dos Estados Unidos, os pesquisadores descobriram que os editores que já possuem opiniões consolidadas sobre o tema estão 15% mais propícios a editarem verbetes com pontos de vista opostos aos seus. Isso significa que o diálogo entre pessoas com pensamentos divergentes é incentivado, a segregação ideológica é reduzida por meio do contato com outras opiniões e a busca pela neutralidade torna-se o foco principal para a construção de melhores verbetes. “A Wikipédia pode traçar novos paradigmas em sala de aula”, arrisca Marília. Seu contato com a enciclopédia lusófona em projetos educacionais começou em 2014. Em um trabalho proposto por Peschanski, os alunos tinham

a tarefa de redigir verbetes sobre pessoas desaparecidas na época do regime militar. A possibilidade de contribuir academicamente com a plataforma e melhorar seu conteúdo atraiu a jornalista, que posteriormente desenvolveu o projeto Matemática falada: audiodescrição de verbetes de probabilidade e estatística na Wikipédia. A ideia é tornar o conteúdo matemático, por meio de áudios descritivos, mais acessível para pessoas com deficiências visuais, ou até mesmo para quem quiser escutar as fórmulas e questões em vez de lê-las diretamente dos verbetes. Essa ação mostra a capacidade de impacto social e inclusivo que a plataforma permite. “É uma forma de empoderamento, dos alunos saberem que eles podem olhar, editar, usar o site para estudar e contribuir com a ciência aberta”, explica Marília. Dezembro de 2016 | CÁSPER

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Discussão Contribuições Criar uma conta Entrar Artigo

Discussão

A educação na Wikipédia Em todo o mundo, escolas e universidades desenvolvem projetos educacionais que usam a plataforma da Wikipédia como suporte para a publicação de conteúdos. Um dos maiores projetos mundiais em atividade é o Ano da Ciência, em que instituições americanas incentivam que cursos sejam criados para que alunos e professores produzam conteúdos científicos, melhorando a qualidade da informação na enciclopédia. Até agora, 6.018 alunos de 283 cursos contribuíram com a inclusão de 3 milhões de palavras na Wikipédia. Eles editaram 4 mil artigos, criando 346 novos, e todo esse trabalho teve mais de 116 milhões de visualizações só em 2016.

Informação precisa Artigos médicos viraram uma preocupação crescente para os organizadores da Wikipédia. Todo mês, a enciclopédia recebe mais de 200 milhões de acessos de pessoas interessadas em artigos que falam de doenças. Manter uma informação errada ou mal editada pode ser fatal. Trabalhos acadêmicos como o do médico e professor Amin Azzam, da Universidade da Califórnia, em São Francisco, são fundamentais para melhorar a qualidade da Wikipédia. Desde 2013, alunos do 4º ano de medicina editam e revisam artigos que vão de hepatite à torsão ovariana. Esse trabalho já foi visto mais de 20 milhões de vezes.

Estatísticas (desde setembro de 2016) Instituição

Curso Basic ideas of sociology

Florida University

3,8 milhões

Civic tech and the social media

University of California

3,7 milhões

Understanding media

American University

3,6 milhões

New media, culture and society

University of Illinois

3,5 milhões

Fonte: Wiki Education Foundation

O Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (Neuromat), sediado na Universidade de São Paulo, é a única instituição brasileira que decidiu fazer seu próprio Ano da Ciência no Brasil. Os cientistas do Neuromat estão reeditando e criando novos verbetes, em português, sobre a teoria do cérebro.

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Visualizações


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Maio de 2014 | CÁSPER

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P U B L I C I DA D E

Anúncio

disfarçado Tendência do marketing de conteúdo, a publicidade nativa é a aposta das agências por ser mais aceita pelo público

O

Por Beatriz Fialho

s banners comerciais incomodam. Os pop-ups são odiados. Nessas horas, o botão de “pular anúncio” vira salvador da pátria. Tudo o que a pessoa mais quer é apenas ler uma boa história. Às vezes, ela até vê uma foto bacana ou um título curioso e clica no link. Mas há algo de diferente naquele texto e só então percebe algo como “conteúdo patrocinado” ou “infomercial”. Aquela reportagem com cara e jeito de reportagem é, na verdade, propaganda disfarçada. Se o merchandising vem perdendo forças, a publicidade procura novas maneiras de capturar a atenção do consumidor. O marketing de conteúdo, focado em engajamento e percepção positiva da marca, é uma das cartas na manga dos publicitários. A publicidade nativa, que mescla propaganda, informação e um bom design, já conquistou seu lugar ao Sol. Para o professor de Marketing do curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero Marcelo Rosa, a publicidade nativa é uma solução criativa. O intuito de não atrapalhar a experiência do consumidor durante a leitura de um texto na internet o torna mais receptivo, explica ele. A empresa Hubspot, pioneira no mercado de marketing digital, fez uma pesquisa com 863 consumidores em 2015 e constatou que os anúncios mais efetivos foram as newsletter via e-mail e os posts e links patrocinados em redes sociais, todos fortemente atrelados à informação. Outra pesquisa, Is native advertising the new black?, do Content Marketing Institute (CMI) em parceria com a agência Advance Ohio, estima que o investimento nesse

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tipo de publicidade triplicou de 2013 para 2015. Nos Estados Unidos Em 2018, esse segmento deve faturar 21 bilhões de dólares, o dobro do que ocorre hoje. Os números apontam para o que a pesquisa chama de “um grande renascimento”, já que a estratégia de mesclar anúncio e conteúdo não é uma novidade. Rosa explica que essa tentativa de maquiar publicidade parte do mesmo princípio dos publieditoriais, inicialmente publicados em revistas e hoje adaptados aos blogs e portais online. As empresas de jornalismo vêem na publicidade nativa uma possível saída para financiar a atividade. Em setembro, a ChangeAdvertising.org divulgou estudo que mostra que 41 de 50 principais sites de notícias estão usando os chamados

“content ads”. Nessa lista, estão CNN, Los Angeles Times, VOX, Vice, NBC, New York Times, BBC, BuzzFeed, The Guardian, entre outros. Mas esse levantamento acendeu o sinal de alerta para os publicitários americanos. Um quarto dessas propagandas é conhecido como “caça-cliques”, em que a publicidade nativa não só é de baixa qualidade como muitas vezes está hospedada em domínios de anônimos. Os sites das revistas Slate e New Yorker decidiram suspender esse tipo de propaganda, depois de receberem contestações dos leitores. Mas como a publicidade nativa é recebida e apresentada ao público no Brasil? Augusto Pinto, sócio-fundador da agência de publicidade RMA, uma das empresas do setor mais digitais do

país e reconhecida pelo prêmio Empresa Mais Digital, comenta: “Se está lendo um conteúdo online de seu interesse, e no meio encontra um informe publicitário totalmente alinhado com o que busca (daí o termo nativa), você não se sente invadido, mas sim complementado”. Quanto ao formato, a empresa Hubspot sugere uma divisão em cinco modelos: publieditorial, listagem patrocinada, conteúdo recomendado, conteúdo instantâneo e propaganda de pesquisa. Os já conhecidos publieditoriais são textos semelhantes a um artigo jornalístico, mas produzidos para atrair atenção para uma marca. Normalmente são indicados com a mensagem “conteúdo patrocinado” no topo do artigo. É o caso do texto sobre a população carcerária fe-

Publicidade Marketing de tradicional conteúdo Interrompe os clientes de diferentes maneiras procurando captar sua atenção por um breve período de tempo

Veiculado em meios tradicionais, como TV, rádio e mídia impressa Incapaz de prender a atenção por um longo período de tempo Interrompe, em vez de oferecer algo de valor Tende a ser caro, principalmente se a campanha não for bem sucedida Não fortalece a relação com o consumidor Apesar de tradicional, está caindo em desuso

Fornece informações valiosas sobre um produto para chamar a atenção do consumidor por meio da informação

Atrelado principalmente a mídias digitais Conquista o interesse do leitor por um maior período de tempo Gera valor para os clientes, criando fidelidade à marca Requer menos investimento, mas tem retorno demorado Fortalece a relação com o consumidor É uma tendência da publicidade

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minina, publicado pelo New York Times, mas pago pelo Netflix como divulgação da segunda temporada do seriado Orange is The New Black. Em 2016 o Prêmio Internacional de Marketing Digital (DMA), apontou outro sucesso de publieditorial, também publicado no NY Times. A produção patrocinada pela CA Technologies traz o título APIs: The Building Blocks of the App Economy e apresenta o processo de construção de um aplicativo e como torná-lo rentável. De fato, o texto principal é apenas uma pequena parte da página. Ao redor dele existem outras informações, relacionados de alguma maneira com o tema central daquela postagem. Os formatos de listagem patrocinada e conteúdo recomendado seguem essa lógica. O primeiro normalmente aparece nas laterais da página com sugestões de produtos pelos quais o leitor pode se interessar - abra um texto sobre fotografia e provavelmente encontrará anúncios de câmeras fotográficas. O segundo é encontrado no rodapé do texto lido, como outras sugestões de leitura que, muitas vezes, pagam para estar ali. No Facebook ou no Twitter, o marketing de conteúdo também se faz presente. Basta um scroll na timeline das duas redes sociais para que o conteúdo instantâneo apareça: o anúncio com foto e texto, muito semelhante a outra publicação qualquer, surge e interrompe o fluxo de postagens reais. Uma busca no Google revela outro formato, a “propaganda de pesquisa”. Ao buscar um termo, os primeiros resultados são propaganda, mas se assemelham visualmente aos outros e, por isso, não são recusados e geram cliques facilmente. Ao mesmo tempo em que a experiência do usuário não é afetada grosseiramente pelo anúncio – pesquisas indicam que

os jovens não se importam com os “content ads”, o engajamento gerado é mais lento. Ainda que a relação entre investimento e retorno seja favorável, é necessário algum tempo para que a marca anunciada veja uma mudança substancial em seus acessos. Isso porque tudo depende da qualidade do conteúdo oferecido ao leitor. Marcelo Rosa afirma que o segredo é sempre apostar na criatividade e na inovação: “As pessoas estão cansadas da mesmice. Elas precisam sempre de novidades.” Também é importante pensar na relevância da informação oferecida. Jogar uma isca para o leitor com um título atraente e proporcionar um conteúdo que não corresponde a essa expectativa pode ser um tiro no pé. A inserção da marca deve ser uma exceção, um detalhe, e não o assunto principal. “Isso diminuiria o interesse do consumidor e quebra com sua confiança”, explica Augusto Pinto. Diversas mídias tentam incorporar naturalidade a seus anúncios: algumas emissoras de TV estão apostando em colocar animações no canto da tela - no lugar onde normalmente fica o logotipo, para interagir com a cena em ação. As rádios também não ficaram para trás e, em vez dos desagradáveis anúncios narrados, a associação de uma marca com um programa tem se mostrado mais efetiva. A questão ética é o calcanhar de Aquiles do anúncio nativo. Até que ponto mesclar publicidade à informação é sincero com o consumidor? Para o sócio-fundador da RMA, a principal recomendação é que o conteúdo publicitário seja claramente indicado. “Tem que haver a maior transparência na inserção”, aconselha. O importante é que, acima de tudo, o leitor compreenda que ele está consumindo propaganda, direta ou indiretamente.

