Revista Educação 303 maio 2024

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Luciene Tognetta

Como combater bullying, racismo e outras violências

revistaeducacao.com.br

Futuro docente

Licenciaturas a um passo de uma nova atualização curricular

EDUCACAO

Efeito contrário

Quanto mais é reprovado, menos o estudante aprende

Reggio Emilia

Abordagem italiana continua inspirando escolas brasileiras. Desafio está em como se afastar de um copia e cola europeu para incluir as necessidades locais e também os saberes indígenas

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CARTA AO LEITOR

“A escola não é a vilã”

Onosso dia a dia continua acelerando cada vez mais. E as pessoas apontando o dedo cada vez mais para o próximo. Será que vivemos na época do sufocamento? Estamos sendo obrigados a adquir múltiplas habilidades e saberes para atuar em nossas profissões — o que é muito bom quando há limites. São tantas obrigações, inclusive burocráticas, que no caso da escola, talvez falte tempo para algo que é primordial e que faz parte de sua essência: o ensinar crianças e jovens a conviverem entre si.

Uma das grandes saídas para uma convivência harmônica está em algo básico, só que pelo visto extremamente desafiante, que é escutar o outro, acolher suas dores e buscar iniciativas para que todos e todas possam conviver no respeito às múltiplas diferenças.

É diante dessas tempestades sociais pelas quais estamos passando — e continuaremos vivenciando — que a redação convidou Luciene Tognetta para ser a entrevistada do mês (pág. 8). Coordenadora do grupo de pesquisa Convivência na escola: virtudes, bullying e violência, vinculado à Unesp e Unicamp, Luciene estuda há mais de 20 anos esses fenômenos.

De fora para dentro. E dentro para fora também

Já o repórter Paulo de Camargo esteve na Reggio Emilia, cidade italiana, e na matéria de capa (pág. 20) apresenta princípios desta abordagem pedagógica e como escolas brasileiras nela têm se inspirado. O alerta está no afastamento de um copia e cola europeu para então reconhecer também práticas educativas que dialogam com as necessidades locais de cada instituição.

Boa leitura e que cada um tenha um tempinho para cuidar de si e ainda acolher o outro.

A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 28 - Nº 303 maio de 2024 ISSN 1415-5486

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Revista Educação 4
Laura Rachid, editora
EDUCACAO REVISTA

Evento

 19 de junho |  8h às 18h

 Fecap: Av. da Liberdade, 532, São Paulo-SP

José Pacheco

Fundador da Escola da Ponte, Portugal, referência em inovação

Bárbara Carine

Idealizadora da Maria Felipa, Bahia, primeira escola afro-brasileira

Nossa programação de dia inteiro contará ainda com o reitor do Instituto Mauá, SP, José Carlos de Souza Jr., Andrezza Amorelli, mentora de inovação escolar, além de outros palestrantes e representantes de escolas inspiradoras.

A Uniu – Cia de dança apresentará ‘La dança per um o’ do coreógrafo José Perez, modalidade ballet contemporâneo.

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Revista Educação 5
REALIZAÇÃO PATROCÍNIO

Reggio Emilia

Continua latente o interesse brasileiro pela abordagem italiana. Educadores se preocupam com o modismo e a distorção de seus princípios, e alertam para a necessidade de conhecer outras experiências

ENTREVISTA

Luciene Tognetta

Especialistas listam evidências mostrando que, na contramão do que sugere o senso comum, o Brasil ainda reprova demais

Com histórico de reprovações, Cristian dos Santos só conseguiu se formar pelo EJA

Como formar jovens para a convivência democrática? Nesta conversa, pesquisadora orienta no combate ao bullying, racismo e outras violências

INTERNACIONAL

Milhares de estudantes são suspensos por motivos vagos e subjetivos, como desafio e conduta desordeira

Diretrizes Curriculares para a formação de professores têm nova versão. Documento é ponto sensível para diferentes grupos políticos e, mais do que isso, para a educação brasileira

Revista Educação 6 26 Midiática 33 Transformação 40 Futuro da escola 42 Bett Brasil 46 Educação indígena 48 Diálogos 50 Entre margens SUMÁRIO e mais
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REPROVAÇÃO
Aprendizagem
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FORMAÇÃO
Políticas
DOCENTE
públicas
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Estados Unidos
Escola Aurora, em Curitiba Amanda Nunes/Divulgação

ENTREVISTA

Escola, lugar de aprender a conviver

Como formar jovens para a convivência democrática? Nesta conversa, pesquisadora orienta no combate ao bullying, racismo e outras violências

“A escola deve olhar para esses sujeitos que estão envolvidos [em casos de violência] como aqueles que precisam aprender a reparar, aprender a conviver”

Convivência escolar sob o campo da psicologia e educação moral — ligada, por exemplo, a valores de justiça, democracia e solidariedade, sem relação com educação moral e cívica — faz parte das pesquisas de Luciene Regina Paulino Tognetta há pelo menos 20 anos. Autora de livros que levam nos títulos palavras como bullying, violência escolar, convivência democrática e afetividade escolar, Luciene é professora na Unesp e coordenadora do Convivência na escola: virtudes, bullying e violência, do respeitado Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), criado em 2005 e vinculado à Unesp e Unicamp, mas com pesquisadores de diferentes universidades públicas e particulares.

Luciene Tognetta ensina que a convivência precisa ser pensada por meio de três aspectos: institucional, relacional e curricular e comemora que o Gepem tem conseguido influenciar outras pesquisas e até políticas públicas. Graduada em pedagogia e com pós-doutorado em psicologia, também é coordenadora da rede Equipes de Ajuda do Brasil (www.somoscontraobullying.com.br/), que tem levado às escolas programas de convivência cuja base é a atuação entre pares, nesse caso, colocando os estudantes como uma ponte que detecta o sofrimento do colega. Confira a entrevista e se informe também sobre as cinco características do bullying.

Quais as causas da violência no ambiente escolar e por que a escola é o alvo?

Temos de desmistificar a ideia de que todas as formas de problemas de convivência que acontecem na escola são violências e que acometem a escola ou que vêm de fora da sociedade ou dos alunos. É uma necessidade pensar em

Revista Educação 8 Arquivo pessoal

maneiras de intervenção escolar quando há uma ideia geral de crer que só temos na escola violências que vêm dos alunos e extremas, como no caso dos ataques, ou violências que são agressões físicas dos alunos. Temos uma maneira de pensar: se é violência, se é agressão, é crime e, portanto, chama a polícia. Essa lógica nos leva a uma intervenção pouco eficaz diante do cenário de problemas que a escola tem. Neste sentido que é desmistificar.

Mas, por que a escola? A escola é o universo de convivência. É o lugar de maior convivência entre aqueles que estão em processo de formação. Nessa perspectiva, em um ataque não se escolhe um shopping, cinema ou supermercado, que têm mais pessoas, porque a escola representa simbolicamente um espaço de cuidado e de formação. Ela é o lugar de onde saem esses agressores em potencial porque de alguma forma eles vivenciaram essas agressões pelas quais, inclusive, foram fundantes para que se tornassem também agressores na escola.

Então, a escola não é a vilã. Ela é um lugar em que se convive e se experimentam as primeiras formas de convivência pública com aqueles que pensam diferente, sentem diferente, que vivem e que têm valores diferentes daqueles que primeiro viveram com sua família. No ambiente com valores particulares, se eu bater ou brigar com alguém essa pessoa não deixa de ser minha mãe, meu pai ou irmão. Portanto, é na escola que acontecem as primeiras relações de convivência e por isso é o espaço de aprendizagem maior dessas relações interpessoais que vão acontecer.

A escola não é a vilã. Nela se convive e se experimentam as primeiras formas de convivência pública com aqueles que pensam diferente, sentem diferente, que vivem e que têm valores diferentes dos vividos primeiro com a família

crime, fala de maneira mais ambiciosa e mais generalista do fenômeno, o que não é ruim. Ela chama de bullying um espectro maior do que de fato ele significa em termos psicológicos. Ainda que a causa mais evidenciável seja o bullying, na maior parte dos relatos desses agressores que viveram situações de bullying na escola, o bullying não é o único fenômeno, o único problema. E essa lei vem para dar uma resposta a um espectro muito maior de violência do que apenas o bullying, principalmente violências ligadas às redes sociais, à convivência digital tão pouco regulamentada no nosso país.

A segunda questão explica essa mistura que muitas vezes temos de bullying e racismo. Temos uma mistura dessas violências dentro desse grande espectro e que fazem com que essa mistura se manifeste em formas de racismo muito mais presentes nesse cotidiano. Por isso temos a ideia de que é bullying, é racismo. O racismo é muito maior do que o bullying, situações de racismo são situações que não envolvem apenas aqueles que estão dentro da dinâmica do bullying. O racismo envolve um povo historicamente constituído e que historicamente viveu a exclusão, a diminuição, o menosprezo.

Bullying e racismo são crimes. Qual a diferença entre eles e de que forma a escola deve lidar?

A lei antibullying [de 2015] é boa, mas podemos falar depois dela. Essa última Lei 14.811/2024, que torna o bullying

Uma das formas mais evidenciadas, principalmente no momento em que nos perdemos, nos esquecemos como civilização, são os marcos civilizatórios essenciais que já construímos e que já evidenciamos — as explicações para isso são inúmeras, inclusive a do momento histórico por que passamos nos últimos anos, não só no Brasil, mas que estamos vivendo, do ressurgimento de um extremismo tanto na política quanto em outras questões sociais, reacionárias, fascistas e contrárias aos direitos humanos que já tínhamos conquistado.

Uma conduta racista é maior do que o bullying porque necessita de uma intervenção maior do que com os envolvidos

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ENTREVISTA

Luciene Tognetta

numa situação de bullying. Pode haver um bullying racista, ter uma situação de bullying que também seja racista. Mas nem todo bullying é racismo e nem todo racismo é bullying. O bullying tem cinco características principais e saber disso faz com que a gente entenda a natureza dos fenômenos e a forma pela qual as instituições que educam precisam intervir. Porque numa situação de racismo é muito maior a intervenção do que apenas aos envolvidos nessa situação.

Quando buscamos a convivência democrática, atitudes punitivas e proibicionistas talvez não sejam a solução. Veja o caso da filha da atriz Samara Felippo, em que se tornou evidente um crime que é o racismo [duas meninas rasgaram o caderno da adolescente e escreveram frase racista]. Por ser na escola, um crime precisa ser pensado de maneira muito particular, porque apesar de ser crime estou falando de crianças e adolescentes e não posso considerar como crime algo que é da natureza da formação da escola. Então a escola precisa olhar para esses sujeitos que estão envolvidos como aqueles que precisam aprender a reparar, aprender a conviver. E nesse sentido, a experiência de uma situação de racismo leva, portanto, à mudança institucional da escola, suas relações, o currículo escolar, e a forma pela qual a escola pensa a organização da sua convivência. Por exemplo, pensar quantos professores negros a instituição tem, como é a contratação desses professores que não leva em conta cotas raciais para que se tenha esse movimento de dar voz àqueles que estão inseridos nesse cotidiano. Quando se trata de escolas particulares, além de educadores, é preciso também olhar para os alunos, pensar na necessidade da convivência desde cedo, do que conviver com 99% de brancos e 1% de negros e como esses negros, portanto, têm lugar de fala.

A Lei 14.811/2024 dá resposta a um espectro muito maior de violência do que apenas o bullying, principalmente violências ligadas às redes sociais, à convivência digital tão pouco regulamentada

Quais são as cinco características do bullying?

