Revista Educação 301 março 2024

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Rita Pacheco Gonçalves EJA desvalorizada e 68 milhões sem educação

Fazer docente Liberdade para o educador(a) explorar e criar

revistaeducacao.com.br

EDUCACAO

Capital é a que mais investe nas juventudes

Violência escolar Não é brincadeira, é bullying. Como prevenir

ANO 28 Nº301 R$ 24,90

Como retomar o sentido da escola para as juventudes

Aumenta suicídio entre os jovens, ao mesmo tempo que ficam sem perspectiva de futuro. O papel não é só da escola, mas de diferentes órgãos para também garantirem arte, cultura e atividades de bem-estar

Rede Cuca, em Fortaleza, é referência em políticas públicas para esse grupo.
Conheça as NOVIDADES da Editora do Brasil para a Educação Pública! educacaopublica.editoradobrasil.com.br WhatsApp (11) 99329-5316 Acesse e solicite o contato de um(a) consultor(a) comercial

PROJETO

Lado a lado com a escola pública brasileira.

O projeto que prepara os estudantes para impulsionar os resultados do Ideb do seu município!

A coleção de Inglês para a Educação Infantil e os Anos Iniciais, feita exclusivamente para as escolas públicas brasileiras!

A solução didática criada para consolidar a alfabetização, sem deixar nenhum estudante para trás!

Um projeto que promove a Educação Antirracista e em Direitos Humanos, de maneira prática, respeitosa e instigante.

CARTA AO LEITOR

O futuro das juventudes

Ogoverno federal acertou ao lançar o Pé-de-meia, programa de bolsa financeira que busca combater a evasão no ensino médio. São mais de 45 milhões de brasileiros entre 15 anos e 29 anos, segundo dados do IBGE, e estes precisam de inserção nas políticas públicas de escolarização, mas também em iniciativas que deem a elas e eles perspectiva de vida. João Marcelo Borges, gerente do Instituto Unibanco, apresenta algumas saídas para a criação de políticas públicas que atraiam esses jovens.

Pesquisa da Fiocruz Bahia em parceria com Harvard alerta que aumentou o número de suicídios e autolesões entre os jovens brasileiros. Segundo a Fiocruz, apesar da redução de 36% no número de suicídios em escala global, as Américas fizeram o caminho inverso. No período entre os anos 2000 e 2019, a região teve aumento de 17% nos casos. Nesse período, o número de casos no Brasil subiu 43%.

E as juventudes indígenas, que são obrigadas a conviverem em meio às disputas de terra que, em alguns casos, levam à morte? Quais as oportunidades para esse público, cujo próprio direito de ser quem é está sendo violado?

Fique por dentro desses assuntos, cruciais para a construção de um país justo, na matéria de capa, página 20.

Escolas Mais Admiradas pela gestão escolar

A revista Educação lançou uma pesquisa de reconhecimento intitulada Escolas Mais Admiradas. A votação acontece até 19 de abril e é exclusiva para mantenedor(a), gestor(a), diretor(a), coordenador(a) pedagógico(a) e coordenador(a) de área. O objetivo é esmiuçar as instituições para que sirvam de inspiração. Essas escolas ainda marcarão presença em um evento presencial desta publicação que acontecerá em 19 de junho, na cidade de SP, para profissionais da educação.

Saiba mais e vote:

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EDUCACAO

A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 28 - Nº 301 março de 2024

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Sua Escola Ideal

Two Sides

Colaboraram nesta edição

Alex Bessas

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ATENDIMENTO

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Revista Educação 4
Redação
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Revista Educação 5 UMA EMPRESA GLOBAL COM MAIS DE 50 ANOS DE HISTÓRIA.

20 CAPA

Políticas públicas

Nossos jovens estão se evadindo da escola por inúmeros motivos. Governo federal acerta com programa de incentivo financeiro, mas também é preciso políticas que dialoguem com diferentes ministérios e secretarias para darem perspectiva a todas as juventudes, inclusive as indígenas

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ENTREVISTA

Rita Pacheco Gonçalves

É frequente a insinuação de colocar alunos ‘problemáticos’ de ensino regular na EJA. A representante dos fóruns de EJA no Fórum Nacional de Educação fala sobre a falta de investimento na modalidade que diminui a cada ano, mesmo tendo 68 milhões de brasileiros em potencial

MIDIÁTICA 26

Coluna

Alexandre Sayad

Países com bons resultados no combate à desinformação apresentam ações que se iniciam na escola, mas seguem por outros campos

e mais

14 Aprendizagem

17 Transformação

Formação cidadã

Práticas pedagógicas que educam para o exercício da cidadania são tão importantes no fazer docente quanto o aprendizado de conteúdos técnicos voltados para o alto desempenho

Parceria escola e família já foi identificada como um dos principais desafios da gestão escolar. Descubra caminhos para essa aliança se firmar

30 Violência escolar

34 Futuro da escola

42 Censo escolar

48 Diálogos

50 Entre margens

Revista Educação 6
SUMÁRIO
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FAZER DOCENTE
FAMÍLIA E ESCOLA 44 Relação Bruno Spada /Câmera dos Deputados

Pesquisa de reconhecimento

O que faz uma escola ser admirada por outros gestores(as) de escolas do Brasil? É isso que a revista Educação pretende descobrir com a pesquisa que se inicia agora, Escolas Mais Admiradas.

Com o resultado, promoveremos um evento presencial em junho para trocas de experiências entre as escolas mais admiradas e o público presente.

Votação até: 19 de Abril | Evento: 19 de junho

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REALIZAÇÃO

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ENTREVISTA

Rita Pacheco Gonçalves

“Tá na hora de você ir pra EJA”

Esse comentário é frequente para os alunos ‘problemáticos’ das escolas de ensino regular. A representante dos fóruns de EJA no Fórum Nacional de Educação fala da falta de investimento na modalidade que diminui a cada ano, embora tenhamos 68 milhões de brasileiros em potencial

| Por Rubem Barros

Mesmo sendo favorável ao programa federal Pé-de-Meia, que destinará R$ 200 mensais aos alunos do ensino médio que terminarem a etapa, a professora universitária aposentada Rita de Cássia Pacheco Gonçalves não crê que esse dinheiro seja suficiente para manter os estudantes na escola. Ao mesmo tempo, vê com bons olhos a adoção de mecanismo similar para os estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que perdeu 1 milhão de alunos entre 2018 e 2023.

Porém, mais do que tudo, é preciso retomar o financiamento da modalidade, que despencou entre 2012 e 2020, caindo mais de 95%.

A seguir, a catarinense Rita Gonçalves, que também deu aula em escola pública, analisa o momento da EJA no Brasil e lista alguns motivos para a queda de matrículas, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e critica a educação a distância (EAD) como um instrumento para baratear a oferta.

Segundo o último Censo Escolar (2023), o Brasil tem 68 milhões de pessoas a partir de 18 anos que não completaram o ensino médio nem o fundamental. Ou seja, 1/3 da população não terminou a educação básica e deveria estar na EJA. Esse percentual está subindo?

Está aumentando. A matrícula na EJA caiu para mais da metade nos últimos 10 anos. A população mais velha não escolarizada continua nessa condição, pois não é atendida, e os jovens continuam saindo da escola. Esse

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Arquivo pessoal Segundo a professora, a sociedade construiu a ideia da educação como um direito de todos, mas o modelo ainda é o da escola homogênea

movimento [do programa] Pé-de-Meia é importante, mas é insuficiente, pois não são R$ 200 por mês que fazem esses jovens pararem de trabalhar para estudar. E a população mais velha também precisaria de auxílio permanente. Mas não sei dizer qual o percentual de aumento. Não é um aumento absurdo.

Estamos falando de 1/3 da população.

E metade da população produtiva, enfim, daqueles que estariam em idade de trabalhar. Desse total, cerca de 47% não têm ensino fundamental completo, incluindo a população mais velha, acima de 20, 25 anos.

Temos dados de outros países, em especial da América Latina, para cotejar com esses números?

De cabeça não sei dizer. Mas na Europa, por exemplo, a educação básica é universalizada (o que não quer dizer que haja 100% de escolarização).

Na América Latina é diferente, só que a Argentina tem taxa de escolaridade e de anos de estudo muito mais alta que a nossa. Mas o Brasil está entre os piores. Uruguai e Chile com certeza também estão melhores. Tenho dúvidas sobre a Bolívia, da Venezuela não tenho dado nenhum. Mas é interessante notar que o único que tem escolarização de jovens e adultos, conjuntamente, é o Brasil. Na América do Sul e Latina, na Europa, fala-se em EA, educação de adultos, não de jovens. Porque a escolaridade dos jovens é alta, é a população mais velha que tem escolaridade básica incompleta.

tada como uma referência importante, tem muitos adolescentes nessa etapa. E isso ocorre no Brasil inteiro. Se olharmos os dados de matrícula, a maioria dos alunos de EJA é de jovens adolescentes, de 15 a 18 anos. Sem dúvida, há um processo de expulsão dos ditos ‘adolescentes problemáticos’. A frase “tá na hora de você ir pra EJA” é muito usada nas escolas da idade obrigatória [regulares].

E até que ponto a nota do Ideb influencia nessa questão?

Único país que tem escolarização de jovens e adultos, conjuntamente, é o Brasil. América do Sul e Latina, na Europa, fala-se em EA, educação de adultos, não de jovens, porque a escolaridade dos jovens é alta

Muitos estudiosos têm destacado a existência de um movimento na escola regular para se livrar dos alunos afetados pela distorção idade/série.

É verdade. Há muitos relatos e queixas, especialmente de professores que trabalham na EJA. Mesmo em Florianópolis, que tem uma proposta de EJA que pode ser ci-

Tenho dúvidas sobre isso. Acho que é muito mais uma história de perda de sentido do ensino médio, algo que ocorre há mais de uma década. O ensino médio ora é preparação para o trabalho, ora para o ensino superior, não tem uma personalidade, um sentido em si mesmo. Tanto para os jovens como para os professores. No ensino fundamental, há um descompasso da escola com relação às diferenças, ao multiculturalismo, uma dificuldade de encarar as pessoas de hoje. Não é só uma dificuldade pedagógica, dos professores, não é isso. É a estrutura da escola, o modelo. A sociedade construiu a ideia da educação como um direito de todos, da escola como um lugar da diversidade, mas o modelo ainda é o da escola homogênea, que quer todos os meninos e meninas da mesma idade, da mesma classe social, da mesma cor, da mesma raça, da mesma orientação sexual. Há muita dificuldade de lidar com toda essa diversidade, de construir um currículo que dialogue com tudo isso. E as crianças e adolescentes, estes em especial, têm esse problema do ‘desajuste escolar’, que começa no 4º ou 5º ano do fundamental e se acentua nos anos finais. Há um sobrecarregamento de expectativas, mas há problemas de currículo, de estruturas empobrecidas e de linguagens que fazem com que os meninos não se ajustem. Quando eu era estudante — fiz parte do grupo minoritário que ia para a escola — havia a promessa, e que

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ENTREVISTA

de certa forma era cumprida, de que, se concluísse a escolarização básica, você conseguiria um emprego de longa duração. A escola, como instituição pública social, fazia a hierarquização da população. Um número reduzido entrava, alguns ficavam pelo caminho, mas quem permanecesse e se esforçasse conseguiria um emprego com alguma estabilidade.

Hoje isso não é mais verdade?

Não, e os jovens sabem disso. A promessa de um emprego com estabilidade, salário digno e um trabalho justo não condiz mais com a instituição escolar, que não tem mais esse crédito.

Entre 2018 e 2023, houve redução de um milhão de matrículas nos níveis fundamental e médio de EJA. A que podemos atribuir essa queda?

Em 2012, os recursos federais empenhados para EJA foram de R$ 1,8 bilhão. Em 2020, foram de R$ 8 milhões, queda de 95,56%, segundo dados levantados pelo professor Marcelino Rezende, da USP de Ribeirão Preto. Aí já dá para ter ideia do que os municípios fizeram.

Isso considerando só os municípios?

Não é um direito do cidadão?

É um direito público subjetivo, mas o sujeito tem de requisitar. É dever do Estado ofertar, mas, como não é uma etapa obrigatória, o Ministério Público não vai em cima da prefeitura, a não ser que um grupo de moradores, de pessoas, o acione para isso. Os instrumentos para requerer esse direito são mais difíceis de serem usados do que aqueles utilizados na idade obrigatória. Qualquer um pode acusar um prefeito de não oferecer vaga para a educação infantil. Para a EJA, os próprios sujeitos têm de requisitar. Como eles não sabem que têm esse direito, não requisitam. Aí é fácil que se deixe de ofertar.