A efetividade da propaganda camuflada Resposta das agências que utilizam os native ads

44% Efetiva de

53% Muito

alguma maneira

efetiva

2% Nem um

pouco efetiva

As principais vantagens da publicidade nativa Pode ser usada para construir audiências Pode ser usada para conduzir uma ação publicitária

Fonte: Content Marketing Institute

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Votada pelas agências que utilizam o formato

Oferece conteúdo de valor ao leitor


Tipos de publicidade nativa Publieditoriais Patrocinado por

Textos e artigos com conteúdos aparentemente jornalísticos, mas patrocinados por marcas

Listagem patrocinada

Ao redor do texto principal, é comum encontrar anúncios muitas vezes relacionados com o assunto da postagem

$ $ $ $ $

Conteúdo instantâneo

Anúncios que se confundem com o conteúdo do feed de notícias de uma rede social, como Facebook, Twitter e LinkedIn

Anúncio de pesquisa

O resultado da busca no Google traz alguns links em destaque no topo da página. Não se deixe enganar, eles pagam para estar ali

Conteúdo recomendado Após a leitura de um texto, é comum encontrar no rodapé outras sugestões de matérias “caça-cliques” Dezembro de 2016 | CÁSPER

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C A PA

Marcos Faerman, o contra-manuais Por Carolina Moraes

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CĂ SPER | Dezembro de 2016


© ACERVO PESSOAL

Seu espírito criativo e revolucionário deu forma a publicações que contribuíram decisivamente para a história da imprensa brasileira. Marcos Faerman, um menino de Rio Pardo (RS), começou sua carreira como jornalista aos 17 anos no antigo Última Hora, mas suas reportagens ganharam força quando, já em São Paulo, passa a escrever para o Jornal da Tarde. Por mais de trinta anos, foi a figura inventiva por trás de importantes publicações, como o Versus e o Ex-, além de comandar entre 1996 e 1999 o jornal-laboratório Esquinas de S.P., enquanto lecionava na Faculdade Cásper Líbero. Durante seus 56 anos de vida desenvolveu um jornalismo que se depara com a complexidade do outro e que trabalha uma linguagem capaz de captá-la. Na página a seguir, um perfil conta essa história em capítulos. Dezembro de 2016 | CÁSPER

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I

O Versus era impresso numa gráfica da Baixada do Glicério. Gráfica cujos donos japoneses mal falavam português. E Omar e Marcos não falavam japonês: era uma confusão tremenda. Omar, um dos editores desse jornal, estava de plantão para tirar uma das edições. “Um lugar barra pesada, baixo mundo de São Paulo”, conta. Em uma tarde de outubro de 1976 estavam por lá, caminhando debaixo de um daqueles cortiços e de repente caiu uma pessoa. Se jogou uma pessoa. Explodiu no chão. “O Marcão imediatamente interrompeu a nossa conversa. Subiu, escalou aquele prédio e escreveu um texto, uma reportagem sobre esse episódio que é algo de certa forma banal. Uma pessoa cair e morrer em São Paulo é algo banal!” “O corpo caiu como um saco de lixo” iniciaria a reportagem antológica de Faerman. Por entre os corredores daquele prédio surrado levantou a vida de Berenice, a moradora do apartamento 603, sexto andar. Fazer uma reportagem era o método de descoberta do mundo de um repórter obcecado por histórias e em como contá-las.

II

A vida cheia de entusiasmos de Marcos começou no dia 5 de abril de 1943 em Rio Pardo (RS) e terminou num sábado de carnaval de 1999 em São Paulo. Seus pais, Henrique Faerman e Helena Sandler, eram judeus de origem russa. Rio Pardo era o ambiente do menino que jogava bola e torcia para o Grêmio, ouvia a rádio de Buenos Aires e comprava maçãs argentinas nos trens que passavam pela estação rumo à cidade Santa Maria. O local que relembra em Os Meninos de Rio Pardo, texto publicado na revista Paralelo, é onde aproveitava a noite para rezar pedindo perdão a Deus por ser judeu. Desse mesmo lugar nasce seu encantamento pela leitura: na biblioteca de seu pai, os livros eram misteriosos. A família se sustentava com uma loja de aviamento que funcionava na parte debaixo da casa. Na parte de cima, viviam entre pais e quatro filhos. Em 1955, os dois andares se perderam num incêndio, e os seis percorreram os 140 quilômetros que ligavam a cidade natal a Porto Alegre. 32

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Na nova cidade, teve contato com ideias socialistas com seu tio Carlos Scliar e mergulhou na política estudantil, principalmente no colégio Julio de Castilhos, o Julinho, onde fez os estudos secundários. Em 1961, um manifesto desses jovens foi entregue ao jornal Última Hora. O Marcão que levou. Flavio Tavares, o então editor do jornal que se tornaria o conhecido Zero Hora, achou o texto especialmente bom para um estudante. Marcos Faerman passou a ocupar uma máquina de escrever no fundo da redação. “Não tinha nem 18 anos, tchê!”

III

O guri de cabelos enrolados e olhos azuis se tornou uma figura extremamente inventiva, um participante ativo dos movimentos estudantis – tanto no colégio, quanto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde começou a cursar direito (e nunca concluiu) - e membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB). “E era o ano de 1961, o ano da Legalidade – e os guris de Porto Alegre, na resistência àquele golpe de Estado, sonhavam que estavam em Madri, na Guerra da Espanha. O próprio Flávio era romântico, era socialista e escrevia como se desse rajadas de uma metralhadora poética, mas revolucionária. Foi ele que me recomendou muitas leituras, que iam de Hemingway a Machado de Assis. Outros colegas veteranos da imprensa, como Edson Capp, também conversavam muito com os focas – e as redações eram verdadeiras universidades e os velhos repórteres eram nossos professores” (Trecho de A longa aventura da reportagem, texto integrante da coletânea Repórteres, de 1998, organizado por Audálio Dantas).

IV

O golpe militar no Brasil coincide com o ano em que o Última Hora foi fechado e substituído pelo Zero Hora. Em 1967, Faerman participou da direção da Dissidência Leninista do Partido Comunista Brasileiro no Rio Grande do Sul, e um ano depois, da fundação do Partido Operário Comunista (POC). Em quatro anos, com a necessidade de um gaúcho na direção nacional do par-

tido, ele foi destacado para a posição em São Paulo e seus colegas mencionaram a possibilidade de se integrar à equipe do Jornal da Tarde, o JT. Um ano antes, ele conheceu Marilza Taffarel nas reuniões de partido, com quem iria para São Paulo e teria sua primeira filha: Laura Faerman. Deixou o Zero Hora, sua redação-universidade onde fora repórter, secretário de redação e criador do Caderno de Cultura.

V

Agora na Rua Major Quedinho, no centro da cidade de São Paulo, Faerman adentrou num turbilhão de novas possibilidades narrativas. O Jornal da Tarde vivia no centro do jornalismo literário. Pelos corredores da redação transitavam os textos de Gay Talese, Truman Capote, James Agee, John Reed: era a chegada do new journalism no Brasil. Faerman assumiu o cargo de redator de área de internacional e fez matérias grandiosas. Investigou o desaparecimento de uma mãe em Itaquera e descobriu que havia sido assassinada por vizinhos que trabalhavam para a segurança na ditadura militar brasileira. Em O caso Bensadon (Relato da destruição de uma família) narra de maneira pulsante essa história. Seu espírito criativo rendeu dois prêmios Esso. Um em 1974 por Nasceu o primeiro brasileiro pelo método Leboyer. Escreveu sobre um parto humanizado: “E falando em amor, o doutor lembra de tantas e tantas mães contando no correr dos anos que o parto tinha sido ma-ra-vi-lho-so. Tão maravilhoso que elas não lembrava nada, doutor, nada mesmo, não lembravam nada, não tinham sofrido nada — nada mesmo. Aí está! Porque não transformar o nada em um tudo ou em um muito?” No ano seguinte, o outro por Os habitantes da arquibancada, em que o jornalista resolveu virar os olhos para os torcedores durante uma partida em um estádio de futebol.

VI

Um testemunho do Brasil por alguém que acreditava na palavra foi introduzido da seguinte forma: “Aos personagens: é de vocês este livro. O repórter e vocês são cúmplices da mesma aventura.” O livro é Com as mãos sujas de sangue, publicado em 1979, e reúne matérias não


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CHAPÉU

AS REDAÇÕES ERAM VERDADEIRAS UNIVERSIDADES E OS VELHOS REPÓRTERES ERAM NOSSOS PROFESSORES Marcos Faerman

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só do jornal matutino do Estadão, mas de muitas publicadas no Versus, um dos trabalhos jornalísticos de vanguarda que Faerman se envolveu. Começou em 1970 como correspondente de O Pasquim. O jornal Ex-, inspirado nas publicações underground e em jornais populares brasileiros, veio três anos depois. Combativo: 1ª edição: capa com uma foto-montagem de Hitler tomando sol como um nudista. 16ª (e última) edição: publicação de um dossiê sobre o assassinato de Vladimir Herzog nos porões da Oban em outubro de 1975. A segunda tiragem dessa edição (30 mil exemplares!) foi apreendida pela polícia e o jornal, censurado. Assim, Faerman deixou a publicação e criou o Versus. No Rio Grande do Sul, as fronteiras com o Uruguai e com a Argentina criam pontes: a afinidade com a língua hispânica é mais fácil de acontecer; reforçam-se laços culturais, de negócios, 34

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de amizade. Numa equipe de editor gaúcho e integrantes do estado que não paravam de chegar (e Caco Barcellos se integra a isso), enfrentar a integração do Brasil com a América Latina foi, de alguma forma, natural. O temário da América Latina foi adotado por este jornal-parábola. Cerceados pela ditadura, utilizavam a literatura, a poesia, a força da fotografia e das ilustrações para contornar a ditadura no Brasil: falar do Peru, da Bolívia, da Argentina era também falar do nosso país. Sua saída do Versus deu lugar a Singular & Plural em 1978, revista em que pensou o cotidiano, a sexualidade e a política. ”Uma revista que não quer impor o seu discurso. Mas que não se confunde com a imprensa que cultiva neutralidades, mas planta submissões. Para nós, a democracia é meio e é fim”, escreve no primeiro editorial. Na mesma época, estava casado com Maria Inês Machado com quem teve seu segundo filho: Júlio Faerman.

Depois das cinco e únicas edições com a participação de jornalistas como Audálio Dantas, Cláudio Abramo e Eduardo Galeano, o poeta Claudio Willer e a hoje caturnista Laerte, Faerman lançou e foi repórter de várias publicações: Shalom, Crisis, Status. Publicações que nas mãos de uma mente inventiva passavam a ter soluções editoriais originais.

VII

Desde 1970, o resultado de suas produções geravam euforia e desânimo: fazia parte do dia-a-dia de quem se envolvia com publicações subversivas durante a ditadura e, principalmente, de um jornalista que constantemente autocriticava suas produções. Sua saída do JT em 1992 deu lugar a dois trabalhos profundamente ligados à cidade em que vivia desde o início dos anos 1960. O primeiro deles foi em 1993, quando o então secretário municipal de Cultura, Rodolfo Konder, o levou a dirigir o Departamento do Patrimônio


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laboratório de textos, fotos e formas. As pessoas têm exatamente o tamanho de teu sonho. Sabias?”, terminava o editorial da edição número 11 de novembro de 1996. Faerman passava horas participando do fechamento com os alunos e fazia reuniões de pauta em que transitava de uma ideia a outra com uma facilidade difícil de acompanhar.