A primeira: não há bullying numa situação esporádica, em apenas uma provocação. Normalmente,

quando o menino diz: “professora, fulano está fazendo bullying comigo”, preciso entender se esse bullying tem a primeira característica que é a repetição . Hoje chamo a atenção do seu cabelo, amanhã conto uma mentira sobre você e no outro dia eu o coloco num grupo e depois o excluo do WhatsApp. São situações repetidas. Só que, de repente, uma situação de racismo também pode ser repetida. Segunda característica: precisa ter uma intenção com o objetivo de diminuir o outro, como ferir ao excluir a pessoa do grupo, rabiscar o caderno, menosprezar o cabelo e fazer insinuação sobre o tom da pele. Terceira: preciso de um alvo frágil, alguém que não se defenda ou não encontre meios para se defender. E até alguém que de alguma maneira inconsciente receba essas agressões como: “eu mereço isso; eu não sei o que fazer com isso”. Não ter embate é uma característica do bullying, não sendo um conflito com medição de forças. Você me bate e eu te bato de volta. Você me xinga e eu te xingo. Quem recebe o bullying não tem forças para se defender. Quarta característica: é entre pares, o que significa entre quem tem o mesmo peso institucional. Quinta: tem público para assistir, ou seja, isso me faz rebaixar a minha condição de quem eu sou diante deste público e essas duas características me mostram especialmente algo que é muito cruel para as escolas, inclusive, daquele garotinho que foi morto* em Praia Grande, SP, que é a ignorância de instituições que educam. Por exemplo, o órgão do Estado de São Paulo, o Conviva, que diz que é preciso olhar para as câmeras e ver se realmente aquilo aconteceu. Os professores dizem que nada acontecia. Foi preciso escutar os gestores. Só que não é o gestor que sabe que tem bullying, não é o professor que sabe que tem bullying, porque essas duas características mostram o seguinte: público que assiste são alunos, pares são alunos e, portanto, não são fenômenos visíveis aos olhos dos educadores

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Público que assiste ao bullying são alunos, portanto, não são fenômenos visíveis aos olhos dos educadores, destaca a pós-doutora Luciene

Arquivo pessoal

para ser assim, inclusive porque até hoje o currículo da graduação não tem disciplinas que trabalham com essas questões de convivência. Até na minha faculdade não tem. Porque para mudar são necessárias 550 burocracias que deem conta e professores universitários que também estejam sensibilizados com esse tema, e não estão, porque estão longe do chão da escola, são teóricos na maioria das vezes. E mesmo se o currículo abarcasse isso, só a graduação não daria conta porque as coisas vêm mudando rapidamente. Por exemplo, hoje sabemos que uma mediação com aluno negro necessita ser feita com um professor negro, uma vez que um professor branco historicamente não viveu o que esse aluno está vivendo. Mas a qualificação não é uma palestra, é cotidianamente pensar no acompanhamento, numa discussão de critérios e formas qualificadas de pensar a convivência.

*Jovem de 13 anos morreu duas semanas após ser agredido por estudantes na escola. Pai alega ter comunicado outras vezes sobre bullying sofrido pelo filho e a instituição nada ter feito

Em seu livro É possível superar a violência na escola?, (ed. do Brasil, 2012), diz que é necessário repensar a tarefa daqueles que educam. Por que e o que indica?

Primeiro, essas intervenções, o que fazer em situação de bullying, o que fazer em situação de racismo, são peculiaridades que a ciência, e a gente pode dizer isso até em resposta a muitos professores que falarão “mas é muita coisa para a escola, é muita coisa para saber, não vou dar conta de tanta coisa”. Acontece que o avanço da ciência vai provocando e explicando especificidades dos fenômenos e, assim, vamos compreendendo melhor as coisas. Um médico não opera mais do mesmo jeito que operava um coração há 30 anos. Eu tenho de me especializar o tempo todo e isso vale para todas as áreas, mas na escola existe uma cultura de que ‘formou na graduação, está pronto’. Não dá

Então o professor vai ter de fazer isso nos seus ATPCs [Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo], nos seus horários de atividade. Só que isso é mudar uma cultura da escola, porque o ATPC numa escola pública não é no mesmo momento que o do outro colega. Um faz no almoço e o outro às 17h, porque fazem no momento que sobra. Isso é uma questão institucional, é mudar uma cultura. Política pública é garantir a estrutura de funcionamento dessa nova formatação, desse desenho, por exemplo, para formar professores. Então precisarei garantir que os professoras estejam no mesmo horário de ATPC para que possam discutir sobre o bullying. Se não existir essa garantia não será possível assegurar que os professores pensem sobre o problema e não será possível formá-los sobre o tema. Sem estudar e sem entender a situação, não conseguirão resolver esses problemas tão complexos. Quando falamos de formação docente, temos de incluir professores, mas gestores e outros funcionários também.

Também precisamos mudar a concepção de que pela autoridade, pela bronca, se muda alguma coisa. Presenciei o caso de uma professora chamando a inspetora para dar bronca em sua sala, tirando a autoridade dela e colocando em outra pessoa. Outro ponto é o próprio nome, inspetora, que não acolhe, mas inspeciona. Então, essa funcionária age do jeito que aprendeu na vida dela e em sua crença de como se educa — dando bronca, ouvindo uma autoridade pela obediência. Essa inspetora também precisa de formação e descobrir que não damos mais bronca porque já sabemos as consequências da obediência, da autoridade. Então se tenho duas pessoas brigando, é com elas que eu falo e ainda

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ENTREVISTA

Luciene Tognetta

organizo as regras de uma assembleia na escola, para que esses estudantes tenham espaços para falar sobre o que não está legal. Inclusive, o professor também deve se pronunciar quando algo não está bom na aula. Nesse livro mostro que são vários os aspectos para evitar violência nas escolas e assim melhorar, de fato, a convivência e superar situações como o bullying e outras formas de violência.

Qual o papel das famílias nesse processo?

Está completamente imbricado com o papel da escola. Não tem como separá-los. Ainda que muita gente pense o contrário, não existe mais a separação que conteúdos acadêmicos são da escola e valores morais da família, porque a escola não é mais o lugar da informação. A informação está na minha mão, no celular, e a escola é o lugar da organização dessa informação e ao mesmo tempo não dá mais para separar esse papel de formação humana da escola. A família precisa entender também que ela sozinha não vai dar conta de formar o seu filho e a escola vai ter de entender que sozinha também não dará conta de formar esse menino. Só que a família pode ter muito menos compreensão sobre formas eficazes de se resolver os conflitos do que a própria escola, que é um local institucional e profissional. Então, se na escola eu tenho profissionais que muitas vezes não sabem como lidar de maneira mais assertiva com os problemas, imagine a família, que não é um profissional de ensino e não tem especialização em formas de se resolver problemas. A família vai cobrar e falar o que acredita que deve ocorrer a partir de seus valores e crenças.

Também é necessário acolher essas famílias em seus sentimentos e quando uma mãe fala “minha filha está sofrendo bullying, minha filha está sofrendo preconceito“, acolher essa mãe. Porque imagine a indignação dela; e também é importante que os profissionais da escola entendam que a mãe não sabe tudo o que a escola tem feito e que essa mãe também não sabe de outras formas de resolver problemas. Ou seja, separar o que é sentimento e depois separar o que é resposta da escola. É preciso dar uma resposta para essa mãe.

Pesquisas brasileiras e mundiais mostram maneiras eficazes de se combater o bullying com a implementação de propostas em que os alunos sejam formados também para ajudar, são os sistemas de apoio entre pares, entre iguais. Há mais de 30 escolas no Brasil com esse trabalho que tem mostrado a eficácia quando alunos veem os problemas e também intervêm; o quanto nessas escolas as situações

de bullying, de racismo, de exclusão, podem ser minimizadas. Essas situações vão acontecer, mas a escola saberá como agir e como intervir para que isso não vire doença, para que isso não vire um ataque, para que isso não vire um problema maior como tem acontecido em todas essas escolas. Então o papel da escola é fazer essa acolhida.

Sobre os estudantes: que práticas são necessárias para a melhoria das relações?

Um programa de convivência precisa levar em consideração três dimensões: o institucional, o relacional e o curricular. Se já falamos da instituição e do currículo (não dá mais para ser o mesmo currículo), temos de falar das relações — o estudante precisa ter na escola espaços de pertencimento e participação. O que significa diagnosticar quais são os problemas que eles mesmos têm. É por isso que a gente tem dito que o programa de convivência não se sustenta sem um diagnóstico da realidade, inclusive, professores e gestores devem participar de discussões sobre dificuldades para a convivência, e assim saber de onde partir. Quando professores se assustam ao escutarem seus alunos dizerem sofrer todos os dias discriminações de gênero, raciais, discriminações de todas as ordens, eles falam: “como assim? Nunca vi isso”.

O segundo ponto é que ao existirem problemas de convivências, para se sentir pertencente é preciso ter intervenções que levem em consideração os sujeitos que estão envolvidos no problema, entendendo que eles é que precisam resolver a situação e não sobre ameaça, punição, mas sob a responsabilidade de reparar o erro e tomar consciência de qual é o problema.

A terceira questão: espaços de participação, como assembleias e outras formas democráticas de organizar as regras na escola, devem indicar que se os problemas me pertencem, as soluções também precisam me pertencer. Quarto ponto é a participação em formas de protagonismo, como esses sistemas de apoio entre pares, por exemplo, as Equipes de Ajuda que temos feito desde 2015 no Brasil. São meninos e meninas que relatam o quanto eles podem ajudar os seus pares no reconhecimento das situações de sofrimento que passam e eles podem intervir. E a última questão é o cuidado dos outros organismos da rede de proteção em que a escola está inserida. Falo ilustrando com o caso do garoto de Praia Grande, em que falhou a escola e falharam os outros serviços: Promotoria Pública, Conselho Tutelar e Saúde.

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CNA

Apresentado por

NA ESCOLA e a importância dos programas bilíngues para a educação no Brasil

Não é de hoje que o debate sobre a importância do ensino bilíngue vem ganhando destaque entre educadores e famílias, tornando-se tema recorrente em discussões no ambiente da educação. Isso porque o domínio de um segundo idioma é cada vez mais imprescindível para se obter sucesso no mundo altamente globalizado em que vivemos. Não por acaso, nos últimos anos, segundo dados recentes do Ministério da Educação (MEC), a procura por modelos de ensino bilíngue cresceu 64% no país.

Estima-se que cerca de 43% da população mundial seja bilíngue. No Brasil, no entanto, a realidade é diferente. De acordo com pesquisa realizada pelo British Council, organização internacional dedicada à educação e relações culturais, apenas 5% dos brasileiros têm conhecimento no idioma inglês, sendo que apenas 1% possui fluência na língua. Transformar essa realidade é um importante desafio para as instituições de ensino do país. Além do aprendizado de um segundo idioma, o ensino bilíngue contribui também para o crescimento intelectual e colabora para o desenvolvimento da cidadania global entre crianças e adolescentes.

Os muitos benefícios do ensino bilíngue – como o fato de que o domínio simultâneo de dois idiomas ajuda na manutenção das funções cerebrais e no desenvolvimento de um perfil multitarefas - são objeto de estudos no mundo inteiro. Uma pesquisa recente realizada pela Dra. Ellen Bialystok, ph.D. em Psicologia pela Universidade de York (Canadá), concluiu que estudantes bilíngues são capazes de realizar tarefas cognitivas e psicológicas mais rapidamente do que aqueles que dominam apenas um idioma.

Além da melhoria da capacidade cerebral e do aperfeiçoamento das atividades cognitivas, aprender um novo idioma amplia a bagagem cultural de crianças e adolescentes, facilitando a comunicação. O bilinguismo também cria novas oportunidades de socialização, permitindo que se criem laços e interações com pessoas de outros países por meio do universo digital de jogos e redes sociais.

Para ajudar instituições de ensino brasileiras a superar os obstáculos rumo a um ensino bilíngue de qualidade, o CNA conta com um programa especialmente pensado

para atender as demandas das escolas dentro de suas próprias instalações, assumindo a matriz curricular dos colégios parceiros. Com o propósito de educar para o desenvolvimento de pessoas e a construção de uma sociedade melhor, o CNA NA ESCOLA foi desenvolvido de forma a tornar a experiência de ensino de idiomas dentro das escolas mais completa e eficiente.

Com mais de 700 franquias espalhadas por todo o Brasil, o CNA oferece suporte pedagógico técnico e especializado, auxiliando as escolas de perto no processo de implantação de suas soluções, além de contar com certificação internacional em parceria com a Universidade de Cambridge - que disponibiliza aos alunos certificados aceitos em universidades do Reino Unido e em outros países do mundo, com validade permanente.

O CNA NA ESCOLA oferece também material didático exclusivo com experiências imersivas, cuidadosamente desenvolvido por uma rede de ensino de idiomas com experiência de mais de 50 anos e qualidade reconhecida. Os alunos do programa bilíngue do CNA ainda têm acesso a uma experiência completa no Portal do Aluno CNA, plataforma digital que conta com professores online e atividades de consolidação do conteúdo aprendido em sala de aula.

Com uma proposta personalizada e alinhada à BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o CNA NA ESCOLA oferece uma solução de ensino de idiomas de até cinco tempos por semana, dentro da matriz curricular dos colégios, além de uma solução que visa atender os alunos no contraturno. Tudo para você oferecer aprendizado bilíngue eficiente dentro da sua escola, com a expertise de uma das maiores redes de ensino de idiomas do Brasil.

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Repetência segue usada como estratégia educacional

Especialistas listam evidências mostrando que, na contramão do que sugere o senso comum, o Brasil ainda reprova demais

| Por Alex Bessas

Eu nunca desisti da escola. A escola que tinha me abandonado, não tinha mais espaço para mim. Por isso, deixei de estudar”, lamenta Cristian dos Santos, 22, que lidou com quatro repetências no ensino fundamental. “Quando tentei fazer o supletivo, também repeti”, recorda, sem imaginar que sua trajetória particular reflete um problema nacional: os altos índices de reprovação no sistema educacional brasileiro.