A matrícula na EJA caiu para mais da metade nos últimos 10 anos. A população mais velha não escolarizada continua nessa condição, pois não é atendida, e os jovens continuam saindo da escola

Não. Tudo, todo o investimento em EJA. A maior parte dos investimentos vem do governo federal, via Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação]. Quem oferece as matrículas são estados e municípios, a União é responsável pelo financiamento. Então, o que acontece? Há obrigatoriedade constitucional de ofertar educação dos quatro aos 17 anos. Se um prefeito não oferece educação infantil para as crianças de cinco anos, é acionado pelo Ministério Público. São obrigados a fazê-lo, enquanto a EJA não é obrigatória.

Em paralelo a essa redução de recursos, temos a resolução 01/21 do Conselho Nacional de Educação que alinhou a EJA à BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Se a BNCC já é complicada para a idade obrigatória, com alunos mais ou menos homogêneos, imagine como é ter currículo comum — que não se restringe aos conteúdos, mas tem também forma de organização, com quatro horas de aulas por dia, X matérias... Isso na EJA não dá certo. E, ao alinhar a EJA à BNCC, o CNE permitiu que até 80% dessa oferta seja feita em educação a distância. Numa busca no Google sobre EJA ou supletivo em EAD, você vai ver a quantidade de ofertas... [para EJA EAD: 2,8 milhões de respostas].

Apesar de baixo, um dos números mais estáveis de matrículas em EJA é em instituições privadas. Essa oferta em EAD explica esse fato?

Exato. O que temos visto é a substituição da oferta de EJA por contratos entre prefeituras e empresas que oferecem EJA em EAD. A prefeitura compra esse serviço, que é barato, e oferta por esse canal. Há empresas de Santa Catarina que fazem EJA em Manaus; do Mato Grosso que operam para todo o Nordeste.

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“É dever do Estado ofertar, mas, como não é uma etapa obrigatória, o Ministério Público não vai em cima da prefeitura.” Na imagem, participava de uma audiência pública

E existe algum tipo de avaliação dessas formações de EJA via EAD?

Nada. A EJA tem sido relegada ao escanteio, à precarização da precarização. No governo Bolsonaro, a EJA não existiu.

Em meio a isso tudo, teve a pandemia.

Sim, o que foi um desastre completo. As prefeituras e estados ofertaram a EJA via EAD por celular e computador. Tudo que exige alguma rede de internet não funciona na EJA. Esses estudantes não têm Wi-Fi. Eles compram dados para usar o WhatsApp, não dá para assistir aula pelo celular com plano de dados. Outra forma foi fazer cópias de atividades que professores, de forma até heroica, levaram à casa dos alunos. Mas esses alunos não tinham como compreender e fazer as atividades sozinhos. Resultado: uma evasão absurda, sem que houvesse um processo de resgate desses estudantes depois da pandemia.

E no atual governo?

O ministro Camilo ainda não deu conta de lançar a política dele. A gente sabe, pois estamos lá pressionando, que a política está praticamente finalizada na Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão).

Saberia adiantar algo dessa nova política?

O que sabemos é que vão fazer chamadas públicas, tem um movimento para articulação de financiamento para as prefeituras e estados, extensão de auxílio permanente — versão do Pé-de-Meia para EJA, para aqueles que estão

Cerca de 47% [desses 68 milhões de brasileiros] não têm ensino fundamental completo, incluindo a população mais velha, acima de 20, 25 anos

no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais), aquelas pessoas na linha da pobreza que recebem Bolsa Família ou estão desempregadas ou em trabalhos precários. Outra proposta importante é a de buscar intersetorialidade com os Ministérios do Trabalho, da Justiça (tem EJA nas prisões), das Mulheres, dos Direitos Humanos, porque eles têm diferentes programas de educação e podem ajudar a incentivar, pois têm os dados, por exemplo, das mulheres de baixa renda, das trabalhadoras informais, e sabem quantas são, onde estão, como chegar a elas. A mesma coisa com a Agricultura, o Trabalho, que podem articular a formação com a qualificação para o trabalho. O programa é interessante, mas faz um ano e três meses que está lá e o ministro não cita a EJA.

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Bruno Spada /Câmera dos Deputados

ENTREVISTA

Mas houve alguma mudança?

Sim, houve. O fator de ponderação do Fundeb até o ano passado era 0,8 (80%) para o ensino fundamental em EJA [em comparação com o valor base de 1 dos anos iniciais do fundamental urbano] e agora é de 1 para a EJA com avaliação [e 1,2 para EJA articulada à educação profissional de nível médio]. Isso pode incentivar municípios e estados a oferecer EJA, a melhorar.

A senhora falou da questão curricular, que já gerava tensões entre jovens e mais velhos. A BNCC não faz distinções. Separar jovens e adultos ajudaria ou atrapalharia?

De modo geral, os adultos dizem que os jovens atrapalham. Os jovens não se importam. Mas temos experiências exitosas de turmas mistas em termos geracionais. Nelas, os adultos ‘adotaram’, acolheram os jovens. Isso funcionou bem.

Nesses casos, identifica-se algo de diferente, inclusive do ponto de vista curricular?

Acontece em lugares com propostas diferenciadas. Vou dar o exemplo de uma turma de ensino médio aqui de Florianópolis: eles não têm aulas de matemática, de português, eles têm projetos de pesquisa. Escolhem temas e questões que querem aprofundar, conhecer, a partir de seus interesses e necessidades. Aí formam grupos e vão pesquisar, tendo os professores como mediadores na busca das respostas nas diferentes áreas do conhecimento que ajudem a entender aquele fenômeno ou questão. Os adultos adotam os mais jovens incentivando-os, cobrando presença, participação, fazendo junto. Há depoimentos, por exemplo, de um menino e uma senhora, que tiveram uma relação quase de neto e avó. Ou seja, não é impossível.

Mas acaba sendo exceção...

O currículo não pode ser tratado como uma caixa igual para todo mundo; se isso já é complicado para meninos e meninas da mesma idade e geração, na EJA não funciona

os adolescentes, é preciso ter uma outra linguagem: um tipo de música, um tipo de letra, de literatura, de abordagem. Para adultos e idosos trabalhadores, a linguagem é outra. O mesmo assunto precisa ser tratado de forma diferente, considerando a especificidade geracional. E há aspectos culturais, o que preocupa os jovens, as pessoas LGBTQIA+ são questões de outra ordem. Os pontos de partida para ter acesso ao conhecimento, as perguntas e respostas são diferentes. O currículo não pode ser tratado como uma caixa igual para todo mundo; se isso já é complicado para meninos e meninas da mesma idade e geração, na EJA não funciona de jeito nenhum.

A senhora também é arquiteta. O aproveitamento dos espaços de aula poderia ser diferente?

Minha especialidade na EJA é o ensino de matemática, mas minhas teses de mestrado e doutorado são sobre arquitetura escolar. Sem dúvida, o espaço é determinante na organização. Quando se organiza a sala sempre do mesmo jeito, esperando pessoas homogêneas, com as cadeiras uma atrás da outra, isso mantém a escola num modelo, numa metodologia desconfortável, cansativa, que não ajuda a permanência durante quatro horas, em especial para quem trabalhou o dia todo. Outra questão é do espaço enquanto estímulo para o conhecimento. É muito frequente ter senhoras e senhores idosos numa sala da educação infantil, cheia de letrinhas, de frutinhas... E também é muito possível que os professores organizem uma proposta metodológica da mesma forma que para as crianças.

E as bibliotecas?

Há questões que requerem tratamento diferente. Para

Para criar o hábito, o gosto pela leitura, é preciso estar perto dos livros. Na EJA, as bibliotecas frequentemente estão fechadas. Faltam estímulos visuais, imagens da vida adulta, textos da vida adulta.

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#8M

MARCO

MÊS DAS MULHERES

Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.”
Rosa Luxemburgo
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APRENDIZAGEM

Pensamento computacional como estratégia para múltiplas habilidades

Colégio maranhense compartilha o processo de implantação desta abordagem que já ocorre desde 2017, enquanto dois especialistas mostram como percorrer esse caminho

Diariamente, crianças e adolescentes, de seis a 17 anos, matriculados no Colégio Marista Araçagy, no Maranhão, seguem a mesma rotina. Ao chegar à escola, de orientação católica, se recolhem em um momento de espiritualidade e que também tem função de serenar os ânimos, separando o mundo externo das experiências naquele ambiente. Na sequência, seguem para as salas de aula… ou para outros espaços de aprendizagem, onde podem se dedicar a atividades que vão da robótica ao trabalho artesanal da cultura maker, passando também por laboratórios de informática.

Esse conjunto dinâmico de atividades, que extrapola a lógica convencional do ensino, geralmente mais restrita à interação verticalizada entre professor e aluno, é parte do cotidiano na instituição desde 2017, quando, a partir de um documento norteador da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), houve a implementação, no lugar, do pensamento computacional — abordagem que, na definição da BNCC, “envolve as capacidades de compreender, analisar, definir, modelar, resolver, comparar e automatizar problemas e suas soluções, de forma metódica e sistemática, por meio do desenvolvimento de algoritmos”.

“Entendemos o pensamento computacional como uma competência necessária para a atualidade, capaz de estimular o desenvolvimento de outras habilidades”, sustenta Lana Cunha, vice-diretora do Colégio Marista Araçagy, cujos alunos são introduzidos a essa lógica desde a educação infantil. “Nos anos iniciais, temos um programa de educação tecnológica que aborda a robótica, possibilitando que eles aprendam enquanto

“Os alunos se envolvem muito. Eles se engajam tanto que há um aumento do interesse até pelas aulas mais tradicionais”, comemora Lana Cunha, vice-diretora do Marista Araçagy

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Fotos: Marista Araçagy/Divulgação

se divertem”, detalha, indicando haver também atividades com foco na cultura maker com atividades ‘mão na massa’, envolvendo alunos de todas as faixas etárias.

“Para os que estão nos anos finais, nossos professores têm o compromisso de realizar essas atividades fora da sala de aula, quinzenalmente”, detalha. O objetivo, diz, é desenvolver nos estudantes competências como criatividade, cognição, pensamento lógico e a autonomia. “Assim, quando chegam ao ensino médio, já conseguem, por si, escolher que tipo de material didático será o ideal — se vídeo, áudio ou texto, por exemplo —, e podem construir sua própria trilha de aprendizagem”, aponta. “Vai muito além da programação de computador”, enfatiza.

MÚLTIPLAS FORMAS

A professora e consultora de inovação Débora Garofalo, colunista desta revista Educação, assinala que o pensamento computacional é importante não apenas por trabalhar com temas como a informática e a robótica, mas, sobretudo, por trabalhar a linguagem. “É preciso desmistificar a ideia de que essa abordagem está exclusivamente associada à programação: estamos falando de algo que trabalha com a mentalidade de coisas do cotidiano, buscando a solução de problema a partir do pensamento lógico — não necessariamente visando formar profissionais da tecnologia da informação”, elucida.

Débora, que é reconhecida por conta de seu projeto de robótica com sucata como uma das melhores professoras do mundo pelo Global Teacher Prize, tido como o Nobel da Educação, situa que o pensamento computacional pode ser trabalhado como uma disciplina à parte ou transversalmente, abrangendo diferentes áreas do conhecimento, como propõe a BNCC. Ela pondera ainda considerar prematuro um debate que, necessariamente, vincula a abordagem a uma dis-

Estudantes do maranhense Colégio Marista Araçagy têm aulas com essa abordagem desde a educação infantil

Para a premiada professora Débora Garofalo, sem um projeto de formação continuada não há como esse projeto pedagógico ser bem-sucedido.

“Até mesmo em língua portuguesa é possível fazer essa aplicação”

ciplina, pois estados e municípios ainda estão se estruturando para a sua implementação.

APLICAÇÕES

O exemplo mais usado de aplicação desse sistema de aprendizagem em disciplinas tradicionais do currículo escolar é na matemática. “Neste caso, vai ajudar o estudante a compreender o que está por trás de fórmulas e códigos”, explica o pesquisador e cientista da computação Izaquiel Lopes, que já atuou como professor no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG).

Débora Garofalo vai além: “Até mesmo em língua portuguesa é possível fazer essa aplicação, como ao criar uma storytelling, observando seus padrões, pontos que estão na base dessa construção”, sugere.

Vale registrar, ambas as atividades mencionadas trabalham eixos que estão na base do pensamento computacional, como a sistematização de padrões a partir de semelhanças e regularidades entre os dados ou as partes do problema, e a elaboração de algoritmos, que vão definir uma sequência de passos a serem seguidos para se elucidar uma questão.

Quanto aos instrumentos para trazer a abordagem para as aulas, o cientista e pesquisador cita a gamificação como opção. “Neste caso, o professor pode transmitir o conhecimento aos alunos por meio de jogos ou simulações, por exemplo”, menciona. Outro pilar é a robótica e a cultura maker, quando os estudantes vão construir artefatos, plugados ou desplugados, indo da eletrônica à marcenaria e costura.