VIII

Em 1968, o jornalista passou a integrar a redação do Jornal da Tarde , onde produziu duas matérias vencedoras do Prêmio Esso

Histórico de São Paulo, onde criou a revista Cidade, que discutia a memória e a história de São Paulo. Nela mostrava seu esforço em descobrir e compartilhar o passado sem colocá-lo em um lugar estanque. Lá encontrou Nina, com quem terminaria a vida junto. Em 1996, passou a andar pelos corredores da Faculdade Cásper Líbero. O professor de 1,90 de altura, já com cabelos e barba grisalhos, lecionava Jornalismo Interpretativo e estava sempre com uma pilha de papéis e uma bolsa pesada, cheia de livros. Contava aos colegas que o contato com os alunos o animava, mas estava interessado em dar aula apenas para quem quisesse realmente ser um jornalista. Estendeu sua relação com os alunos para o jornal-laboratório Esquinas de S.P. (atual Esquinas), onde publicou poesias, quadrinhos, e especiais sobre as ruas da cidade. “Não um jornal-escola. Não um jornal-laboratório. Abaixo a estreiteza das almas. Uma escola de jornal e um

Em 13 de fevereiro de 1999, muitos estudantes estavam no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo para velar um mestre indisciplinado. Morreu assim como seu pai, em consequência de um ataque cardíaco. Faerman queria ser cremado e morreu em um sábado. Os judeus não enterram aos sábados, tão pouco permitem cremação, mas seguindo seu desejo, virou cinzas divididas entre o rio Tietê, em São Paulo, e o Guaíba, em Porto Alegre. Dezessete anos após sua morte, em uma homenagem e lançamento do site que reúne boa parte de suas obras (marcosfaerman.jor.br) na Faculdade Cásper Líbero por onde esteve nos últimos três anos de vida, soube da força e ecos de seu estar e atuar no mundo. Neusa Maria Pereira, integrante do grupo Afro Latino América formado dentro do Versus, agradece ao jornalista por essa publicação decisiva para o movimento negro no Brasil. Rachel Moreno, dentro da mesma redação e com o apoio de Faerman, criou o primeiro jornal feminino e feminista do país, o Nós Mulheres. Terezinha Tagé, professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, encontrou seu importante objeto de estudo acadêmico graças a uma conversa com o jornalista. Sua linguagem era e é um caminho para captar as contradições da sociedade. “E da única coisa que interessa: o ser humano sufocado em sua vontade de ser.”

IX

A última frase é o final do texto Palavras Aprisionadas, publicado na sexta edição do Versus, em 1976. Nele Faerman também escreve que “O repórter é um ser em disponibilidade.” Em uma conversa com o poeta Cláudio Willer, pergunto: – Em disponibilidade com o quê? – Com a vida.

Faerman em A longa aventura da Reportagem escreve: “Eu queria dizer, antes de mais nada, que um dos alimentos da alma do repórter é o espírito de aventura’”

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S O C I E DA D E

Paralisação na fábrica Demissão de educadores do projeto cultural dá início a ocupações de aprendizes nas periferias de São Paulo por Ana Clara Muner

N

a manhã de uma sexta-feira, dia 1º de julho, a Fábrica de Cultura da Brasilândia parou. Não houve ateliê de grafite, nem roda de capoeira. Os violões ficaram mudos. Malabares permaneceram no chão; e os livros, nas estantes. As câmeras mudaram de foco. De repente, um grito rompe o silêncio. E depois outro e mais outro e quando viram, cerca de 30 aprendizes, gritavam sem parar: “Ocupa, ocupa, ocupa.” O prédio foi ocupado por jovens que dias antes aprendiam como a arte pode ser uma forma de resistência. Eles resistiram o quanto puderam – no dia seguinte, também de manhã, quando foram retirados pela polícia sem um mandato. Na delegacia, os gritos de luta continuaram. “Quem não pula é fascista!” Os maiores de idade foram fichados, soltos depois de 30 horas.

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“Aquele momento foi místico”, lembra Joyce da Silva, aprendiz da Fábrica de Cultura da Brasilândia. Naquele dia, os jovens, muitos deles secundaristas que ocuparam escolas técnicas do estado, colocaram em prática uma autogestão do local. Eles se organizaram, à sua maneira, para cumprir com as funções de limpeza, segurança e alimentação. Usaram tabelas e as redes sociais para informar que ali no extremo da zona norte paulistana havia um movimento de resistência. “Começamos a alimentar nossa página no Facebook, queríamos espalhar nossa palavra”, conta ela. É quase certo que poucos souberam dessa ocupação. Mas aquele dia ficará marcado para o resto da vida daqueles jovens. A arte deles ganhou outra dimensão. E novas formas de expressão. O teatro foi para a rua. O grafite se espalhou pela Brasilândia. Os golpes de capoeira se tornaram brios de luta.

LUCAS PRADINO

É greve

A ocupação das Fábricas da Brasilândia e do Capão – que durou um mês - foi o estopim daquela vontade de dialogar com a administração desse programa cultural, um projeto da Secretária Estadual de Cultura do Estado de São Paulo. A relutância dos jovens era contra mudanças e falta de transparência da Organização Social (OS) Poiesis, administradora desse programa. “Ela [Poiesis] é uma empresa difícil no diálogo, desde o


ano passado sabíamos que teriam mudanças no contrato, na carga horária e que mandariam pessoas embora. Todas as vezes que a gente tentou conversar, não recebemos uma resposta”, conta Fernanda Machado, diretora teatral do Projeto Espetáculo na Fábrica de Cultura da Brasilândia. As perguntas sem respostas viraram assembleias. No dia 20 de junho, a Poiesis esperava os educadores para mais uma reunião de trabalho. Ninguém

apareceu. No dia seguinte, os ateliês não aconteceram. Foi um mês de vazio, de greve. A reivindicação era a reintegração de 12 funcionários demitidos - o mote que deu inicio à paralisação - e a redução do horário das atividades. Enquanto as Fábricas estavam paradas, ambos os lados tentavam chegar a um acordo. Com o sindicato acionado, a classe artística ganhou mais força e conseguiu legalizar a greve por motivos de contradição: “Ele [sindicato] propôs

a recontratação dos educadores demitidos em troca da Poiesis não pagar o segundo dissídio dos funcionários e eles não aceitaram. Se a justificativa da OS era corte de gastos, ela deveria ter concedido. Sabíamos que esse não era o motivo, mas sim mudar o perfil da categoria de educador”, conta Fernanda. Essa desconfiança frente à administração do projeto já era de longa data. A sua falta de transparência também acontecia no âmbito legal. A OS passava Dezembro de 2016 | CÁSPER

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LUCAS PRADINO LUCAS PRADINO

Os aprendizes da Fábrica de Cultura participam dos ateliês de música

por um processo administrativo em que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) dizia haver “irregularidade da dispensa de licitação, do ato de qualificação e do contrato de gestão” pela Secretária Estadual de Cultura. Segundo Kluk Neto, coordenador das Fábricas, não houve irregularidades, conforme foi esclarecido pela Secretaria de Cultura e ratificado oficialmente pelo TCE, em seu parecer, após questionamentos relativos ao processo de contratação pela Secretaria do primeiro Contrato de Fábricas com a Poiesis. “A Câmara do TCE acolheu o recurso interposto pela Secretaria e pela Poiesis e considerou correta aquela contratação”, diz Neto. Nesse período de questionamento administrativo, a greve dos educadores acabou. O acordo foi a troca de dois educadores que queriam voltar com 38

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outros dois que queriam sair e um benefício maior para os demitidos.

Da Brasa

Desde o início do programa do Governo do Estado de São Paulo em 2011, dez prédios integraram o projeto Cultura e Cidadania para Inclusão Social, atualmente chamado de Fábrica de Cultura. Eles estão espalhados pelas periferias da cidade de São Paulo. Da Zona Leste – Pq. Belém, Vl. Curuçá, Itaim Paulista, Sapopemba e Cid Tiradentes – são administradas pela OS Catavento Cultural. Já as da Zona Sul e Norte – Capão Redondo, Jd. São Luís, Brasilândia, Vl. Nova Cachoeirinha e Jaçanã – têm suas gestões a cargo da Poiesis. Ela é a mesma OS responsável por cuidar da Casa das Rosas, dirigida por Clóvis de Barros Carvalho, um dos fundadores do PSDB,

ex-ministro da Casa Civil do governo de Fernando Henrique Cardoso e ex-secretário de Governo da Prefeitura de São Paulo, durante a administração do ex-prefeito Gilberto Kassab. O acordo entre o governo do Estado de São Paulo e as OS é feito por meio de uma licitação que pode ter um prazo de até cinco anos com um investimento previsto de 63 milhões de reais. Esse valor é dividido entre as dez fábricas. Na da Brasilândia, graças aos diversos ateliês – cursos mais longos – e trilhas – cursos noturnos com duração de três meses –, a movimentação de pessoas é continua. “Temos mais ou menos mil aprendizes inscritos em cursos aqui dentro e por média, 13 mil crianças que circulam por esse espaço semanalmente”, conta Marina Rodrigues, coordenadora pedagógica da Fábrica de


LUCAS PRADINO

LUCAS PRADINO

Registros do grupo de teatro formado pelos aprendizes da Fábrica de Cultura da Brasilândia

Cultura da Brasilândia. Os aprendizes se espalham pelo prédio durante o dia. Em uma sala há os alunos de circo que dão piruetas ao som das aulas de sopro que acontecem logo ao lado. Dentro do teatro, as crianças criam novos olhares para o ambiente na trilha de Iluminação. No ultimo andar, bonecos são usados para modelar novas roupas e figurinos, enquanto no debaixo se ouve o barulho de pisadas – é a trilha de Danças Ciganas. De dentro para fora, os aprendizes também participam do Saidão Pedagógico, em que vão a peças de teatro e ao centro da cidade. O projeto é muito atuante nas periferias e seus slogans “liberte seus sonhos” e “o espaço é seu” soam realmente inovadores considerando os lugares onde se encontram. As fábricas tiveram a força de um Banco Interamericano de Desenvolvi-

mento (BID), que queria lidar com a desigualdade nas periferias por meio chamada “inclusão social”. Segundo Kluk Neto, coordenador das Fábricas de Culturas, esse contrato em parceria com a Secretária de Cultura do Estado de São Paulo já foi encerrado: “O BID participou apenas na fase inicial do programa, com uma parte importante dos recursos, que foram utilizados na construção dos edifícios, das salas de aula, dos teatros e para a compra de uma parte dos equipamentos”. Esse mesmo tipo de recurso inicial aplicado nas Fábricas em São Paulo também foi direcionado pelo BID a programas como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e o Caminho Jovem Melhor, programa de inserção de jovens no mercado de trabalho apenas em regiões em que as UPPs atuam, ambos

no Rio de Janeiro. Enquanto a cultura é um dos braços de inclusão social do Estado, fica claro que a violência é outro. O caminho para os jovens das periferias parece ser muitas vezes a meritocracia. Ou participa-se de programas culturais e consegue-se profissionalizar na área, como é o caso de dois alunos da Fábrica de Cultura da Brasilândia dos ateliês de circo que entraram em companhias europeias, ou corre-se o risco de ser reprimido pela polícia. E é contra essa repressão e sistema que os aprendizes estão criando outros caminhos, o de ocupar e resistir. Ocupar para mostrar que eles não vão aceitar mudanças que piorem o sistema educacional e cultural que os beneficia. E resistir, porque eles existem e querem ser escutados, e isso é por si só, um ato de resistência. Dezembro de 2016 | CÁSPER

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L I T E R AT U R A

Além da vida severina A principal obra de João Cabral de Melo Neto completa 60 anos, mas o autor queria ser reconhecido não só por seu poema mais popular Por Felipe Sakamoto

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orte e Vida Severina nasceu com o objetivo de ser um Auto de Natal – encenação do nascimento de Jesus Cristo. O texto foi encomendado para os palcos, em 1956, pela dramaturga Maria Clara Machado. Só que João lhe entregou com o acréscimo de um adjetivo: Auto de Natal Pernambucano. O resultado foi bem mais do que uma palavra

no título. Há 60 anos, a seca que castigava o Nordeste não era fictícia. Severino, o protagonista da história, era o retrato de milhares de pernambucanos, nordestinos em geral, que tinham de enfrentar uma árdua jornada para matar a sede. A relação do poeta com a seca da região era densa demais para ficar em um só adjetivo. “Ele faz questão de adjetivar dessa maneira. É feita uma leitura humana e não cristã do nascimento de Cristo, porque a criança que vai nascer não é um Deus, é homem. Com ela se cria a espe-


© GILVAN BARRETO

Foto de Gilvan Barreto em O livro do sol, inspirado na obra de João Cabral de Melo Neto

rança de uma vida nova, é uma paródia do nascimento de Cristo porque é colocado em um ambiente de pobreza sem se ater a nenhuma referência religiosa”, conta o poeta e membro da Academia Brasileira de Letras Antônio Carlos Secchin. Os açudes, a terra rachada, o cansaço dos retirantes – de terem que carregar os companheiros que sepultariam – e o Sol que aflige aqueles que buscam encontrar água nas margens do rio Capibaribe constituem as imagens fortes daquela obra que seria apenas um Auto de Natal.