É o que denunciam especialistas como Maria Helena Guimarães de Castro, titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação em Avaliação Educacional no Instituto de Estudos Avançados da USP, polo Ribeirão Preto. Para ela, há, no país, uma cultura da repetência arraigada: “Professores e sociedade ainda acreditam que quanto mais o aluno for reprovado, mais ele vai aprender, o que não é verdade”. Reflexo desse pensamento, diz, é percebido ao se analisar dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), de 2018. Segundo o relatório, 34% dos estudantes de 15 anos avaliados haviam repetido o ano ao menos uma vez. “Em comparação com outras 80 nações, o Brasil ficou em quarto lugar no ranking dos que mais reprovam, atrás de Marrocos, Líbano e Colômbia”, critica. Maria Helena é uma das criadoras do Enem e destaca existirem diversos estudos e pesquisas evidenciando que a repetência é ineficaz, gerando graves custos individuais e sociais. “É bom lembrar que o próprio Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) mostra que quanto mais o estudante é reprovado, menos ele aprende”, aponta, citando, ainda, dados de um estudo longitudinal, de 2012, realizado no Brasil por pesquisadores da

“É bom lembrar que o Saeb mostra que quanto mais o estudante é reprovado, menos ele aprende”, destaca a especialista em avaliações Maria Helena Guimarães de Castro

Fundação João Pinheiro (FJP), que identificou que alunos reprovados continuavam com desempenho inferior no ano seguinte em relação àqueles que avançaram.

A titular da cátedra da USP complementa que a repetência ainda gera desperdício de recursos. “Um estudo da consultoria E-Dados mostrou que o custo da extensão do tempo do aluno na escola devido à reprovação foi de R$ 16,8 bilhões em 2017, recursos que seriam suficientes para custear o Programa Nacional de Alimentação Escolar, financiar o Programa Nacional do Livro Didático e realizar transferência de recursos para ampliação de creches, de atendimento de educação infantil, de atendimento de tempo integral e assim por diante”, cita.

POLÊMICA

Foi com a intenção de enfrentar o problema da repetência que o governo da Bahia publicou, em 27 de janeiro, o ato 190/2024, que dá orientações sobre a avaliação nas instituições de ensino e trata da aprovação dos estudantes. A me-

Revista Educação 14
REPROVAÇÃO
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ESCOLAR

dida, porém, gerou mal-estar, atraindo críticas, tanto pela oposição quanto por aliados do governador Jerônimo Rodrigues (PT) ao estabelecer que, para um aluno ser aprovado, será preciso superar dois critérios: a presença em 75% do ano letivo e o alcance de uma média escolar de 50%. A portaria prevê que, no caso de reprovação, um Conselho de Classe terá autonomia para “analisar os fatores de ordem objetiva e subjetiva e os efeitos negativos que a reprovação traz para a trajetória escolar do estudante”.

À revista Educação, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC) se defende, dizendo que, diferente do que sugerem os críticos, o Regime de Progressão Parcial (RPP), atualizado na normativa, não deve ser confundido com aprovação automática.

“O que propusemos com a implementação da portaria nº 190 e as outras medidas em conjunto, como a portaria nº 195, é uma iniciativa que oportuniza a qualificação do percurso formativo de estudantes, com a garantia de novas oportunidades de aprendizagem e avaliação. Com o RPP, o estudante é reavaliado com foco nas carências apresentadas no ano letivo anterior, após ter acesso a conteúdo de descritores educacionais específicos, que contribuirão com a superação dessas lacunas”, sustenta a pasta, que diz aplicar ações estratégicas que garantem a recuperação da aprendizagem, estabelecendo diferentes projetos voltados ao sucesso escolar, buscando a melhoria do ensino, a permanência e a redução da distorção idade-série.

ENFRENTAMENTO

Autor do livro publicado em 2022 O ponto a que chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto

“Pela primeira vez, senti que me enxergavam. A professora Daiana notou que eu saía da sala nos momentos de leitura, coisa que, em outras escolas, ninguém percebia”, lembra o então estudante
Cristian dos Santos

Cristian dos Santos passou por algumas reprovações que só o desestimularam. Quando ingressou em uma escola da Fundação Roberto Marinho para EJA, o acolhimento foi determinante para a sua permanência

nas políticas do presente (ed. FGV), o jornalista Antônio Gois adverte que, de fato, reagir à repetência proibindo-a não é a solução. “É preciso adotar uma série de outras medidas”, defende, citando que uma das iniciativas mais relevantes nesse sentido é antecipar a entrada da criança na escola. “Ela já passa a conviver com um ambiente estimulante e vai se habituando à rotina escolar”, destaca. A formação de professores também é crucial. “Essa capacitação avançou muito. Houve uma diminuição significativa na quantidade de educadores sem formação de nível superior dando aula para crianças”, menciona. O foco na alfabetização é outro fator relevante — “caso do Ceará, um dos mais exitosos nessa questão, que aposta na identificação rápida de estudantes com problema de aprendizagem, promovendo rápida intervenção”.

Gois pondera que o problema do excesso de repetência no Brasil é histórico. Ele lembra que um dos primeiros autores a sistematizar números relacionados à questão foi o estatístico Teixeira de Freitas, que

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Amanda Nunes/Divulgação

REPROVAÇÃO ESCOLAR

atuou no IBGE. Em um trabalho publicado em 1946, por exemplo, o autor chama a atenção para o fato de a reprovação ser muito alta na 1ª série do antigo primário (atual ensino fundamental). “Ele dizia, já naquela época, que o problema da educação brasileira não estava só na falta de vagas, mas no excesso de reprovação e abandono escolar”, assinala, indicando que, apesar dos alertas, esses índices se mantiveram praticamente inalterados por ao menos meio século: em 1932, chegavam a 66% na 1ª série; já em 1982, eram de 59,4%. Por trás desses números está, segundo o jornalista, o “caráter puramente seletivo do sistema de educação no Brasil, em que, desde os primeiros anos, busca-se selecionar aqueles alunos que ‘merecem’ continuar no sistema de educação, separando-os do que não ‘merecem’”. Ele comenta que tal lógica já era denunciada por Teixeira de Freitas. “Até hoje, embora as taxas de repetência tenham caído muito desde a redemocratização, essa concepção continua arraigada em nossa cultura”, alerta.

DISTORÇÃO

Também tratando a repetência como um problema histórico, Maria Helena Guimarães de Castro ressalta que as elevadas taxas de reprovação estão associadas a outros problemas. Caso da distorção idade-série, que, segundo o Censo Escolar 2023, afeta 16% dos brasileiros do 6º ano, que apresentam pelo menos dois anos de atraso escolar, enquanto, entre alunos do 1º ano do ensino médio, 24% iniciam sua trajetória com idade superior à esperada. “O problema já foi pior. Já tivemos cerca de 48% de estudantes atrasados, em 2006”, con-

Renan Carlos, diretor na escola da Fundação Roberto Marinho, reforça que muitos alunos atendidos se sentiam invisíveis no sistema de ensino regular

O jornalista Antônio Gois resgata o estatístico Teixeira de Freitas, o qual alertou em 1946 que o problema da educação brasileira não estava só na falta de vagas, mas no excesso de reprovação e abandono escolar

textualiza, situando que, apesar do avanço, os patamares atuais continuam inaceitáveis e têm sérias consequências sociais e econômicas. “Muitos desses alunos repetem, abandonam a escola e não voltam a estudar. Não por acaso, temos um número imenso de jovens, entre 18 e 29 anos, da chamada geração ‘nem-nem’, que não estudam e nem trabalham”, adverte.

Por fim, ela lembra que a repetência afeta competências socioemocionais das crianças e adolescentes, impactando sua autoestima — apontamentos que encontram eco na história de Cristian. “Não saber ler nem escrever era uma humilhação. Eu pensava que, se para quem tem estudo já estava ruim, imagina para mim… Eu já estava me dando por vencido”, recorda, destacando que a situação afetava inclusive seus relacionamentos: “Imagine um jovem de 16 anos ficar só mandando áudio no WhatsApp, não saber nem conversar direito com as garotas… Era a maior vergonha”.

ACOLHIMENTO

A trajetória de Cristian dos Santos no sistema educacional só começou a mudar mais recentemente, quando ele ingressou em uma escola da Fundação Roberto Marinho, no Rio de Janeiro, que atende estudantes da modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Quando cheguei lá, pensei que não ia dar em nada, que eu ia ficar de enfeite, até dar os dois anos [duração da EJA] e eu repetir de novo, voltar à estaca zero. Mas foi completamente diferente”, relata.

Na instituição, são adotadas diversas ações citadas por especialistas como boas práticas para se evitar a repetência, como a aplicação de uma avaliação diagnóstica,

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Alice Vergueiro/Jeduca
Amanda Nunes/Divulgação

que pode ser feita pela escola ou rede de ensino no início do ano letivo, propiciando que o educador compreenda qual o seu ponto de partida. “Sabemos que o estudante da EJA normalmente tem histórico de repetência e evasão escolar. Então, primeiro, buscamos estabelecer um diagnóstico no momento da matrícula, chamando-os para uma conversa com a equipe pedagógica”, expõe Renan Carlos, diretor da unidade escolar.

Outro ponto defendido por estudiosos e levado a cabo no lugar é a compreensão de que as avaliações internas, mais que atribuir notas aos alunos, são um instrumento para orientar o trabalho em sala de aula. “A partir de seus resultados, podemos pensar, inclusive, em estratégias de recomposição de aprendizagem para que o estudante chegue ao final do ano dominando habilidades, competências e expectativas de aprendizagem, sem ser reprovado”, resume. Além disso, o diretor comenta que, na escola, os re -

cursos didáticos são diferentes daqueles utilizados no início da trajetória escolar dos alunos. “Pode não ter tido nada de errado com o material usado anteriormente, mas, para essas pes soas, não funcionou”, assinala, indicando que, a exemplo de Cristian, muitos dos alunos atendidos se sentiam invisíveis quando no sistema de ensino regular.

“Pela primeira vez, senti que me enxergavam. A professora Daiana [Jardim] notou que eu saía da sala nos momentos de leitura, coisa que, em outras escolas, ninguém percebia. Ela me chamou para conversar, eu contei que não sabia ler e escrever, e ela disse para seguirmos juntos nessa jornada”, recorda. “Confesso que pensei que não daria em nada. Mas, eu aprendi. Aprendi brincando. Do nada, eu conseguia ler e escrever. Hoje, tenho até habilitação, coisa que sempre quis e pensava que não conseguiria”, anima-se, satisfeito ao se descobrir capaz de aprender: “Agora, o céu é o limite”.

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e é por esse

Conectamos histórias. Construímos futuros.

Escola não se faz só de pedagogia, mas das relações culturais, estéticas, políticas, éticas, sociais, no espaço em que está. Na imagem, Escola Iride, em Guastala (vizinha da Reggio Emilia)

Escuta real da infância

Abordagem italiana continua despertando interesse entre escolas brasileiras. Educadores se preocupam com o modismo e a distorção de seus princípios, e alertam para a necessidade de conhecer outras experiências

| Por Paulo de Camargo, em Reggio Emilia, Itália

Aeducadora e pesquisadora Valéria Gonzales Andreetto lembra-se de quando, em 1999, ouviu a respeito de uma pedagogia diferente, originada em uma pequena cidade italiana da Emilia-Romagna, fundada na escuta profunda de crianças potentes, que já pensam, investigam e se expressam por muitas linguagens desde que chegam ao mundo — e isso era radicalmente diferente de propostas tradicionais que ainda viam as crianças como seres a quem tudo falta. Passou a ler sobre o as-

sunto, entrou no primeiro grupo de estudos sobre o tema e, em 2003, foi à Itália para ver tudo in loco. Decidiu então mudar os rumos de sua escola, a Jardim dos Pequenitos, em Santo André, SP, e tornou-se uma das instituições de ensino precursoras de um caminho hoje seguido por centenas de educadores e escolas em todo o país.

A Reggio Emilia — cidade em que 33 escolas públicas municipais e outras 14 cooperadas seguem a abordagem que leva o nome do local — se tornou uma espécie de meca pedagógica para onde anualmente afluem pelo menos 5 mil educadores das Américas, Europa, Ásia

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REGGIO EMILIA
A primeira escola foi construída em 1945 pelas próprias famílias sob a inspiração de um dos pensadores da educação mais fora da caixinha do século 20, o italiano

Loris Malaguzzi

e África. Apenas do Brasil, mais de 400 educadores viajam todos os anos para formações locais. Não é um museu estático, a céu aberto: a cidade respira uma educação viva, que segue se atualizando e se desenvolvendo quase 80 anos depois do surgimento da primeira escola. O próprio nascimento dessa abordagem merece sempre ser lembrada: em uma região devastada pela Segunda Guerra, os moradores tinham de decidir o que fazer com seis cavalos, três caminhões e um tanque de guerra abandonado pelos alemães em fuga. Vendê-los, claro, mas usar o dinheiro para quê? Entre construir um cine-

O caminho não é copiar. “Todo projeto precisa ter a autoria de quem o habita”, diz Rosa Bertholini, presidente da seção brasileira da Associação RedSolare Arquivo pessoal

ma — proposta dos homens — ou uma escola, desejo das mulheres, venceu a segunda tese, que tinha um propósito maior: educar crianças de um modo diferente, para que o horror fascista nunca mais se repetisse.