“O fundamental é respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem, de forma que, na educação infantil, podemos explorar a questão do corpo e do lúdico, e, no ensino médio, estimular a solução de problema”, avalia Débora, acrescentando que a implantação do pensamento

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Giovanna Garofalo/Divulgação Arquivo pessoal

APRENDIZAGEM

computacional ainda esbarra em um grande desafio: a formação docente no Brasil. “Muitos professores não se sentem preparados por achar que não foram formados para isso, acreditando, erroneamente, que se trata de algo muito complexo.” Para ela, sem um projeto de formação continuada, que capacite esses profissionais, não há como esse projeto pedagógico ser bem-sucedido.

ADAPTAÇÃO

No colégio do Maranhão, a aplicação do pensamento computacional envolveu adaptações tanto em termos de forma quanto de conteúdo. “O colégio se preparou física e pedagogicamente para isso”, lembra Lana Cunha. “Do ponto de vista físico, estruturamos ambientes, por exemplo, para receber atividades de educação tecnológica, com tecnologia de robótica, em que temos ilhas, permitindo trabalho de cinco grupos de

No Colégio Marista Araçagy, MA, é por meio do pensamento computacional que os estudantes desenvolvem competências como criatividade, cognição, pensamento lógico e autonomia

No Colégio Marista Araçagy, a aplicação do pensamento computacional envolveu preparo físico e pedagógico

cinco alunos, ou para as atividades da cultura maker, onde temos impressora 3D, impressora de corte, mesas e estruturas para o trabalho em grupo”, detalha.

“Pelo viés pedagógico, firmamos parceria com uma empresa de tecnologia que estruturou um programa de aprendizagem a partir das nossas matrizes curriculares, de forma que, seja para o ensino fundamental ou médio, temos cargas horárias específicas para essas aulas”, explica, complementando que o trabalho de assessoramento e formação continuada do corpo docente é o pilar de todo esse processo. “Antes de trazer essa proposta aos alunos, precisamos capacitar nossos professores para que se sentissem seguros para introduzir esse pensamento em suas aulas”, garante.

ESTIMULANTE

Olhando para trás, Lana Cunha entusiasma-se com os resultados colhidos até aqui. “Os alunos se envolvem muito. Eles se engajam tanto que há um aumento do interesse até pelas aulas mais tradicionais”, comemora. Segundo ela, contribui para esse fenômeno o fato de boa parte dos seus alunos serem nativos digitais. “São crianças que já nasceram em um mundo tecnológico. Para elas, essa interação é natural e intuitiva.”

“Além disso, para os adolescentes, características dessa fase do desenvolvimento também entram em conta, como o florescimento de um espírito ao mesmo tempo competitivo e cooperativo”, examina. Diante disso, diz, o colégio busca participar de torneios internos e externos, como a Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR). “Em 2023, uma equipe nossa saiu vencedora na fase remota dessa competição nacional”, orgulha-se.

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Marista Araçagy/Divulgação

TRANSFORMAÇÃO

A infância tem caráter histórico e social

Desigualdade não é um destino, sob a perspectiva da educação; trata-se de um desafio a ser superado

| Por Damaris Silva

A infância é um período de imenso poder e potencial, fato já consolidado nos documentos norteadores da legislação brasileira e nas práticas educacionais. O poder da infância se reflete no avanço de sua representatividade, dentro da educação básica, como um sujeito histórico e de direitos. Entretanto, fatos que se desdobram em cenários de desigualdade social da fase adulta trazem indícios de que há obstáculos que impomos a algumas de nossas crianças desde muito cedo.

Recentemente, os resultados da pesquisa Alfabetiza Brasil, apresentados ano passado, mostraram que, em 2021, 56,4% dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental não estavam alfabetizados. Essa lacuna na alfabetização não é apenas um reflexo da defasagem educacional, mas também um fator que contribui para perpetuar a desigualdade social. A pesquisa revelou que a desigualdade racial é evidente na alfabetização, pois 47,4% das crianças pretas e 44,5% das crianças pardas não estavam plenamente alfabetizadas, em comparação com 35,1% das crianças brancas.

O filósofo Renato Nogueira nos lembra que a infância não é apenas um período de tempo, mas também um espaço de experiências e um estado de ser, além de ser um período de formação e transformação, cujas crianças não são apenas receptores passivos de conhecimento, mas também agentes ativos de sua própria aprendizagem. Entretanto, os caminhos de nossa educação nos mostram que há certos contextos sociais, econômicos e étnicos que têm inviabilizado esse protagonismo da aprendizagem, que passa, sobretudo, pela garantia do processo de alfabetização.

Em 2023 foi lançado pelo MEC o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, uma iniciativa que visa garantir que 100% das crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao final do 2° ano do ensino fundamental. O compromisso tem entre suas premissas o enfrentamento das desigualdades regionais, socioeconômicas e de gênero. Trata-se de uma ação importante do governo federal, porém, o seu sucesso exige, além do pacto entre União, estados e municípios em prol da sistematização dos processos de alfabetização, também um esforço concertado em superar as barreiras impostas pelas desigualdades.

Ao olharmos para o novo compromisso, que se inscreve como grande desafio aos educadores e sistemas educacionais brasileiros, devemos também recordar que a desigualdade não é um destino, sob a perspectiva da educação; trata-se de um desafio a ser superado.

Em última análise, a luta contra a desigualdade social desde a entrada dessa criança na educação básica é uma luta por um futuro verdadeiramente melhor para todos. Como o filósofo Renato Nogueira nos lembra, a infância tem um caráter histórico e social. Nesse sentido, nosso cuidado é pelo olhar para a mudança. Fazer a diferença na vida de nossas crianças e, por extensão, na sociedade como um todo.

Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar

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Escola precisa ter sentido para as juventudes

Nossos jovens estão se evadindo da escola por inúmeros motivos. Governo federal acerta com programa de incentivo financeiro, mas também é preciso políticas que dialoguem com diferentes ministérios e secretarias para darem perspectiva a todas as juventudes, inclusive as indígenas

Diante das constantes transformações sociais e de futuros incertos, o valor da educação também está em jogo. Se há 30 anos era comum as juventudes se sentirem instigadas a concluírem a educação básica visando melhoria financeira para a família — impacto maior ainda se garantisse um diploma superior —, hoje não há mais essa garantia. Fato é que o mundo falhou nas promessas de garantir escola para todos e todas.

“Como permitimos 258 milhões de crianças e jovens fora da escola? Uma em cada sete crianças em idade escolar no mundo não está na escola. Metade sai da escola aos 15 anos sem ter adquirido aprendizagens mínimas. A Unesco diz que é preciso um novo contrato

A Rede Cuca oferta mais de 6 mil vagas em cursos de formação e esportes e é uma das políticas públicas para as juventudes mais bem estruturadas do país

POLÍTICA PÚBLICA
Sec. Juventude Fortaleza

social de educação”, alerta o professor português António Nóvoa, que presidiu na Unesco global um comitê de pesquisa que gerou o relatório Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação, publicado em 2021.

António Nóvoa, que também é professor catedrático e reitor honorário da Universidade de Lisboa, afirma que um dos grandes problemas da educação é que os jovens têm de ter um sentido para aquilo que estão a aprender.

INSTABILIDADE VS. SENTIDO

“Sequer sabemos os empregos do futuro, sabemos que estão a acabar todos os dias. É preciso reencontrar um sentido. Antes a escola tinha uma razão de ser. Hoje a escola tem que construir a sua existência e a sua razão de ser, quer dizer: quando um aluno chega, temos que construir com ele uma razão de ser daquela aprendizagem, daquele trabalho, etc.”,

exemplifica António Nóvoa.

Para qualquer ação educativa, Nóvoa destaca que, hoje, mais do que nunca é preciso conversar com os jovens, perguntar o que querem e o que não querem. “É isso que dá sentido ao que designamos muitas vezes por escola democrática, cujo aluno tem voz. Não é perguntar se querem matemática ou não, isso nós decidimos porque temos uma responsabilidade maior. Mas a escola democrática busca inscrever a voz deles no processo educativo”, orienta.

PARA ATRAIR OS JOVENS

Em busca de combater a evasão escolar no ensino médio, o governo federal lançou este ano o certeiro programa de bolsa financeira Pé-de-meia, cuja previsão é a de começar no final de março. A iniciativa é similar ao que já acontece em estados como Alagoas, Santa Catarina e Goiás. Em resumo, funcionará da seguinte forma: o estudante receberá 200 reais por mês que podem ser sacados a qualquer momento; no final de cada ano concluído, mais 1.000 reais cujos saques só ocorrerão ao final da conclusão do ensino médio; e mais 200 reais pela participação no Enem.

Para além de políticas exclusivamente voltadas à escola, alguns atores sociais já compreenderam que é preciso olhar para as juventudes de forma ampla e via parcerias entre ministérios e secretarias. O desafio é entender quais políticas públicas e atividades para essa

Sobre a situação inaceitável dos Guarani Kaiowá no MS, a subsecretária-geral das Nações Unidas e Assessora Especial para Prevenção do Genocídio, a queniana Alice Wairimu Nderitu, desabafou: “Fiquei chocada com a extrema pobreza deles”

faixa etária podem gerar como resultado, além da conclusão da educação básica, qualificação profissional, saúde, bem-estar, lazer, etc., e/ou simplesmente a satisfação de viver. Pautas, inclusive, garantidas no Estatuto da Juventude, de 2013.

POLÍTICAS PÚBLICAS MULTISSETORIAIS E FLEXÍVEIS

João Marcelo Borges, gerente de pesquisa e inovação no Instituto Unibanco, aprova programas como o Pé-de-meia, mas sabe que é preciso ir além. Mais que ações intersetoriais, ele defende a construção de políticas públicas multissetoriais e multiníveis e que considerem as vontades das juventudes. “Anos de insucesso de políticas para esse público nos permitiram entender que se não houver formatação de uma oferta para as juventudes ligada aos seus interesses e sonhos, no caso, só ofertar e dizer: ‘faz aí’, não vai acontecer”, rebate. Vale lembrar que essa fase da vida tende a ser de contestação e experimentação. “Portanto, as ofertas tampouco podem ser estáticas. Uma iniciativa que funciona este ano com algum grupo de jovens não funcionará

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Cimi Regional Sul

POLÍTICA PÚBLICA

daqui a cinco anos com outro grupo e talvez nem mesmo com os deste ano porque eles mudaram seus interesses nesse período de experimentações. Isso já sabemos, mas qual é o problema disso para o setor público?”, questiona.

João Marcelo, que atuou no desenho das Fábricas de Cultura do estado de SP quando trabalhava no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), explica que são três problemas: o primeiro é buscar entender quais são os interesses das juventudes; o segundo, desenhar um conjunto amplo, cambiável, flexível e diverso, já que, no geral, as políticas são padronizadas. E o terceiro problema é refletir o tempo de duração das novas ofertas — porque a demanda é diversa, mas a oferta não dá conta de que seja assim, mas, se não for, segundo ele, os jovens não se engajarão.

“A solução é: abra-se para o desenho dos jovens, eles vão desenhar plataformas para modelarem essas ofertas. Por exemplo, em vez de abrir um edital de oficinas artístico-culturais desenhando quatro áreas — dança, música, teatro e audiovisual —, faça isso e desenhe mais duas categorias em aberto — qualquer coisa que vocês queiram. Isso é deixá-los modelarem, porque eu [formulador de políticas públicas], não posso tudo. E continue ouvindo porque ano que vem pode ser que teatro para aquele grupo não faça o mais sentido, mesmo que a região tenha o melhor espaço de teatro.”

Ou seja, estratégia multissetorial e multinível, segundo João Marcelo, é aquela que abarca uma política em nível país, mas também para estados e suas variações, e depois para os municípios respeitando as microrregiões. “Há região que gosta mais de funk, outra que tem espaço físico de esporte que precisa ser aproveitado. Não adianta pen-

Anos de insucesso de políticas para esse público permitiram entender que temos de ouvir o que as juventudes querem. “Só ofertar e dizer: ‘faz aí’, não vai acontecer”, orienta João Marcelo, do Instituto Unibanco

sar em uma estratégia de só um nível, precisa ser multinível e ter uma parte micronível”, orienta.

Outra defesa de João Marcelo e, com certeza, de boa parte da população, é o fortalecimento dos Pontos de Cultura, programa sociocultural criado na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura e que beneficiou cidades e até aldeias amazônicas. “Não poderiam anunciar um programa em tempo integral nas escolas sem a inclusão de um Ponto de Cultura dentro delas. É uma grande oportunidade para os estudantes e também para os já formados que podem frequentar ali, ressignificando a escola que passa a não ser apenas o locus da obrigação do estudo”, conclui.