Por ser da Zona da Mata pernambucana, João Cabral passou a infância vendo o êxodo dos retirantes, lembra a filha Inez Cabral, cineasta e autora do livro A literatura como turismo, que traz relatos memorialistas sobre a vida e a obra do pai, lançado em setembro de 2016 junto da edição comemorativa de Morte e Vida Severina pela editora Alfaguara. Inez fez questão de também selecionar diversos poemas de João Cabral, uma forma de atender a um desejo do poeta. Ele queria ser lembrado não só por seu poema mais popular.

Existe na obra do poeta um Pernambuco nostálgico, onde ele nasceu e continuou fincando suas raízes independentemente do lugar em que se encontrava no mundo. Filho de Luiz Antônio Cabral de Mello e Carmen Carneiro Leão Cabral de Mello, João Cabral nasceu no Recife em 9 de janeiro de 1920, seguindo o rito criado pelo seu avô materno. Seus netos deveriam vir ao mundo no sobrado da família às margens da maré, no estuário do rio Capibaribe. E assim veio o menino dos Dezembro de 2016 | CÁSPER

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© DIVULGAÇÃO / COMPANHIA DAS LETRAS

João Cabral é autor de livros como A pedra do sono, Os três mal-amados e O engenheiro

três engenhos de açúcar: Poço de Alveiro, Pacoval e Dois Irmãos. Inez foi uma testemunha privilegiada da vida do pai, porque João Cabral era um homem do mundo. Em dezembro de 1945, o poeta virou diplomata e morou em diversos países. Foi a Europa, e em particular a cidade de Sevilha, na Espanha, que marcou parte importante de sua vida e obra. Em entrevista para o documentário Recifel Sevilha: João Cabral de Melo Neto (2003), o autor explica: “O Macedo Soares [José Carlos de Macedo Soares], que era ministro [das Relações Exteriores] e historiador, inventou o seguinte: nos mandar para um consulado e nos comissionar para fazer uma pesquisa histórica”. Inez lembra que ao chegar na cidade, seu pai teve uma grande transformação, tornou-se uma pessoa alegre, 42

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boêmia e simpática. Ele andou para todos os lados e se entusiasmou com o flamenco. Todos na cidade conheciam o seu Chevrolet branco e verde. Mas mesmo do outro lado do Atlântico, João Cabral não se desgrudava da realidade do Brasil. Disse certa vez: “O Mediterrâneo é tão seco quanto o Nordeste brasileiro. É uma região áspera, aquelas pedras, aquela vegetação rasteira assim como o mata-pasto; é uma coisa quase que tão dura quanto a região do sertão. E então, na beira do Mediterrâneo eu vi um pastor esmolambado pastoreando uma porção de cabras, de forma que, se eu tirasse uma fotografia ali, poderia dizer que era uma fotografia de um pastor do Moxotó, no interior de Pernambuco”. João Cabral realizou uma grande pesquisa sobre o folclore pernambucano

e o da região da Catalunha para conseguir ser o mais fiel possível à realidade Severina. O poeta foi um grande observador e privilegiava muito a forma. Não era como os poetas que se deixam levar pelas forças inspiradoras ou pelas musas. “Nada em João era espontâneo. Ele até dizia que tudo o que vinha espontâneo demais para ele desconfiava que seria de outro autor que estava citando sem querer”, explica Antônio Carlos Secchin. Dez anos após escrever Morte e Vida Severina, João Cabral recebeu uma carta do diretor teatral Silney Siqueira, que pedia autorização para montar a peça pela companhia de teatro do Tuca da Pontifícia Universidade Católica (PUC). O espetáculo seria musicado pelo ainda jovem Chico Buarque. O poeta ficou preocupado ao saber que seus versos seriam acompanhados de melodia, mas aprovou o pedido com a condição de que a métrica de seus versos não fosse modificada. A montagem foi selecionada para o festival de teatro de Nancy, na França, onde a família foi ver a peça. João Cabral ficou fascinado com a direção, cenografia, elenco e música. Virou fã de Chico Buarque. O sucesso da peça foi estrondoso, percorreu algumas cidades portuguesas, e quando voltou para o Brasil, para ser encenado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o autor estava na plateia ao lado do presidente Castelo Branco. Ficou nervoso no final da peça quando o protagonista Severino ergue uma foice – símbolo do comunismo – com a mão esquerda. O presidente não reparou no símbolo, ou pelo menos não comentou. Somente disse: “Sou cearense, conheço bem essa realidade.” João Cabral dizia que não tinha direito de cercear qualquer criação que partisse de suas obras. Em entrevista ao crítico literário Régis Bonvicino, comentou: “Depois de impresso em livro, não ligo, não é mais meu, podem fazer o que quiserem com o poema, já não o sinto com a mesma intensidade”. Essa abertura para o uso da obra desmembrou em diversas expressões artísticas. Uma delas, recente, é a peça João Cabral, da Companhia de Teatro Íntimo, do Rio de Janeiro. Foram seis anos de estudo sobre o autor. “Criamos uma trajetória cronológica, falamos da infância dele no Recife, depois da época dele como diplomata e encerramos


MARCUSRG

Estátua na cidade de Recife em homenagem a João Cabral

com ele em Sevilha”, explica o diretor do espetáculo, Renato Farias. A companhia tem a tradição de transformar a poesia em dramaturgia. Vários autores como Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado, Mário Quintana, Manoel de Barros, Vinícius de Moraes e Manuel Bandeira já foram homenageados. O elenco formado por cinco atores não representa João Cabral, nem tem personagens definidos, mas interpreta os poemas do nordestino. O conhecimento de Farias sobre a obra do autor veio por meio de uma das atrizes da companhia. “Faltava um oitavo poeta e ela indicou o João. Disse que não, porque até o próprio dizia que as suas poesias deveriam ser somente lidas. E ela disse: ‘Mas vamos tentar’. E à medida que as estudamos nos apaixonamos”. O contato de Renato com João Cabral não é somente pelos versos: “Próximo ao fim de sua vida conheci a neta dele. Fomos ao seu apartamento e ela disse que não era para fazermos barulho, pois seu avô estava no quarto”, conta. A peça João Cabral, que ficou em cartaz em outubro de 2016 e será retomada em 2017, reflete passagens da vida europeia do autor. Uma dupla de atores encena uma tourada e outros dois dançam o flamenco. Para o poeta Antônio Carlos Secchin, Sevilha é vista de maneira feminina por João Cabral pela questão

do aconchego e do aspecto sinuoso das próprias mulheres ciganas e cantadoras de flamenco. Essas eram as paixões do pernambucano. “A cidade mais bem cortada que vi, Sevilha/ cidade que veste o homem sob medida” são versos do poema Sevilha, publicado no livro Quaderna (1960). Já Pernambuco seria a parte masculina pelo lado do Sol, do sertão e da carência, analisa Secchin. Outra obra inspirada na obra de João Cabral é O Livro do Sol, que traz retratos da paisagem do sertão e as suas contradições. O registro foi feito pelo fotógrafo Gilvan Barreto, conterrâneo do poeta que viajou por 30 dias em 2013 sem rumo pela maior seca nordestina das últimas décadas. “Ao mesmo tempo em que é muito seco, a água está sempre presente de alguma maneira, seja nos assuntos, nos desejos e nos sonhos”, compara. O fotojornalista se inspirou na primeira publicação de João Cabral, Pedra do Sonho, de 1942. Foi uma escolha feliz. Secchin aponta que as primeiras obras de João Cabral são realmente marcadas pelo surrealismo e pelo concreto: “Ele podia escolher falar do vento, da amada, mas escolhe falar da pedra, do sol e da claridade.” Barreto traduz a literatura ao capturar imagem de objetos, como um parque aquático abandonado, uma piscina vazia, o chão de terra seco; busca trazer um significado simbólico, a

fixação pela água. Ele se refere ao povo de lá como pescadores de nuvens, que sonham com a chegada delas, mas elas passam e vão para longe. “A paisagem é real, mas se olhar direito representa uma terra que olha para o céu, que olha para o intangível. Que vive ali pé no chão, mas a cabeça está sonhando com a água”, diz o fotógrafo. Em entrevista ao Caderno de Literatura Brasileira (1997), uma publicação histórica que contemplou 27 cadernos impressos com autores fundamentais da literatura brasileira, João Cabral responde que nunca foi repórter, apesar de ter sido um grande leitor de jornal. Traduziu os lugares, pessoas e acontecimentos em palavras. Aos olhos de sua filha Inez, ele anotava tudo que observava para depois se confinar em seu escritório e escrever. Foi assim que firmou sua percepção sobre Pernambuco e Sevilha, e sobre tantos outros lugares que pisou. Em Auto do Frade, narra a vida de Frei Caneca, condenado à morte por envolvimento no movimento separatista chamado Confederação de Equador, em 1824. João Cabral se dizia um poeta que não tinha nenhuma imaginação, só memória. Sechin afirma que toda literatura é acompanhada de imaginação e, no caso do autor pernambucano, de muita astúcia e criatividade que não se esgotam nele mesmo. Dezembro de 2016 | CÁSPER

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FEITO À MÃO

Por Beatriz Fialho

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Fontes: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Ancine e IBGE

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TV aberta

(Faturamento em R$ bilhões)

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CINEMA

Paulo Emilio de volta ao público Centenário de nascimento relembra a carreira do homem que alinhou política, cinema e público Por Guilherme Guerra

S

e estivesse vivo, Paulo Emílio Sales Gomes estaria ligado às telenovelas ou ao Youtube. Mas também em qualquer outro lugar onde o público está. Não espanta que tenha defendido as chanchadas e pornochanchadas, tanto pelo grande apelo junto ao público quanto pelo tom político e satírico desses filmes. Assim era a essência do historiador e crítico de cinema. Fazia questão de estar perto das massas. Defendeu o ator e comediante Mazzaropi, mal visto pela cinefilia da época, mas valorizado pelo público. Em artigo de jornal, de 1973, elogia: “O melhor de seus filmes é simplesmente ele próprio”. Sua atuação nos campos político, literário e acadêmico foi fundamental na consolidação dessa arte no país. Dentre outras iniciativas, foi um dos fundadores da Cinemateca Brasileira. Criou os cursos de Audiovisual da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Com um olhar aguçado na nossa produção cinematográfica, tornou-se um norte para os realizadores do Cinema Novo. Paulo Emílio, para eles, era um mestre.