A primeira escola foi construída, em 1945, pelas próprias famílias, com tijolos dos escombros, e desde logo sob a inspiração de um dos pensadores da educação mais fora da caixinha do século 20, o italiano Loris Malaguzzi (1920-1994).

A imagem do educador visionário, pedalando sua bicicleta entre as escolas que surgiam e viajando pelo mundo para aprender e discutir sobre educação com alguns dos grandes pensadores de seu tempo, como Jerome Bruner (1915-2016) e Howard Gardner, promovendo inovações profundas a partir de uma postura de investigação permanente e inseparável da prática, e de uma convicção absoluta sobre o potencial das crianças, marcou a história recente da pedagogia. Essa experiência virou um fenômeno de mídia quando, em 1991, a Newsweek publicou um especial sobre as 10 melhores escolas do mundo, citando entre elas a Escola Diana,

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Paulo de Camargo

REGGIO EMILIA

um ícone dessa filosofia, localizada na principal praça da pequena Reggio Emilia.

A abordagem Reggio Emilia, também conhecida como pedagogia da escuta, atraiu instituições como o Projeto Zero, da Universidade Harvard; pesquisadores como o economista James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel, e Mitchel Resnick, do MIT, gerando livros, estudos, exposições, debates.

Por tudo isso, essa nova visão de educação infantil se difundiu mundo afora: produziu exposições que rodaram países, livros, materiais, recursos pedagógicos.

Muitas inovações que hoje se tornaram itens de primeira necessidade em prateleiras pedagógicas vieram de lá — você vai reconhecer esses conceitos: atelierista, documentação pedagógica, 100 linguagens, contextos educativos, aprendizagem visível, mesas de luz...

PRATELEIRA

Epa, prateleira? Sim. Se essa pegadinha não provocou um arrepio, cuidado. A luz amarela está acesa. Há uma diferença profunda entre o que é a abordagem Reggio Emilia e o que muitas escolas acabam fazendo dela, utilizando conceitos e elementos isolados como em uma boutique pedagógica. É hora de pensar sobre isso. O que faz de tão diferente uma escola da Reggio Emilia?

Os autores da área lembram que não se trata de uma metodologia. É, antes, uma filosofia ou, como está no nome que se difundiu, uma abordagem, construída a partir de uma determinada concepção de infância. E, nessa abordagem, o sujeito é a criança plena de direitos — potente, inscrevendo­se no mundo, participando da construção da cultura da cidade, investigando o mundo, expressando-se da forma que Malaguzzi traduziu como as 100 linguagens.

É a partir da escuta real da infância, nas formas metafóricas e simbólicas pelas quais se comunica, que os educadores buscam preparar as condições para que pesquisem, construam, aprendam — não o que os adultos querem, o professor deixa ou o currículo manda, mas aquilo que se originou de sua curiosidade, a partir de suas hipóteses, em um processo cognitivo complexo e profundo. Sim, as crianças pensam, e usam para isso o corpo, os cinco sentidos, a mente e o coração.

O desenvolvimento permanente levou a inovações que notabilizaram esta abordagem. É o caso da introdução dos ateliês, na década de 1970, que literal e sim-

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Sim, as crianças pensam, e usam para isso o corpo, os cinco sentidos, a mente e o coração. Ateliê da Escola Jacarandá, em Milão, Itália Escola Aurora, em Curitiba. “Queremos uma pedagogia aberta, participativa, que tem as crianças como protagonistas”, conta Ana Thereza Malucelli, coordenadora do ensino fundamental Divulgação
Não deixem de saber também sobre as experiências que existem na América Latina e no Brasil — inclusive as aprendizagens que podem advir dos povos originários, orienta a pesquisadora

Bruna Ribeiro

bolicamente expressam a inegável beleza da pedagogia e inspiram muitos educadores a seguir o caminho.

Nada a ver com os tradicionais ateliês artísticos. Conforme explica a pedagoga Lorella Trancossi, do Centro Internacional Loris Malaguzzi, ateliês são espaços de intencionalidade educativa, ambientes de pesquisa concebidos como laboratórios de experimentação e aprendizagem. Atelieristas não são artistas, mas educadores que devem, a todo o tempo, propor contextos de pesquisa, provocando as crianças a explorá-los.

“Cada contexto tem de falar por si, os professores precisam de poucas palavras para explicá-lo”, diz Lorella.

MUITO ALÉM DA PEDAGOGIA

Além disso, é preciso lembrar que uma escola não se faz só de pedagogia, mas das relações culturais, esté-

ticas, políticas, éticas, sociais, no espaço em que está. Por fim, a escola está na cidade. É comum que as crianças proponham em suas pesquisas o envolvimento dos lojistas, exponham seus projetos pelas ruas, intervenham de fato na vida urbana.

No caso da Reggio Emilia, há também uma relação orgânica com as famílias, desde o seu início. “Os pais entendem que não são apenas pais das crianças, mas da escola”, lembra Lorella. Mais ainda: há uma dimensão de afirmação de valores radicalmente públicos e democráticos — nosso Paulo Freire dá nome a uma das suas escolas. Por fim, a abordagem da Reggio Emilia nasce em uma inspiração, ai, ai, ai, comunista, o que nem sempre é lembrado.

Por isso, não há copy paste possível. “Escola reggiana é apenas a que está lá, na cidade de Reggio Emilia”, enfatiza a pedagoga Rosa Bertholini, presidente da seção brasileira da Associação RedSolare, instituição de formação autorizada a difundir a abordagem Reggio Emilia em diferentes regiões e países. Segundo Rosa, que viajou muitos países para visitar outras escolas, é possível buscar inspiração nessa filosofia, mas não copiá­ la. “Todo projeto precisa ter a autoria de quem o habita”, diz.

Acompanhando a difusão das ideias no Brasil, a educadora explica que houve um boom inicial de interesse, no início dos anos 2000, assim como houve com o socioconstrutivismo. Agora, o crescimento tem sido mais lento, mas, por outro lado, mais consistente. Rosa conta que há uma preocupação real com a deturpação dos conceitos, que não são simples. “A abordagem não se reduz a um mobiliário ou recursos específicos. Não pode ser uma moda para se ficar bem na fita”, argumenta. Rosa Bertholini vê com entusiasmo o crescente interesse dos professores, inclusive nas redes públicas. “Dizer que o professor brasileiro é descompromissado é uma lenda urbana”, enfatiza. “Vejo cada vez mais educadores buscando formação, comprometidos com a transformação da escola”, diz.

É o caso da Escola Aurora, em Curitiba. Criada em 2009, os fundadores logo encontraram na inspiração reggiana um caminho, inclusive levando os seus princípios para o ensino fundamental. “Queremos uma pedagogia aberta, participativa, que tem as crianças como protagonistas — esse é o principal ponto”, diz a psicóloga Ana Thereza Malucelli de Albuquerque, coordenadora desta etapa. Para Ana, é muito importante

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Paulo de Camargo

REGGIO EMILIA

reconhecer o contexto cultural em que a escola está. Por isso, buscaram se aproximar de escolas latino-americanas que seguem a mesma inspiração, como a Alef, em Lima, no Peru, instituição privada de quem recebem assessoria. “Vimos lá características mais próximas, adaptadas para a América Latina”, diz.

Por ser uma decisão que envolve muito estudo e pesquisa, a diretora vê como um ponto desafiador a formação dos professores. “A formação inicial não traz esses elementos, e temos de cuidar disso na escola, fazendo uma formação cotidiana, com registros de sala, reuniões”, lembra. “Os professores precisam estar disponíveis para aprender, não é possível só repetir procedimentos”, afirma a gestora.

ABORDAGENS PARTICIPATIVAS

Embora tenha se notabilizado e justificadamente seja uma referência internacional, a abordagem da Reggio Emilia não é um oásis isolado no deserto da educação. Ao contrário, representa um número crescente de movimentos de transformação da escola, que podem se reunir em torno do que se denomina de abordagens participativas. Em comum, todas partem do princípio de uma criança que não é passiva, mas um sujeito em toda a sua potencialidade e pleno de direitos. Mais que isso: que educar é um ato social, participativo e democrático.

Para a pesquisadora Bruna Ribeiro, que em seu doutorado na USP estudou abordagens participativas em

Crianças do Jardim dos Pequenitos, SP, observando as raízes e cujo celular se tornou uma ‘lupa’ para ampliação da imagem

diferentes países, há três perguntas a serem respondidas por quem faz uma escolha pedagógica: quem é a criança, ou seja, qual é a concepção de infância? O que entendemos por conhecimento? Por fim, como a criança constrói esse conhecimento?

Assim como a Reggio Emilia, outras iniciativas relevantes aconteceram, como a de Emmi Pikler, na Hungria, e das escolas públicas de Pamplona, Espanha, em San Miniato, Itália, em Portugal, cada uma com suas especificidades. “Precisamos conhecer essa e outras experiências, mas não para tentar reproduzir, reduzindo-as às suas formas”, lembra. Segundo explica, as abordagens participativas são ecossistemas, e assim não podem ser desmembradas. “Seria um epistemicídio”, pontua a pesquisadora. Ou seja, um esvaziamento total de sentido.

Por isso, diz, é muito importante que os educadores busquem conhecer, sim, iniciativas como Reggio Emilia, mas não deixem de saber sobre as experiências que existem na América Latina e no Brasil — inclusive as aprendizagens que podem advir dos povos originários.

Em diálogo com essa perspectiva está o livro Educação de alma brasileira (ed. Appris), organizado por Antonio Sagrado Lovato e Tathyana Gouvêa, o qual questiona como seria a educação daqui se fosse pensada a partir do povo, da cultura e da história do Brasil.

“Conhecemos ainda bem pouco do que temos. O desafio é aprender com as experiências de outros países, construindo uma abordagem que tenha a nossa cara”, finaliza Bruna Ribeiro.

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Brasil enaltece juventude, mas a abandona à própria sorte

Diminuição das políticas púbicas para os jovens nos últimos dois anos foi o contrário do que seria lógico para um país que parece exaltá-los culturalmente

Quando as primeiras rugas surgiram na fronte de Gisele Bündchen, a modelo passou a surgir na mídia brasileira exclusivamente por conta de sua separação conjugal — ou porque foi parada numa blitz policial. A eterna ‘promessa de felicidade’ agora interessa mais pelo que tem de mundana, do que por sua então beleza juvenil. E assim, o orgulho nacional — um espelho narcísico — vai migrando de persona em persona, conforme essas envelhecem.

Desde a garota que vem e que passa até o rebolado da Anitta, o país sempre se gabou de sua juventude. Essa imagem é mais forte no exterior que o próprio Cristo Redentor. Quando se pensa em Brasil, logo é possível sentir uma brisa fresca e fugaz, um corpo apolíneo e uma energia pulsante de vida. Esse olhar é altamente seletivo e um tanto quanto racista — ainda fruto da construção da latinidade sexual de Hollywood da década de 1950.

Entre as estrelas de novelas da Rede Globo, dentre elas Malhação, que durou incríveis 27 temporadas, até os influenciadores digitais que arrepiam os cabelos das famílias, é a faixa jovem que mais marca presença na mídia, como produtora e também consumidora. Durante algumas décadas sem regulamentação adequada de publicidade, fabricantes de cigarro e cerveja encheram os bolsos patrocinando programas de televisão, festivais de música e até esportistas profissionais.

Recente, pesquisa realizada pelo banco Itaú por meio da análise do uso de transferências via Pix mostra a força da geração Z no consumo online, sobretudo em apps de alimentação e transporte — é esse consumo que faz brilhar o olho do mercado.

Em 1992, a imagem do músico Kurt Cobain, da banda norte-americana Nirvana, destruindo uma guitarra bem abaixo de um logotipo de uma marca de cigarro é a mais perfeita tradução de como tratamos a nossa juventude até hoje
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Hoje são 35 milhões de jovens entre 14 e 24 anos no país. Mas foram 50, 60, 70 milhões. De fato, nossa pirâmide etária foi bem mais cheia justamente na faixa correspondente à população menor que 30 anos; vivenciaremos até o fim do século um encolhimento dessa parcela. Seremos cada vez mais parecidos com a velha Europa. A pergunta incômoda que resiste é: como aproveitamos, nos desenvolvemos e aprendemos durante essa época de ouro?

Quando olhamos os números que refletem o desenvolvimento econômico e social dessa parcela da população, o brilho de uma juventude promissora se esvai rapidamente. Segundo o Atlas da Violência do Brasil, realizado pelo IPEA, jovens negros são quase 80% do total de assassinatos na faixa etária em 2022.

