Revista Educação 296 agosto 2023

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Lia de Itamaracá

A rainha da ciranda foi por 30 anos merendeira

revistaeducacao.com.br

Tecnologias digitais Como elas fazem parte do todo; proibir está longe de ser a opção

EDUCACAO

Estudantes da rede estadual de Alagoas, que criou o Cartão Escola 10

Livros didáticos entre esperas e possíveis atrasos

Bolsa financeira no ensino médio ganha força

Objetivo dos estados é melhorar a frequência e o desempenho escolar. No Brasil das desigualdades, iniciativa é necessária, contudo, pede um conjunto de ações

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CARTA AO LEITOR

Quem educa a inteligência artificial?

Só se fala nisso. “Agora sim, não precisamos de mais nada para melhorar a educação.” A inteligência artificial (IA) resolverá todos os problemas e dúvidas para a tarefa de educar. De outro lado, os que temem as consequências do uso da IA na tarefa educacional.

De fato, a IA pode ser um risco para as escolas que fazem a tal educação bancária que só deposita informações na cabeça dos estudantes e também fazem uma avaliação bancária, desvalorizando o que os estudantes produziram, questionaram, inventaram, duvidaram. Primeiro, porque tais escolas trabalham para controlar a fraude dos alunos que tentaram enganar o avaliador. Segundo, porque trabalham com a regurgitação de alguns conhecimentos, objetivo dessa avaliação.

Mas as escolas que trabalham com um ensino vivo e significativo que estimula os aprendizes a irem além do que foi ensinado, relacionando aprendizados, duvidando deles, ousando inventar, nada têm a temer. As boas escolas, os bons currículos, os professores bem preparados usam a avaliação como uma ocasião de aprendizagem. Criativa. Avaliação para a aprendizagem. E não apenas da aprendizagem sem valor e sem significado para os estudantes.

Voltando ao tema: como saber o que o outro sabe? Algumas respostas têm seu foco claro, outras, errantes (no bom sentido do termo) andam por terrenos baldios e imprecisos, aqueles resultantes das experiências de distintas motivações da busca (algumas só para classificar ou punir — outras para acompanhar e valorizar). A maioria das experiências relatadas como conhecimento, aprendido na vida ou na escola, é de caráter brumoso ou hesitante, ambíguo ou impreciso. São relatos de conhecimento: um rico processo.

O exercício de organização interna para responder sobre o que sei já é um conhecimento.

O fato mais importante da avaliação é que ela nos faz aprender.

O que se pretende ao querer ‘saber o que alguém sabe’ é estimular que o interrogado vasculhe os sótãos da memória, a partir do vivido, organizado, recolhido, sistematizado ou depurado. Isso é um exercício fundamental de construção da sabedoria. O interesse da escola é saber como se processa o relato da experiência cognitiva.

Para isso a escola precisa ter um currículo rico, bons professores e uma gestão pedagógica capaz de ensinar à inteligência artificial como apoiar a avaliação da aprendizagem a partir de uma competente e generosa Inteligência Humana, única saída para construir uma escola ética e justa.

Revista

EDUCACAO

A revista Educação, composta por edições digitais e impressas, site, redes sociais e eventos, é publicada por RFM Editores

Ano 27 - Nº 296 agosto de 2023

ISSN 1415-5486

Conselho editoral

Eduardo Deschamps

Fernando José de Almeida Iracema Nascimento

Mozart Neves Ramos

Regina Scarpa

Publisher: Edimilson Cardial edimilson@plataformaeducacao.com.br

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Diretora administrativa: Rita Martinez rita@rfmeditores.com.br

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Parcerias Institucionais

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Jornal Joca - para jovens e crianças

Sua Escola Ideal

Two Sides

Colaboraram nesta edição

Adriana Fóz

Alcione Marques

Alexandre Sayad

Damaris Silva

João Jonas Veiga Sobral

José Pacheco

Karen Cardial

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Revista Educação Infantil /Cristiane Morango Rubem Barros

Simône Midori Maki (diagramação) Maria Stella Valli (revisão)

COMERCIAL

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Fernando José de Almeida

é titular do programa de pós-graduação em currículo da PUC-SP, secretário municipal de São Paulo (2001-2002) e membro do conselho editorial da revista Educação

Educação é uma publicação mensal da RFM Editores destinada a mantenedores, educadores e interessados em educação. Esta publicação não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da revista. A publicação se reserva o direito, por motivo de espaço e clareza, de resumir artigos.

ATENDIMENTO

Para falar sobre assinaturas: assinaturas.plataformaeducacao@gmail.com WhatsApp: 11 98878-8745

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REVISTA
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Foto capa: Ascom/Seduc-AL
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SUMÁRIO

Ascom/Seduc-AL

ENTREVISTA

SAÚDE MENTAL 28

Adriana Fóz 8

Lia de Itamaracá

Patrimônio vivo de Pernambuco, os ensinamentos de Lia acompanham todos os seus passos e devem estar presentes nas escolas e universidades, assim como de outros mestres e mestras populares

Ensino médio

Estudo do Insper mostra que investimento é importante, tanto que traz resultados, mas não garante a reversão do grave quadro de jovens fora da escola ou prestes a saírem. É preciso um conjunto de ações

Para além do salário e formação de qualidade, possibilitar que os educadores e educadoras tenham competência socioemocional é tarefa imprescindível. Não é ‘mimimi’

TECNOLOGIAS DIGITAIS 32

Intoxicação das telas

Plugados nas redes, crianças e jovens se isolam e adoecem, mas, quando a tecnologia é parte do todo, proibir está longe de ser a opção

e mais

14 PNLD

18 Midiática

35 Transformação

36 Internacional

46 Jovens comunicadores

48 Educação infantil

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PROFESSORES INDÍGENAS

Brasil profundo

Às margens do rio Xingu, aldeia do povo Mẽbêngôkre é palco para a elaboração de material paradidático na língua tradicional. Comprometidos, eles aproveitam as raras oportunidades educacionais

52 Futuro da escola

56 Diálogos

58 Entre margens

22 BOLSA FINANCEIRA
Marcus Leoni

Encontre uma forma de trabalhar que funcione para você e sua equipe

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Lia de Itamaracá

Patrimônio vivo pernambucano, os ensinamentos de Lia de Itamaracá acompanham todos os seus passos e devem estar presentes nas escolas e universidades, assim como de outros mestres e mestras populares

Pernambuco não entra na ciranda. Lia fica só

“Sou católica apostólica romana e em matéria espiritual filha de Iemanjá”

ENTREVISTA
Marcus Leoni

OBrasil tem uma rainha ainda viva. Negra, 1,80 metro de altura, olhos que se aproximam do azul e um sorriso que irradia. Seu nome é Maria Madalena Correia do Nascimento, mas é conhecida pelos que valorizam a cultura popular como Lia da Ilha de Itamaracá, a 45 quilômetros de Recife, capital pernambucana.

Parida em um lar na praia do Sossego, trabalhou em casa de família, mas se aposentou como merendeira da rede pública, profissão que exerceu por 30 anos. Em 1977 gravou o primeiro disco, A rainha da ciranda.

Aos 79 anos, Lia de Itamaracá parece uma entidade mensageira das ondas do mar. Os indígenas, como os Guarani Mbya, enxergam a vida sem divisão entre cultura e religião, por exemplo. Da mesma forma devemos enxergar Lia: como um todo que movimenta em sua comunidade a dança, canto, a alimentação e os diferentes saberes por trás de cada ato. Sua força é tamanha que seu movimento ultrapassou a ilha, atingindo o Brasil e o mundo. Tanto que em 2005 foi reconhecida como Patrimônio Vivo de Pernambuco. Já em 2019, recebeu pela Universidade Federal de Pernambuco o título de doutora honoris causa. Há dois anos, período de retrocessos, o país teve um avanço, a ciranda do Nordeste foi reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil. Contudo, tanto ela quanto seu produtor afirmam que não é valorizada pelo seu estado natal.

O que é a ciranda, que a senhora diz ser originada de mulheres que esperavam os maridos voltarem da pesca? Tem zabumba e outros instrumentos? Qual a ligação com o mar?

A ciranda é uma dança de roda em que dançam crianças, adultos e vamos indo. Então vem a comunidade, os pescadores, as mulheres dos pescadores. Os pescadores vão para o mar, as mulheres ficam em casa esperando o marido voltar com a alimentação para as crianças. E sábado à noite já estão todos no espaço cultural que Lia tem em Itamaracá, esperando Lia chegar para fazer a ciranda.

Lia parece uma entidade mensageira das ondas do mar. Os indígenas, como os Guarani Mbya, enxergam a vida sem divisão entre cultura e religião, por exemplo. Da mesma forma devemos enxergar Lia: como um todo

Lia também está em filmes como Bacurau (direção de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles), em que interpretou dona Carmelita. Ano que vem mais destaque, finalmente. Será enredo de Carnaval de duas escolas de samba, uma de São Paulo e outra no Rio de Janeiro.

Confira, a seguir, a entrevista feita presencialmente em SP, onde esteve para shows no Sesc Santana. Logo depois, seguiu para festivais na Europa.