NORDESTE É REFERÊNCIA

“Sequer sabemos os empregos do futuro, sabemos que estão a acabar todos os dias. É preciso reencontrar um sentido. Antes a escola tinha uma razão de ser”, explana António Nóvoa

Fortaleza, CE, é referência em políticas públicas para os jovens e um dos motivos é o orçamento: este ano, a prefeitura investirá 58 milhões de reais na Secretaria da Juventude, tornando-a a capital com mais recursos para esse público. Como exemplo, a Secretaria Especial da Juventude Carioca, do RJ, cuja cidade tem mais que o triplo de habitantes que a cearense, tem a previsão de receber este ano 33,3 milhões de reais. Outra grande causa de Fortaleza ser referência é o desenho bem estruturado da Rede Cuca (Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte), criada em 2009, e que atualmente possui cinco unidades, todas em regiões periféricas da capital cearense — Barra do Ceará, Mondubim, Jangurussu, José Walter e Pici, com mais uma em construção.

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Arquivo pessoal

A Rede Cuca é mantida pela Secretaria Municipal da Juventude e a gestão é do Instituto de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (IC Fortaleza), tendo um contrato de gestão de 32 milhões de reais por ano, quase o valor total que a cidade do RJ destina a esse grupo.

“Os equipamentos da Rede Cuca são localizados em áreas de baixo IDH, em locais onde há a maior população jovem da cidade, e também nas regiões cujos índices de homicídios e violência são maiores entre os jovens”, esclarece o secretário da Juventude de Fortaleza, Davi Gomes.

PERCURSO FORMATIVO COM AUTONOMIA JUVENIL

Cada unidade/equipamento da Cuca possui salas multiuso, estúdios de rádio, música, TV e fotografia, salas de artes cênicas, teatro, cinema, ginásio poliesportivo, piscinas semiolímpica e infantil, quadra de areia, salas de artes marciais e biblioteca. Há também presença de psi-

Fiocruz BA alerta: de 2011 a 2022, a taxa de suicídio entre jovens brasileiros cresceu 6% ao ano e as autolesões aumentaram 29% ao ano no mesmo período

cólogo e projetos nas áreas de direitos humanos, meio ambiente, esportes, trabalho e empregabilidade, artes e cursos de formação em comunicação, tecnologias e linguagens. Mensalmente, são ofertadas gratuitamente mais de 6 mil vagas em cursos de formação e esportes e a Rede toda atende cerca de 40 mil pessoas.

“A Rede Cuca talvez seja a política mais longeva em relação às redes de equipamentos voltadas exclusivamente para a juventude no Brasil. Ela é pioneira e a maior rede de equipamentos voltados para essa faixa etária no Brasil”, garante o secretário Davi Gomes, o qual afirma que o modelo da Cuca é baseado no protagonismo juvenil, uma vez que há conselho de jovens e o programa Comunidade em Pauta, que realiza reuniões mensais em todas as unidades com coletivos juvenis.

Segundo o secretário Davi Gomes, um dos maiores obstáculos da Rede Cuca é aplicar e desenvolver uma política pública que melhore todos os aspectos sociais da vida do jovem em situação de vulnerabilidade extrema. “As juventudes sofrem com problemas de vulnerabilidade social, vulnerabilidade territorial, vulnerabilidade de protagonismo e, muitas vezes, não chegam a ter acesso às políticas de bem-estar social oferecidas pelo equipamento. O maior desafio é como adentrar e oferecer para os jovens oportunidades que vão além das que já são oferecidas”, analisa. Davi Gomes se preocupa com o aumento das facções criminosas, que tem gerado mais violência e contato com as drogas — não só em Fortaleza, mas em outras regiões do país —, contudo, são questões que fogem da responsabilidade da prefeitura, mas que atrapalham para uma melhor efetivação dos projetos.

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Jr. Marinho Rede Cuca do bairro José Walter. Fortaleza é a capital que mais investe nos jovens. Orçamento 2024 para a Secretaria da Juventude é de 58 milhões de reais

POLÍTICA PÚBLICA

SUICÍDIO EM ALTA; DIREITOS RASGADOS

Se o sentimento de injustiça e tristeza por ainda tratarem a invasão do Brasil de descobrimento são grandes entre os povos indígenas, imagine o desafio que é lutar contra a invasão de território, assassinatos, preconceito, exigir educação escolar indígena e diferenciada e outras violações das mais variadas. Com os direitos negados e a imposição de um único modo de vida, o capitalista, falta perspectiva de vida para eles.

“Hoje, vejo os nossos jovens indígenas mais tristes por presenciarem tanta violência, tanta intolerância e falta de respeito. A discriminação atinge o espírito do nosso povo”, desabafou, em um evento da revista Educação de 2022, Marcio Vera Mirim, cacique Guarani Nhandeva da aldeia Yvy Porã, da Terra Indígena Jaraguá, SP.

Com base em mais de 1 milhão de dados, pesquisa recente da Fiocruz Bahia em colaboração com pesquisadores de Harvard alerta que de 2011 a 2022, no Brasil, a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano e autolesões entre pessoas de 10 a 24 anos aumentaram 29% ao ano no mesmo período. Ao olhar os dados por pessoas brancas, amarelas, negras e indígenas, o número de suicídios e autolesões entre povos indígenas é o maior, com mais de 100 casos a cada 100 mil pessoas.

ALGUÉM REALMENTE SE PREOCUPA COM OS KAIOWÁ?

É no Mato Grosso do Sul que parte dos Guarani Kaiowá luta contra um etnocídio. Expulsos de suas terras, há quem fique na beira da estrada. Houve casos de pistoleiros a mando de fazendeiros que chegaram atirando em áreas retomadas pelos indígenas, matando e ferindo. Tais atrocidades podem voltar a acontecer a qualquer momento.

Estratégia multissetorial e multinível, segundo João Marcelo, do Unibanco, é aquela que abarca uma política nacional, mas também para estados e suas variações, e depois para os municípios respeitando as microrregiões

Equipamentos da Rede Cuca estão localizados em áreas de baixo IDH e onde há a maior população jovem da cidade, conta o Secretário da Juventude de Fortaleza, Davi Gomes

Após passagem pelo Brasil em maio do ano passado, inclusive onde vivem os Guarani Kaiowá, a subsecretária-geral das Nações Unidas e Assessora Especial para Prevenção do Genocídio, a queniana Alice Wairimu Nderitu, declarou publicamente: “Eles são discriminados no acesso a serviços básicos. Fiquei chocada com a extrema pobreza deles...Enquanto estive no Mato Grosso do Sul, recebi vários relatos e testemunhos do tratamento humilhante e degradante recebido pelos Guarani Kaiowá, o que leva a um intenso aumento de suicídios entre os jovens dessa comunidade... Agricultores pulverizam pesticidas nocivos em suas plantações, que são inalados pelo povo Guarani Kaiowá, causando sérios problemas de saúde e morte de crianças. A taxa de mortalidade infantil aumentou significativamente, segundo a OMS”.

A professora Tainara Castelão Ricardo tem 28 anos e é do povo Guarani. Ela vive na aldeia Te’yíkue, dos Guarani Kaiowá, localizada em uma reserva indígena criada em 1924 em Caarapó, Mato Grosso do Sul. “Aqui na tehoka [aldeia na língua tradicional], os jovens e adolescentes têm sonho. Mas sem suporte é difícil. A falta de atenção para esse público-alvo é grande. Principalmente no suporte para faculdade, no requisito transporte. Muitos passam no ensino superior e não vão adiante por conta da parte financeira. Aí tem que escolher entre trabalhar, trazer algo pra casa ou correr atrás de seus sonhos.”

“Meu sonho é que a juventude tenha espaço no mercado de trabalho, consiga concluir a faculdade. Tenha um suporte para seus sonhos”, compartilha a indígena Tainara Castelão.

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Sec. Juventude Fortaleza Divulgação

MIDIÁTICA

E se a Coca-Cola combatesse a desinformação?

Países com bons resultados no combate à desinformação apresentam ações que se iniciam na escola, mas seguem por outros campos: governos, empresas, comunidade e processos de aprendizagem permanente compõem um combate sistêmico a esse mal

| POR Alexandre Le Voci Sayad

Ese a Coca-Cola resolvesse entrar no combate à desinformação e imprimisse, em suas latas, dicas de checagem de informação pela internet, de leitura de texto e de pesquisa digital? Segundo dados de 2014 da própria empresa, são vendidas quase 20 mil latinhas por segundo no mundo — quase 1,7 bilhão por dia. Ao invés de ler um nome impresso, ação de marketing de sucesso na última década, seria possível, por exemplo, encontrar a dica ‘Informação duvidosa? Não compartilhe!’.

A desinformação, segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), é um fenômeno em que informações não confiáveis, disparadas de maneira proposital ou não, contaminam um ecossistema a ponto de afetar a cidadania e o discernimento na tomada de decisões, ou até prejudicar instituições ou indivíduos.

Baseado no caso fictício do primeiro parágrafo, frequentemente proponho um exercício a estudantes de ensino médio e universitário: desenvolver estratégias

criativas para empresas criarem um ambiente informacional mais saudável. O ponto principal, no caso, é perceber que o combate às notícias falsas, imprecisas, boatos, que nos atrapalham a tomar decisões acertadas, só funciona se as ações vierem de todos os atores sociais. Países considerados mais bem-sucedidos no combate à desinformação, como Estônia e Finlândia, segundo relatório de 2023 da Open Society Foundations, em Sófia, Bulgária, apresentam ações que se iniciam na escola, mas seguem por outros campos. Governos, empresas, comunidade e processos de aprendizagem permanente compõem um combate sistêmico a esse mal.

A ação sistêmica tem motivos para existir: segundo o Relatório de Riscos Globais de 2024 (que escutou 11,4 mil lideranças de 113 países), elaborado para o Fórum Econômico Mundial, a preocupação com o acesso e qualidade de informação consumida e produzida foi eleita como risco global número um para os próximos dois anos, e o quinto mais relevante (resultado muito otimista) para os próximos 10 anos.

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Isso mostra que esse inimigo silencioso agora bateu de vez no calcanhar dos negócios. Afinal, o poder de um ambiente que respeite a integridade e a credibilidade de suas fontes está intrinsecamente ligado ao sucesso de uma empresa. Desde aquela que sustenta a tomada de decisão dos diversos investidores, até a que garante a qualidade do produto ou então a que irradia para a sociedade a história da marca.

A urgência, tanto por parte do Fórum Econômico Mundial quanto da Unesco, na atenção à desinformação neste momento tem endereço certo: este ano cerca de 70 países (que representam quase metade da população global) irão às urnas para eleger posições no executivo e/ ou legislativo. O fluxo acelerado de informações falsas, nesse caso, pode ampliar a polarização política e agravar questões que envolvem a manutenção da saúde pública e justiça social, além de estimular os governos mundiais a combatê-los com censura e controle de conteúdos.

O que o Relatório de Riscos Globais 2024 alerta em especial para o uso da tecnologia para a criação de ‘deep fakes’ (alterações em vídeos e imagens com inteligência artificial que são quase imperceptíveis ao olhar ‘leigo’) que prejudiquem sistemas democráticos ou acentuem discursos de ódio.

se produzir comunicação em larga escala, direcionada a públicos fragmentados.

Abre-se, portanto, uma oportunidade para a iniciativa privada endereçar ações no campo da educação midiática e outras ações para colaboradores e clientes, no âmbito do que são conhecidas como práticas de ESG (alinhamento da empresa a valores ligados à sua governança, ao meio ambiente e à sociedade). O Fórum Econômico Mundial é um farol importante para que as empresas possam criar pontes entre tendências de médio e longo prazos e estratégias e práticas em ESG. No caso da desinformação, poucas foram criadas.

Escolas públicas e particulares brasileiras ainda patinam na inclusão da educação midiática como elemento curricular, mas as que realizam podem inspirar empresas na ação. Os ODS têm fácil conexão com o tema da desinformação

A receita da tempestade perfeita para a explosão da desinformação é a união de uma agenda política, o rápido e não regulado desenvolvimento tecnológico (como a inteligência artificial) e um fluxo de informações exacerbado. Historicamente, a crise da integridade e credibilidade da informação não pode ser separada de outros enfraquecimentos como o da razão iluminista enquanto eixo central de governos do Ocidente, o dos modelos científicos criados no século 19, e da emboscada em que a democracia se colocou. Soma-se a isso o fato de a internet ter provocado a explosão da possibilidade de

Escolas públicas e particulares brasileiras ainda patinam na inclusão da educação midiática como elemento curricular, mas as que realizam podem inspirar empresas na ação. Ao invés de ESG, na escola, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, desenvolvidos pela ONU (Organização das Nações Unidas), que abordam os principais desafios de desenvolvimento enfrentados por pessoas no Brasil e no mundo, têm fácil conexão com o tema da desinformação. Podem ser considerados estratégias para o desenvolvimento de práticas de ações de educação midiática por parte de professores, que estimulam os estudantes a criarem soluções, e assim, compreenderem como a desinformação está diretamente conectada a todas as áreas de nossas vidas, gerando impactos negativos imediatos na sociedade.