Estamos deixando para trás uma janela histórica demográfica de produtividade, comprometendo os direitos humanos básicos dos jovens no presente, e ainda as estruturas econômico-sociais para os mais velhos no futuro. O país parece exaltar a juventude, mas ao mesmo tempo abandonar as políticas públicas que poderiam torná-las não apenas consumidoras, mas protagonistas de mudanças positivas. Em 1992, a imagem do músico Kurt Cobain, da banda norte-americana Nirvana, destruindo uma guitarra bem abaixo de um logotipo de uma marca de cigarro é a mais perfeita tradução de como tratamos a nossa juventude até hoje. Trazendo para os dias atuais, é como se um fabricante de cigarro eletrônico patrocinasse um grande festival de rock.

Para se ter uma ideia, em 2022, segundo a Fundação Roberto Marinho e o Itaú Educação e Trabalho, 9,8 milhões de jovens entre 15 e 29 anos estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Desse total, 43% não chegaram a concluir o ensino fundamental; 84% trabalham ou já trabalharam e 67% encontram-se ocupados na informalidade (sem carteira assinada ou vínculo empregatício).

Ao escutar esses jovens, não é difícil pensar na receita para uma política pública de acolhimento: 73% deles têm intenção de voltar para a sala de aula. Os obstáculos para esse retorno seriam conciliar a necessidade de um emprego imediato e assistir às aulas. As políticas públicas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) previstas na Constituição de 1988 necessitam urgentemente de uma adaptação ou mesmo agregarem outras iniciativas (como auxílio financeiro e modelos mais flexíveis) para que essa parcela da população não seja abandonada à própria sorte. Os dados também clamam para que a educação básica se torne mais próxima da realidade da população.

Entretanto, a diminuição das políticas públicas para os jovens nos últimos dois anos foi o contrário do que seria lógico para um país que parece exaltá-los culturalmente. Conforme dados do Atlas da Juventude, de 2021, durante as gestões de Dilma Rousseff, Michel Temer e o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, a quantidade de iniciativas não teve variações significativas. Já entre 2020 e 2021, houve uma queda drástica no número de iniciativas de políticas públicas para os jovens. Enquanto em 2019 foram mapeadas 50 ações, em 2020 esse número caiu para apenas 26.

A parcela do orçamento federal para essa camada da população segue a mesma lógica. Conforme um estudo do Engajamundo, comparando os anos de 2013 e 2020, houve uma queda de 84,2% na destinação de recursos para o Conselho Nacional da Juventude (Conjuve). Enquanto em 2013 foram executados R$ 683.956 mil para o Conselho, em 2020 a execução orçamentária foi de somente R$ 107.645 mil.

No Retrato de Dorian Gray brasileiro, o protagonista também se gaba por não envelhecer; mas, seu retrato periga não se sustentar preso à parede.

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, escritor e educador. Mestre em inteligência artificial e ética, é consultor da Unesco e apresentador do programa Idade Mídia, no Canal Futura.

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Apenas 1% da população brasileira é fluente em inglês

86% dos brasileiros consideram o aprendizado da língua inglesa muito importante

Somente 8% utilizam o idioma sempre ou frequentemente

Dados da pesquisa “Relação dos Brasileiros com a Língua Inglesa”, uma iniciativa da International School e da FSB Pesquisa.

Assista à reportagem exclusiva na CNN:

O inglês é uma língua franca. Isso significa que é falada não só por nativos, mas também entre estrangeiros. Ou seja, o Brasil perde oportunidades comerciais por conta da falta do domínio do inglês.

Virginia Garcia

Vice-presidente da International School, em entrevista concedida à CNN

7x eleito o melhor programa bilíngue do Brasil

mais de 200 cidades mais de 161 mil alunos mais de 430 escolas parceiras

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INTERNACIONAL

Uma montanha de suspensões escolares

Nos Estados Unidos, milhares de estudantes são suspensos por motivos vagos e subjetivos, como desafiar e conduta desordeira

| Por Sarah Butrymowicz e Fazil Khan, do The Hechinger Report*

Todos os dias letivos, milhares de alunos são suspensos por razões vagas e subjetivas, como desafio e conduta desordeira. Nossa equipe de investigação recentemente se aprofundou nessas punições, com base em 20 estados dos quais conseguimos obter dados. A nossa análise revelou mais de 2,8 milhões de suspensões e expulsões de 2017­18 a 2021­22 nestas categorias ambíguas.  Aqui está uma visão mais detalhada de algumas das coisas que encontramos:

1. AS SUSPENSÕES PARA ESSAS

CATEGORIAS DE COMPORTAMENTO SÃO INCRIVELMENTE COMUNS.

A nossa  análise concluiu que quase um terço das suspensões e expulsões comunicadas pelos estados foi aplicada nestes tipos de categorias, que também incluíam insubordinação, comportamento perturbador e desobediência.

No Alabama, os educadores têm 56 categorias para escolher como justificativa para a punição dos alunos; um terço de nossa amostra foi designado por uma das quatro violações vagas. Isto é o que o estado lhes chama: “desafio à autoridade”, “conduta desordeira — outra”, “manifestações perturbadoras” e “desobediência — persistente, obstinada”. Na Carolina do Norte, Ohio e Oregon, cerca de metade ou mais de todas as suspensões foram classificadas em categorias semelhantes.

Existem algumas razões pelas quais essas categorias são tão amplamente utilizadas. Por um lado, muitas vezes capturam as infrações de baixo nível que são mais comuns nas escolas, como ignorar a orientação de um professor, gritar na aula ou xingar. Em comparação, violações mais claras e graves, como as que envolvem armas ou substâncias ilegais, são mais raras. Elas representaram apenas 2% e 9% dos registros disciplinares, respectivamente.

Violações mais claras e graves, como as que envolvem armas ou substâncias ilegais, são mais raras. Elas representaram 2% e 9% dos registros disciplinares
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Mas os especialistas também dizem que termos como desordem ou desafio são tão amplos e sujeitos a interpretação que podem rapidamente tornar-se genéricos. Por exemplo, no Oregon, a categoria abrangente de comportamento perturbador inclui insubordinação e conduta desordeira, bem como assédio, comportamento obsceno, pequenas altercações físicas e “outras” violações de regras.

2. OS EDUCADORES CLASSIFICAM UMA ENORME VARIEDADE DE COMPORTAMENTOS COMO INSUBORDINAÇÃO OU PERTURBAÇÃO. Como parte do nosso relatório, obtivemos mais de 7.000 registros disciplinares de uma dúzia de distritos escolares em oito estados para ver que comportamento específico estava a levar a suspensões rotuladas desta forma. Era uma ampla variedade, às vezes até dentro de um único distrito escolar. Às vezes, os alunos eram suspensos por comportamento tão leve quanto chegar atrasado às aulas; ou -

tros, porque deram um soco em alguém. E foi tudo denominado da mesma forma, o que os especialistas dizem que impede que as decisões disciplinares escolares sejam transparentes para os alunos e para o público em geral.

Porém, havia alguns temas comuns, comportamentos como gritar com os colegas, atirar coisas na sala de aula ou recusar-se a trabalhar. Desenvolvemos uma lista de 15 comportamentos comumente repetidos e codificamos manualmente cerca de 3.000 incidentes, marcando se eles descreviam esse tipo de conduta. Usamos aprendizado de máquina para analisar o resto.

Em menos de 15% dos casos, os alunos tiveram problemas por usarem palavrões, ou por responderem, ou por gritarem com funcionários da escola. Em pelo menos 20% dos casos, os alunos recusaram uma ordem direta e 6% foram punidos por utilização indevida da tecnologia, incluindo estar no celular durante as aulas ou utilizar os computadores da escola de forma inadequada.

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INTERNACIONAL

3. AS DESIGUALDADES PODEM

SER AINDA MAIS PRONUNCIADAS NESTAS CATEGORIAS AMBÍGUAS.

Sabemos, por décadas de pesquisa e coleta de dados federais, que os estudantes negros têm maior probabilidade de serem suspensos da escola do que seus colegas brancos. Em muitos lugares, isso é especialmente verdade quando se trata de categorias como insubordinação.

Em Indiana, por exemplo, os estudantes negros foram suspensos ou expulsos por desafio a uma taxa média quatro vezes superior à dos estudantes brancos. Em 2021-22, oito estudantes negros receberam esta punição por cada 100 estudantes, em comparação com apenas dois estudantes brancos. Em todas as outras categorias, a diferença foi três vezes maior.

A pesquisa sugere que os professores às vezes reagem ao mesmo comportamento de maneira diferente dependendo da raça da criança. Um estudo de 2015 descobriu que, quando foram apresentados aos professores registros escolares que descreviam dois casos de mau comportamento por parte de um aluno, os professores sentiram-se mais perturbados quando acreditaram que um aluno negro se comportou mal repetidamente em vez de um aluno branco.

Eles “são mais propensos a serem vistos como ‘criadores de problemas’ quando se comportam mal de alguma forma do que seus colegas brancos”, conta Jason Okonofua, professor assistente da Universidade da Califórnia, Berkeley, e coautor do estudo. Os professores geralmente tomam decisões rápidas em situações em que retiram uma criança da sala de aula, acrescenta, e os preconceitos tendem a “surgir” nessas circunstâncias.

Sabemos, por décadas de pesquisa e coleta de dados federais, que os estudantes negros têm maior probabilidade de serem suspensos da escola do que seus colegas brancos
Às vezes, os alunos

eram suspensos por

comportamento tão leve quanto chegar atrasado às aulas; outros, porque deram um soco em alguém.
E foi tudo denominado da mesma forma

Existem disparidades semelhantes para estudantes com deficiência. Em todos os estados para os quais tínhamos dados demográficos, estes estudantes tinham maior probabilidade de serem suspensos por insubordinação ou violações de conduta desordeira do que os seus pares. Em muitos estados, essas diferenças foram maiores do que em outras suspensões.

4. AS TAXAS DE SUSPENSÃO

VARIAM AMPLAMENTE DENTRO

DOS ESTADOS.

Ressaltando ainda mais o grau de discrição do educador para determinar quando ou se suspender um aluno, os distritos individuais relatam taxas de suspensão extremamente diferentes.

Tomemos como exemplo a Geórgia, que permite que os estudantes sejam punidos por conduta desordeira e “incivilidade estudantil”. Em 2021-22, o sistema escolar do condado de McDuffie, com 3.300 alunos, citou esses dois motivos para suspensões mais de 1.250 vezes, de acordo com dados estaduais. Isso é quase 40 vezes por 100 alunos. O condado de Appling, de tamanho semelhante, emitiu tão poucas suspensões por conduta desordeira e incivilidade estudantil que os números foram redigidos para proteger a privacidade dos estudantes.

* Matéria produzida peloThe Hechinger Report, uma organização nos EUA de notícias independente e sem fins lucrativos focada na desigualdade e na inovação na educação.

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TRANSFORMAÇÃO

Como vivenciar a matemática

Por meio de uma experiência

sensorial e afetiva, professor impulsiona a etnomatemática ao criar para o 5º ano a Fração no Sushi

| Por Damaris Silva

Os saberes matemáticos são essenciais para a vida: o raciocínio lógico, a resolução de problemas, o cálculo, a medição, a educação financeira, entre outros, são conhecimentos necessários para nossa participação ativa na sociedade e para enfrentar os desafios cotidianos. Além disso, a matemática estimula o pensamento crítico e a criatividade.

Para atingir esses objetivos, diversas abordagens educacionais se dedicam à educação matemática, como a etnomatemática, que valoriza o saber matemático por meio da compreensão das relações interculturais e de como a disciplina é vivenciada em diferentes contextos culturais. Na perspectiva de uma cultura plural, a etnomatemática enfatiza os conceitos matemáticos desenvolvidos pelos alunos fora da sala de aula.

Nas escolas, o desafio é tornar o ensino de matemática acessível e envolvente para todos os alunos. O professor Milton Perecin, da escola municipal CEM Profª Anita Liévana Camargo em Votuporanga, SP, reconheceu essa necessidade ao perceber que o ensino de frações poderia ser mais concreto e envolvente para seus alunos do 5º ano. Assim nasceu o Projeto Fração no Sushi.

A iniciativa partiu da vontade do professor de proporcionar um momento ‘mão na massa’ para que os alunos dominassem o conteúdo de frações de maneira mais efetiva, além de aproximar a escola e as famílias dos estudantes. Para isso, Milton colaborou com uma das famílias da sala, que possuía experiência na culinária japonesa por trabalhar em um food truck. Juntos, eles criaram uma atividade prática em que os alunos aprenderam sobre frações enquanto preparavam sushis.

Durante a execução do projeto, os alunos não apenas manipularam ingredientes e entenderam conceitos

como numerador e denominador, mas também exploraram a cultura japonesa e a diferença entre a comida feita no Japão e a feita no Brasil. Após a preparação das peças de sushi, com uma lousa móvel, o professor esclarecia e ampliava o domínio conceitual sobre frações, sua aplicabilidade e técnicas.