Tem zabumba, surdo, tarol, ganzá, pistão, trombone, tem saxofone. Toda a minha música é inspirada no mar. Quando quero escrever vou à beira da praia. Quando a onda bate e volta a música está pronta, na beira da praia.

Com quem aprendeu a cirandar?

Todo o meu sonho era cantar. Da minha família só quem teve esse dom fui eu. Pedi muito a Deus e à minha mãe Iemanjá para adquirir o que queria fazer: cantar.

A senhora conseguiu terminar a educação básica?

Estudei até o 4º ano primário, em que aprendi a entrar e sair. Saber andar, para onde vai para onde vem, que horas volta e que dia volta. Quer dizer, não sou analfabeta. Sou pessoa de pouco estudo, mas isso não desmancha o meu barato.

Fui merendeira na escola pública, fazia merenda para 270 crianças em dois turnos, manhã e tarde. Me sentia muito bem com essas crianças e alimentando elas. E também ensinava a ciranda para os alunos. Enquanto a comida esfriava ia dançar e cantar junto deles. Antes de voltar para a sala de aula, já alimentados, a turma dançava de novo. Não era no meio da aula.

Quem são seus mestres e mestras da vida, aqueles que te ensinam?

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ENTREVISTA

Lia de Itamaracá

Primeiramente é Deus. A minha mãe é Iemanjá. Sou católica apostólica romana e em matéria espiritual filha de Iemanjá. Minha crença não me empata para ir em candomblé, crente. Nada. Cada qual no seu quadrado. Respeito todas as religiões.

O que aprendi não fica só pra mim, tenho que distribuir para quem quer aprender. Tem muitos mestres cirandeiros que posso ter contato com eles, reunião com eles, receber o andamento deles e eles receberem os meus andamentos.

A ciranda não foi fácil, muito difícil, mas lutei e venci. A pessoa que quer aprender logo assim a cultura, quer cantar, tem que estudar muito. Mestres da ciranda, tem o Antonio Baracho, e as filhas dele fazem backing vocal comigo, dona Biu e Dulce.

“Minha raiz é Itamaracá e eu não desprezo Itamaracá por nada neste mundo”

De quem é a música “essa ciranda quem me deu foi Lia, que mora na Ilha de Itamaracá” ?

Essa música está uma polêmica muito grande. Teca Calazans [cantora e compositora] passou 20 dias de descanso na Ilha de Itamaracá. Me ouvindo cantar pediu para cantar uma música pra ela e segui para a praia. Ela tinha gravador, violão, nada disso eu sabia. Na praia ‘sufrejei’ a música para ela, que disse que ia pôr letra nessa música: Lia, será uma ciranda em sua homenagem. Ela diz que não lembra. Mas esteve sim comigo.

O reconhecimento do seu trabalho aconteceu tarde. Dizem que depois do festival Abril pro Rock, realizado em Pernambuco, em 1998, teve um leve avanço. Por que não veio mais cedo? Preconceito por ser mulher, negra e nordestina? Desvalorização da cultura popular?

Pela falta de ajuda dos gestores da prefeitura, do governo. Agora que estou ficando reconhecida. Agora o bicho pegou, agradeço ao Beto, meu produtor. Quando ele me encontrou em Itamaracá estava sem experiência de nada, ninguém me ajudava. Tanta coisa na minha cabeça para resolver, mas sem saber como. Porque os gestores dos lugares só tiravam foto. Tem festa: vamos chamar a Lia. Mas chegar perto, nada.

Se você for pelo racismo não vai fazer nada. Somos todos iguais e não deveria ter essa ilusão por conta de pele. Se cortar o dedo do preto, o sangue é vermelho. Se cortar o dedo do branco, o sangue é vermelho. Me orgulho de ser negra.

Como eram as festas tradicionais na época de sua juventude?

Tinha coco de roda, pastoril, fandango com barco em que ficavam parados. Só não tinha ciranda. Tinha festa junina. Hoje eu canto ciranda, coco, maracatu, frevo. Não componho coco, mas sei cantar coco. Maracatu sei cantar.

A senhora viaja, mas sempre volta à ilha. O que a atrai?

Eu na ilha nasci, me criei. Sou filha de Itamaracá, minha família é Itamaracá. Minha raiz é Itamaracá e eu não desprezo Itamaracá por nada neste mundo. Saio e volto. Minha casa fica recolhida, mas dela avisto o mar. Saio de casa, me sento, converso com a onda do mar. Minha mãe é Iemanjá.

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Marcus Leoni

Se aposentou como merendeira da rede pública. Enquanto a comida esfriava, fazia ciranda com os estudantes

Beto Hees, o olhar por trás

Produtor musical de Lia, foi Beto Hees que a levou ao festival pernambucano Abril pro Rock, em 1998. Durante a entrevista com a rainha da ciranda, ele complementou algumas perguntas feitas a ela. Confira.

“Lia é uma referência na comunidade não só da música como cirandeira, mas como merendeira, pois alimentou duas ou três gerações de Itamaracá. O fato de estar na escola mexeu na comunidade. Tem também uma bolsa vitalícia como patrimônio vivo de Pernambuco, e isso tem contrapartida, ela participa de eventos de fundação de cultura, atividades relacionadas ao programa de patrimônio vivo. Mas não tem apoio para fazer ciranda. Pela idade dela, o valor dessa bolsa não dá nem para pagar plano de saúde. Não é algo que ela pode investir para fazer ciranda na praia.”

Desvalorização de Lia no cenário cultural

“Lia é mulher, negra, da cultura popular, e é de uma ilha nordestina. Quando comecei a trabalhar com ela, há 26 anos, já era muito famosa, mas não usufruía dessa fama. Há várias razões, inclusive racismo estrutural forte. Mesmo na cultura popular, geralmente, os homens estão à frente. Ela era a única mulher cirandeira, há muitos cirandeiros, inclusive, Antonio Baracho, que dizem ser o criador do ritmo. Até você chegar e ocupar o espaço que ela está ocupando só agora dentro da cultura popular do país [é um processo]. Ela está no cinema: Sangue Azul, Bacurau, série Santo na Netflix. Três livros publicados. É uma excelente cozinheira, então está na gastronomia, abarca várias áreas da cultura. Ela não pode ser colocada

apenas como uma personagem da cultura popular, acho que ela ultrapassou isso.

Fomos ano passado para a Europa, financiamos tudo, este ano também estamos indo e sem apoio. Mas se fosse outro artista teria apoio de Pernambuco, estado que ela tanto divulga. Ela é a maior referência da Ilha de Itamaracá.

Há uma ressonância grande por conta dela mesma. Mas o reconhecimento não se traduz em valorização de política de Estado. Muita coisa tem que ser conquistada ainda. E há muitas outras Lias, bordadeiras, fazendo seu trabalho, são grandes e também não têm apoio. Então mesmo ela fazendo essa mídia toda, ela não é apoiada pelo governo de Pernambuco.”

Escolas particulares de outras regiões fazem imersões com a rainha da ciranda. Beto detalha “Fazemos muito trabalho com escolas de Pernambuco. Escolas que financeiramente podem, vêm do Rio de Janeiro, Minas Gerais, e fazem vivência de ciranda com a gente que chamamos de Aprender a Cirandar. Há grupos de 70 a 80 participantes, uns até com tradutor. Visitam Caruaru e outras cidades e quando chegam a Itamaracá fazemos uma vivência. Tem fala sobre a roda e seu simbolismo. A professora abre com a parte acadêmica, músicos falam de seus instrumentos. Lia também fala. Depois o grupo se divide entre voz, percussão e dança. Na voz ficam Lia e as filhas de Baracho. Todos passam pelas três etapas e no final há uma ciranda com todos. Na ciranda não tem primeiro, último, não tem homem, mulher, idade, preto, branco. Você está na roda. Não tem hierarquia. E se você não quiser, sai da roda. Não tem obrigação.”

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Compasso de espera PNLD

MEC aguarda resultados de consulta pública para saber que rumo dar ao novo ensino médio e ao Enem. Nisso, os livros didáticos do PNLD programados para serem entregues aos estudantes em 2025 podem sofrer atrasos

| Por Rubem Barros

Em 6 de julho de 2023, o Ministério da Educação encerrou o processo da Consulta Pública Online sobre o Novo Ensino Médio, recebendo mais de 100 mil sugestões e comentários sobre os rumos da última etapa da educação básica. A definição sobre o destino dos três anos que antecedem o ingresso no ensino superior, no entanto, carece ainda de prazo. Da mesma maneira, o conteúdo do Enem para o ano de 2026 permanece uma incógnita. Os novos rumos só serão decididos após a análise das sugestões coletadas, o que, pela previsão inicial, levaria um mês para serem agrupadas e filtradas.

O que poderia ser apenas um processo de definição curricular e de modelo pedagógico ganhou tintas de disputa entre educadores favoráveis e contrários à reforma, dissenso já manifestado quando de sua aprovação em fevereiro de 2017. Um ano e meio depois, em dezembro de 2018, no apagar das luzes do governo Temer, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio. Veio então o governo Bolsonaro, que começou o processo de implementação da reforma sem que em momento algum ela fosse uma prioridade estratégica. Com a entrada em cena do governo Lula, as pressões pela sua revogação aumentaram e, tentando uma solução intermediária, o ministro Camilo Santana chamou a consulta pública.