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura).

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A CADA FASE DA VIDA, PROJETOS QUE INSPIRAM UMA TRILHA DE PROTAGONISMO.

NOVIDADE!

Avaliação Socioemocional.

PARCERIA CAMPEÃ!

A FTD EDUCAÇÃO, em parceria com o INSTITUTO AYRTON

SENNA, atuará junto à METODOLOGIA OPEE ao oferecer um instrumento de avaliação socioemocional que permite o desenvolvimento dos estudantes a partir de uma metodologia BASEADA EM AUTORRELATO.*

Aplicado em 800 MIL de estudantes**

BNCC
SAIBA MAIS *Avaliação socioemocional para Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio. **Fonte: Dados Instituto Ayrton Senna 2023.

VIOLÊNCIA ESCOLAR

Não é brincadeira, é bullying. Escola, família e Estado devem combater

Nova lei institui bullying e cyberbullying como crime. Confira orientações de especialistas sobre a importância de a escola ter olhar atento para a prevenção dessas práticas

Eu levei minha filha à escola numa época de Festa Junina e ela não quis entrar. Sua resistência e o pânico foram tantos que acabou fazendo xixi nas calças, começou a chorar e tremer. A levei de volta para casa e tentei entender o que estava acontecendo. Foi quando me contou que não tinha amigos dentro do ambiente escolar e que tomava lanche e brincava sozinha, porque os colegas não permitiam que ela brincasse nos mesmos brinquedos que eles por conta do cabelo dela. Falavam que o cabelo dela era ‘cabelo duro’, ‘arame farpado’ e outros nomes pejorativos”, relata Vanessa Rodrigues.

O que a filha de Vanessa enfrentou quando tinha apenas seis anos é considerado bullying ou intimidação sistemática — quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. Vanessa explica que foi à escola para compreender o que estava acontecendo. O retorno que teve foi que sua filha era tímida e que não perceberam que estava sendo isolada. Como atitude, a escola tentou mediação entre sua filha e os colegas.

O PERIGO DOS TRAUMAS INFANTIS

“Num primeiro momento eu não a tirei da escola, até por orientação do psicólogo, mas ela começou a adoecer muito, emagrecer, ficar apática e sentir uma tris-

teza que eu nunca poderia imaginar que uma criança na idade dela pudesse sentir. Ela ficou tão estraçalhada psicologicamente que antes de dormir me falava: ‘mamãe, eu não quero acordar mais’”, lembra Vanessa.

Diante da situação de sofrimento, Vanessa se formou em psicologia. Sua filha atualmente tem 14 anos e continua recebendo atendimento psicológico, mas a mãe explica que os traumas adquiridos na infância por conta do bullying ainda afetam sua autoestima.

“Até hoje existem sequelas. Outro dia ela foi sair e me disse: ‘mamãe, queria ser bonita’. O processo de recuperação está sendo um trabalho de tijolinho por tijolinho. Não sei se acertei, mas a fase aguda passou, agora ela tem amigos, socializa, sai e se diverte”, relata.

PERTO DEMAIS

Vanessa Rodrigues é autora de livros sobre o tema e realiza palestras e projetos de combate ao bullying em escolas de todo o Brasil. Em 2019, lançou o documentário Perto Demais, que conta relatos de pessoas que foram vítimas de bullying, e levou para as escolas como forma de abrir espaços de debates e ajudar os professores a entender e lidar com o tema.

“Cada vez mais precisamos criar espaços intencionais de diálogo. Promover rodas de conversa, de debates, uma dinâmica de reflexões guiadas em que o pro-

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fessor vai discutir sobre esses assuntos. Isso não pode ser tabu”, enfatiza.

Outro ponto levantado por ela é o fato de o termo bullying não ter impacto. “Se eu falar: ‘minha filha foi humilhada’, você tem uma noção clara do que ela passou, mas o termo bullying remete a algo normal: ‘ah, ela sofreu bullying, não é nada, é mimimi’”, argumenta.

BULLYING É CRIME

Em 15 de janeiro deste, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou a Lei 14.811/24, que define o bullying e o cyberbullying como crimes. Conforme o documento, o ato de bullying prevê multa, já o cyberbullying — ações praticadas nos meios digitais —, pode levar a uma pena de dois até quatro anos de reclusão.

“Essa nova lei ajuda a ver a gravidade desse ato que não é apenas uma brincadeira. Mas se não tivermos momentos de interação, em que o professor consiga conscientizar os estudantes de uma maneira real, com exemplos reais de que isso machuca e faz com que alguns não tenham mais vontade de viver, não vamos avançar”, conclui Vanessa.

COMO PREVENIR O BULLYING E O CYBERBULLYING

A advogada e autora do livro Segredos da Internet que crianças e adolescentes ainda não sabem (ed. Inverso), Kelli Angelini, também acredita que a nova lei mostra para a sociedade o efeito danoso da prática do bullying e do cyberbullying.

Segundo ela, a lei ainda precisa ser analisada e discutida, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já estabelece previsões de como atuar nessas situações, e por estar lidando com jovens em desenvolvimento e aprendizado, a melhor abordagem ainda é trabalhar a prevenção.

“Temos desde 2015 a lei 13.185, que fala da obrigatoriedade de ter nas escolas o programa de prevenção e combate ao bullying, ou seja, adotar medidas de cultura da paz, de respeito e de empatia entre seus alunos. Mas essa lei não é conhecida por todas as escolas, então precisamos reforçá-la para ser implementados programas de prevenção efetivos de combate ao bullying”, esclarece Kelli.

CYBERBULLYING

Kelli Angelini, que também é consultora de direito e educação digital, a partir dos casos que acompanhou, destaca que o bullying e o cyberbullying estão interligados: às vezes os estudantes sofrem primeiro ataques nas

Escola atenta às mudanças de comportamentos e atitudes entre alunos; já no cyberbullying, a família tem papel fundamental no que o filho faz no online, orienta a advogada Kelli Angelini

A filha de Vanessa Rodrigues sofreu bullying e a escola não percebeu. Com apenas seis anos, a tristeza a dominou e até emagreceu. Hoje a mãe é referência no tema

escolas e depois passam a ocorrer nos meios digitais, ou começam pelos meios digitais e se tornam presenciais.

“A escola deve ficar atenta às mudanças de comportamentos e atitudes entre alunos e não deixar passar algumas situações como mera brincadeira. Já na questão do cyberbullying, vem um papel fundamental da família em olhar para os seus filhos e o que fazem no online. É dever da família monitorar seus filhos no uso da internet, se atentar sobre o que eles estão conversando, que postagens estão fazendo, que comentários estão deixando nas postagens de outras pessoas e que conteúdos estão consumindo”, orienta a advogada.

“Quando acompanho um caso judicial envolvendo adolescentes de atos que decorrem do bullying ou do cyberbullying, o sofrimento já aconteceu. O juiz vai aplicar uma medida socioeducativa, talvez condenar uma família a pagar indenização à vítima, mas aquele sofrimento não dá para apagar. A melhor forma de a gente combater esses atos é justamente adotando medidas de prevenção”, conclui Kelli Angelini.

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Fotos:
Arquivo pessoal

VIOLÊNCIA ESCOLAR

Como prevenir e combater bullying e cyberbullying

Colegas de sala podem ser ‘pontos de luz’, tornando-se mediadores entre as vítimas e os educadores

Obullying e o cyberbullying estão entre os principais motivos que levam ao suicídio, inclusive, muitas crianças e jovens ficam marcados pelos traumas que sofreram na infância.

“Às vezes, algo ruim que aconteceu com você e te derrubou pode não ser nada para outra pessoa que passou pela mesma situação. Isso torna as questões emocionais um grande problema, porque o indivíduo pode se deparar com falas como: ‘Ah, mas a pessoa só fez aquilo, eu já fui zoado na escola, não tem motivo para ela estar assim’”, analisa Anderson Mendes, consultor em saúde mental e bem-estar emocional, e diagnosticado com depressão e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

Anderson é autor do projeto Depressão não é frescura, que inclui livro e até um documentário com o mesmo nome, o qual conta com depoimento de especialistas como Mario Sergio Cortella e Monja Coen, que revisitam a gravidade e importância de compreender o assunto.

A maioria das pessoas não consegue se abrir quando passa por uma situação difícil. Segundo Anderson, ao repararmos que alguém está agindo diferente e perguntarmos se ela está bem, a resposta tende a ser: ‘sim, estou bem’. Então, como ajudar a trazer esse sofrimento para fora e criar um espaço de acolhimento para que esse estudante ou essa criança possa se abrir? A sugestão do consultor é criar nas escolas, nas salas de aula, ‘pontos de luz’, ou seja, representantes que possam atuar como agentes para ajudar o estudante que está sofrendo bullying ou cyberbullying a buscar saídas e ajuda.

“Em cada sala ou em cada grupo você pode escolher duas pessoas consideradas ‘pontos de luz’, estudantes que transitam bem com todo mundo, que falam com pessoas das mais extrovertidas até as mais introverti-

das, aqueles que minimamente podem ser considerados pontos de segurança”, explica Anderson Mendes. Esses estudantes que estão atuando como ‘pontos de luz’ vão trabalhar com os educadores na identificação daqueles que estão apresentando mudanças de comportamento, porque “por mais que o professor esteja atento, muitos jovens não se sentem à vontade para compartilhar sua dor, mas podem ter mais abertura com alguém da sua idade”, esclarece Anderson.

A ação também consiste em formar os alunos para entender a gravidade do tema que é o bullying e o cyberbullying e preparar educadores para conseguirem, junto de seus ‘pontos de luz’ e dos outros jovens, uma rede de acolhimento. (LS)

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Douglas Luccena Anderson Mendes é autor do projeto Depressão não é frescura, que inclui livro e até um documentário com depoimento de Mario Sergio Cortella e Monja Coen

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FUTURO DA ESCOLA

Tecnologia digital sim, mas com planejamento pedagógico

Instituição que atua diariamente com o universo digital restringe uso de celular no ambiente escolar com o apoio da meditação e escuta sensível

Diante das transformações sociais e tecnológicas, atrair a atenção dos alunos se tornou grande desafio. As instituições procuram adaptar formas de ensinar e maneiras de se destacar dos outros colégios, a fim de conquistar os estudantes, e também as famílias.

Ana Carolina Carvalho de Melo Blanes, educadora há 33 anos, formadora docente com atuação em diferentes estados do país, e diretora e mantenedora do Colégio Vitória, em Ilhéus, na Bahia, conta que os alunos do ensino médio costumam usar a tecnologia digital diariamente como recurso didático, por meio de ambientes virtuais de aprendizagem, apps e gamificação. Contudo, dentro da escola o uso de smartphones é restrito.

“A ‘tela privada’ dos estudantes estava trazendo desconexão e perda da possibilidade de interação física. Então, com essa restrição, veio a necessidade da vivência do ócio e do exercício da presença, além do preparo para a verdadeira abstinência ‘smartphônica’ pelos nossos alunos. A prática de yoga e meditação na escola,

a conversa franca e a escuta sensível foram aliadas nesse difícil momento, mas que vamos ultrapassando com louvor e com ganhos visíveis”, conta Ana.

Leandro Santos Faria, professor de química e coordenador da área de ciências da natureza do Colégio Vitória, é responsável pela mediação do acesso à tecnologia aos professores menos familiarizados com esse universo. Entre os novos ganhos digitais ele gosta de destacar a visita a um museu virtual e o uso de simuladores que demonstram fenômenos químicos e físicos — atividades que podem estar fora do alcance da realidade presencial dos alunos e da instituição.

O professor ainda ressalta que, ao integrar os alunos e a escola aos recursos digitais, é possível aprender em qualquer lugar e momento, mas que é preciso tomar alguns cuidados para garantir um bom aproveitamento pedagógico, dentro e fora da sala de aula.

“É sempre necessário analisar se aquela ferramenta vai cumprir sua função no ensino e aprendizagem ou vai servir apenas de forma ‘alegórica’, pois um uso inadequado da tecnologia pode gerar uma rejeição que irá dificultar a integração do aluno à proposta de ensino. Por isso, toda tecnologia usada precisa estar bem planejada, coerente com a real necessidade pedagógica do professor e do aluno”, orienta o professor.