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Cem anos após seu nascimento, a homenagem 100 Paulo Emílio retoma seu legado por meio de seminários, cursos, exibições de filmes no Rio de Janeiro e em São Paulo durante o segundo semestre de 2016. “Nosso esforço é levantar essa bandeira”, diz um dos organizadores da homenagem, Carlos Augusto Calil. Professor de Audiovisual da ECA-USP, onde foi também ex-aluno de Paulo Emílio, Calil enfatiza: “A ideia não é transformá-lo numa estátua, mas manter seu legado crítico”. Sua obra tem sido reeditada pela Companhia das Letras, que já publicou a antologia de críticas O Cinema no século e também seu único livro de ficção, Três mulheres de três pppês, lançado a poucos meses de sua morte, em 1977. A herança crítica de Paulo Emílio compreende o livro-ensaio Cinema: trajetória no subdesenvolvimento (1980), em que recapitula historicamente a cinematografia brasileira de 1896 a 1966. Ao fim, o ensaio que dá nome ao livro aponta para uma tese: o brasileiro teria uma “incapacidade criativa em copiar” o cinema estrangeiro. Para o professor aposentado pela ECA e especializado em cinema nacional Ismail Xavier, “Paulo ironizava os cineastas que idealizam um modelo de sucesso” – hollywoodiano ou francês, como era

comum à época. É sob essa tentativa de mimetização que o diretor brasileiro poderia criar algo novo. “As condições desse modelo são totalmente diferentes daquelas em que se faz filmes no Brasil”, completa Xavier, que foi aluno e orientando de Paulo Emílio durante a graduação e mestrado pela ECA. O crítico de cinema da Folha de S.Paulo Inácio Araújo tem ressalvas quanto à tese da incapacidade criativa do brasileiro. Não seria esse o caso de todo processo criativo pelo mundo, questiona. Criam-se modelos ideais e tentam-se replicá-los, sempre com diferenças. Araújo exemplifica com o caso do cineasta alemão erradicado nos Estados Unidos e com o diretor do Novo Cinema Alemão: “Eu queria ser Douglas Sirk. Eu o imito em certas coisas, mas elas saem diferentes. Então eu acabo sendo [Rainer Werner] Fassbinder. Vale para pessoas e para nações.” Contudo, para o crítico, o pensamento de Paulo Emílio vai além do cinema e atravessa o país. “Ele é um pensador brasileiro tanto ou mais do que um pensador de cinema”, acrescenta o crítico.

Público nacional

Muito antes de se curvar diante da sétima arte, Paulo Emílio pensou o Brasil. “Ele tinha uma visão e preocupação


© ACERVO CINEMATECA / SAV / MINC

A Cinemateca Brasileira era a menina dos olhos de Paulo Emílio, instituição que fundou e a que se dedicou durante toda sua vida

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© ACERVO CINEMATECA / SAV / MINC © ACERVO CINEMATECA / SAV / MINC

Grande estrela da comédia, Charles Chaplin era objeto de admiração de Paulo Emílio, que, durante muitos anos, defendeu o cinema mudo

político-social, não era um esteta apenas”, diz Carlos Augusto Calil. Aos 19 anos de idade, foi preso-político da repressão varguista após a Intentona Comunista de 1935. Dois anos depois, fugiria da prisão em São Paulo rumo a Paris, onde seria apresentado ao cinema clássico pelas mãos do professor de física e cinéfilo Plinio Sussekind, de quem se tornaria discípulo anos mais tarde. “Ele foi gradualmente convertido ao cinema pela mão desse professor”, explica Calil. De volta ao Brasil nos anos 1940, Paulo Emílio cria a revista Clima (1941-1944), uma referência da crítica paulistana. É lá em que publica seus primeiros textos, ao lado dos colegas Antonio Cândido e Décio de Almeida Prado, ironicamente batizados de “chato-boys” por Oswald de Andrade, outra figura de grande influência. Nessa fase, ele ainda não era um “jacobino”, como se descreveria posteriormente em sua dedicação ao cinema nacional. Mas já escrevia, dentre outros temas, sobre os cinejornais que precediam as exibições e também sobre o cineasta Humberto Mauro. Em 1974, o cineasta viraria tema de livro originado de sua tese de doutorado na USP. Entre 1956 e 1965, escreveu semanalmente para o Suplemento Literário do Estado de S. Paulo, dirigido então pelo colega de Clima Décio de Almeida Prado. Os nove anos de coluna popularizaram a figura de Paulo Emílio, que abordava de temas clássicos do cinema mundial a assuntos contemporâneos à produção brasileira – desde que fossem populares. “Paulo Emílio era um homem que pensava o cinema a partir do público”, conta Calil. Essa era sua maior querela com o Cinema Novo. Calil conta que Paulo “mantinha uma prudência e certa distância” em relação aos artistas do movimento cinematográfico, que tinham como mote retratar o verdadeiro povo nas telas. Era esse o ponto de maior distanciamento entre o movimento e o mestre: os filmes não eram feitos para o povo. “Paulo tem uma frase cruel sobre o Cinema Novo: ‘O povo está na tela, não na plateia’”, conclui Calil. Nesse aspecto, as chanchadas e as pornochanchadas eram para Paulo Emílio mais interessantes, pois revelavam um Brasil popular. “O filme [brasileiro] ruim, pelo simples fato de emanar de nossa sociedade, tem a ver com todos nós, e adquire muitas vezes uma função reveladora”, conta Paulo Emílio para o Jornal da Tarde em 1973. Não é como se ele considerasse o cinema brasileiro superior, mas, ao contrário, acreditava haver maior diálogo entre público e obra quando ambos partilham da mesma cultura. E para isso era preciso dar uma chance à produção nacional. “Assisti o filme sábado à tarde e voltei à noite para conhecer melhor o público de Os Três Justiceiros: é extremamente popular, com predominância de casais não muito jovens”, escreveu no mesmo jornal. Esse pensamento vem da época em que ele se considerava um radical em seu processo de “descolonização”, já ao final de sua vida. “Quase que em um processo religioso, Paulo se converte ao cinema brasileiro”, afirma Calil.

Memória fílmica

Após seu período na revista Clima, na década de 1940, Paulo larga tudo e vai a Paris para uma segunda estadia. Entre 1946 e 1954, viveu a francofilia cinéfila. Foi frequentador da 14

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Nos anos 1940, Paulo Emílio se formou em Filosofia pela Univerisdade de São Paulo e, anos mais tarde, criou o curso de Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes, onde lecionou

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Cinemateca Francesa, onde fez amizade com os fundadores da instituição, Henri Langlois e Marie Morse. Foi vice-presidente da Federação Internacional de Arquivos de Filmes. Estabeleceu contato com André Bazin, o então mais famoso e influente crítico de cinema da França. Publicou seu primeiro livro, Jean Vigo, sobre o cineasta francês de mesmo nome, cuja curta carreira e morte precoce em 1934 entravam em redescoberta na roda de discussão cinematográfica francesa. À época, o livro foi elogiado por François Truffaut, ainda crítico na prestigiada revista Cahiers du Cinéma: “O melhor livro que já lera”, dizia. De volta ao Brasil em 1954, concretiza seus planos em criar a primeira Cinemateca Brasileira. A iniciativa havia começado nos anos 1940 com o Clube de Cinema de São Paulo, seguidor do pioneiro Chaplin Club (1928-1930), fundado no Rio de Janeiro por Sussekind. Na versão paulistana, eram exibidos filmes clássicos na casa do próprio Paulo Emílio, mas a tentativa foi sufocada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas. Essas cópias inauguram em 1948 a Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo, da qual Paulo foi diretor em 1954 até que o órgão se dissolvesse e formasse, em 1956, uma entidade independente: a Cinemateca Brasileira. O acervo da instituição foi formado a partir dos bons contatos feitos em cineclubes no Brasil e na Europa. Inicialmente, foram recebidas as cópias vindas da Filmoteca do Museu de Arte Moderna. A 2seguir, a Cinemateca recebeu doações do produtor carioca de cinema Adhemar Gonzaga e seu estúdio Cinédia, bastante prolífico nos anos 1930 com as chanchadas. Da Europa, por fim, vieram duplicatas de clássicos doados pela Cinemateca Francesa. “Foi esse o núcleo inicial da Cinemateca Brasileira. De um lado, as duplicatas da Cinemateca Francesa e, do outro, Adhemar Gonzaga como pontapé inicial” explica Calil. “A minha geração foi criada para entender a Cinemateca”, diz Ismail Xavier. Apesar de importante na formação de cinéfilos, não foi só à Cinemateca que Paulo se dedicou. Em 1965, foi convidado para lecionar na UnB, de onde sairia com os outros professores em resposta ao governo militar recém-instaurado. Dois anos depois, participa da fundação do curso de Audiovisual da ECA-USP, onde lecionou História Geral do Cinema. Hoje, o nome de Paulo Emílio estampa salas de cinema, bibliotecas, escolas e é, sobretudo, referência em estudos de cinema no Brasil. “Foram essas radicalizações que deram visibilidade à causa”, analisa Xavier. Se ela deu certo, é possível observar na atual política cinematográfica: financiamento estatal e combate à ocupação estrangeira nas salas de cinema são apenas algumas das ideias que defendeu Paulo Emílio. “Há vinte anos, houve o mesmo movimento quando se lembrava os 80 anos de Paulo Emílio. E os jovens daquela ocasião são hoje os dirigentes culturais”, conclui Calil. Seu legado está em constituir um estudo do cinema brasileiro, conversando não só com a intelectualidade da academia brasileira, mas também com as massas graças a seus populares artigos em jornais, onde, entre outros assuntos, defendera o reconhecimento do ator e comediante paulista Mazzaropi.

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CHAPÉU

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POLÊMICA

Quem pode ser

RP

Flexibilização da profissão divide opinião de profissionais da área de Relações Públicas

U

Por Felipe Sakamoto

a campanha é uma afronta ao conselho, pois diz abertamente que qualquer indivíduo com formação superior pode trabalhar nesse campo da comunicação. Por trás da contenda, está a inevitável discussão sobre reserva de mercado. Em carta aberta, o Conferp condenou a campanha, afirmando que a “nova atividade” defendida pela Abracom já existe e é denominada como Relações Públicas. A regulamentação da profissão ocorreu em 11 de dezembro de 1967 por meio da Lei 5.377, que restringe o exercício do ofício exclusivamente para os bacharéis formados em cursos de Relações Públicas. De acordo com a legis-

© CONFERP

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ma campanha lançada em março deste ano pela Associação Brasileira de Comunicação (Abracom) reacendeu um velho debate sobre o profissional de Relações Públicas. Afinal, quem pode ser RP? Com o mote “Somos Comunicação Corporativa”, em que profissionais reconhecidos do mercado defendem uma nova atividade feita por especialistas de diversas áreas dentro das agências, a peça publicitária provocou a ira do Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas (Conferp). Para a presidente do órgão, Júlia Furtado,

Carlos Carvalho, da Abracom, e Júlia Furtado, do Conferp, defendem visões opostas sobre relações públicas 50

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lação, são atividades específicas de RP: a coordenação de pesquisas de opinião pública, o planejamento e supervisão da utilização dos meios audiovisuais para fins institucionais e a produção de informação de caráter institucional entre a empresa e o público através dos meios de comunicação. A prática ao longo dos anos, contudo, fez da área de RP o refúgio para vários profissionais da comunicação, sobretudo jornalistas e publicitários. Agências de comunicação recorreram a formandos e veteranos de diversas áreas do conhecimento para atender à demanda de serviços, cada vez mais variada e hiperconectada. Levantamento da Abracom indica que há cerca de 800 agências de comunicação no Brasil. Juntas, empregam mais de 15 mil profissionais. Em 2003, 85% dos empregados das agências eram jornalistas. Essa proporção de não-RPs nas agências despencou em dez anos. Uma nova pesquisa, de 2013, apontou que o percentual caiu para 51%, enquanto os profissionais de Relações Públicas totalizavam 17%. Os restantes 32% eram de outras áreas (principalmente Economia, Publicidade, Administração e Direito). A fiscalização da Lei 5.377 é realizada pelo Conferp e pelos conselhos regionais, Ministério do Trabalho e Previdência Social. As empresas que descumprirem a norma estão sujeitas a multas de até 50 mil reais. O presidente-executivo da Abracom, Carlos Henrique Carvalho, afirma que a campanha polêmica não possui relação com a questão da abertura da carreira de Relações Públicas. Segundo ele, a ação visa criar uma identidade para o setor e uma consciência entre os profissionais que atuam nas agências para que tenham orgulho de pertencer a essa atividade.

O professor e presidente do Conrerp 5ª Região (Nordeste), Firmo Neto, bate duro contra aqueles que defendem a flexibilização da profissão de RP. Segundo ele, só estão a favor dessa abertura empresários do ramo da comunicação ou acadêmicos que não possuem aproximação com a atividade e estão à procura de oportunidade no mercado de trabalho. “É uma contramão imensa a partir do momento que as outras profissões de comunicação que ainda não são regulamentadas estão lutando pela sua regulamentação”, afirma.