Todo esse processo apenas reforça as imensas disparidades existentes no país. De um lado, as escolas pri-

vadas parecem majoritariamente favoráveis à reforma, já tendo implementado aquilo que, no universo público, está muito longe de se tornar verdade. Nas redes estaduais, apesar de os secretários em sua maioria também serem favoráveis, as condições de infraestrutura e principalmente de formação docente não dialogam com o novo modelo.

O DESAFIO DAS EDITORAS

Em meio ao descompasso, não só professores, mas também as editoras que produzem materiais para o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) estão na corda bamba.

Entre os docentes, o ponto crítico principal é a área de ciências da natureza, que exigiria uma formação mais ampla em física, química e biologia. Para as editoras, há uma ameaça de desarticulação da engrenagem que produz materiais a cada ano para segmentos diferentes da educação básica. Em 2024, por exemplo, chegam às escolas os livros dos anos finais do ensino fundamental, cujo edital saiu em 2022. Em 2025, deveriam ser entregues aos estudantes do médio os livros feitos a partir do edital que deveria ser lançado em 2023.

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Porém, segundo o Ministério da Educação, tanto esse edital como o Enem de 2025 dependem do que ocorrerá com a etapa agora. Se houver apenas uma revisão de aspectos mais críticos, o provável é que o processo seja empurrado um ano para frente. Ou seja, materiais e Enem permaneceriam os mesmos até 2025, e novos seriam preparados para 2026. Se a lei for revogada, os prazos se alongam ainda mais, pois uma nova versão terá de ser submetida ao Congresso.

Se o novo ensino médio for revogado, os prazos de edital do PNLD se alongam ainda mais, pois uma nova versão terá de ser submetida ao Congresso

Se a opção de empurrar para 2026 se concretizar, mesmo assim haverá impacto na cadeia produtiva dos didáticos, pois 2025 teria apenas a reposição de materiais. Além disso, para o ano seguinte é possível que três editais sejam realizados concomitantemente: para a Educação de Jovens Adultos (EJA), educação infantil e ensino médio, com escassez de trabalho em um ano e acúmulo no outro.

Flávia Alves Bravin, vice-presidente da Abrelivros (Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional), que agrega os principais representantes do setor, diz reconhecer a importância da consulta pública e que o debate fará com que todos saiam fortalecidos. Mas mostra apreensão quanto ao prazo e o impacto do adiamento. “Com o prolongamento da tomada de decisão, fases importantes que vêm na sequência terão menos tempo de planejamento, execução e refinamento. Caso a opção seja por soluções mais complexas, com a necessidade de elaboração de uma nova lei, agravaremos esta situação: o prazo para conclusão aumenta significativamente e também os impactos.” Por esses motivos, para ela o melhor caminho é a reformulação parcial.

Mesmo que haja apenas uma remodelação parcial do novo ensino médio, restam duas grandes dúvidas para a reformulação dos materiais, segundo Ângelo Xavier, diretor editorial da Moderna e presidente da Abrelivros. “Que modelo de livro vai para a sala de aula: disciplinar ou por área do conhecimento? E o MEC vai oferecer os itinerários formativos?”, pergunta, lembrando que a proposta dos itinerários aumenta a complexidade da oferta.

PARTICULARES

No âmbito das escolas privadas, o temor é não saber qual Enem os estudantes farão em 2025. Em tese, 2024 seria o último ano calcado no atual currículo. “A grande tensão que existe hoje no mercado privado é estar preparando os alunos para o alvo errado”, diz Mario Ghio, presidente da Abraspe (Associação Brasileira de Sistemas de Ensino e Plataformas Educacionais).

Segundo Ghio, ex-diretor da Somos, a reforma vinha caminhando bem, mas agora há discordância entre escolas e famílias, estas últimas sempre preocupadas com o ingresso no ensino superior. “De resto, os maiores problemas foram as disciplinas eletivas, com algumas ofertas pseudoprofissionalizantes, e a sensação de

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desprestígio dos professores de algumas áreas, como sociologia e filosofia.”

Para Luiz Tonolli, diretor editorial da FTD, empresa que participa do PNLD, mas também faz materiais para a sua rede de escolas, “a revisão é necessária e está dando voz às pessoas que reagiram a esse modelo”. Em sua percepção, as escolas privadas, por terem maior autonomia, acabam acrescentando conteúdos adicionais aos previstos pela lei, aumentando a defasagem do ensino público.

Apesar de acreditar que a maioria da rede privada aderiu ao novo modelo, Ghio também diz que as escolas de excelência continuam a ministrar os mesmos conteúdos antes previstos, às vezes apenas dividindo-os entre aqueles obrigatórios e os itinerários formativos, novidade da reforma. “Adaptações são necessárias, mas defendemos que o modelo continue”, diz.

No acompanhamento que faz das escolas privadas, o que menos tem funcionado é a área de ciências da natureza. “Os professores têm formação específica, não por área do conhecimento”, diz. Tonolli acrescenta, lembrando que já no PNLD de 2021 essa divisão estava prevista e foi um problema: “Fizemos materiais para um professor que não existia. Sem formação específica, não há professor que domine bem as três áreas”, opina.

Érika Caldin, gerente editorial da Editora do Brasil, segue na mesma linha. “É necessária uma revisão do ensino médio, e esse processo pode ser demorado. Depende de formação de professores para o novo modelo, investimentos nas escolas, além de adequação dos editais de PNLD. Os materiais didáticos são um excelente suporte para o professor, mas é preciso ter um modelo bem estruturado para que as editoras possam entregar materiais que realmente o auxiliem nessa transição.”

Mario Ghio, presidente da Abraspe: a grande tensão que existe hoje no mercado privado é estar preparando os alunos para o alvo errado

Sobre o novo ensino médio, Érika Caldin, gerente editorial da Editora do Brasil, reforça a importância de um processo estruturado que pense da formação docente à adequação dos editais de PNLD

SOLUÇÕES PALIATIVAS

Como já era previsto em vista do pouco capital investido pelo governo federal já a partir de 2017, além da desestruturação técnica pela qual passou o MEC durante o governo Bolsonaro, quando muitos profissionais deixaram seus quadros, o processo de implementação da lei, gostando-se dela ou não, foi precário.

Regulamentações e diretrizes ficaram pendentes, como é o caso dos itinerários formativos, que foram concebidos apenas nos estados, sem diretrizes federais, importantes inclusive para dar mais organicidade ao que se ensina no país.

O jeito, em algumas situações, foi fazer a oferta digital de conteúdos, como a realizada pela Editora do Brasil para os itinerários. Os materiais estão disponíveis em uma plataforma e sua impressão é feita sob demanda, assim como alguns materiais das disciplinas tradicionais.

Essa falta de definições acaba por repercutir em cadeia, como lembra Tonolli. “Além da exoneração de funcionários da área jurídica, houve problemas também nas áreas gráfica e financeira. Contratos assinados em 2021 só foram pagos em agosto de 2022, meio tempo em que o preço do papel aumentou em função da guerra da Ucrânia”, lembra.

Tudo isso sinaliza para problemas que afetam a gestão pública como um todo no Brasil: a descontinuidade de políticas e a carência de corpos técnicos mais estáveis. Por isso, as três últimas mudanças de poder acabaram resultando em rumos distintos para o ensino médio, com o vento a cada hora fazendo com que a biruta apontasse para um lado.

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Ballet Paula Castro dentro das escolas

A escola Gato Xadrez, fundada em 1973, com sede em São Paulo, em parceria com o Ballet Paula Castro, que possui 45 anos de tradição, atualmente conta com três unidades próprias em São Paulo.

Atuando dentro da escola, o Ballet Paula Castro oferece o ballet para os alunos que estudam no período da tarde ou manhã, ou seja, no horário contraturno, diz a diretora Marina Maltez.

Uma parceria que já dura seis anos, Marina conta que o nível de satisfação das famílias é alto. “São professores que trabalham com a metodologia da escola ENBC (Escola Nacional de Ballet de Cuba), onde desenvolve um trabalho pedagógico com qualidade com nossas crianças.

“No final de todos os anos apresentamos uma aula expositiva para as famílias, para que conheçam a dinâmica da aula de dança, a metodologia, a linguagem, os exercícios e para que percebam o desenvolvimento da criança, que recebe um certificado de conclusão do curso”, explica a diretora da escola.

A parceria do Ballet Paula Castro com a escola Gato Xadrez existe há seis anos. “O nível de satisfação das famílias é alto, constata a diretora Marina Maltez

A prática estimula nas crianças o trabalho em grupo

“Ver a felicidade da minha filha, com a professora de ballet e ao lado das amigas, confiante e orgulhosa, é um ganho enorme”, diz Vanessa, mãe da Mariah

Estimular o trabalho em grupo e fazer com que se sintam importantes são princípios trabalhados com as crianças, desenvolvendo a desinibição e a postura diante dos desafios ao longo da vida.