Para Milton, o objetivo inicial era proporcionar aos alunos uma experiência que fosse além dos livros didáticos, de modo que vissem ‘as frações em ação’, de forma tangível. O resultado não apenas consolidou os conceitos de frações, mas também fortaleceu os laços entre a escola e as famílias. Ele define esse momento como uma oportunidade de aprendizado compartilhado, no qual a matemática foi vivenciada por meio de uma experiência sensorial e afetiva.

O projeto Fração no Sushi é um exemplo inspirador de como a matemática pode ser ensinada de maneira envolvente e significativa. Ao unir conceitos abstratos de frações com a prática culinária japonesa, o professor Milton Perecin e todos os educadores envolvidos proporcionaram aos alunos uma experiência matemática para a vida.

SUGESTÃO DE LEITURA

Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade (ed. Autêntica), do autor Ubiratan D’ambrosio.

Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar

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Diretrizes Curriculares para a formação de professores têm nova versão. Documento é ponto sensível para diferentes grupos políticos e, mais do que isso, para a educação brasileira

Épossível que no momento em que você esteja lendo este texto a caneta do ministro da Educação, Camilo Santana, já tenha grafado sua assinatura na resolução decorrente do Parecer 04, de 2024, do Conselho Nacional de Educação (CNE). Como muitos documentos legais, a designação do assunto do que ele trata não escapa à regra de um título longo: Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior de profissional do magistério da educação escolar básica (cursos de licenciatura, de formação pedagógica para graduados não licenciados e de segunda licenciatura).

Caso o ministro tenha homologado o parecer, este poderá preencher uma lacuna de quase uma década com relação à concepção dos cursos de formação inicial de professores no Brasil. Isso porque, depois que a resolução 1, de 2002, do mesmo CNE, foi homologada pelo então ministro Paulo Renato Souza, as tentativas de mudança na formação inicial foram frustradas pela forte fricção política existente no campo educacional. Até o fechamento desta reportagem, a assessoria de imprensa do Ministério da Educação (MEC) não passou previsão da data de homologação do parecer. Antes da aprovação do parecer pelo CNE, em 12 de março, ele foi submetido a consulta pública para colher sugestões, processo feito mediante o envio de e-mails.

Sob a relatoria dos conselheiros Amábile Pacios, presidenta da Comissão, de Luiz Curi, também presidente do Conselho Pleno do CNE, e de Márcia Sebastiani, imagina-se ter chegado a um consenso que só o tempo poderá ratificar. Segundo a professora Pacios, também presidente da Câmara de Educação Básica, houve um trabalho conjunto entre os membros da comissão e das secretarias de Educação Básica e Executiva do Ministério da Educação, de forma a tornar o documento menos inóspito para, principalmente, os representantes das universidades públicas. “O setor privado já havia implementado a Resolução 2/2019 sem grandes ruídos. Mas ela não teve aderência entre as públicas, que avaliaram que a formação estava muito pautada pela Base

Mas uma série de questões se somaram para que o documento de 2002 fosse alvo de revisão. Entre elas a permissão para o funcionamento dos cursos de educação a distância
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Tânia Rêgo/Agência Brasil
FORMAÇÃO DOCENTE
Não à toa, praticamente tudo que se discute sobre a educação no Brasil acaba mencionando como uma de suas vias de reestruturação a formação de professores, inicial ou continuada

Nacional Comum Curricular (BNCC). Esperamos que esse parecer seja homologado para finalmente estabelecer bases de formação”, diz a presidenta da Comissão.

A BNCC, como se sabe, é o documento que pauta a formulação dos currículos de todos os ciclos da educação básica (educação infantil, ensino fundamental 1 e 2 e ensino médio). Ela não dá tratamento específico à Educação de Jovens e Adultos, questão que resta sem atenção e análise adequada, algo preocupante quando se sabe que mais de 9 milhões de jovens entre os 15 e os 29 anos são elegíveis para a modalidade.

No que tange à distribuição de horas entre os quatro núcleos discriminados no processo formativo (ver quadro), foram atribuídas cargas específicas para os cursos de graduação em licenciatura, os de formação pedagógica para bacharéis e tecnólogos e, finalmente, para as segundas licenciaturas.

VÁCUO FORMATIVO

Há quem prefira esperar pela homologação, inclusive para deter-se mais a fundo sobre o conteúdo do documento. Membro e ex-presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, Bernardete Gatti mantém essa precaução. “As licenciaturas estão ao léu, não há legislação vigente. No Conselho Estadual, temos nos pautado por nossa resolução 154, de 2017.” Essa resolução buscou uma composição entre o Parecer 2/2015 e uma deliberação estadual (111/2012) para nortear os cursos de formação no estado. Um ponto já presente naquele parecer e também na atual resolução é o aumento do mínimo de horas de formação para 3.200, num mínimo de quatro anos.

Após a aprovação das diretrizes para a formação de

2002, apenas os cursos de pedagogia ganharam nova normativa, em 2016. Mas uma série de questões se somaram para que o documento de 2002 fosse alvo de revisão. A universalização do acesso ao ensino fundamental, a expansão dos cursos de licenciatura em faculdades privadas, as grandes mudanças tecnológicas ocorridas nas últimas décadas e, por último, a permissão — por muitos considerada grande permissividade — para o funcionamento dos cursos de educação a distância indicavam que a realidade da escola e, por conseguinte, de sua figura central, o professor, havia mudado.

Não à toa, praticamente tudo que se discute sobre a educação no Brasil — seja a alfabetização, a inclusão, a atratividade do ensino médio ou o fraco desempenho em matemática, por exemplo — acaba mencionando como uma de suas vias de reestruturação a formação de professores, inicial ou continuada.

O vácuo maior vem desde o começo da década passada, quando muitos educadores trabalharam em uma nova legislação, que resultou na Resolução 2/2015, homologada por José Henrique Paim no governo Dilma Rousseff, com apoio de várias associações nacionais que reúnem professores de universidades públicas, por exemplo, a Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). No geral, eram entidades ligadas aos governos de esquerda, petistas ou não.

Com o impeachment ou golpe (de acordo com o gosto do freguês), o Conselho Nacional de Educação teve sua composição bastante alterada, passando a responder a uma agenda mais identificada com educadores historicamente ligados ao PSDB. Na vi-

Amábile Pacios, presidente da Comissão que elaborou o novo documento no CNE: costura para aumentar a aceitação das Diretrizes

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FORMAÇÃO DOCENTE

são destes, a formação precisava adquirir um caráter mais prático, dando instrumental aos novos docentes para lidar com o aprendizado dos alunos, no lugar do que julgavam ser um ‘excesso de teorias’. Esse excesso se cristalizava na figura dos chamados fundamentos, principalmente filosofia da educação e história da educação, disciplinas pouco valorizadas pelo parecer homologado quatro anos depois, em 2019. Esses conteúdos eram vistos como objeto de ‘doutrinação política’ dos licenciandos.

À época o então novo CNE foi rápido na aprovação de suas pautas (como BNCC e o novo ensino médio) e, no primeiro ano do governo Bolsonaro, conseguiu homologar um parecer que substituía o de 2015, colocando em prática o que julgava serem os mecanismos adequados para aproximar mais os futuros professores do exercício docente. A Base Nacional Comum para os docentes, aprovada em 2020, tinha um caráter bastante prescritivo e procurava desenhar um novo professor que tivesse mais foco no aprendizado do aluno e na interação com as tecnologias. Apesar de prever sua incorporação, o documento de 2019 não foi específico nas diretrizes acerca do uso do ensino a distância.

RETORNO A 2015

Como aponta Bernardete Gatti, as duas disciplinas ligadas aos fundamentos da educação retornaram no atual documento, mas “numa perspectiva interdisciplinar”. Para ela, não era possível que esses fundamentos não estivessem presentes. “Como seria possível fazer educação sem refletir sobre quais são as suas finalidades, sem estudar os seus processos históricos?”, questiona.

Entre as diferenças das Diretrizes de 2025 e 2019 está a tensão entre as universidades e as gestões governamentais, acredita Patrícia

Diaz, diretora da Roda Educativa

“As licenciaturas estão ao léu, não há legislação vigente”, alerta Bernardete Gatti, ex-presidente do Conselho Estadual de Educação de SP

Uma questão, no entanto, preocupa os educadores, talvez menos pelo que está dito pelo documento e mais pelo que ele não contempla. É o caso da educação a distância, ponto sensível em relação à formação de professores, pois a modalidade hoje já representa mais da metade dos diplomas de pedagogia.

Patrícia Diaz, diretora-executiva da Roda Educativa, entidade que trabalha com cursos de formação continuada em todo o Brasil, põe em xeque os estágios na formação em EAD, ainda que, como na modalidade presencial, eles tenham a previsão de uma carga de 400 horas.

“Interpretando o fato que o documento diz que a prática é necessária desde o 1º ano dos cursos, entendo que isso deva valer também para os de EAD. E aí torna-se algo complexo, pois a interação entre teoria e prática sem que haja experiência síncrona é muito difícil”, diz. E acrescenta um cenário que não parece implausível: que os alunos gravem aulas e mostrem a seus professores dos cursos universitários, muitas vezes horistas com pouca disponibilidade para interlocução. “A EAD precisa de um capítulo que determine seus limites”, alerta.

O que está previsto no artigo XVI do capítulo 3 é aquilo que os formadores consideram como melhor modelo para essa interação. Segundo o texto, “a realização de estágio curricular supervisionado, com a colaboração de professores supervisores das instituições de educação básica, em cooperação com os docentes das IES [instituições de ensino superior]”.

Esse é, basicamente, o modelo do Pibid, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, que prevê bolsas também para o docente da educação básica. Em março último, a Capes, instituição responsável,

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Divulgação

Saiba mais:

o documento aprovado pelo Conselho Nacional de Educação e enviado para o Ministério da Educação está em https://encurtador.com.br/fow36.

Carga horária das licenciaturas por tipo de curso

Núcleo/cursos e horas

1

2 - (ACCE)

3 – (AAE)**

4 – (ECS)**

Carga

*para bacharéis e licenciados

** Núcleo a ser cursado presencialmente

Núcleo 1 – Estudos de Formação Geral (EFG)

Segunda licenciatura área diferente

Núcleo 2 – Aprendizagem e aprofundamento dos conteúdos específicos das áreas de atuação profissional (ACCE)

Núcleo 3 – Atividades Acadêmicas de Extensão (AAE), realizadas na forma de práticas vinculadas aos componentes curriculares

Núcleo 4 – Estágio Curricular Supervisionado (ECS)

publicou a regulamentação do programa para este ano.

Apesar da alta aprovação tanto do Pibid como da Residência Pedagógica, o problema dessas iniciativas é o seu alcance, sempre aquém do necessário.

DEFICIÊNCIAS ANTERIORES

Para Patrícia Diaz, uma das grandes diferenças entre os textos das Diretrizes dos pareceres de 2015 e 2019 está ligada a uma tensão entre as universidades e as gestões governamentais. Assediadas por propostas de soluções que parecem simples, mas prometem grandes viradas, muitas vezes com um olhar mais voltado a ‘tentações mercadológicas’, gestores de municípios e estados acabam defendendo fórmulas metodológicas como a grande saída para melhorar o resultado de suas redes. Já as universidades, diz Patrícia, “ficam muito fechadas em si mesmas, e também precisam avançar sobre esse aspecto”.

Um trabalho mais próximo entre as duas instâncias pode ser o diferencial para enfrentar um problema que,

se não resolvido, tende a perpetuar os problemas da docência. Afinal, um percentual bastante alto dos ingressantes nas licenciaturas teve formação precária na educação básica, e não só na área em que quer lecionar. Por isso, defende a educadora, é preciso que os currículos da formação inicial tenham alguma plasticidade, para ajudar os alunos a preencherem as lacunas de sua formação, seja do ponto de vista cultural ou político. Essa ampliação de universo do conhecimento os ajudaria na formação continuada, que tem se desviado de sua função. Na prática ela é utilizada como tapa-buracos para as deficiências da formação, quando deveria ser uma reflexão sobre o exercício da docência, podendo melhorá-lo para lidar com seus alunos.

Um tópico elogiado nas novas Diretrizes é a questão da diversidade e da inclusão. “Utilizaram uma linguagem mais atualizada em relação à formação humana”, opina Bernardete Gatti. “Mas ainda estamos longe de conseguir atingir esse ponto indicado no documento”, completa Patrícia Diaz.

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Graduação de licenciatura Formação pedagógica* Segunda licenciatura
mesma área
880 h 400 h
– (EFG)
1.600
740
880
1420
h
h
h
h
320
160 h 120
180
h
h
h
400
300
200
200
h
h
h
h
horária total 3.200 h 1.600 h 1.200 h 1.800 h

FUTURO

DA ESCOLA

O papel da escola para um planeta harmônico

Instituição do agreste pernambucano investe em atividades práticas para o estudante desenvolver habilidades para a sua vida pessoal e social

Por meio de projetos é possível criar uma conexão que forme os estudantes para serem maduros e autênticos. É o que explica Maria do Carmo Ferreira da Costa, também chamada de irmã Karla, gestora do Colégio Monsenhor Adelmar da Mota Valença (CMA), localizado em Garanhuns, agreste pernambucano a pouco mais de 200 quilômetros de Recife.