Divergências

A atual posição do Conferp destoa da Carta de Atibaia, que foi o primeiro movimento oficial da entidade pela revisão da lei de 1967. O documento, elaborado em 1997 durante o Parlamento Nacional de Relações Públicas, defendia a flexibilização da profissão. Outro ponto proposto pela Carta de Atibaia era a criação de um órgão autorregulamentador que forneceria “atestado de legitimidade técnica, justificativa econômica e prestígio social que a profissão nunca teve”. Constava ainda que a qualificação para exercício das Relações Públicas seria dada por meio de um Exame de Qualificação para atuação profissional, que poderia ser realizada por qualquer indivíduo registrado em tal órgão. Carvalho, formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, afirma que desde 1969 já era contrário à obrigatoriedade do diploma para qualquer área da comunicação. “Entendo que as atividades dentro da indústria da comunicação devem ser abertas, e cabe a entidades representativas dos profissionais e das empresas do segmento a normatização das questões éticas por meio de mecanismos autorregulatórios”, afirma. Firmo Neto se contrapõe a essa liberalização total, e argumenta que o Jornalismo sobrevive sem a regulamentação porque é uma profissão de prestígio social, diferentemente de RP que não possui tanto reconhecimento da sociedade. “O que me fez candidatar ao conselho nacional foi justamente por ser contra a flexibilização.

Acho que abrir a profissão é desistir antes de tentar”, afirma Júlia Furtado. Mas ela aponta que é importante possuir uma equipe multiprofissional dentro das agências. A diferença é que, em sua opinião, quem deve estar à frente da comunicação corporativa é o profissional de RP. Formado em jornalismo pela PUC, Rodolfo Araújo trabalha há 16 anos no ramo da comunicação corporativa e é contra a reserva de mercado. Ele afirma que na agência em que trabalha, Relações Públicas é o centro do pensamento, mas está em diálogo constante com outras disciplinas como a publicidade, psicologia, sociologia, estatística. “Não temos que olhar para as fronteiras de conhecimento quando a gente tem vários campos de pesquisa e formação que podem resolver o problema”, diz. Em 2005, o projeto de lei n° 324, do então Senador Marco Maciel (DEM/ PE), propunha revogar a lei de 1967, ao atualizar as funções do RP. O exercício da profissão seria aberto também aos profissionais aprovados em curso de pós-graduação, lato ou strictu sensu em Relações Públicas. O projeto foi arquivado em novembro de 2006 pelo Senado Federal.

CABE A ENTIDADES REPRESENTATIVAS A NORMATIZAÇÃO DAS QUESTÕES ÉTICAS Carlos Henrique Carvalho, presidente-executivo da Abracom Dezembro de 2016 | CÁSPER

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PORTFÓLIO

lama de Mariana A

Fragmentos de Vida – o silêncio da memória resgata o que restou de Bento Rodrigues após a tragédia ambiental que completou um ano Texto e fotos de © Ana Carolina Fernandes

A fotografia sempre foi uma grande paixão. O que me fez encontrar o meu lugar no mundo e a maneira como me relaciono com ele e com as pessoas. Lembro-me bem do dia 5 de novembro de 2015 e da hora em que soube do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Estava na academia de boxe e vi durante o plantão da TV. Não consegui mais me concentrar na aula. Queria ir imediatamente para Bento Rodrigues, mas tinha compromissos agendados e a logística seria complicada. Não fui. Muitas vezes durante os oito meses seguintes me culpava por não ter ido. Sentia uma espécie de traição à minha mais profunda essência. Em julho de 2016, fui a Inhotim, o lugar mais fantástico do Brasil para se respirar arte. Já tinha ido a outras duas vezes, mas estava louca para ver a galeria recém-aberta da Claudia Andujar, uma das maiores referências fotográficas da minha vida. Lá, decidi que não podia mais ficar sem documentar àquela tragédia.anunciada. De BH, segui sozinha para Vitória e de lá, com um carro alugado e muita vontade de fazer um ensaio documental, cheguei à Regência, litoral do Espírito Santo, na foz do Rio Doce. Cheguei dia 5 de julho, exatamente oito meses após o desastre que matou 19 pessoas e despejou 62 metros cúbicos de lama tóxica por mais de 600 quilômetros até chegar ao mar. O paraíso de surfistas parecia uma cidade-fantasma. O belo Rio Doce e o mar, berço de tartarugas marinhas e de tantas espécies de peixes, estavam ainda com a cor laranja avermelhada da lama tóxica. A pesca estava proibida. As pousadas desertas. Uma pequena vila de pescadores desolados. Era um cenário triste. Agora, escrevendo e checando as datas, percebi uma coincidência que antes não havia me dado conta: três meses depois era, enfim, a hora de ir ver o local do desastre com meus próprios olhos. Assim como na primeira viagem a Regência, cheguei a Mariana em um dia 5, desta vez de outubro, exatos 11 meses depois da tragédia. Havia apenas um contato e mais vontade de usar as minhas fotos como ferramenta para não deixar o crime ambiental cair no esquecimento. Fui apresentada a Paulo, um ex-morador da ex-cidade de Bento Rodrigues. Ele foi meu guia perfeito e parceiro por três dias. Quase sempre com o filho, íamos diariamente ao local onde morava com sua família. Contava-me histórias de como Bento era uma cidade aprazível de se viver. Falava das pessoas, ruas, escola, animais e das plantações. Mostrava-me objetos que tinham sido destruídos e enterrados na lama para sempre. Compartilhava a tristeza que viria caso se concretizasse o que a Samarco propusera: alagar Bento Rodrigues para sempre. Ali, percebi que eram essas memórias que queria fotografar. Dali nasceu este ensaio: Fragmentos de Vida – o silêncio da memória. Ana Carolina Fernandes é formada em Fotografia na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Ganhou dois prêmios Folha e foi finalista do Prêmio Conrado Wessel e Shortlist Top Ten Award

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Ana Carolina Fernandes, através de suas lentes, retrata e coloca em foco as consequências da tragédia do rompimento da barragem de Mariana em Bento Rodrigues 54

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Desnudamento

RESENHAS

do eu-lirico Em Porque só eu estou sem roupa nesse quarto?, Eduardo Dieb provoca uma identificação com a vida pós-moderna Por Vilma Schatzer

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star em contato com o eu-lírico das obras poéticas é uma constatação de que autores têm mais de uma personalidade, ou persona. E que o verdadeiro talento está nessa variação, nesse olhar para o mundo com estranheza, curiosidade, esperança ou cinismo, seriedade ou falta dela, ironia ou paixão e muitas outras maneiras de olhar, cheirar, tocar e ouvir. É com essa surpreendente variação dos sentidos que Eduardo Dieb publica seu segundo livro Porque só eu estou sem roupa nesse quarto? — poemas e crônicas (2016). O autor é redator e professor de Redação Publicitária na Cásper Líbero, mestre pela mesma instituição e doutorando em Letras na Universidade Mackenzie. O nome instigante do livro já nos dá uma amostra da maneira com que o autor nos conduz com talento poético e com técnicas de sedução que às vezes nos lembram os bons redatores publicitários de outrora: escritores que na verdade emprestavam seu dom às técnicas de venda. Desconfio que esse seja o caso do Dieb - um escritor da urbanidade, do rock, da irreverência, dos metrôs, ônibus, das filas do McDonald’s, da porta da igreja, de dentro do bar, do brinde com os amigos e da solidão do fundo do copo e da alma.

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Dá para imaginá-lo como uma versão masculina e amarga da Rê Bordosa (personagem famosa dos quadrinhos de Angeli) fazendo a crítica das relações e desencontros dos amores atuais, mas repentinamente ele muda para uma Alice, de Lewis Carrol, olhando o mundo através do espelho, meio criança, meio maduro. Ou seria Peter Pan, ora mau, ora perdido? Podemos apreciar às vezes o olhar infantil, não meigo nem romantizado, mas daquela criança de nove ou dez anos, que já sabe um pouco das coisas mal-feitas, a criança real que todos já fomos. Peço licença para dar uma amostra desse desnudamento, uma amostra do moleque e do homem vivido: “[...] Todo homem é sozinho / Um velho antecipado em solidão / O que todo homem quer mesmo / É voltar a ser menino / Pois sempre foi pirata de coração”. E na página seguinte: “Faço da vida um blues / Marcado, frio / Em pautas, notas arrastadas / Num acorde, meus desacordos / Afinado com os desafinos diários / Em cada corda, coração / Coda”. Ler seu livro é uma experiência de identificação com a vida pós-pós (é duplo mesmo) modernidade, no vivenciar de amores intensos ou não, de relações com o mundo. E ao terminar a leitura tem-se a sensação de acordar de repente daqueles sonhos estranhos, que parecem tão reais, em que sentimos

o calor da vergonha de sermos flagrados nus em um quarto em que todos se vestiram para uma festa para o qual não fomos convidados. Vilma Schatzer é bacharel em Letras pela Universidade Metodista de São Paulo, mestre em Comunicação pela Cásper Líbero. Atualmente é docente na Faculdade Cásper Líbero.

Porque só eu estou sem roupa nesse quarto? Eduardo Dieb Editora Árvore Digital 76 páginas


O poeta

e seu duplo

Livro de poesias Meu Semelhante de Heitor Ferraz Mello percorre diferentes camadas narrativas Por Fabrício Tavares

A

foto de capa de Meu semelhante, novo livro do poeta, professor e jornalista Heitor Ferraz Mello, publicado pela editora 7 Letras, talvez forneça indícios para uma leitura da obra: a tarefa da poesia, como de todo pensamento, seria também a de mapear as sombras e sujeições de nosso presente histórico. Ou como sugere Giorgio Agamben, no ensaio O que é o contemporâneo?, ao se referir ao poeta russo Osip Mandel’stam: “O poeta, enquanto contemporâneo, é essa fratura, é aquilo que impede o tempo de compor-se e, ao mesmo tempo, o sangue que deve suturar a quebra.” Ou ainda: “Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro.” A sombra do autor, na imagem de capa do livro, projetada sob o signo da similitude, poderia sugerir ainda, além de um duplo do poeta (o poeta libertado de si mesmo), uma espécie de ampliação da voz, da voz que é corpo, mas que ao se dispersar na linguagem (ou nas ruas, como sugere um dos belos poemas de Heitor) produz a obra. Antigas perguntas se impõem aqui: seria o poema um retrato fiel da realidade? Seria a sombra projetada um retrato verdadeiro do poeta? Quais os limites entre a existência do autor e sua inequívoca dispersão no texto? Em que medida esse duplo do poeta seria, então, um duplo de todos nós?