PARA ALÉM DA TECNOLOGIA

O Colégio Vitória atende todas as etapas de educação básica e hoje conta com 418 estudantes, 43 educadores e 22 educadores do corpo técnico-pedagógico-administrativo. A diretora Ana Carolina lembra que, quando assumiu a direção-geral da instituição, fez questão de mostrar à comunidade a cultura organizacional do colégio, o que no início fez com que a escola perdesse alguns estudantes. Hoje, a instituição faz campanhas de captação personalizadas e caminha com a meta de crescimento de 10% ao ano, além de realizar campanhas de satisfação e opinião com a comunidade externa e interna.

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Integrar alunos e escola com o digital pede atenção ao aproveitamento pedagógico
“A ‘tela privada’ dos estudantes estava trazendo desconexão e perda da possibilidade de interação física. Então, com essa restrição, veio a necessidade da vivência do ócio e do exercício da presença”, conta a diretora Ana

Carolina

O acolhimento, respeito às diversidades, preocupação com a excelência de professores e colaboradores e o investimento voltado à formação constante também são apontados como alguns dos diferenciais da instituição.

COMO SERÁ O FUTURO DA EDUCAÇÃO?

Além de valorizar o ambiente virtual, a diretora Ana Carolina conta que este ano o colégio está inserindo um componente curricular de letramento científico para fazer com que os alunos do ensino fundamental melhorem a aprendizagem em ciências da natureza. A instituição também está ampliando a estratégia de curadoria e mentoria discente, refinando a aprendizagem em pares, e também dialogando e transformando em dados os resultados e o andamento de processos da instituição de ensino.

Para a diretora e mantenedora Ana Carolina, a gestão precisa estar mais antenada com o mundo em movimento

Para a diretora, o futuro da escola depende da atualização de suas linguagens e a gestão precisa estar mais antenada com o mundo em movimento.

“A estética, a voz, os dialetos e a prática precisam ser pensados intencionalmente. Chega desse desprestígio de uma escola que se repete numa práxis de séculos. O ser humano muda, a escola precisa caminhar junto, caso contrário, o diálogo cessa e a principal missão da educação se extingue. Somos semeadores de conhecimento, de experiências e vivências, precisamos afetar a nossa comunidade e isso não se faz sem atualização e sem a capacidade de a escola se reformular atendendo ao novo mundo”, acredita Ana Carolina Carvalho de Melo Blanes.

Leandro completa apontando que o futuro é cada vez mais tecnológico, e que os professores necessitam entender que se capacitar para o digital representa uma evolução para a sua práxis docente. “O professor mais ‘antiquado’ precisa superar os desafios da alfabetização digital e abraçar a tecnologia como um aliado ao seu trabalho, pois cada vez mais esse tipo de recurso se tornará presente em seu cotidiano”, finaliza o professor de química.

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Fotos: Maurício Maron Arquivo pessoal

FORMAÇÃO CIDADÃ Liberdade para o educador explorar e criar

Práticas pedagógicas que educam para o exercício da cidadania são tão importantes no fazer docente quanto o aprendizado de conteúdos técnicos voltados para o alto desempenho

Maria Gabriela Souza é professora de matemática dos anos iniciais na rede pública de Porto Alegre, RS, mas parte de sua trajetória profissional foi dedicada à alfabetização, quando ela precisou lidar com desconfianças sobre seus métodos de ensino. “No meu planejamento, sempre apostei na contação de histórias e nas brincadeiras como dispositivos para aprendizagem. Contudo, existia uma intensa cobrança da escola e das famílias sobre ‘ter a matéria no caderno’. Quando [nossos encontros] eram brincantes e o caderno ia vazio para casa, no outro dia, recebia um bilhete dos pais perguntando se eu não tinha dado aula”, conta. Diante disso, ela explica que procurava dar conta do que as famílias acham que é a escola e o aprender, sem perder de vista o olhar para uma aprendizagem real e significativa.

Na Escola Vera Cruz há reunião semanal de currículo e aprendizagem, “mas também [sobre] valores nos quais acreditamos e a formação para uma consciência ética no ambiente escolar”, diz a diretora pedagógica Regina Scarpa

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Fotos: Divulgação

A professora também atua na mediação de leitura para todas as etapas do ensino fundamental. Segundo Maria Gabriela, o início dessa fase foi mais um momento desafiador no que diz respeito às suas práticas pedagógicas: “Sofri uma imensa pressão de toda a comunidade escolar quando comecei a trabalhar com os alunos na biblioteca. Dizia-se que lá era o lugar do silêncio e da pesquisa”, revela.

Nas avaliações institucionais, os colegas retornavam dizendo que a biblioteca estava virando ‘um palco’ e, de tanto falarem, ela quase adoece, pensando que sua postura era equivocada. “Porém, como diria a escritora bell hooks, eu busquei nos livros, nas narrativas literárias e na teoria o remédio pedagógico. A escola precisa estar atenta aos estudos científicos sobre educação e compartilhar esses conhecimentos para conscientizar a respeito da importância de romper com os acordos antigos de aprender. Então, no início do ano letivo, chamo as famílias para uma reunião e explico minha forma de trabalhar”, elucida Maria Gabriela.

Segundo a educadora, a forma como aprendemos no passado foi importante para chegar ao momento que vivemos hoje, porém, a humanidade teve avanços em suas relações sociais. “Mas, e na educação, devemos ficar parados no nosso tempo antigo?”, questiona. Esse pensamento vai ao encontro da reflexão que faz Mirian Cèlia Castellain Guebert, pedagoga, especialista em educação especial, doutora em educação, história, política e sociedade, professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e do curso de pe-

“Não adianta ter uma sala de aula com os processos mais desenvolvidos tecnologicamente e o professor não fazer o aluno pensar”, salienta a pedagoga
Mirian Célia

“No início do ano letivo, chamo as famílias para uma reunião e explico minha forma de trabalhar”, elucida Maria Gabriela, da rede pública de Porto Alegre

dagogia da PUCPR, sobre a relação da educação com a sociedade. “A escola e a sociedade estão sempre em articulação, em comunicação, em colaboração. Isso faz com que essa educação reflita na sociedade ao mesmo tempo que a escola reflete os processos educativos”, comenta Mirian. Por outro lado, ela pondera que o discurso de que o ‘antigo é ruim’ não é verdadeiro. “Há um avanço na compreensão de como as pessoas aprendem e como a sociedade se desenvolve, enquanto a escola vai acompanhando esse movimento.”

TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO E APRENDIZAGEM

Os relatos da professora Maria Gabriela, de cobranças por um lecionar conteudista e, muitas vezes, sem a liberdade de explorar o diferente e criar, contraria o que se espera de uma formação humana e cidadã. A pedagoga Mirian se apoia no sociólogo Raymond Williams para caracterizar essa formação como uma experiência de conhecimento relacionada às situações vivenciadas pelos alunos, que são pensadas e ressignificadas para experimentar algo prático e expressar novas aprendizagens.

De acordo com Fontoura, mestre em educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), docente, pesquisador e extensionista na área da didática no campus de Três Lagoas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), também é possível se apoiar em Paulo Freire para entender que uma educação humana e cidadã garante que as pessoas compreendam quem

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pessoal
Arquivo

FORMAÇÃO CIDADÃ

são, como são e transformem para melhor as relações entre os próprios humanos. No entanto, para que isso aconteça, ou seja, para que se conecte teoria e prática, no contexto brasileiro, Fontoura lembra a necessidade primeira de uma boa formação de professores e de melhorar a qualidade das escolas. “Por exemplo: ainda não conseguiram universalizar a presença da biblioteca. Como é que uma escola humaniza e encaminha as pessoas para o exercício crítico da cidadania sem ter esse espaço fundamental para a formação cidadã que é a biblioteca?”, questiona o pesquisador.

Ainda sobre a prática, ele argumenta que, do ponto de vista da educação, formal ou não, as práticas pedagógicas se guiam pela humanização, o que se diferencia são os objetivos dos projetos de cada instituição, que estão mais afeitos a uma perspectiva humanizadora ou não. Nessa relação intencional de objetivo, metodologia, avaliação, ensino e aprendizagem que o professor desenvolve, Fontoura exemplifica situações que poderiam ser desenvolvidas.

“Nos anos finais do ensino fundamental é possível abordar o eixo trabalho. A escola pode ouvir os trabalhadores do seu entorno, entender quais são as suas dificuldades, as suas rotinas e as suas reivindicações. E isso mobilizaria o currículo da língua portuguesa à química. Para os anos iniciais , vale trazer as memórias das pessoas da comunidade, fazer com que venham até a escola contar como era o bairro no passado, quais são as conquistas e o que ainda precisa ser feito”, indica.

Quando a professora Maria Gabriela fazia atividades brincantes, sem anotações no caderno, famílias a indagavam se tinha dado aula. Já, ao dar aulas na biblioteca, sofreu com a comunidade escolar.
“Dizia-se que lá era o lugar do silêncio e da pesquisa”

No ensino médio, o professor pode usar o cinema na escola. “Com filmes trabalhados não para ocupar o tempo das turmas, mas para mobilizar conteúdos curriculares de várias disciplinas, começando pela história política do Brasil... principalmente após a recente tentativa de negar elementos da história social do país. Por fim, na educação infantil, há projetos didáticos que mobilizam as crianças para lidar com as diferenças e aprender a respeitá-las. [Tudo isso] é trabalho de formação humana”, descreve Fontoura.

LIBERDADE PEDAGÓGICA

Guilherme Falcão Porto é professor de ciências e biologia da rede pública no município de Santa Lúcia, SP. Atuando principalmente nos anos iniciais e finais, ele conta que a liberdade pedagógica e a autonomia para desenvolver atividades em sala de aula sempre estive-

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Folhas produzidas a partir de plantas. Atividade do professor da rede pública Guilherme Falcão, que busca fugir de instrumentos que engessam a criatividade docente Arquivo pessoal

FORMAÇÃO CIDADÃ

ram guiadas pela exigência de um projeto vinculado ao currículo paulista. “Sei de relatos de colegas que vivem muitas cobranças nesse contexto, mas fui privilegiado. Há uma expectativa sobre o desempenho na Prova Brasil, no Saresp, mas sempre encontrei espaço para chegar às crianças pelo lúdico ou por outro meio necessário”, conta Guilherme.

Em sua passagem pelo ensino integral, o professor desenvolveu com seus alunos um jornal da escola para as disciplinas eletivas de jornalismo e tecnologia, que também teve a participação da professora de português. “A gente criou uma área de imprensa, fizemos uma cobertura dos Jogos Abertos da região, em que as alunas puderem entrevistar quem estava participando, adicionamos curiosidades sobre ciências, esporte, Copa do Mundo Feminina, etc.”, resume.

Mas o projeto, segundo ele, foi elaborado a partir de várias etapas que olhavam diretamente para a formação cidadã dos estudantes. “Nós começamos a eletiva procurando colunista, então os ‘contratamos’ e passamos a estimular entre eles o senso crítico, a investigação científica, a leitura, a interpretação de texto e todos os elementos do universo jornalístico que era possível trabalhar dentro da escola”, completa Guilherme. Ainda na perspectiva da liberdade pedagógica, ele lembra das aulas em que os alunos produziram sabonetes e fizeram folhas de papel com a planta espada-de-são-jorge. “Essas vivências, que fogem dos materiais didáticos e instrumentos que engessam a criatividade do professor, são um privilégio”, acredita.

Como educar na diversidade

A educação brasileira ainda é voltada a números, metas e resultados. Entre as causas, o ensino superior desenhado sob esse viés, analisa a coordenadora Maria Clara

A pedagoga Mirian Cèlia Castellain Guebert afirma que a falta de liberdade que alguns educadores enfrentam e a quantidade excessiva de técnicas que provocam a instrumentalização dos professores, “com estratégias e recursos que são, no ponto de vista da formação do pensamento, política e cultura da escola, são perfumarias. Então, não adianta ter uma sala de aula com os processos mais desenvolvidos tecnologicamente e o professor não fazer o aluno pensar”. Mirian complementa que, muitas vezes, se tem acesso a muita informação, mas sem criticar ou aprimorar um determinado conceito, sem contextualizar, criar argumentos e se posicionar. “Esse é um aspecto bastante negativo da instrumentalização ou [do excesso] de técnicas, porque passa a ideia de que são esses recursos tecnológicos que enriquecem o processo do pensamento”, alerta.

A educação cidadã parte da ideia de que as pessoas são diversas, aprendem de maneiras variadas, sem se prender a receitas únicas para ensinar. Diante disso, a diretora pedagógica do Vera Cruz, Regina Scarpa, acredita que estabelecer diferentes agrupamentos em sala de aula é uma metodologia eficaz. “É possível partir de alguns critérios, por exemplo, uma hora o professor propõe atividades com alunos em níveis próximos de conhecimento e, em outro momento, coloca os que vão melhor ao lado dos que precisam de ajuda”, pontua.