“É muito especial e gratificante ver a emoção da minha filha no palco, independente, orgulhosa e feliz em mostrar o que aprendeu nas aulas de ballet”, expressa Vanessa, mãe de Mariah, aluna da escola Gato Xadrez.

Além da escola Gato Xadrez, o Ballet Paula Castro está presente em grandes escolas de São Paulo e clubes, participando ativamente no calendário escolar. Além das aulas de ballet atuamos nas escolas com as modalidades de ginástica artística, teatro musical, jazz, sapateado e hip hop.

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“Adeus, passarinho”

Os algoritmos se sofisticaram, mas os órgãos oficiais e entidades parceiras da ética também têm se aprimorado no combate às desinformações nas redes sociais.

Escolas devem atuar nesse movimento que necessita de coletividade

| POR Alexandre Le Voci Sayad

Foi essa singela expressão que Vera Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia de Valores e Transparência, escreveu em maio no Twitter, se despedindo da rede que, desde que foi adquirida pelo bilionário Elon Musk, não agrada a legislação europeia no combate à desinformação. O gesto se tornou meme na Europa quando o assunto são as frentes da batalha contra as informações falsas, sobretudo aquelas que dizem respeito à regulação das mídias digitais (em julho o bilionário anunciou a troca do passarinho para um ‘x’, atitude já esperada e que possivelmente não tem ligação com Vera).

A praga da desinformação — que afeta em cheio a educação, a ciência e a democracia —não é nova e apresenta muitas causas, o que de imediato nos leva a imaginar que apenas uma ação é insuficiente para mitigar seus efeitos. A situação fugiu do controle quando as redes sociais saíram do patamar de fóruns de amizade e debate (baseadas em algoritmos mais simples e navegando na promessa inicial da internet) e passam a se tornar palco de todo e qualquer tipo de barbárie; os algoritmos se sofisticaram e as grandes empresas refletiram seus oligopólios também na web. Ao contrário dos veículos de comunicação de massa tradicionais, como o rádio e a televisão, que desde sua criação compartilham o espectro público de radiodiufusão, e muitas leis para poderem operar, as chamadas ‘big techs’ nasceram como empresas de tecnologia que se acostumaram a não se responsabilizar peloconteúdo postado por seus usuários e navegar livremente num mercado global e liberal.

A escola de países democráticos foi um dos aparelhos sociais que mais sentiu o peso de um mundo de desinformação logo no início desse fenômeno pois, basicamente, trabalha com a ciência e tem os princípios da democracia no seu cerce. O pensamento crítico e a educação midiática acabaram por ganhar corpo e propostas robustas para enfrentar a questão junto aos estudantes — como esta coluna vem mostrando ao longo de sua existência. Entretanto:

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seria essa ação suficiente para proteger uma sociedade do mal da desinformação?

Muitas práticas, políticas públicas testadas em diversos países, além de pesquisas científicas, provam que não. Experiências de regulação das mídias digitais como o PL 2630 são uma proposta que tem sido contemplada mundo afora como outras, criando um ecossistema de ações para legislar a favor da informação apurada e de qualidade. O modelo brasileiro, que infelizmente vem se tornando uma espécie de ‘Frankenstein’ nas mãos do legislativo, está longe do ideal, mas o fato de ser colocado à prova do debate público é por si só uma boa notícia.

Não há hoje um país no mundo que tenha vencido totalmente a desinformação, mesmo porque ela é um fenômeno que não respeita fronteiras. Nações sofrem as consequências da inação de seus vizinhos, ou inimigos. A contrainformação russa e bielorrussa sobre a guerra na Ucrânia, por exemplo, é um problema para toda a região. O mesmo aconteceu quando as notícias falsas auxiliaram o Brexit a vencer o plebiscito na Grã-Bretanha: a onda de desinformação se abateu também sobre o continente.

Mesmo assim há países que apresentam melhores resultados que outros e há ainda aqueles que se afundam em ditaduras que usam da mentira explícita como garantia de governabilidade. Acaba de ser publicado um dos relatórios mais completos sobre a vulnerabilidade e combate à desinformação nos países, o The media literacy index, realizado pela Open Society Institute em Sofia, Bulgária.

Nessa edição, o relatório definiu cinco grandes áreas de vulnerabilidade na Europa, de acordo com o desempenho nos indicadores comparativos dos países. Fora da região nórdica, Irlanda e Suíça ocupam o hall de países mais preparados para enfrentamento às notícias falsas; por outro lado, Albânia, Macedônia do Norte, Kosovo e Georgia estão nas últimas colocações. Em 2023, ainda houve a inclusão de Canadá, Estados Unidos, Austrália, Israel, Coreia do Sul e Japão. Dentre os não europeus, o Canadá é o mais bem-posicionado e Israel aparece na penúltima área de vulnerabilidade.

Esse índice tão especial, e com acurácia acima da media, mostra que a desinformação é uma realidade complexa e que não pode ser combatida justamente com uma única ‘panaceia’, ou remédio milagroso. Para compor o índice, os pesquisadores levam em conta alguns campos e seus indicadores, como apresentados ao lado:

Fora da região nórdica, Irlanda e Suíça ocupam o hall de países mais preparados para enfrentamento às notícias falsas; por outro lado, Albânia, Macedônia do Norte, Kosovo e Georgia estão nas últimas colocações

- Liberdade de imprensa e mídia: são considerados os índices das organizações Freedom House e Repórteres sem Fronteiras

- Educação: avaliados os resultados do Pisa em leitura, ciências e matemática, além do número de estudantes matriculados no ensino superior, fornecido por relatório do Banco Mundial

- Confiança entre as pessoas: utilizado um questionário próprio

- Participação digital: utilizado o indicador E-Participation Index, criado pela União Europeia

Debater os princípios da desinformação, e as medidas para combatê-la, como um caráter interdisciplinar e de meta-observação, pode se desdobrar em uma ótima formação de educadores, além de tornar-se um assunto de cidadania para conversas nas salas de professores. Uma análise de nossos vizinhos da América Latina nos leva a conhecer exemplos desastrosos na Nicarágua, e outros mais bem-sucedidos, como na Colômbia e Chile.

As perguntas disparadoras, que podem articular toda a comunidade escolar em torno da questão, são: como transformar a experiência brasileira em algo eficiente e democrático? Quais os caminhos para o PL 2630?

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura).

Revista Educação 19

RUMO AO HEPTA Prêmio TOP EDUCAÇÃO

9 A 12 DE MAIO

O

eleito o melhor do BrasiL
da I.S.
Programa bilíngue

BOLSA FINANCEIRA

Avança incentivo financeiro para estudantes do ensino médio

Estudo do Insper mostra que investimento é importante, tanto que traz resultados, mas não garante a reversão do grave quadro de jovens fora da escola ou prestes a saírem. É preciso um conjunto de ações

Por Paulo de Camargo

Ao final deste ano, se permanecer a história contada pelas estatísticas oficiais, perto de 700 mil estudantes do ensino médio terão sido reprovados ou simplesmente abandonado a escola pública. Parte deles engrossará a fileira dos chamados nem-nem, jovens entre 15 e 29 anos que não trabalham ou estudam, um contingente, segundo o IBGE, de 11,5 milhões de pessoas, maior do que a população de Portugal. Em 2022, apenas 67,3% dos jovens de até 19 anos tinham conseguido completar o ensino médio. Na tentativa de conter esse cenário trágico, agravado nos anos de pandemia, um número crescente de estados vem lançando programas de bolsas estudantis. Inclusive, está em estudo no Ministério da Educação um programa nacional no mesmo sentido.

Em linhas gerais, o desenho dos programas se assemelha: são transferências de renda de R$ 100,00 a R$ 500,00, que chegam aos estudantes do ensino médio — universalmente ou com foco nos mais vulneráveis — com o duplo objetivo de estimular a frequência e melhorar o desempenho escolar. Todos trazem, em sua origem, a necessidade de reforçar o suporte social dado às famílias, diminuindo a pobreza e remediando o impacto do desemprego e da crise, efeitos colaterais da covid-19.

Agora, a eficácia das políticas começa a ser avaliada por formuladores de políticas públicas, pesquisadores e institutos de pesquisa. As primeiras análises mostram que os programas de bolsa têm efeito rápido e positivo, devem permanecer, mas não serão a bala de prata para reter os adolescentes na escola. Um dos mais completos trabalhos a respeito será publicado em breve. Trata-se do estudo Desenho de programas de bolsas de estudos para redução da evasão escolar no ensi-

Revista Educação 22
Freepik
Em Alagoas, o Cartão Escola 10 já foi até premiado. Possui três modalidades, dentre elas a bolsa-conclusão, que dá R$ 2 mil para os concluintes do 3º ano
Ascom/Seduc-AL

no médio, realizado pelos pesquisadores Ricardo Paes de Barros, Laura Muller Machado e Laura de Abreu, do Centro de Evidências da Educação Integral do Insper.