“Esses projetos impactam positivamente a vida dos estudantes porque eles saem do conteúdo de uma forma mais subjetiva para ir para o prático. E aí eles percebem concretamente de que forma e como podem contribuir para que possamos ter um mundo melhor, um planeta revitalizado, um planeta com mais harmonia, onde todos possam viver com uma qualidade de vida mais significativa”, afirma.

O ensino religioso também está presente no CMA da educação infantil até o ensino médio, promovendo encontros de crisma e catequese e também diversas atividades religiosas de acordo com o ano litúrgico. Para a irmã Karla, a disciplina também ajuda o aluno a ter uma formação sólida e integral, promovendo o desenvolvimento de pessoas mais empáticas, solidárias, humanas e fraternas.

FAMÍLIA E ESCOLA

Dentro do colégio, o projeto Fantástica Fábrica de Natal, espetáculo que acontece de dois em dois anos e conta a história do menino Jesus, é um exemplo de atividade que reúne não só os alunos, mas também profissionais da escola e famílias. O musical aproxima os estudantes da proposta religiosa trabalhada na escola.

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Série apoiada pela
Divulgação Irmã Karla (detalhe amarelo na blusa) durante atividade de sustentabilidade do projeto Meu Mundo

Já no projeto Mini Chef, os alunos levam uma receita para casa e junto com a família preparam um prato. Depois, os estudantes partilham não só a receita com os colegas, mas também explicam mais da experiência de confecção dos pratos. No projeto de leitura, os estudantes escolhem um livro junto ao professor, e levam o material e algumas perguntas para lerem e responderem com os pais.

No FESTVOC, o festival das vocações envolve todas as turmas e até as famílias durante o ano letivo. No final do ano, durante o aniversário do colégio, os estudantes fazem uma arrecadação de alimentos e entregam para diversas comunidades. Em 2021, o colégio arrecadou uma tonelada de alimentos, revela a gestora.

Para trabalhar o olhar para a sustentabilidade, além de realizar atividades na fazendinha e na horta que existem no espaço da instituição, o colégio também criou o projeto ‘Meu mundo: um olhar sustentável para uma melhor qualidade de vida’, onde todas as turmas trabalharam subtemas como alimentação, consumo de água de forma sustentável, boa convivência, pobreza e energia renovável. O infantil 3 também fez uma visita a uma central de reciclagem para entender o processamento do lixo.

TRANSFORMAÇÕES NO AGORA

Para potencializar as habilidades e competências dos estudantes em todas as suas etapas de ensino, o colégio também utiliza avaliações de aprendizagem. Essas

“O papel da gestão é buscar novos métodos de ensino que sejam adequados ao contexto dos estudantes, assim como ofertar mais agilidade nos processos burocráticos escolares”, analisa a irmã Karla, gestora

FESTVOC envolve todas as turmas e famílias

O espetáculo de Natal é mais um momento da presença do ensino religioso para toda a comunidade

acontecem de forma sistêmica e contínuas por meio de seminários, portfólios e há participação dos alunos em outras atividades escritas propostas pelos professores.

“Esse processo tem a importância de verificar o desenvolvimento da aprendizagem do estudante, na perspectiva de manter a prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos”, acrescenta a gestora do colégio pernambucano.

Preparar a escola para o futuro também é essencial para formar os alunos. A irmã Karla acredita que o futuro da educação será desafiador, mas que existirão novos suportes pedagógicos e técnicas que certamente irão contribuir de forma significativa para a integração e socialização da comunidade escolar. “Enxergo esse futuro acontecendo agora. Penso que o papel da gestão é buscar novos métodos de ensino que sejam adequados ao contexto dos estudantes, assim como ofertar mais agilidade nos processos burocráticos escolares”, finaliza a gestora.

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Fotos: Divulgação

Um giro no maior evento de educação da América Latina

Saúde mental, socioemocional, formação docente e tecnologia digital estão entre as temáticas que marcaram os quatro dias de evento. Se atualize sobre esses e outros assuntos com a nossa cobertura especial

Omaior evento de inovação e tecnologia para a educação da América Latina, a Bett Brasil, aconteceu este ano de 23 a 26 de abril, na capital paulista, e nós, da revista Educação , fizemos uma cobertura especial.

Detalhes da descoberta de asteroides feita pela estudante de engenharia mecatrônica Mariana Milena, e dicas de como trabalhar a arte antirracista na escola, orientadas por Janine Rodrigues, diretora e fundadora do Piraporiando, são algumas das temáticas abordadas em um vídeo que fizemos e que conta também com a participação de grandes marcas educacionais. Conversamos com os representantes da Epson do Brasil, International School, FTD Educação, NR, Cricut, Editora do Brasil, Santillana Educação e CNA. Confira em: https://shre.ink/8r7A

EDUCAÇÃO EM DIÁLOGO COM AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

Além dos tradicionais estandes com empresas de educação, o evento deste ano contou com mais de 400 palestrantes, entre eles, o psiquiatra e escritor Augusto Cury, que falou sobre intoxicação digital e o papel da escola. Para ele, “estamos na era do adoecimento psíquico. Uma em cada duas pessoas vai desenvolver um transtorno psiquiátrico ao longo da vida. É metade da população mundial. Estamos falando de metade do corpo discente e também do corpo docente de cada escola”.

O estande da revista Educação reforçou a importância do nosso olhar jornalístico; também sorteamos ingressos para o nosso evento Escolas Mais Admiradas, que será em 19 de junho. Na imagem, nossa gerente de negócios Margarete Rios

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BETT
BRASIL
Fotos: Arquivo pessoal

Já em outro painel, o docente da UFPE, Silvio Meira, alertou que ao contrário do Metaverso, a inteligência artificial (IA) veio para ficar, ou seja, para ele a escola não pode evitar a IA.

Acusações entre família e escola prejudicam a saúde mental dos estudantes, argumentou no painel A sinergia escola, família e saúde mental o também psiquiatra e terapeuta Wimer Bottura. “É preciso entender que família e escola são parte do mesmo todo, não são antagônicas”, é o que argumenta o psiquiatra e terapeuta, que é especialista em apoio aos pais e relações familiares. “Desde que a interação pais-escola virou relação de consumo, regida pela lei do consumidor, muitos responsáveis criaram a expectativa de que a escola cumpra papéis e supra necessidades que a família não está conseguindo”, destacou Wimer.

Quais habilidades um bom educador precisa ter para cativar seus alunos e nutrir uma convivência amigável com os colegas de profissão? “Um bom educador é aquele que consegue assegurar o direito de aprender a todos e a cada um dos seus estudantes, sem deixar ninguém para trás, independentemente de sua condição social, racial, de gênero, física, neurológica”, constatou Cléa Ferreira, coordenadora do Centro de Formação da Escola da Vila, em SP. Já no estande da marca, o diretor executivo da Epson do Brasil, Glauco Ferreira, destacou que para tornar a tecnologia digital uma aliada do professor e, consequentemente, as aulas mais interessantes, é preciso ter intenção pedagógica ao implementar qualquer iniciativa tecnológica.

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Nossa editora Laura Rachid (à esq.) mediou um painel sobre estudantes com altas habilidades. Ela debateu com o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha, e com a diretorapresidente do Instituto Apontar, Ciça Melo

Cléa Ferreira, do Centro de Formação da Escola da Vila, refletiu sobre o que é ser um bom educador

No município de Sobral, CE, referência em bons indicadores da qualidade da educação pública, há uma parceria com o Instituto Ayrton Senna para ações ligadas ao desenvolvimento socioemocional, conforme preconiza a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Antes de o painel sobre avaliações socioemocionais acontecer, conversamos com o secretário de Educação de Sobral, Hebert Lima, e com Karen Teixeira e Gisele

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Fotos: Bett Brasil

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Em sua 29ª edição, a Bett deste ano bateu seu recorde de público. Segundo os organizadores, foram mais de 40 mil pessoas nos quatro dias de evento

Alves, gerentes do EduLab21, o laboratório de ciências para a educação do Instituto Ayrton Senna, que atua na implementação de programas nessa área.

O secretário de Sobral defende que, além de uma boa formação cognitiva, o aluno precisa ser impactado em questões que envolvem a sua construção como indivíduo. Já as gerentes contaram que o laboratório e a entidade vislumbram um futuro no qual as avaliações socioemocionais sejam conhecidas, compreendidas, ainda mais aperfeiçoadas e conectadas com as necessidades dos estudantes.

Educação midiática e a valorização da diversidade foram caminhos para combater a violência escolar apontados por Ronney Marcos Santos, professor de língua portuguesa no Centro de Excelência Atheneu Sergipense, da rede pública estadual de Sergipe, e a professora Margareth de Brito Alves, da biblioteca CED 310, em Brasília. “Vejo como necessário promover um ambiente seguro e acolhedor, onde todos possamos nos sentir apoiados e tenhamos recursos para lidar com situações de violência”, defendeu Ronney.

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“Estamos na era do adoecimento psíquico”, alertou Augusto Cury em seu painel voltado à intoxicação digital

Inclusão escolar: como identificar e quebrar barreiras também foi tema de um dos painéis da Bett. A interação do aluno com toda a comunidade escolar esteve presente no olhar de Deigles Amaro, do Instituto Rodrigo Mendes, e Luciana Winck Correa, vice­diretora do Colégio Marista João Paulo II, de Brasília. “É primordial que o aluno com deficiência se relacione com todos. Quando há um auxiliar, deve ser para favorecer a interação, levar ao desenvolvimento da autonomia. Ele não substitui a ação do professor”, esclareceu Deigles.

Confira a nossa cobertura completa desses painéis e de outros em nosso site: revistaeducacao. com.br/categoria/bett-brasil/

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Bett Brasil

Professora e professor da rede privada da capital, fortaleça seu sindicato. Sindicalize-se

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A busca de espaço no ensino superior EDUCAÇÃO INDÍGENA

Instituto Insikiran já formou mais de 700 acadêmicos indígenas em Roraima, resultado das reivindicações do movimento da região

| Por Ariene Susui*, de Roraima

Era 4 de maio de 2001, na comunidade Canauanim, região Serra da Lua, localizada em Roraima, quando em uma assembleia da Organização dos Professores Indígenas (OPIRR) saía o documento denominado Carta de Canauanim, com assinatura das organizações indígenas e parceiras demandando à Universidade Federal de Roraima uma formação superior indígena.

Foi assim que naquele ano nasceu o Instituto Insikiran (nome em macuxi, um dos filhos do guerreiro Makunaimî, que tem a origem na mitologia dos povos indígenas que moram nas proximidades do Monte Roraima). Em 2002, foi criado o curso de licenciatura intercultural indígena, e no ano seguinte, ocorreu o primeiro vestibular com 60 vagas. Atualmente há 640 alunos no Instituto, cuja entrada nos cursos oferecidos pelo Insikiran é feita por meio do vestibular específico chamado PSEI.

INTERCULTURALIDADE E RESISTÊNCIA

O professor José Francisco Amandes, do povo Wapichana, se formou em 2010, sendo um dos alunos da primeira turma. Ele ressalta dificuldades, mas reconhece que a abertura na universidade possibilitou sua formação no ensino superior. “No início houve muitos desafios, mas eu e meus colegas fomos estudando e aí consegui me formar. Sou graduado em comunicação e arte, retornei para minha comunidade. Hoje sou professor da língua indígena wapichana e incentivo meus alunos a irem estudar também”, relata Francisco.

Como professor da língua materna, ele ajudou na tradução wapichana de redações de outros colegas professores que fizeram o vestibular na língua indígena para ingresso no Insikiran.

O Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena possui três cursos: licenciatura intercultural; gestão territorial indígena; e gestão em saúde coletiva indíge-

Só em licenciatura, mais de 700 indígenas foram formados. Na imagem, mobilização na ‘maloquinha’ da entidade

“Somos os frutos da caminhada do movimento indígena pela educação no ensino superior”, reconhece Aldelinda Batista, do povo Macuxi, que tem 36 anos e é estudante de gestão territorial

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Fotos: Ariane Susui

na, esses dois últimos são bacharelados. Todos apresentam em seus projetos político-pedagógicos (PPP) uma educação baseada no princípio da interculturalidade, com ensino específico e diferenciado.

A HISTÓRIA CONTADA POR NÓS

A gestora territorial Alane Lima, do povo Wapichana, tuxaua (liderança) regional das mulheres indígenas da região Murupu — formada pela organização social do Conselho Indígena de Roraima—, afirma que o Instituto Insikiran nasceu da mobilização, sendo resultado da luta das lideranças indígenas que entenderam que era preciso ocupar a universidade. “Foram nossos ancestrais que lutaram para conseguir aquele espaço com curso diferenciado pensado pelas nossas lideranças. O Insikiran é uma porta que se abriu para muitos acadêmicos indígenas e hoje faço parte dessa história”, completa.