Maria Clara Bosseto, professora no Colégio COC Vila Yara, por sua vez, sugere a prática de fóruns de discussão com a comunidade escolar e o incentivo à formação de grêmios estudantis. “Analisar a escola da qual eles, alunos, fazem parte, levantar aspectos positivos e negativos, além de construir propostas de intervenção são excelentes exercícios de cidadania.”

Por fim, na Escola Vera Cruz, no contexto do ensino de cultura afro-brasileira há a revista Zumzum, que existe desde 2022 e se apresenta como a ‘revista de educação antirracista do Vera’, cuja instituição mostra os trabalhos que cada turma tem desenvolvido sobre a pauta.

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OS VALORES DE UMA FORMAÇÃO CIDADÃ

Maria Clara de Paula Leite Bossetto, professora de literatura no ensino médio e coordenadora da área de língua portuguesa do 9º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio no Colégio COC Vila Yara, em Osasco, SP, acredita que a educação básica brasileira ainda está voltada às cobranças das mais variadas naturezas, como números, metas e resultados. “Talvez, um dos grandes responsáveis por isso ainda seja o ingresso no ensino superior desenhado, prioritariamente, sob esse viés. Mesmo as escolas que dizem não ter o vestibular como objetivo final, estabelecem suas metas e cobranças burocráticas”.

Ainda assim, ao longo dos mais de 30 anos de docência, Maria Clara revela que encontrou incentivo para práticas autônomas e metodologias diversas em sala de aula. E no contexto da busca por uma formação cidadã e humana, ela diz que é essencial priorizar práticas que promovam não apenas o conhecimento acadêmico, mas também o desenvolvimento integral dos indivíduos.

“Como educadores e coordenadores, temos a responsabilidade de criar ambientes de aprendizado que valorizem não apenas o intelecto, mas também a ética, a empatia, a troca de experiências (positivas ou não) e a colaboração. É fundamental cultivar o diálogo aberto, no qual as ideias são debatidas de forma construtiva, sem julgamentos ou preconceitos”, diz.

Na Escola Vera Cruz, que tem unidades de ensino infantil, fundamental e médio em São Paulo, a diretora pedagógica Regina Scarpa conta que esse diálogo é fomentado desde a formação dos professores. “Toda semana nos reunimos para discutir não apenas

Presença da biblioteca ainda não foi universalizada. “Como uma escola humaniza e encaminha para o exercício crítico da cidadania sem ter esse espaço fundamental para a formação cidadã?, indaga o pesquisador Fontoura

Para o pesquisador Fontoura, Paulo Freire ensina que uma educação humana e cidadã garante que as pessoas compreendam quem são, como são e transformem para melhor as relações entre os próprios humanos

as questões curriculares das áreas do conhecimento e as expectativas de aprendizagem, mas também os valores nos quais acreditamos e a formação para uma consciência ética no ambiente escolar.” Ainda entre os diferenciais no tratamento dos educadores com as turmas está o trabalho de orientação por toda a jornada do indivíduo e o acompanhamento de sua evolução. “Nós cuidamos das questões pedagógicas e educacionais a partir do trabalho de um corpo técnico de orientadores que interagem com os alunos e suas famílias. Porque a gente acredita que, para colocar uma educação cidadã em prática, as subjetividades precisam ser vistas, a gente tem de saber como está a relação do aluno com o conhecimento, com os colegas e com ele mesmo”, explica Regina.

Na perspectiva das subjetividades, é necessário abordar também as diferenças. Conforme afirma o docente e pesquisador Fontoura, a educação cidadã é aquela que prepara as pessoas para o enfrentamento das mazelas, como a má distribuição de renda e o racismo. Existe na Escola Vera Cruz o Projeto para as Relações Étnico-Raciais, iniciativa referência e que adota uma pedagogia antirracista para todas as turmas com oferta de bolsas de estudo para alunos pretos, pardos e indígenas. “Além dessa política afirmativa para os estudantes, temos outra de contratação de professores e gestores negros ou indígenas. Hoje esse número é de 25%, mas ainda falta bastante”, conclui Regina.

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CENSO ESCOLAR

Cai acesso da direção escolar por indicação e cresce via processo seletivo

Levantamento também aponta dados alarmantes: 68 milhões de pessoas com 18 anos ou mais não frequentam a escola e não concluíram a educação básica

| Por Maria Eugênia

Até 2022, prevalecia o acesso à carreira para a direção escolar da rede municipal e estadual exclusivamente por indicação. Já em 2023, a entrada por meio de processos seletivos aumentou. As informações são do Censo Escolar da Educação Básica 2023 divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) e Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) no final de fevereiro.

Presente na coletiva de imprensa sobre o levantamento, o ministro da Educação Camilo Santana explicou que a queda de indicação para a direção está relacionada com o VAAR (Valor Aluno Ano Resultado), indicador do Fundeb (Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), responsável por financiar a educação brasileira. Em 2023, o VAAR chegou a distribuir R$ 1,6 bilhão, e este ano passará para R$ 3,3 bilhões.

Para que a rede de ensino possa receber a verba, é preciso que ela cumpra algumas condições, entre elas, escolher um gestor escolar que esteja de acordo com critérios técnicos de desempenho e mérito, ou a partir da “escolha com a participação da comunidade escolar dentre candidatos aprovados previamente em avaliação de mérito e desempenho”, segundo uma nota técnica divulgada pelo MEC.

ENSINO INFANTIL E TÉCNICO

O levantamento também apresenta que ano passado foram realizados 47 milhões de matrículas na educação básica, sendo mais de 80% nas escolas públicas. A etapa que mais cresceu na educação básica foi a de ensino profissional, de 2,1 milhões de estudantes, em 2022, para 2,4 milhões, em 2023. A maioria das matrículas concentra-se nas áreas de gestão e negócios e ambiente e saúde.

As creches sofreram diminuição de matrículas durante a pandemia, mas 2023 foi marcado por um aumento delas, totalizando 4,1 milhões de alunos. Carlos Eduardo Moreno, diretor de estatísticas educacionais do Inep, aponta que está próxima a universalização do atendimento em creche.

O diretor também destacou que a meta de 50% de alunos de zero a três anos matriculados, proposta pelo primeiro Plano Nacional de Educação (PNE), pode ser cumprida ainda este ano, dado o aumento de matrículas do ano passado.

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Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil Ministro da Educação Camilo Santana com o presidente do Inep Manuel Palacios durante coletiva de imprensa

Mais de 80% das matrículas se concentram na rede pública

ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO

No 6º ano do ensino fundamental, em 2023, 15,8% dos estudantes não tinham a idade adequada, isso por terem abandonado o colégio em algum período ou porque foram reprovados.

Nos anos iniciais do ensino fundamental, as matrículas caíram de 14,5 milhões em 2022 para 14,4 milhões de alunos ano passado. Nos anos finais, o número foi de 11,8 milhões para 11,6 milhões de matriculados. No ensino médio, em 2022, eram 7,8 milhões de matrículas, já ano passado, 7,6 milhões. Moreno explica que a justificativa para tal diminuição está no aumento dos indicadores de fluxo escolar.

Um dos motivos para a queda da direção por indicação está nos critérios para receber dinheiro do Fundeb

O crescimento de alunos em tempo integral também pode ser observado nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e no ensino médio.

No quesito evasão, no ensino médio o quadro se agrava. Segundo os dados do Censo, de 2020 a 2021, 4,1% dos alunos foram reprovados e 7% dos alunos que estavam cursando o 1º ano acabaram desistindo dos estudos.

ATUAÇÃO DO MEC

Durante a apresentação desses dados, Camilo Santana destacou que o governo está elaborando soluções para alguns problemas apresentados. A primeira é o Programa Nacional Criança Alfabetizada, lançado com o intuito de diminuir as defasagens educacionais por meio da alfabetização de crianças na idade certa.

O ministro aponta que o reforço às escolas de tempo integral também pode ser uma solução. Camilo ainda destaca o programa Pé-de-meia (poupança estudantil), como outra ação para a diminuição da evasão escolar.

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FAMÍLIA E ESCOLA

Papéis diferentes e complementares

Parceria escola e família já foi identificada como um dos principais desafios da gestão escolar. Descubra caminhos para essa aliança se firmar

Autista nível 1, Miguel ingressou na escola aos três anos. Contudo, a mãe Geonice Santana, de Salvador, Bahia, ficou decepcionada com a atuação da instituição. Após oito meses de resistências e contratempos, o transferiu da rede particular para a rede pública municipal, que acabou surpreendendo a família. A escola abriu as portas para a construção de um diálogo voltado para o suporte de Miguel. Hoje, aos sete anos, seus desafios e progressos são acompanhados dia a dia, em parceria. “É importante relatar que nós, mães atípicas, precisamos muito de apoio e acolhimento da escola”, relata Geonice.

A surpresa de Geonice após a transferência é comum a grande parte das famílias no Brasil, já que a relação com a escola nem sempre é tranquila. Inclusive, essa aproximação ou falta dela já foi identificada por organizações nacionais e internacionais como um dos principais desafios da gestão escolar brasileira. “Em grande parte dos casos, é preciso criar condições para que a boa relação aconteça”, diz a mestre em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Espaço ekoa, em São Paulo, Ana Paula Yazbek.

Apesar de o papel das famílias, da escola e do Estado na garantia do direito à educação das crianças estar previsto na Constituição Brasileira, bem como no Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), há distinções. “Educar filhos é um projeto a longo prazo, carregado de afetos, dúvidas, desejos, projeções, expectativas”, diz Yazbek. Enquanto isso, “educar alunos é um projeto circunscrito, com metas e objetivos definidos, com papéis e limites estabelecidos”. Em ambos os ambientes, no entanto, é preciso considerar as subjetividades de cada indivíduo.

RELAÇÃO COM A FAMÍLIA

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Na educação infantil, a relação da família com a escola está diretamente relacionada ao desenvolvimento motor, cognitivo e psicossocial das crianças. Basta imaginar que se trata de uma nova jornada, em que elas passam a descobrir um mundo fora de casa, passando boa parte de seu tempo estabelecendo relações com outros adultos e pares. “No início da vida escolar, é importante que as crianças vejam que seus pais e mães conhecem e sentem-se seguros em deixá-las na escola com os professores e professoras. Portanto, essa confiança passa a ser fundamental para que as crianças percebam que existe uma continuidade na movimentação entre ‘casa-escola-casa’’’, destaca Ana Paula Yazbek.

Vale lembrar que é durante a educação infantil que ocorrem marcos importantes, como a introdução alimentar, o desfralde e os primeiros passos, processos

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Evento no Espaço ekoa com avós e mãe presentes na vida escolar dos pequenos

Fotos: Divulgação

“Educar filhos é um projeto a longo prazo, carregado de afetos, dúvidas, desejos, projeções, expectativas. Educar alunos é um projeto circunscrito, com metas e objetivos definidos, com papéis e limites estabelecidos”, afirma Ana
Paula Yazbek, do Espaço ekoa

que podem ser alinhados entre a rotina escolar e familiar, respeitando as conquistas e desafios de cada um, sem estabelecer comparação com outras crianças.

A psicopedagoga e especialista em neurociências aplicadas à aprendizagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Glauciê Gleyds Nunes de Araújo, reforça a importância da parceria entre famílias e escola estabelecidas nessa fase da vida para o desenvolvimento da inteligência emocional, que será fundamental para a resolução dos desafios a longo prazo, estimulando decisões mais assertivas. “É comum, na educação infantil, o pedido de ajuda da família para lidar com os comportamentos de birra ou de baixa tolerância à frustração”, diz. Para ela, quando há acolhimento por parte da escola, é possível entender melhor as motivações da criança e fazer combinados para diminuir esses eventos, fortalecendo a saúde mental desde a primeira infância.

No entanto, as especialistas afirmam que esse estímulo é essencial no processo de ensino e aprendizagem de todas as etapas de escolarização. “Quando essa interlocução demonstra segurança e confiança, o vínculo da criança com a educação formal e o desenvolvimento acadêmico ocorre naturalmente”, diz Araújo.

MOTIVAÇÃO PARA APRENDER

Em 2021, a pesquisa conduzida pelo Instituto Ayrton Senna (IAS) sobre motivação para aprender concluiu que o envolvimento parental nas atividades acadêmicas dos filhos traz resultados positivos, mesmo em famílias cujos contextos econômicos ou sociais se mostram mais vulneráveis. A partir de uma revisão bibliográfica de contribuições atuais da ciência, pesquisadores do IAS perceberam que o apoio de pais e mães na vida escolar colabora para maiores indicadores de engajamento estudantil, tornando as crianças e jovens mais autoconfiantes, autoeficazes e motivados para aprender.