O estudo fez uma revisão de 2,1 mil estudos internacionais sobre o impacto de políticas de bolsa, mas apenas dois deles foram produzidos no Brasil. De acordo com a pesquisadora Laura Muller Machado, estima-se um impacto médio de 8 pontos percentuais de aumento sobre taxa de conclusão. “Ou seja, é um remédio que ajuda, mas não resolve em um país com taxas de evasão muito elevadas, como é o caso do Brasil”, diz.

Entre as experiências brasileiras, o estudo considerou o Programa Renda Melhor Jovem, do Rio de Janeiro, que registrou a elevação em 9,5 pontos percentuais da taxa de aprovação, a redução da reprovação e do abandono em 3,9 e 5,6 pontos percentuais, respectivamente.

Como seria de esperar, o valor importa. Segundo o estudo, a cada R$ 100,00, o efeito almejado dos programas de bolsa tem um impacto suplementar de 2,8 pontos percentuais.

O estudo do Insper traz, também, um conjunto de recomendações para os estados — e chegou a oferecer uma ferramenta para cálculo do impacto de futuras iniciativas em um curso especialmente desenvolvido para os gestores estaduais. O trabalho foi apresentado ao Ministério da Educação em junho.

Mas, ao mesmo tempo, as evidências mostram que é preciso investir simultaneamente na qualidade da escola. “Não adianta pagar se a escola continua ruim”, alerta Laura Muller. Além disso, não pode ser um controle de mentirinha. Os estudos mostram que as redes precisam impor (e cobrar) contrapartidas dos jovens. “A bolsa é menos efetiva se não houver uma checagem do cumprimento das contrapartidas. A ação precisa ter consequência”, diz.

INICIATIVAS EM EXPANSÃO

Conforme Laura, não se pode afirmar que políticas de bolsa para o ensino médio configurem uma tendência internacional. No exterior, a maior parte das iniciativas analisadas tiveram início anterior à pandemia, e, no Brasil, o receio de uma evasão descontrolada a partir da covid-19 foi o grande impulsionador das políticas.

Hoje, pelo menos uma dezena de estados deram início a programas de transferência de renda para estudantes do ensino médio. Goiás, por exemplo, lançou o seu programa em novembro de 2021. “O objetivo era diminuir a evasão e atenuar os efeitos econômicos”, conta Már-

Jovens precisam de políticas próprias e de espaços não governamentais fora da escola, mas os governos ainda não acordaram para isso, diz João Marcelo Borges, gerente no Instituto Unibanco

cio Capitelli, superintendente do Programa Bolsa Educação. Segundo ele, Goiás tem perto de 200 mil alunos nessa etapa escolar, e todos recebem R$ 111,92 mensais, atendendo a dois critérios: 75% de frequência e média escolar equivalente a 6,0. O estado comemora 6% no aumento da frequência, e registrou o segundo menor índice de abandono no último Censo Escolar, em comparação com os demais estados brasileiros.

Conforme relatórios internos, cerca de 70% dos recursos recebidos pelos estudantes são gastos com alimentação. “Ao mesmo tempo que se faz um incentivo à aprendizagem, chega-se com mais apoio às famílias”, considera o gestor. Por isso, Goiás agora trabalha na extensão do programa também para todos os alunos do 9º ano do ensino fundamental. Proporcionalmente aos demais investimentos, os programas não têm peso excessivo nos orçamentos estaduais da educação, avalia Capitelli. Para ele, o custo-benefício é muito bom.

Por isso, muitos estados estão aderindo às iniciativas, alguns focando o público já cadastrado em programas sociais, outros universalizando a transferência de renda.

Em Santa Catarina, o programa Bolsa Estudante oferece aos alunos previamente incluídos no Cadastro Único Federal um auxílio anual de até R$ 6.250 em 11 parcelas. Em Alagoas, um dos programas mais intensivos, o Cartão Escola 10 chega a todos os estudantes em três modalidades: são R$ 150,00 para os alunos da rede estadual de ensino integral com frequência mínima de 90%; R$ 100 para os de ensino médio regular com frequência mínima de 90%, e uma bolsa-conclusão, que dá R$ 2 mil para os concluintes do 3º ano. O programa alagoense recebeu, inclusive, o Prêmio Darcy Ribeiro, concedido pela Câmara dos Deputados.

Revista Educação 23 Divulgação

BOLSA FINANCEIRA

Prestes a completar 18 anos, Jean Vitor recebe R$ 150,00 do governo de Alagoas. “É significativo. Minha mãe e pai não podem dar esse valor na minha mão.” Questionado sobre o que já fez com o dinheiro, conta que experimentou comidas diferentes, adquiriu fantasia e ainda conseguiu juntar para a compra de um notebook. Ele está no 3º ano do ensino médio em tempo integral da Escola Estadual Prof. José da Silveira Camerino, em Maceió. “Com a pandemia, o pessoal não queria voltar para a escola. Quando lançaram esse projeto, no final de 2021, muitos retornaram”, recorda.

Jean também participa de outra iniciativa do governo, o Programa Professor Mentor, que lhe oferece R$ 250,00. “Fui monitor da coordenação, auxiliava outros alunos monitores. Agora consegui a monitoria da sala.” Ainda este ano pretende prestar Enem, pois está de olho no ensino superior, quer fazer serviço social.

Já um estudante do 1° ano de uma outra escola de Alagoas, e que preferiu ocultar o nome, diz: “É um bom incentivo, principalmente no combate à evasão escolar. O ponto negativo é o atraso que de vez em quando acontece”.

CUIDADOS NA IMPLEMENTAÇÃO

Programas de transferência de renda são importantes, ainda mais em um país com problemas estruturais como o Brasil, mas sempre exigem cuidados, alerta o pesquisador Thomaz Edson Veloso, doutor pela Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e consultor para a implementação do novo ensino médio. Na sua visão, todas as políticas do gênero precisam ter mecanismos de controle de qualidade para aferir a eficácia do investimento, e nem sempre isso é feito. “Será que o recurso investido está mesmo melhorando a aprendizagem, au-

Evidências mostram que é preciso investir simultaneamente na qualidade da escola. “Não adianta pagar se a escola continua ruim”, alerta Laura Muller, do Insper

O desenho dos programas dos estados se assemelha: transferências de renda que variam de R$ 100,00 a R$ 500,00 com o duplo objetivo de estimular a frequência e melhorar o desempenho escolar

mentando o engajamento? Se essa for a intenção, é preciso ter instrumentos que avaliem isso”, explica.

Sua experiência mostra que o sucesso de políticas semelhantes se deve mais à consistência dos processos de acompanhamento e monitoramento do que ao seu desenho inicial, que não deixa de ser importante. Um exemplo é o próprio controle da frequência pela escola, que não pode ser burlado. “É o conjunto da obra que dirá se a iniciativa dará certo ou não, mas não pode ter um viés meramente econômico, sem um olhar pedagógico”, acredita. Da mesma forma, alerta Veloso, é preciso ter instrumentos de avaliação da aprendizagem.

Isso tem uma importância imensa em um país com péssimos indicadores de aprendizagem. Segundo dados da avaliação do Saeb de 2021, ao final do 3º ano do ensino médio na rede pública estadual, apenas 30% dos alunos apresentavam a aprendizagem esperada em língua portuguesa, e não mais do que 4%, em matemática. Até 2021, também, o Ideb seguia estagnado, ficando 1 ponto percentual abaixo dos 4.9 projetados em 2005.

Na visão de Veloso, paralelamente a iniciativas de transferência de renda, o país também precisa investir de fato na oferta de educação profissional para que os estudantes possam ser remunerados em trabalho logo após o término do ensino médio. “Isso terá aspectos econômicos e educacionais simultâneos”, avalia.

POLÍTICAS PARA AS JUVENTUDES

João Marcelo Borges, gerente de Pesquisa e Inovação do Instituto Unibanco e mestre pela London School, ava-

Revista Educação 24
Divulgação

lia a necessidade de uma política intersetorial e multinível, em três eixos: o educacional, envolvendo ensino médio, educação profissional e ensino superior; o eixo de engajamento e participação, que trata do protagonismo juvenil e dos espaços de expressão e de protagonismo; e o de renda e trabalho. Foi nesse contexto que o Instituto Unibanco apoiou o desenvolvimento de projetos em Alagoas, incluindo o Cartão Escola 10.

Na visão de Borges, a destinação de recursos financeiros para programas de bolsas é apenas parte da solução e está além da responsabilidade única das secretarias de Educação. A integração entre diferentes ações de áreas governamentais diferentes também é importante, e tem seus desafios, como a da governança, do orçamento e do cadastro. Mas, enfatiza, nenhum programa será completamente efetivo se não abrir espaços genuínos de escuta e de participação para os estudantes. “Os jovens não vão se conformar às regras e à oferta das políticas oficiais”, acredita.

Segundo Borges, os governos ainda não acordaram para o fato de que os jovens precisam de políticas próprias e de espaços não governamentais fora da escola, com liberdade, segurança e autonomia para que participem do mundo, sem tutela ou a concessão dos adultos, em seus próprios territórios e a partir de seus próprios interesses. São espaços para a música, teatro, esportes, produção artística, enfim, áreas e projetos dos quais possam se apropriar e construir seus caminhos de expressão.