O livro de Heitor percorre diferentes camadas narrativas: da violência de nosso processo de colonização - mais do que nunca presente na pauperização das relações econômicas e sociais - à impessoalidade das varandas, à intimidade da casa, à padaria do bairro; das câmeras de vigilância, e do ruído de helicópteros sobrevoando a cidade, às ruas de São Petersburgo, ou do centro de São Paulo no passeio por antigas livrarias que sobrevivem ainda apesar de; do salto para as montanhas de Minas Gerais, terra de Aleijadinho (personagem de um dos poemas), mas também de Drummond (referência cara a Heitor), ao alarido das crianças, à histeria coletiva, ao sentimento do transitório. Meu semelhante trata de um país convulso. E é de convalescença que tratam os poetas. Como em Antropófagos, poema que abre o livro: “Tendo visto que / ao contrário deles / os portugueses / enterravam seus inimigos / até a cintura / pra depois os flecharem / e enforcarem / descobriram espantados / a tortura / a crueldade / que não fazia parte / de seus ritos / antropofágicos”. Ou em Palavras da tribo: “É preciso ouvir / o vocabulário dos dias / Não para renová-lo / Essa seria uma tarefa ingrata / para a poesia: / o vocabulário da violência / nossa verdadeira / e única identidade / desde o princípio / daquele azul cabralino / Esse vocabulário / da morte / do eu existo / porque te mato / Temos já uma sólida / e sórdida / tradição de tortura”. Interessante sublinhar ainda a ironia leve, ou o corte preciso convidando ao silêncio (como pequenos filmes), em poemas como Pão na chapa: “A catraca

/ café expresso / um ambiente de aeroporto / as novas garotas do bairro / o pão na chapa / e um sorridente Esteves / que acena / do outro lado do balcão”; ou como em Novo empreendimento: “A praça / o bar parado / Mosquinhas de banana / nas bordas de um copo / vazio / de café”. Como diz o poeta, não se trata aí de metáforas. Fabrício Tavares Santos Silva, especialista em Filosofia Política e Mestre em Educação pela UFPEL, é professor nos curso de Jornalismo e Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero. Meu semelhante Heitor Ferraz Mello Editora 7 Letras, 88 páginas

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casperianas

chapéu

COP 22 Por Felipe Sakamoto

Carolina de Barros é aluna-repórter. Pousou em Marrakesh, no Marrocos, dia 6 de novembro de 2016 e logo na véspera do maior evento de sustentabilidade do mundo, a 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP22), retirou sua credencial em nome do site de sustentabilidade Envolverde. Na sala de imprensa, enxergou a magnitude do evento. O mundo inteiro esteve na COP 22, assim como a Cásper Líbero. Entre 7 e 18 de novembro, jornalistas, representantes de organizações engajadas na temática ambiental, chefes de Estado e a sociedade civil acompanharam as conferências temáticas e debates. Pela Cásper, eram mais de 30 estudantes que se tornaram repórteres para diversas mídias parceiras, como TV Gazeta, Rádio Gazeta AM, produtora Clact Zoom, Jornal da Gazeta, Edição Extra, Revista Cásper, A Imprensa e Esquinas, e também pelos meios externos como revista Fórum, Envolverde, Jornal da Comunicação Corporativa, Opera Mundi, Brasil Post e o portal Amazônia Real. O projeto teve como objetivo dar mais visibilidade para as pautas ambientais e alertar os futuros profissionais da co© JANAÍRA FRANÇA

A equipe de alunos e professores da Faculdade Cásper Líbero na cobertura da COP 22

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municação sobre a importância de disseminar informação de qualidade para a conscientização da população sobre os problemas climáticos. A 22ª edição teve como desafio encontrar maneiras de colocar em prática o Acordo de Paris, criado com a meta de manter o aumento da temperatura média global a menos de 2° acima dos níveis pré-industriais. A vitória do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais americanas impactou diretamente a COP-22. A instituição Sustain US, representantes da YOUNGO (jovens observadores de organizações não-governamentais) e da ONG Engaja Mundo organizaram uma manifestação durante a conferência. O banner do movimento, “Lista do que o Presidente precisa fazer” (em tradução livre), continha tópicos de como lutar pela justiça climática, respeitar os indígenas e proteger a água. Com o resultado das eleições, trocaram a palavra “Presidente” por “Povo”, já que Trump declarou na campanha não acreditar nas mudanças climáticas e que tentaria revogar o Acordo de Paris. “Somos nós que teremos que lidar com essas tarefas e precisamos de força para dar conta delas”, afirmou a coordenadora geral do EngajaMundo, Raquel Rosenberg. As alunas Beatriz Carvalho e Bruna Baddini estavam lá para registrar o protesto. A equipe do documentário dirigido pelos docentes Cilene Victor, Roberto Chiachiri, Marco Vale e Alexandre Marcondes, e mais os estudantes Letícia Sé, Ariela Lily, Márcia Castino e Danilo Carvalho, filmava stands sobre tecnologia e sustentabilidade. A ideia da gravação se deu na percepção dos impactos causados pelas mudanças climáticas não só na realidade dos setores bem representados, como o governo, indústria e sociedade científica, e, acima de tudo, na das pessoas em condições vulneráveis. “Tentaremos contemplar as diversas facetas não só dos impactos das mudanças climáticas, mas principalmente das causas associadas aos nossos modelos de desenvolvimento e também da nossa cultura como um todo”, explica Cilene Victor. Felipe Sakamoto é editor da Revista Esquinas, aluno de graduação da Faculdade Cásper Líbero e repórter enviado pela Amazônia Real e TV Gazeta.


Os novos formatos televisivos Por Guilherme Guerra

A diferença foi o engajamento entre a Fox e seu público. E é o mesmo caminho perseguido pela Rede Globo, com audiência diária de ao menos 100 milhões de pessoas, segundo o canal. “Você se sente engajado quando casa com a marca”, diz o diretor de planejamento da emissora, Roberto Schimdt. Desde a novela I Love Paraisópolis, a busca pelo termo Paraisópolis cresceu na internet. Depois de Império, mais brasileiros nomearam seus bebês a partir de personagens da novela das nove horas da noite. Mas de nada adianta montar diversas estratégias sem uma boa grade. Responsável pela programação da Rede Record, Douglas Fagotti defende o bom timing entre intervalos comerciais e programas para manter sua audiência. Por isso, lançou uma provocação à plateia: “Vocês escolheriam um break de 6 minutos ou dois breaks de 3 minutos?” A pergunta gira em torno de uma única variável: o perfil do público, que é hoje cada vez mais heterogêneo graças às outras maneiras de assistir TV. Guilherme Guerra é editor de arte e fotografia da Esquinas e aluno da graduação de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.

© BEATRIZ VECCI / CENTRO DE EVENTOS

Novas formas de ver televisão começam a se popularizar no Brasil, como a TV digital, o vídeo on demand e o streaming. Mas como acompanhar essas mudanças e apresentar índices de público para o anunciante do acirrado mercado televisivo? A 10ª Semana de Audiovisual trouxe esse debate aos alunos do curso de Rádio, TV e Internet da Faculdade Cásper Líbero. “Devemos buscar o conteúdo onde quer que esteja”, afirma a diretora executiva da filial brasileira da Kantar Ibope Media, Dora Câmara. Isto é, não só mais o formato para a televisão, mas também o celular, tablet, smartTVs e quaisquer novas e futuras tecnologias. Enquanto 97% da população brasileira possui um televisor em casa, 80% tem duas telas (televisão e celular) e 8%, três telas (televisão, celular e tablet). Ex-casperiano e diretor de programação do canal pago Fox, Felipe Galvão, defende a disponibilização de conteúdo na televisão, sites e aplicativos. “Uma plataforma não exclui a outra”, diz. Essa estratégia se provou um sucesso na estreia da sexta temporada de The Walking Dead, que, graças a 50 horas consecutivas de episódios das cinco temporadas anteriores, a estreia dos novos episódios trouxe um recorde para o canal pago: seis milhões de espectadores em um domingo à noite.

Os convidados da mesa Audiência em TV: Como medir outras telas? Dora Câmara, Douglas Fagotti, Felipe Galvão, Roberto Schimdt e Júlio Cesar Fernandes Dezemebro de 2016 | CÁSPER

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© BEATRIZ VECCI / CENTRO DE EVENTOS

Genocídio da Juventude Negra Por Sonia Castino

“As verdades mais consagradas são tratadas sem cerimônia; o que era indubitável agora é posto em dúvida”. Brecht O encontro antecipou-se ao Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, para discutir incômodo tema diante de um auditório lotado, formado principalmente por estudantes. O interesse explica-se pelo impacto diante dos índices de mortalidade, por homicídio, do jovem negro brasileiro, com dimensões comparáveis aos de países em guerra. Na noite de 18 de outubro de 2016, ocorreu o debate Genocídio da Juventude Negra Brasileira, no Teatro Cásper Líbero, com a presença do diretor da Faculdade, Carlos Costa, coordenadores e professores. O evento foi organizado pela Coordenadoria de Cultura Geral e realizado pelo Coletivo AfriCásper. O grupo foi formado em 2014 pela demanda dos alunos em debater temas sobre a cultura africana e seus descendentes.

A mediação foi feita pela professora e historiadora Juliana Serzedello Crespim Lopes, do Instituto Federal de São Paulo, autora do livro, Identidades políticas e raciais na Sabinada: (Bahia, 1837-1838). Lívia Martins, formanda do curso de Jornalismo da Cásper Líbero, representou o AfriCásper e, como anfitriã, conduziu as falas. Marcada pela militância, a mesa foi composta por representantes de outros coletivos universitários negros, entre eles a advogada Tamires Gomes Sampaio (do AfroMack, Mackenzie) e Julia

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Silvio de Almeida, Tamires Sampaio e Julia Drummond participaram do evento no Teatro Cásper Líbero

Drummond (Quilombo Oxê, Faculdade de Direito da USP). Eliane Dias, ativista feminista negra e produtora do grupo de rap Racionais MC’s, apresentou o ponto de vista das mulheres. Danilo Lima, coordenador do Coletivo Nacional de Juventude pela Igualdade Racial e da Juventude Educafro, e Silvio de Almeida, professor, advogado, militante negro e presidente do Instituto Luiz Gama, fecharam a composição do debate. Vinte e três minutos após o início do evento, ouviu-se a reprodução de um tiro de arma de fogo e a frase: “Mais um jovem negro acaba de morrer assassinado na periferia”. Na opinião de Silvio de Almeida, o racismo no Brasil está naturalizado no cotidiano em três dimensões: econômica, política e subjetiva. “São os três pontos em que os negros são constrangidos e fazem parte da dinâmica em que vivem cotidianamente. O grupo social mais afetado pela carga tributária no Brasil são as mulheres negras, pois reproduz as condições de desigualdade que as colocam na base da pirâmide social. As pessoas que ganham menos são as que, proporcional-

mente, pagam mais. Ganhar pouco cria tensões sociais que tornam as pessoas mais vulneráveis à violência. O racismo é estrutural e estruturante das relações sociais”, afirmou. As perguntas da plateia ampliaram o debate e dialogaram com a fala de Danilo Lima sobre o mundo digital, em que ferramentas de busca de imagens não são neutras. A palavra-chave “adolescente” resulta principalmente em fotos de jovens brancos, mas “menor de idade”, em jovens negros. À pergunta se o movimento negro deveria ser mais Martin Luther King ou mais MalcomX, os convidados ressaltaram a importância do embate, ideológico ou não, mas com base em referências brasileiras, como a grande mobilizadora e símbolo da mulher negra, Dandara dos Palmares, ou os intelectuais negros Abdias do Nascimento e Milton Santos, ou ainda o escritor Lima Barreto e o poeta Cruz e Souza.

Sonia Castino é a coordenadora de Cultura Geral e docente de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero.


Por onde anda o jornalismo? Por Ana Clara Muner

Foi em meio ao agitado panorama político do impeachment da então presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, que a 24º edição da Semana de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero deu lugar para o debate sobre o fazer jornalístico. Esse cenário foi tema-guia do evento entre 16 e 18 de agosto: Jornalismo e Democracia. Organizado pela Coordenadoria de Jornalismo, Núcleo Editorial de Revistas e professores do curso de Jornalismo, as mesas chamaram e envolveram os estudantes da Faculdade. Para abrir a semana, os convidados Carlos Alberto Sardenberg (CBN), Vinicius Mota (Folha de São Paulo), Carla Jimenez (El País) e Marsílea Gombata (Carta Capital) debateram a Cobertura do Impeachment ao conversar sobre como os diferentes veículos acompanharam esse processo. No período noturno, foi a vez do Jornalismo de Dados, termo que reúne cada vez mais técnicas e ferramentas para contar histórias. Debatendo o tema, a mesa contou com Daniel Bramatti (Estadão Dados), Sérgio Spagnuolo (Volt Data Lab) e Haydee Svab (Cofundadora da Poligen e da PoliGNU). O segundo dia de evento foi inaugurado por Gilberto Maringoni (UFABC), Renata Mielli (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e Sergio Amadeu (UFABC) com a temática sempre recorrente e fundamental para os que discutem a área: Democratização da Comunicação.