Na análise dos resultados, a pesquisa sugere que, ao participar de reuniões com professores, apresentações e outras atividades da escola, os pais mostram para seus filhos o quanto são importantes para eles. Além disso, quando estudantes percebem que a família valoriza a importância do esforço e do sucesso acadêmico, eles passam a acreditar mais na sua capacidade acadêmica. “Esse envolvimento tende a fazer com que os pais encorajem seus filhos, estabeleçam limites e se tornem um apoio para que as crianças e jovens lidem melhor com os desafios acadêmicos, pessoais e sociais que encontram a cada dia”, diz o estudo.

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FAMÍLIA E ESCOLA

Portanto, se a família se apresenta como um recurso para a realização de atividades acadêmicas, ela passa a estimular a ponte essencial entre casa e escola. Ainda de acordo com o estudo, esse processo é especialmente benéfico na adolescência, fase em que os pais costumam ser mais permissivos e distantes, bem como onde ocorre maior risco de distanciamento da escola e adoção de comportamentos de risco para a saúde mental.

VÍNCULOS DURADOUROS

Para estabelecer a sonhada parceria escola e famílias, Ana Paula Yazbek indica a criação de espaços de interlocução tanto nas situações corriqueiras do cotidiano, quando pais e mães levam ou buscam seus filhos e são bem recebidos por todos — da portaria à sala da direção —, bem como em momentos formais, como em reuniões de famílias ou organização de comitês.

“Além disso, professores devem trocar informações sobre como estão as crianças, partilhando conquistas, vivências, fatos corriqueiros e não apenas os problemas, como usualmente se faz”, aconselha. Nas situações em que haja dificuldade, ela sugere que professores procurem e levem caminhos para a resolução das situações, ou pelo menos compartilhem o que está sendo feito. Isso evita que o diálogo se restrinja à constatação dos problemas.

O olhar de António Nóvoa

A tensão política que o Brasil enfrenta já chegou no ambiente escolar, por exemplo, com famílias criticando o que o professor de história está dando na aula. Questionado pela jornalista Laura Rachid se o mesmo ocorre em escolas portuguesas, o professor da Universidade de Lisboa e representante da Unesco António Nóvoa diz: “isso é impossível em Portugal e considero um crime. Trabalho com educação há anos, já fui da China aos Estados Unidos e se me perguntar o que vi de mais horrível na área da educação, digo que foi quando Bolsonaro pediu para pais e jovens gravarem as aulas para denunciarem professores que estariam praticando doutrinação. Sei que muitas vezes o professor erra, mas há limites. E a escola, a sala de aula, a relação pedagógica, essas são um santuário. Famílias, professores e estudantes precisam ter relação de confiança”.

Escola e família impactam também a inteligência emocional dos estudantes, diz a psicopedagoga Glauciê Gleyds

“Quando a criança apresenta algum tipo de dificuldade de aprendizagem, cabe à escola assumir boa parte da responsabilidade para ajudá-la a superar. Nisso, vale compartilhar com as famílias algumas estratégias e eventualmente indicar especialistas, como terapeutas/psicólogos, psicopedagogos, fonos, entre outros, para auxiliar e acompanhar a criança e construir uma triangulação efetiva entre escola-família-especialistas”, orienta. Desse modo, as famílias passam a ganhar segurança e se predispõem a cooperar quando percebem que seus filhos são reconhecidos como indivíduos no ambiente escolar.

António Nóvoa esclarece que, por serem diferentes e complementares, escola e família devem praticar a colaboração. “Um dos erros que mais se cometem quando se pensa nessa relação é o da escola como prolongamento da família. Não. Ela tem lógica e missão diferente, por isso a colaboração é importante.” Nóvoa gosta de imaginar que somos uma espécie de coleção das imagens/experiências que percorrem nossas vidas, como os livros que lemos, filmes a que assistimos e conversas que temos. “Quando essas imagens são reduzidas e sempre iguais, o trabalho da escola junto ao aluno que em toda a vida só assistiu novelas é alargar esse repertório de imagens. Não é ter uma atitude crítica em relação às novelas ou à música brega, mas o estudante também tem que conhecer outros tipos de música e dança”, finaliza.

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LEITORES POSSUEM 5% DE DESCONTO CÓDIGO PROMOCIONAL: SEGMENTO

Desenvolvendo Educadores de Sucesso

Rotina escolar não pode ser espetáculo farsesco e perigoso

Se os diálogos não forem saudáveis, teremos estudantes birrentos, autocentrados, mimados e egoístas

| Por João Jonas Veiga Sobral

As crianças e os adolescentes são excelentes observadores da vida adulta. Buscam, nessa observação, compreender melhor o mundo, para, com segurança, escolher um jeito próprio de viver.

O fato de os jovens serem bons espectadores não significa que sejam esponjas porosas prontas para absorver tudo o que lhes é proposto e ensinado. A moçada é também excelente espreitadora crítica dos mais maduros. E está pronta também

DIÁLOGOS

Creio que nem professores nem pais consistentes desejam que os alunos e os filhos sejam reprodutores cegos da vida dos adultos, prontos a repetir o passado com seus acertos e erros a despeito de um mundo que gira, roda e muda.

Todavia, uma comunidade educativa deve cumprir sua função, que é oferecer aos jovens instrumentos para atuar no mundo com competência, ética e altruísmo. E para compreender que vivem em uma sociedade da qual dependem e que também depende deles para funcionar de forma justa, tranquila e duradoura. Isso é inegociável em qualquer processo educativo sério.

As guerras, as mudanças climáticas, as epidemias, os desempregos, as reciclagens, os esgotamentos dos recursos naturais comprovam a necessidade de uma aprendizagem que vise à convivência coletiva. Se a função não for essa, vislumbra-se uma derrocada grotesca da educação em casa e nos colégios.

Para encampar esse desafio educativo de lutar contra as ameaças que podem fraturar o coletivo e a convivência em nosso planeta, a relação harmoniosa entre pais e escola é necessária e bem-vinda, porém se a discordância não for saudável (e, por vezes, não vem sendo), teremos jovens birrentos, autocentrados, mimados e egoístas buscando a escola como trampolim para se dar bem na vida e para ser bem-sucedidos — seja lá qual for a direção da trajetória individualista que possam trilhar.

Entende-se por discordância saudável aquela que não se incomoda com o contraditório nem impõe carteiradas aos professores quando o que se discute em aula e nos corredores caminha em direção oposta ao que se é ensinado em casa. Ideologias conflitantes que não desrespeitam os direitos humanos são salutares e fornecem àqueles que estão descobrindo a vida um percurso cheio de bifurcações estimulantes.

Algumas famílias, talvez temerosas da própria inconsistência, temem opiniões contrárias às suas e se rebelam contra a escola, esperando que professores rezem na mesma cartilha ideológica. Creem que os alunos sofrem, entre os muros da escola, alguma ‘lavagem cerebral’. Subestimam a capacidade dos jovens de analisar, de abraçar e de refutar o que lhes é ensinado, no colégio e também em casa.

Além disso, não é incomum pais atravessarem os filhos no afã de lhes proteger das frustrações diárias, como se isso fosse possível, ligando para a escola para determinar onde e perto de quem a criança vai se sentar nas turmas.

jam felizes. Ora, é mais fácil conseguir uma vaga na universidade e curso mais concorrido do que ser feliz vida afora. Não percebem os genitores que o peso de ser feliz é o grande responsável pela enxurrada de dor e de tristeza da meninada que vive a carregar pedra na busca sisífica de atingir o inalcançável projetado pelos protegedores.

Nessa toada de inconsistência, professores e coordenadores aplicam na escola a teoria da ‘pedagogia positiva do acolhimento’, que consiste basicamente em não constranger ou incomodar o aluno; evitando-se, assim, apontar seus erros acadêmicos, procedimentais e relacionais. Cheios de dedos e receios, primeiro os educadores inventam um elogio qualquer e depois buscam caminhos tortuosos para endireitar o que não está adequado ou correto. Evidentemente, mais infantilizam do que contribuem para o refazer condutas — outra tarefa de Sísifo que a vida nos cobra.

Um indivíduo minimamente maduro compreende que negatividade e insatisfação são fundamentais para a reconstrução da vida adulta. Mimados negativos sentam, choram e reclamam. Maduros insatisfeitos buscam transformações e contribuições para mudar o estado das coisas. Não há dúvida de que as contradições, os fracassos e os momentos de dor e de desespero nos ensinam bem mais do que o sucesso fácil preparado em chão macio e fantasioso.

Negar metodicamente a contradição e a negatividade na experiência da formação e não buscar a conciliação dos acordos coletivos que visem a transformações sociais e ao bem comum não só são os caminhos maciços para retardar o amadurecimento dos jovens como também são a trajetória mais consistente para transformar a rotina escolar em um espetáculo farsesco e perigoso.

Revista Educação 49
João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa e orientador educacional

ENTRE MARGENS

Continuará a saga humana no embate entre humanidade e crueldade?

Valdo sabia e sabe da importância da relação humana na educação e que o fim último da educação é o bem da humanidade

| Por José Pacheco

Matinhos, 28 de novembro de 2043

Reagindo ao ‘puxão de orelha’ que destes ao vosso avô, e tentando redimir-me de velhos pecados, fui remexer no baú das velharias. De lá saíram registros de prodígios. O primeiro provindo de uma mensagem recebida do amigo Valdo:

“No segundo semestre de 2014, dois avós se encontraram para falar da vida, de desafios e de vivências educacionais. Sentados no chão do Museu do Brinquedo do Instituto Libertad, passaram horas brincando, feito crianças, falando dos netos, contando histórias e tecendo utopias.

O tempo que contava era só o tempo de brincar e de sentir as identidades, para além das idades. Após o longo tempo não controlado, decidiram que aquela alegria ali sentida, de avós e sonhadores de outros mundos educacionais, deveria ser compartilhada com mais amigos, que também se identificavam com o viver amoroso, fraternal e desafiador dos campos educacionais emancipatórios. Ali nascia a UniProsa: a universidade que versa a prosa. A prosa que humaniza e dá sentido ao viver, numa sociedade complexa e contraditória. Uma entidade educacional comunitária, informal, intergeracional, interexperiencial, intercultural.

Em 21 de março de 2015, acontecia o Primeiro Encontro da UniProsa. Assim rezava a ata da reunião:

“Após muitos afetuosos prolegômenos e rodadas de prosa, foi empossado o avô El Rei Thor Celsius Primeiro e único magnífico reitor da UniProsa. Nessa ocasião, fui designado pelo magnífico rei Thor, secretário de El Rei”.

O amigo Valdo sofria e reagia perante desmandos de políticos, que cediam a imperativos de uma economia predadora:

“O que mudou em 2 mil anos? Continuará assim a saga dos humanos, no embate entre humanidade e crueldade? Entre solidariedade e ambição? De minha parte, não. Eu sigo na trilha, acreditando que o único caminho para a humanidade é um caminho que contemple a todos!

Brevemente completarei 66 giros ao redor do sol. Atuo há

mais de 40 deles numa universidade pública brasileira. Nunca vivenciei antes na minha história, nem encontrei nos meus estudos de história, das outras épocas históricas da caminhada humana, um único e microscópico organismo vivo que tenha desafiado tão profundamente, no limite, todos os conhecimentos, ideologias e saberes acumulados pela humanidade. Estamos todos, com todos os recursos disponíveis mundialmente, enfrentando essa microscópica espécie viva: o coronavírus. Estaremos nós, humanos, ancorados em todos os diferentes conhecimentos e saberes acumulados até hoje, à altura desse desafio? Eu estou vivendo isso intensamente. Nós todos estamos vivendo isso. O sentido, a identidade, a responsabilidade e a solidariedade da espécie humana trarão a resposta e determinarão o nosso futuro!”

Conheci o Valdo, quando ele tentava fazer da UFPR litoral um instrumento de humanização. Ele sabia e sabe da importância da relação humana na educação e que o fim último da educação é o bem da humanidade.

Como me fazia bem ir até Matinhos, para com ele conversar. Como foram gostosos e fagueiros os encontros na casa do amigo Celso. Os primeiros almoços bem regados, completados com música e amena cavaqueira reuniram meia dúzia de uniproseanos. Outros foram chegando e ‘a prosa humanizadora’ se expandiu.

Quase uma década decorrida sobre a fundação da UniProsa, a reflexão sobre a ‘educação democrática e humanizadora’ permanecia central nas mensagens de WhatsApp. E o que tínhamos feito, que contribuísse para a prática de uma educação humanizadora? Para humanizar, necessário seria prosear. Mas, prosear seria condição suficiente?

Revista Educação 50
José Pacheco Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br

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Revista Educação 51

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Revista Educação 52
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