“Assim, eles deixam de ser vistos como um conjunto e passam a ter nomes. Protagonismo não é elemento de vaidade, mas uma conquista crucial para o desenvolvimento pessoal”, diz. A seu ver, finaliza, a sociedade e as políticas públicas precisam olhar para os jovens como um caminho para o futuro, e prover condições para que desenvolvam plenamente todas as suas potencialidades — e não se limitar a tratá-los como beneficiários de políticas assistenciais.

Revista Educação 25

BOLSA FINANCEIRA

Desafio nacional

O ensino médio representa um dos grandes desafios da educação brasileira, de todos os pontos de vista — do acesso e permanência, da aprendizagem e do combate às desigualdades sociais e raciais. Tanto que defensores e críticos da reforma do ensino médio concordam que o currículo e a estratégia precisam mudar.

Número de matrículas na rede pública 6.895.219

Número de professores

456.864 professores em atuação, em 2022

Veja alguns dados fundamentais para se conhecer o ensino médio no Brasil.

Número de escolas públicas com ensino médio regular 20,7 mil escolas

Meta do PNE

Tempo integral 20,4% dos alunos estão matriculados em escolas de tempo integral

Taxa de abandono no ensino médio 5,6%

Taxa de reprovação no ensino médio 4,6%

A meta do Plano Nacional de Educação (PNE), cuja vigência termina ano que vem, era “universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%”

Segundo o último Censo Escolar, 95% dos jovens de 15 a 17 anos estão na escola ou já concluíram o ensino médio, enquanto a taxa líquida de matrículas é de 76,7%

Desigualdade étnico-racial

Aprendizagem

Ao final do ensino médio, em 2021, 28,7% dos alunos em escolas da rede pública apresentaram aprendizagem adequada em língua portuguesa, e apenas 3,7%, em matemática

Taxa de distorção idade-série

Em 2022, no 1º ano do ensino médio, 24,2% dos estudantes estavam dois ou mais anos defasados em relação à idade esperada para o seu ano. Isso vale também para 21,3% dos alunos do 2º ano e para 20,4% dos alunos do 3º ano

82,1% 73,5%

72,3% apenas

Em 2022, enquanto dos jovens brancos de 15 a 17 estavam na escola, dos pretos e dos pardos estavam na mesma condição.

75,3% 61,4% 62,4% dos jovens brancos dos jovens pretos dos jovens pardos

terminaram o ensino médio aos 19 anos, em 2022. Os indicadores de pretos e pardos de hoje se assemelham aos dos brancos de 10 anos atrás.

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Fontes: Censo Escolar 2022, Qedu e movimento Todos pela Educação

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SAÚDE

Opinião

Para além do salário e formação de qualidade, possibilitar que os educadores e educadoras tenham competência socioemocional é tarefa imprescindível. Não é ‘mimimi’

| Por Adriana Fóz com participação de Alcione Marques*

N

ão é novidade que a profissão do professor(a) tem sido caracterizada como uma dentre as atividades mais estressoras, geradora de forte demanda emocional e de grandes frustrações. Além do mais, quando há fracasso na aprendizagem do estudante, a responsabilidade é do professor, mas quando são bem-sucedidos e fazem seu trabalho com maestria acredita-se que não fazem mais que a obrigação.Já eram críticas as condições anteriores à pandemia pelo coronavírus, mas a aceleração de novas tecnologias, diferentes linguagens e maiores exigências e responsabilidades trouxeram uma carga adicional a uma profissão que, a priori, deve contar com leveza, disponibilidade e muito conhecimento. Será que se tornará insustentável o peso de ser professor? Quando vejo jovens inteligentes, interessados pela causa educacional em fase de vestibular, dizerem: “minha última opção é ser professor”, me angustia. Suas justificativas vão desde “não teria paciência com as ofensas verbais dos alunos” até “ganham muito mal”. As famílias também têm participação negativa neste aspecto, pois muitos preferem criticar o professor a criticar seu próprio filho ou a eles mesmos.

Isso sem falar que o professor parece não poder genuinamente sentir ‘dor’, o que o leva a uma grande exigência emocional. Segundo Carlotto, grande estudioso do assunto, esse fenômeno não se restringe apenas aos professores brasileiros, apresentando um caráter epidêmico mundial. Não há uma única vacina para este mal, mas há caminhos para melhorar os principais desafios da maioria dos docentes: salário, formação continuada (de qualidade), apoio dos pais, recursos materiais, clima escolar positivo, valorização da profissão, saúde laboral (e outros). E cada vez mais aumenta o conhecimento sobre os impactos do que funciona e não funciona na escola.

Já é até ‘retórica redundância’ o fato do excessivo estresse dessa profissão que apresenta, mundialmente, a maior vulnerabilidade para manifestar, inclusive, a síndrome de burnout Embora seja essencial, desejável e ‘irritantemente’ óbvio criar condições mais favoráveis ao trabalho no ambiente escolar ao que se refere a políticas educacionais, valorização da docência, melhor formação dos professores e melhor infraestrutura, continuam fazendo parte de suas rotinas de trabalho as situações estressantes.

Ampliar o conhecimento sobre as emoções, aumentar a percepção de suas próprias reações e desenvolver me-

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Há cura para a epidemia do estresse docente? MENTAL Shutterstock Shutterstock

lhores formas de lidar com as situações difíceis por meio de estratégias de regulação emocional diminuem as reações de estresse e, claro, são associados ao aumento de qualidade na vida dos indivíduos. Mas, se por um lado sabemos que aprender sobre emoções e competências socioemocionais promovem nossa saúde física e mental, por outro lado ainda é pífio o adequado preparo do professor para lidar com as próprias emoções. Apenas 30% dos cursos de formação em pedagogia, segundo a Fundação Getulio Vargas em 2022, tratam deste tema, e arrisco dizer que talvez tratem apenas conceitualmente.

Eu mesma visitei muito este tema na minha dissertação de mestrado que, inclusive, foi apoiada no CASEL. Segundo a Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CASEL, 2018), a aprendizagem socioemocional (ASE), que envolve habilidades que podem ser ensinadas e aprendidas, é definida como o processo pelo qual crianças e adultos adquirem o conjunto de conhecimentos, atitudes e habilidades que constituem a competência socioemocional. Mas existem outras organizações internacionais, como Big Five, que tem seu próprio conceito e ‘metodologia’ sobre ASE. Fato é que apenas recentemente voltaram-se os olhos, ainda de soslaio, para a ASE do educador.

Com a crescente evidência de que o aprendizado de habilidades socioemocionais pelo estudante pode favorecer seu desempenho acadêmico, assume-se que o professor já tem (ou deveria ter) esta competência, fazendo com que ele conte apenas com as habilidades que já possui. Mas como e quais formações incluir, se são muito poucos os programas ou intervenções que ampliam as habilidades socioemocionais voltadas ao professor como uma maneira de se melhorar a qualidade do ensino?

A EXPERIÊNCIA DE UM PROGRAMA

QUE COMEÇOU NA UNIFESP

Neste sentido é que quero compartilhar meu aprendizado dos últimos 15 anos (dos 34 da formação em pedagogia), quando passei a ser gestora de um projeto em prol da saúde mental e emocional na escola, do Departamento de Psiquiatria da Unifesp. Lá formamos uma equipe multidisciplinar com educadores, psicopedagogos, psicólogos, psiquiatras e neuropsicólogos que estudaram e organizaram alguns programas, dentre estes, um para a Formação em Competências Socioemocionais para Educadores — na época visto como ‘mimimi’ ou um recurso de menor valia. Para terem noção, até no próprio programa tínhamos que

‘lutar’ pela relevância do cuidado e atenção às habilidades socioemocionais dos estudantes, que dirá dos professores. Na época eram ainda incipientes os programas desta natureza no mundo, quiçá no Brasil. Alcione Marques, Luiza Hirome e eu fizemos até um artigo que mostrava quão ínfimos eram estes. A partir das evidências dos programas desenvolvidos em diferentes países, foi criado o Programa de Educação Emocional do Professor (PEEP), que foi aperfeiçoado pela Neuroconecte (após desativação do projeto). O objetivo desse programa inclui: compreender o constructo das competências socioemocionais, suas dimensões e sua importância como recurso interno para o professor, além de ampliar a compreensão sobre as emoções, vivências, e avaliação do processo. Impactou mais de 70 mil educadores, e continua impactando, foi pensado para acontecer em grupos e apoiado em conhecimentos teóricos-práticos e reflexivos a partir das experiências emocionais dos participantes. É dividido em cinco módulos principais em que o primeiro é sensibilizador e trata da neurociência das emoções, afinal, entender o fenômeno emocional, sua relação com a cognição e aprendizagem, facilita ‘o preparo do terreno’. O PEEP inclui algumas técnicas reconhecidas e outras fruto de nossa experiência.