Em 2018, foi formada a primeira turma de gestão em saúde coletiva indígena, com 13 gestores concluintes, um marco histórico no Brasil. “Uma vitória alcançada, já existe em outras universidades o curso de gestão, porém não com a especificidade na saúde indígena e nós fomos protagonistas dessa conquista”, relata a gestora em saúde coletiva Lucirene Barbosa, formanda na turma de 2018.

A estudante de gestão territorial Aldelinda Batista, do povo Macuxi, tem 36 anos de idade e é da Comunidade Mangueira, região do Amajari, terra indígena Araçá. Está na fase final do curso e ressalta a relevância de atuar em um lugar que foi discutido pelas lideranças, principalmente os tuxauas, que passaram dias debatendo para poder conquistar aquele espaço na universidade. É uma caminhada que precisa ser lembrada sempre. A conversa para esta reportagem com Aldelinda ocorreu na 53ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, no Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol.

“Somos os frutos da caminhada do movimento indígena pela educação no ensino superior, e é por isso que os alunos que atuam dentro da universidade participam das assembleias, reuniões comunitárias. Tudo isso traz uma grande importância, porque é através dessas participações que escrevemos histórias”, diz Aldelinda. Para o professor Herundino Ribeiro, do Insikiran, a participação dos alunos indígenas nas reuniões demonstra respeito e fortalecimento do laço com o movimento e a universidade. “O Insikiran surge da demanda desse movimento e a participação aqui na Assembleia é uma formação política. É muito importante tanto para os alunos quanto para o movimento”, pontua.

O professor José Francisco Amandes, do povo Wapichana, se formou em 2010. Hoje é graduado em comunicação e arte e é docente em sua comunidade

Com mais de 700 professores indígenas formados em licenciatura, 65 em gestão territorial e cerca de 50 em saúde coletiva indígena, e com cinco docentes indígenas efetivos no Instituto, a diretora do Insikiran, professora Ise Goreth, descreve a caminhada do Instituto nos últimos 20 anos.

“A criação do Instituto Insikiran, sucessor do Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena, é uma resposta às demandas dos povos e do movimento indígena em relação ao acesso e permanência de indígenas no ensino superior. Ao longo de seus mais de 20 anos, o Instituto é responsável pela formação profissional de indígenas, capital humano, para atuar nas áreas de interesse do movimento, comunidade e povos indígenas e demais setores da sociedade. O Instituto Insikiran é um aliado do movimento indígena, é um parceiro na luta pela garantia dos direitos indígenas historicamente conquistados”, reflete Goreth.

Frutos do Insikiran, hoje os egressos ocupam cargos tanto nas organizações indígenas como em órgãos públicos, como é o exemplo da Marizete Macuxi, à frente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Roraima.

*Ariene Susui é do povo Wapichana. É jornalista, ativista indígena e mestre em comunicação

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Formatura dos primeiros gestores em saúde indígena Fotos: Ariane Susui

Chega de adulação e descaso com os filhos

Carta aberta aos pais sobre a criação de crianças e jovens imperadores ou seres de cristais

| Por João Jonas Veiga Sobral

Caros responsáveis pela educação de crianças e jovens, precisamos conversar sobre a imensa dificuldade que é instruir e preparar os filhos para o mundo. Os tempos são bicudos para quem educa e perniciosos se os pais continuarem caminhando nessa toada bipolar entre a adulação e o descaso. Bicudos porque os filhos ganharam um espaço inimaginável na casa, alguns se comportam como pequenos imperadores e outros como seres de cristais prestes a trincar a qualquer momento. E pais confusos nem sempre conseguem separar o amor da instrução.

É chegada a hora de educar quem educa para que o estrago não seja mais devastador ainda. Vamos co-

meçar pelos celulares e pelos limites. Convenhamos, uma criança não precisa de um smartphone recheado de joguinhos e de acesso à internet, não é verdade? Essa história de que eles são nativos digitais não encontra respaldo na sensatez. Mas há consenso de que as crianças estão viciadas em jogos e só se acalmam ou se desligam do mundo quando conectadas aos aparelhos. Não deem celulares para crianças até oito anos e, se o fizerem por livre e espontânea vontade, criem limites. O celular é uma concessão, não é propriedade da criança.

Para os pré-adolescentes em diante, estabeleçam regras claras de uso e de tempo. E saibam que a liberação do smartphone é uma caixa de pandora incontrolável. Por isso, não basta comprar o aparelho, é necessário

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DIÁLOGOS
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um diálogo consistente sobre os riscos nas redes sociais. Não é difícil notar que os adolescentes estão cada vez mais ansiosos, mais distraídos e mais irritadiços por conta da conexão abusiva com o mundo virtual. E para piorar, essa geração digital é a que mais apresenta distúrbios alimentares e a mais propensa à automutilação do que qualquer uma já vista. Apresenta pouco interesse pela vida política, social e cultural no país, e vem sendo inconsistente na criação de seu próprio projeto de vida.

Por isso, caros pais, é preciso assumir o papel de educador e de adulto responsável por propiciar aos jovens discernimento sobre os rumos que deseja dar para a vida. Não adianta transferir para as escolas, para os consultórios de psicólogos, de psicopedagogos, de psiquiatras e para medicações o papel que lhes cabe. Sim, há crianças e jovens que necessitam de profissionais especializados e de tratamentos medicamentosos específicos, mas, provavelmente, bem menos do que as notificações apontam.

Adular os filhos e esperar que as escolas façam o mesmo não é uma boa ideia. Isso os torna cada vez mais frágeis e mais infantilizados. Vejam, as faculdades estão fazendo reuniões de pais para jovens maiores de idade. Isso é um absurdo.

Não atropelem o processo de autonomia e de frustração de seus filhos. Eles precisam aprender a ser resilientes, empáticos e perseverantes. Precisam sofrer o seu bocado na escola e na vida, longe de vocês e sem vocês. Deem suporte e formação necessária para que a casca deles engrosse para aguentar os trancos e os infortúnios da vida.

Muitos adolescentes agressores e agredidos padecem, não raro, do mesmo mal: a superproteção que embota a empatia e a autodefesa. Não quero aqui baratear a discussão sobre bullying, que é muito mais complexa do que o exposto, e há muito de violência e de medo nesse processo, todavia, verificando bem, há falha demais na educação dos atores das e nas agressões. Não se desesperem com uma falta de lição de casa ou entrega de atividade ou uma nota baixa. Não peçam satisfação à escola. Conversem com seus filhos. Mostre-lhes a responsabilidade deles nesse processo de resultado e de pedido de satisfação. Orientem, mas não tomem a frente. Não olhem os maus desempenhos com olhar protetor de quem procura no professor um cul-

pado. Esses profissionais não é de hoje que se sentem acuados e assustados nos colégios.

Evidentemente, quando algo sair muito do controle, acionem a escola. Contudo, que isso seja uma excepcionalidade e não um padrão.

Não se omitam com relação ao sucesso escolar dos filhos, deem-lhes parabéns pelas conquistas. No entanto, fiquem atentos a essas notas e ao que se cobra na escola. Muitas instituições demandam mais memória e esforço do que criatividade e inteligência. Criam muitos instrumentos avaliativos desconexos que não caminham para uma aprendizagem processual. Cobram muito mais memória do que análise, reflexão, levantamento de hipóteses e resoluções de problemas.

Se seu filho apresenta bons resultados escolares, mas argumenta mal, é pouco articulado e não escreve bem, algo não está funcionando nas avaliações; e a nota sobrevalorizada diz muito pouco. Submeta-o a provas dos anos anteriores para verificar o que ficou mesmo assimilado e o quanto foi esquecido. Há, infelizmente, muita enganação com relação aos bons resultados. Afinal, raramente, vocês solicitam esclarecimentos para os colégios quando a nota é bem acima da média, não é verdade? Não vale dizer que acreditam no projeto pedagógico porque questionam o processo quando as notas são muito baixas.

Levem seus filhos ao teatro, ao cinema, a exposições e a livrarias. Assistam a noticiários e a documentários juntos e debatam sobre a vida pública e os acontecimentos que assolam o mundo. Ofereçam modelos e valores. Lembrem-se de que pais equilibrados, sensatos, cultos e inteligentes tendem a oferecer bons exemplos aos filhos. Sejam razoáveis nos grupos de WhatsApp da escola de seu filho. E por fim, saibam que educar é tarefa que não acaba nunca. Mas dá uma imensa satisfação. Desejo-lhes sucesso nessa empreitada caudalosa.

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João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa e orientador educacional

ENTRE MARGENS

Por uma educação emancipadora

A racionalidade tecnocrática na promoção de pedagogias que suprem a autonomia dos professores

Teixeira de Freitas, 7 de março de 2044

Já aqui vos trouxe estas palavras da Cecília, mas as retomo. Nos idos de 20, esse texto mantinha-se atual (80 anos após ser escrito).

“Que lhes valeu todo o curso que fizeram durante longos anos? Em vão leram livros copiosos, beberam a caudalosa erudição dos catedráticos imponentes, como oradores parlamentares, fizeram provas escritas de inúmeras laudas, com letra miúda. Palavras, palavras, palavras que o vento levou...

As aulas de psicologia ficaram geladas nos livros; as de pedagogia fecharam-se nas caixas de jogos; as outras não levaram em si nenhum gérmen dessas duas, que são, no entanto, indispensáveis a quem vai ser professor.

Pobres alunas que não tiveram quem as orientasse a tempo. Depois de tanto trabalho, terão de fazer por si mesmas, e com enorme esforço, aguilhoadas pela pressa de quem já está no quadro do magistério, toda a cultura técnica que ninguém pensou ou lhes pôde fornecer no momento devido.”

A situação descrita (que só quem não a partilha poderá questionar) contrastava com os propósitos expressos em teses e documentos de política educacional.

Em meados de 70, quando a Ponte dava os primeiros passos de uma formação emancipadora, o Decreto-Lei 290/75 tecia considerações jamais concretizadas:

“Na revisão do regime de formação, haverá que engendrar decididamente pela elevação do nível de preparação daqueles que escolheram o magistério como carreira profissional”.

De um modo geral, a formação organizada segundo esse tipo de racionalidade era geradora de formas de organização escolar decalcadas de antanho, nas quais os professores exerciam um controle escasso sobre o seu trabalho. Programas e projetos de formação colocavam a ênfase em “técnicas pedagógicas que, em geral, evitam as questões sobre as finalidades e o discurso de crítica e de possibilidade” — palavras de Aronowitz e de Giroux.

A racionalidade tecnocrática, que tendia a separar a teoria da prática, promovia pedagogias que suprimiam a autonomia dos professores (e, concomitantemente, a dos alunos). Na Ponte se questionou ideologias que legitimavam a separação entre processos de conceptualização e de execução. E uma das primeiras tarefas da formação, que se fazia há 20 anos, foi a de elaborar contratos e termos de autonomia.

Há 20 anos, a avaliar pelo desempenho da maioria dos novos professores, a formação inicial continuava a manifestar incapacidade para obstar ao choque das rea lidades. À formação inicial desprovida dessa qualidade juntava-se à não inicial, que qualitativamente nada acrescentava à primeira.

O professor recém-formado era atirado, sem recursos, para o isolamento de uma sala, que tinha dentro um grupo de crianças. Desenvencilha-se. Os primeiros dias eram decisivos, definitivamente decisivos para a instalação de rotinas que resolvessem a crise inicial.

O professor ‘probatório’ evocava modelos da sua experiência como aluno e passava a exercer um apertado ‘controle disciplinar’, que anulava o exercício de autonomia nos alunos, anulando a sua própria autonomia. Recorria ao manual, que anulava o professor. Utilizava o teste, que anulava uma avaliação ‘alinhada’ com a aprendizagem. A passagem do tempo e o exemplo dos colegas asseguravam a sedimentação do isolamento, do improviso e do primado da racionalidade instrumental.

Estão decorridas duas décadas sobre os “Encontros de Sábado”, um tempo em que a formação ganhou novos contornos. Bem hajam aqueles que neles participaram. Bem-vindos aqueles que, hoje, nesses educadores se inspiram.

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José Pacheco Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br
RUA DR AUGUSTO DE MIRANDA, 99 – 11 3871 0123 POMPEIA RUA CARNEIRO DA SILVA, 86 – 11 3021 0240 VILA LEOPOLDINA @UNIU ART EM TODAS AS REDES SOCIAIS WHATSAPP: 11 99714-9882 O N D E O ME L H O R DO B A L LE T, D A GI N ÁST I CA , D A D A N ÇA E DO TE ATRO MUS I C A L SE UNEM . E N A S U A ESC O LA !

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