À noite, o Teatro Gazeta teve o painel Grandes Reportagens do Brasil, que recebeu antigos colegas do jornalista Marcos Faerman e organizadores do site marcosfaerman.jor.br (Leia a reportagem especial nesta edição). Audálio Dantas (ABI/ FENAJ), Álvaro Bianchi (IFCH da UNICAMP), Claudiney Ferreira (Itaú Cultural), Neusa Pereira (Abayomi Comunicação), Sérgio Gomes (Oboré) e Terezinha Tagé (ECA-USP) compartilharam suas experiências e aprendizados no convívio com Marcão, apelido do escritor. No último dia, o evento discutiu um tema que domina cada vez mais o mercado da profissão. O Jornalismo de Lista foi debatido entre Andréa Martinelli (Hunfington Post), Ivan Longo (Revista Fórum), Manuela Barem (Buzzfeed) e Érica Vieira (Catraca Livre). A última palestra É golpe ou não é golpe dialogou com o debate inaugural. Os convidados Rose Nogueira (Ativista), Pedro Zambarda de Araújo (Diário do Centro do Mundo), Márcio Cammarosano (advogado e professor da PUC-SP) e João Gabriel de Lima (Revista Época) debateram a importância de se refletir sobre o fazer jornalístico em uma época em que o fluxo intenso de informações e o aumento no número de veículo tornam essa profissão cada vez mais complexa. Ana Clara Muner é editora da Revista Cásper e aluna do curso de graduação de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.

A mesa Grandes Reportagens do Brasil reuniu colegas de trabalho do jornalista Marcos Faerman

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66 anos da TV no Brasil Por Elmo Francfort

A Associação Pró-TV, que reúne os profissionais e incentivadores do meio televisivo, comemora anualmente o Dia Nacional da TV. Foi em 18 de setembro de 1950, que a primeira emissora da América do Sul, a PRF-3 TV Tupi-Difusora, foi inaugurada. No ano de 2016 a Pró-TV teve como parceira para o evento a Faculdade Cásper Líbero, que deu total apoio à festividade. Além do mais, promoveu a mostra Televisão: 60 anos, 60 curiosidades, exposta no hall do 3º andar do Edifício Gazeta. De 1º a 16 de setembro foram realizadas palestras com profissionais da área e professores da Faculdade Cásper Líbero. Marcaram presença nomes como Tássia Sena (Reportagem em TV), Marcelo Alencar (Cenografia para TV), Ninho Moraes (Produção em TV), Marco Vale (Olhar Cinematográfico em TV), Denise Wuilleumier (Produção de Chamadas em TV), Richieri Pazzeti (Computação Gráfica em TV), Mauricio Donato (Tecnologia e TV), Alexandre Marcondes (Mercado de Produção Audiovisual). Palestrei ao lado de Mauro Alencar (doutor em teledramaturgia pela USP e consultor de novelas da Globo), sob o tema Panorama da Telenovela Brasileira e Novas Perspectivas, seguido de Bruno Hingst e José Augusto Dias que falaram da História da TV a partir do filme Absolutamente Certo. Maisa Alvês (gerente de Comunicação do SBT) contou sobre os 35 anos da emissora. O crítico José Armando Vannucci (na palestra A atuação do crítico de TV) e o diretor

do programa Mulheres, Ocimar Augusto de Castro (que falou sobre a Direção de Programas de TV) encerraram o evento. A festividade contou com o apoio do diretor da Faculdade Cásper Líbero, Carlos Costa, de Silvia Arata Martins, de toda equipe da biblioteca Professor José Geraldo Vieira e do Centro de Eventos Cásper Líbero e da TV Gazeta. O evento terminou com a Edição 2016 do Prêmio Pró-TV no Teatro Cásper Líbero, que reconhece trabalhos relevantes no meio televisivo. Foram agraciados Lima Duarte (em homenagem aos 65 anos da telenovela brasileira), Fernando Gomes (manipulador do boneco Júlio, pelos 20 anos do “Cocoricó”, da TV Cultura), Silvio Santos e o SBT (pelos 35 anos da emissora, representado por Magdalena Bonfigliolli), o Núcleo de Criação da TV Gazeta (responsável pela faixa jovem de 2011 a 2016, representado por Robson Valchieri e Máurio Galera). Goulart de Andrade, ex-apresentador da TV Gazeta e falecido em 23 de agosto, recebeu uma homenagem póstuma (a viúva Margareth Bianchini recebeu o prêmio emocionada). Também falaram sobre os novos projetos da entidade, como a digitalização do acervo e o aprimoramento de seu Centro de Memória e Referência, com uma homenagem especial à Vida Alves, que passou a ser ad aeternum presidente de honra da Pró-TV. Elmo Francfort é radialista, jornalista, pesquisador e escritor de obras sobre TV e pós-graduando em Marketing e Comunicação Publicitária na Faculdade Cásper Líbero.

Dentre as comemorações dos 66 anos de TV, a Faculdade Cásper Líbero promoveu palestras © BEATRIZ VECCI / CENTRO DE EVENTOS

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13º Fórum de Pesquisa Por Felipe Sakamoto

Nos últimos dois anos, triplicou o número de alunos interessados em produzir pesquisa na Faculdade Cásper Líbero. Esse aumento reflete diretamente na qualidade dos estudos, já que a seleção dos estudantes se torna mais acirrada. Parte dessa produção acadêmica foi apresentada no 13º Fórum de Pesquisa, que ocorreu entre 26 e 28 de setembro. Organizado pelo Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP) e a Pós-Graduação em Comunicação da instituição, o evento apresentou as pesquisas em andamento dos docentes da instituição, dos alunos da graduação, pós-graduação e Lato Sensu contemplados pela iniciação científica. O CIP já fomentou mais de 200 projetos e abrange os quatro cursos da Faculdade desde 2000, ano de sua criação. Neste ano, foram apresentadas 46 pesquisas distribuídas em sete mesas, mediadas pelos orientadores. “Gosto muito de trabalhar com a divulgação científica porque ela é também uma prestação de contas para a comunidade casperiana e também para o público de fora”, explica a coordenadora do Centro Interdisciplinar de Pesquisa, Cilene Victor. A conferência de abertura contou com a presença de Maria Immacolata Vassallo de Lopes, reconhecida acadêmica no estudo de metodologia de pesquisa

na comunicação. Ela definiu o campo como interdisciplinar e pontuou sobre a importância de uma percepção crítica da pesquisa no Brasil. “Às vezes eu tenho a impressão que a nossa área é de humanas, mas que precisamos de muita humanidade para fazer pesquisa, pois nós tendemos a coisificar o outro”, comenta. As mesas Tecnologias Digitais: Tempo e Linguagem, mediada pelos professores Antônio Roberto Chiachiri e Maria Cândida de Almeida; e Comunicação e Sociedade do Espetáculo, que teve à frente o professor Cláudio Novaes Coelho, pontuaram a relação da sociedade com as mídias; a cobertura jornalística dos meios de comunicação e a utilização do aplicativo Snapchat como mídia para os anunciantes. Na mesa Ecologia da Comunicação - orientada pelo professor José Eugênio de Oliveira Menezes – foi discutido a vinculação da comunicação por meio de gestos, performances e símbolos e a questão dos corpos em um contexto de aceleração da tecnologia. Mídia, Política e Opinião Pública, mediada por Luís Mauro Sá Martino, tratou de temas como a democratização da informação, a interação da comunicação do governo com a sociedade por meio das redes sociais, a questão da nudez na revista Love, dentre

outras temáticas. A aluna do terceiro ano de Jornalismo da graduação Stéfanni Meneguesso Mota, que foi uma das orientandas do docente Luís Mauro Sá Martino, apresentou o artigo Interações Comunicacionais no Dispositivo Jurídico: uma análise do documentário O Juízo. O trabalho fala de como os dispositivos interacionais se aplicam na questão dos menores infratores no Brasil. O painel Fotografia, jornalismo e identidade, Comunicação, Cultura e Compreensão: interlocutores disciplinares e entre saberes foi orientado pelos docentes Simonetta Persichetti e Dimas A. Künsch. A aluna do segundo ano da graduação de Jornalismo e orientanda do professor Marcelo Moraes, Tainá Costa, apresentou o artigo Comunicação e interdisciplinaridade: algumas notas exploratórias sobre as bases epistemológicas da área na mesa Comunicação e Interdisciplinaridade. Antes de participar do CIP, ela já tinha uma disposição de seguir na área de pesquisa. “A experiência que tive na Cásper foi além das expectativas, são tantas as possibilidades dentro da área que seria impossível não ter vontade de continuar”, afirma ela. Felipe Sakamoto é editor da Esquinas e aluno de graduação da Faculdade Cásper Líbero. © BEATRIZ VECCI / CENTRO DE EVENTOS

Dimas Künsch, Cilene Victor e Maria Imaccolata abriram o 13º Fórum de Pesquisa

Victoria Leite é estudante de Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e estagiária na Gazeta Esportiva

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Vida

digital Revista Cásper ganha versão online com novas seções, reportagens extras e maior possibilidade de interagir com o leitor

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partir desta edição de número 20, a Revista Cásper passa a ser publicada também em versão digital. No endereço www.revistacasper.casperlibero. edu.br, será possível ter acesso à íntegra das edições, inclusive de publicações de anos anteriores. O site permitirá navegar ainda em conteúdos extras de reportagens da revista impressa ou exclusivas para o online. Vídeos, áudios e infográficos são alguns dos formatos possíveis para que a interação com o leitor seja cada vez mais intensa. A coordenadora do Curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, Helena Jacob, afirma que um dos diferenciais do site da Revista Cásper é o espaço para notícias, como eventos e outros acontecimentos importantes da Faculdade e do mundo da Comunicação. “O digital permite expandir muito o acesso ao conteúdo e divulgar mais a marca da Faculdade Cásper Líbero”, explica. O Núcleo Editorial, órgão laboratorial da Faculdade composto por alunos monitores, é responsável pela edição impressa e agora também pela versão digital. A Revista Esquinas, outra publicação do Núcleo, também ganhará sua versão online. Assim, abrem-se mais oportunidades para a publicação de trabalhos jornalísticos de alunos da graduação e da pós-graduação e professores. Haverá seções exclusivas no site. A Revista Cásper tem como eixos centrais reportagens e notícias relacionadas aos quatro cursos da instituição: Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Rádio, TV e Internet e Relações Públicas. A versão digital é fruto de uma parceria do Núcleo de Mídias Digitais, Coordenadoria de Jornalismo, Núcleo Editorial de Revistas e o Departamento de Desenvolvimento Web da Fundação Cásper Líbero. Sugestões de pauta, parcerias e outros assuntos: revistacasper@casperlibero.edu.br.

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PARA ENTENDER MAIS

Entre links e histórias Quer se aprofundar sobre os temas dessa edição? Siga o caminho das pedras

+ FOTOGRAFIAS Confira mais do trabalho de Ana Carolina Fernandes em matéria na Burn Magazine www.migre.me/vsLQD

+ ÁUDIOS Quer ouvir podcasts? Você pode encontrá-los no site da B9 www.b9.com.br/podcasts/ ou na biblioteca do iTunes www.migre.me/vsM64

+ NARRATIVAS Acompanhe a página no Facebook dos aprendizes e conheça mais projetos das Fábricas de Cultura www.migre.me/vvJpu http://migre.me/vvJuo

+ BIOGRAFIA A Cinemateca Brasileira disponibiliza site sobre o centenário de Paulo Emílio www.cinemateca.gov. br/100pauloemilio

+ VÍDEO + HISTÓRIAS Lançado em 2016, o site dedicado ao jornalista Marcos Faerman traz um pouco mais sobre sua trajetória, com coletâneas de seus trabalhos www.marcosfaerman.jor.br

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Assista na íntegra a master class de Josep Català na Faculdade Cásper Líbero www.migre.me/vsLNb


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