Assim como essa formação, que outras possam levar ao reconhecimento das competências socioemocionais como um recurso interno valioso para o professor, auxiliando-o a lidar com as demandas da atividade docente, e a reconhecer a dimensão emocional e relacional como fundamentais no processo da educação escolar.

Talvez não haja vacina que dê conta do estresse, mas deixo como símbolo para reflexão o aforismo de Sócrates, um dos mais famosos da história: “conhece-te a ti mesmo”, professor.

*Adriana Fóz é neuropsicóloga, educadora e diretora da NeuroConecte

Alcione Marques é formadora de professores em saúde mental e diretora da NeuroConecte

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DIGITAIS

Conectados às telas e desconexos de si

Plugados nas redes, crianças e jovens se isolam e adoecem, mas, quando a tecnologia é parte do todo, proibir está longe de ser a opção

No Brasil, 93% das crianças e adolescentes com idades entre nove e 17 anos são usuários de internet, o que corresponde a 22,3 milhões de pessoas conectadas. Os dados são da respeitada TIC Kids Online Brasil. A lista de consequências pelo uso excessivo de tela é grande. Além dos problemas já alertados pelos pediatras, como alterações no sono, aumento no risco de obesidade e sedentarismo, pesquisas mostram que a superexposição a eletrônicos pode causar déficit de atenção, atrasos cognitivos, distúrbios de aprendizado, aumento da impulsividade, diminuição da habilidade de regular emoções, provocando ansiedade, depressão e agressividade. Também pode gerar dependência digital, transtornos de alimentação e de imagem corporal, cyberbullying, além de ampliar o risco de abusos sexuais e pedofilia, problemas visuais, miopia, problemas auditivos e de postura.

Hugo Monteiro Ferreira, que é pós-doutor em estudos da criança pela Universidade do Minho, em Portugal, e doutor em educação pela Universidade Fede-

Gustavo Cardial, especialista em segurança digital, acredita que soluções que reprimam, visando a diminuição do uso de telas, não dão certo; o caminho é a educação e a moderação

ral do Rio Grande do Norte (UFRN), esclarece que há uma relação entre o uso abusivo de telas e a ansiedade, causada pelo aumento do cortisol, hormônio do estresse, que repercute na ansiedade e impacta a convivência social. “O uso excessivo das telas, seja num jogo, numa conversa, assistindo vídeos ou navegando pelas redes sociais, causa sensação de bem-estar e prazer, por isso cria dependência. Deixa-se de conviver no coletivo, de ter interlocução e isola-se porque é mais prazeroso viver a experiência das telas.”

O uso excessivo de telas por crianças muitas vezes é empregado como uma distração passiva que apazigua as demandas de atenção e tempo das crianças junto a seus cuidadores. Para Sheylli Caleffi, professora de comunicação e oratória e ativista pela erradicação da violência sexual e online, a sociedade brasileira enxerga a criança como propriedade da família, e não como um sujeito de direito. Sheylli aponta a extrema pobreza e a desigualdade do país como os principais fatores que estimulam o uso excessivo de telas. “Sem rede de apoio, uma mãe solo, por exemplo, para poder cozinhar e realizar suas tarefas em casa, deixa a criança na tela.

Hugo Monteiro Ferreira, pós-doutor em estudos da criança: escola deve dar atenção às questões emocionais, sentimentais e ao processo pedagógico das crianças

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TECNOLOGIAS
Arquivo pessoal Andrea Duarte

Seja a tela da TV ou do celular. Essa mesma mãe sai cedo para trabalhar, leva horas para ir e voltar do trabalho, além das horas de expediente, e quando chega a casa, deixar a criança na tela é uma forma de conseguir executar as demandas, como fazer o jantar e o almoço do dia seguinte.”

SOCIOEMOCIONAL NO PÓDIO

Hugo Monteiro acredita que a saída está na educação socioemocional, deixada em segundo plano, pois a prioridade sempre foi a cognição. “A escola precisa respeitar a criança e o adolescente de forma integral, dar atenção às questões emocionais, sentimentais e ao seu processo pedagógico”, explica.

Autor do livro A geração do quarto - quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar (ed. Record), Hugo defende que a escola construa núcleos de escuta qualificada e acolhedora, sem sentenciamento. É o que ele chama de escuta sensível. A comunicação não violenta é outro braço a ser trabalhado. O autor conta que as escolas da Finlândia apresentaram os melhores resultados em termos cognitivos por meio de um trabalho com perspectivas transdisciplinares. Já no Japão e na Coreia do Sul, relata que, apesar dos resultados positivos pelo Pisa, há muitos jovens que não saem de seus quartos, adoecidos, cuja situação de isolamento já é tida como uma doença. “Investir exclusivamente no aparato cognitivo não funciona para uma vida saudável”, ilustra.

INDEFESOS, QUEM ASSUME O CONTROLE?

Embora as regras para limites no uso das telas e bloqueios de conteúdos inapropriados na internet venham, em geral, de casa, dos pais e mães, da obrigação de exercer o pátrio poder, previsto em lei, a escola é responsável pelos estudantes quando estão dentro do seu espaço. “Toda vez que visito uma escola estimulo que tenha regras de uso dos eletrônicos, tanto dos celulares privados, quanto dos equipamentos da própria escola (tablets e notebooks). Que estabeleçam os momentos permitidos, para que os alunos não se isolem e deixem de interagir com os colegas”, orienta Kelli Angelini, mestra em direito civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC­SP) e advogada atuante na área de direito digital e educação digital. Kelli ressalta a importância do uso de filtros, pois os dispositivos também são usados para acessar conteúdos além das atividades educativas.

“Toda vez que visito uma escola estimulo que tenha regras de uso dos eletrônicos”, conta Kelli Angelini, advogada de direito digital

A extrema pobreza e a desigualdade do país são os principais fatores que impulsionam o uso excessivo de telas, alerta Sheylli Caleffi, ativista pela erradicação da violência online

De acordo com a legislação brasileira, a escola é responsável por zelar pela integridade e pela vida dos estudantes enquanto estiverem em suas dependências. Ou seja, deve agir, por exemplo, quando um aluno passa a sofrer bullying dentro da escola, intimidações repetitivas que causam dor e sofrimento, como empurrões e xingamentos, agressões físicas e verbais, o que leva o bullying para além do muro da escola, para a internet, chamado de cyberbullying, em que as agressões continuam por mensagens, WhatsApp, redes sociais, atingindo um número maior de apoiadores. “Quando a escola é omissa e não trata um caso de bullying, se torna responsável também. De acordo com a legislação do nosso país, quando a escola deixa algo acontecer, por ação ou omissão, se torna responsável, sendo enquadrada pelos tribunais de justiça como serviço defeituoso, quando deveria ter agido na proteção de uma criança ou adolescente”, explica Kelli, membra da Comissão dos Direitos das Crianças e Adolescentes da OAB/SP.

Revista Educação 33
pessoal
Arquivo
Helton Nobrega

Fotos: Divulgação

TECNOLOGIAS DIGITAIS

TECNOLOGIA. PRESENTE E FUTURO, ELA DEVE SER APRENDIDA

Hoje, tudo se faz pela internet. Governos cada vez mais prestam serviços online, sendo alguns apenas neste formato. Há países em que o acesso à internet já é considerado um direito fundamental, garantido na constituição.

“Creio que muito mais do que ter a tecnologia física à disposição, é ter a tecnologia na mente dos professores, que eles não apenas saibam usar, mas que reflitam sobre a tecnologia e preparem os alunos para lidar com ela e utilizá-la para viver em um mundo onde tudo isso é a realidade”, reflete Gustavo Cardial, professor de computação para alunos do ensino médio e da graduação no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC).

Gustavo, que é especialista em segurança na internet e segurança digital, completa: “a internet não é algo paralelo, algo à parte. Isso implica os mesmos direitos, mesmos deveres, as mesmas diversões e os mesmos perigos. Tudo o que existe na vida real, existe na internet”.

A escola que não está inserida nesse mundo tecnológico mostra uma realidade diferente da que a criança e o jovem vivem. No ensino fundamental 1 da Camino School, escola trilíngue, integral e tecnológica, em São Paulo, cada estudante recebe um tablet, que é utilizado diariamente, mais de uma vez ao dia, porém, com o uso controlado pela professora. Já no ensino fundamental 2, cada aluno tem, já incluso na taxa de material, seu próprio laptop, que fica o tempo todo com o aluno, inclusive, podendo levá-lo para casa. Valentino Ruy, coordenador da área de humanidades da

No ensino fundamental 1 da Camino School, escola trilíngue, integral e tecnológica, em São Paulo, cada estudante recebe um tablet, que é utilizado diariamente

escola, enxerga que o desafio que a Camino Shool enfrenta no controle do uso das telas pelos estudantes é igual ao de todas as escolas, desde aquelas com controle mais rígido até aquelas cujos alunos possuem os dispositivos em tempo integral.

“Uma comparação que faço com outras instituições onde trabalhei, muito mais coercitivas e punitivas, é que o professor ficava o tempo todo de olho para ver se o aluno usava o celular e se via algo na internet, para daí vir uma possível punição. Já na Camino School, com a tecnologia à disposição, o objetivo do professor passa a ser outro, o de formar o estudante para diferenciar o momento em que o computador é útil e o momento em que não deve ser utilizado. A tela está presente no momento extraescola, o tempo todo. É papel das famílias e da escola educar e formar os estudantes para distinguir esses momentos. Todo o nosso trabalho vai nesse caminho”, discorre.

INFORMAÇÃO PROTEGE

Existem softwares de controle parental para auxiliar famílias a verificar a navegação dos filhos pela internet, como o Google Family Link. Mas é necessário estabelecer regras de utilização da internet e fiscalizá-las. Em inglês, o termo usado é enforce, que significa forçar tais regras, aplicá-las e monitorá-las, ensina Gustavo.

Para Valentino Ruy, coordenador da Camino School, enquanto a tecnologia disponível possibilita aprender a utilizá-la com segurança e moderação, escolas coercitivas e punitivas perdem tempo vigiando o uso dos celulares

Soluções que reprimem não dão certo. Muitos fatos tornam isso evidente, como o uso das drogas e o sexo entre jovens. O caminho é a educação e a moderação.

“As pessoas complicam a tecnologia e se desesperam frente ao desafio de controlar a internet dos filhos. Mesmo levando em conta suas particularidades, em geral, as bases são as mesmas e os princípios também. Basta olhar para como se controlam tantas outras coisas na vida das crianças e jovens, como diversão, relacionamento, alimentação, amizade, etc. Por que com a tecnologia seria diferente?”, conclui Gustavo.

Revista Educação 34

TRANSFORMAÇÃO

Na sensibilidade também se aprende

Realidade escolar é traduzida nas artes expostas do professor da rede pública Érico Alves de Oliveira

| Por Damaris Silva

A arte tem o poder de transcender fronteiras, conectar pessoas e transformar comunidades, e suas expressões permeiam nossas vidas das mais variadas formas, assim como a escola. Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o componente curricular de arte não se resume a técnicas e estilos, a proposta permeia a formação de cidadãos críticos e reflexivos a partir da interação crítica da comunidade escolar com a complexidade do mundo, por meio da diversidade cultural e das mais variadas expressões artísticas.

Nesse cenário, Érico Alves de Oliveira, artista visual, pintor, ilustrador e arte-educador, nos mostra que essa perspectiva é possível e necessária. Em seu percurso pessoal e profissional, Érico vê na arte um espaço para profundas elaborações críticas. Seus projetos perpassam sempre aspectos artísticos e olhares sensíveis da comunidade, como a proposta de um Museu Comunitário, em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, que culminou em uma mostra com cenas do bairro, trazendo suas histórias e lembranças da comunidade para fazer parte da exposição.

Também professor da rede pública de ensino, o artista tem sua produção refletida numa visão crítica da realidade escolar e da educação brasileira como um todo, aliás, um tema que traduz as inquietações vividas em sua própria experiência profissional como educador. Sua exposição intitulada Escolas é um retrato corajoso e provocativo que desafia as convenções e nos convida a repensar o papel da escola em nossa sociedade. A série traz à tona questões importantes relacionadas à vigilância, à punição e ao excesso de regras presentes nesse espaço. Trata-se de uma imersão na complexidade das unidades educacionais, em que Érico utiliza cores e formas marcantes para transmitir sentimentos e sensações que muitas vezes são difíceis de expressar

apenas com palavras. Cada tela é um convite para reflexão, revelando histórias silenciadas e conflitos ocultos que podem ocorrer no dia a dia escolar. As obras já foram expostas na Câmara Municipal de São Paulo, na exposição Educarte, e em outros aparelhos culturais. Por vezes, nos deixamos levar pelo caráter periférico da arte em nossos currículos escolares, subjugando a relevância desse componente curricular nas escolas. Só que essa experiência nos mostra como o fomento à diversidade e expressões artísticas podem ser ferramentas poderosas de aprendizado e desenvolvimento, não só de estudantes, como de educadores e do diálogo com seus pares, das suas relações com o espaço e com toda a comunidade.

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Divulgação
Fotos:
Damaris Silva mestre em letras e especialista em gestão escolar

Países da Europa banem uso de celular nas escolas

Na França, medida existe desde 2018. Conversamos com duas educadoras que apresentam como o tema é colocado no dia a dia escolar daqui

| Por Luciana Alvarez

AHolanda está prestes a proibir o uso de celulares em escolas de todo o seu território.

A medida entra em vigor em 1º de janeiro e vai abranger até o final da etapa equivalente ao ensino fundamental, com exceção em aulas específicas de tecnologia e para assistência a estudantes com deficiências.

No momento não estão previstas punições, mas o Ministério da Educação vai avaliar a efetividade depois de seis meses e pode, então, determinar sanções em caso de descumprimento.

A principal intenção holandesa é aumentar o aprendizado. “Estudantes precisam se concentrar e devem ter a oportunidade de estudar bem. Celulares são uma perturbação, mostram pesquisas científicas. Precisamos proteger os alunos”, afirmou Robbert Dijkgraaf, ministro da Educação ao anunciar a medida.

E A AUTONOMIA DA ESCOLA?

A iniciativa não é única na Europa. Uma semana antes da Holanda, o governo da Finlândia havia comunicado uma medida semelhante, mas lá ainda falta aprovar a norma no parlamento. Desde 2018, a França adotou a proibição na mesma linha. À época, a lei francesa foi justificada como uma ‘medida de desintoxicação’ contra a distração nas salas de aula. O texto francês, contudo, permite exceções ‘para uso pedagógico’, decididas por cada escola.

Na Itália, a situação com os dispositivos móveis tem idas e vindas. Em 2007, uma norma do Ministério da Educação os proibiu. Em 2018, numa inversão da lógica restritiva, foram lançadas diretrizes para o uso consciente dos celulares na educação. Contudo, em dezembro do ano passado, o atual ministro enviou uma circular a todas as instituições de ensino lembrando que a proibição de 2007 continua válida e pedindo que façam valer a medida antiga.

A disputa com os eletrônicos é um desafio para os professores. Contudo, Melanie Mangels Guerra, diretora da Faculdade Rudolf Steiner, lembra: “A escola pode ser um espaço absurdamente interessante”

A Escola Bosque, SP, é tida como modelo de tecnologias digitais. A diretora Silvia Scuracchio conta que, pela gama de distrações presentes no celular, outros dispositivos são priorizados

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Fotos: Divulgação

Ainda que as restrições desagradem os adolescentes, as famílias europeias, de forma geral, parecem apoiar o banimento dos aparelhos. Em Portugal, onde não há nenhuma norma centralizada a respeito do tema, a iniciativa partiu da sociedade. Uma petição pública iniciada no primeiro semestre deste ano tem recolhido milhares de assinaturas de pais pedindo que o Ministério da Educação proíba os celulares nos recreios, para incentivar que as crianças se socializem cara a cara.

BNCC PEDE DIÁLOGO COM O DIGITAL

Educadores brasileiros, embora conscientes dos perigos do uso indiscriminado dos celulares dentro das escolas, defendem que uma proibição generalizada não seria a resposta ideal para o problema no país. Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a competência seis, que trata da cultura digital, diz que os estudantes devem compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação. Na realidade do Brasil, nenhuma outra tecnologia digital está tão disseminada como o celular.

Em escolas de vanguarda no uso pedagógico de tecnologias digitais, os celulares são vistos com muitos senões. Outros tipos de aparelhos são melhores para o aprendizado, defende Silvia Scuracchio, diretora da escola Bosque, em São Paulo, considerada uma showcase school (modelo) pela Microsoft. “Temos como primeira opção fornecer os devices, já configurados de forma apropriada. O celular tem uma gama imensa de distrações”, afirma ela.

E NAS ESCOLAS WALDORF?

Até especialistas em pedagogia Waldorf, uma linha que costuma dar pouco espaço para tecnologias digitais entre suas estratégias educativas, acreditam que banir o celular seja improdutivo, pois pode torná-lo um fetiche. “Proibir nunca é legal. Com os pequenos, a gente conversa com os pais. Mesmo com os mais velhos, é possível fazer acordos. Eles vão contestar, vão infringir — e tudo bem. Mas o trabalho tem que ser pela conversa”, aconselha Melanie Mangels Guerra, diretora da Faculdade Rudolf Steiner.

Mas, num mundo onde há tantas tecnologias em toda parte, Melanie defende que a escola pode aproveitar para explorar outros aspectos da realidade. “Acho que é um desafio interessante para o professor fazer um ensino de tal maneira que consiga afastar um pouco os eletrônicos. A escola pode ser um espaço absurdamente interessante, onde a gente trabalhe a condição humana, relação entre os alunos no 3D e ao vivo”, defende.

“Estudantes precisam se concentrar e devem ter a oportunidade de estudar bem.
Celulares são uma perturbação, mostram pesquisas científicas”, anunciou Robbert Dijkgraaf, ministro da Educação na Holanda

Muitas vezes, o estudante pode até pegar seu telefone para buscar alguma informação pertinente, mas com todos os aplicativos pessoais, vai receber também uma série de notificações tentadoras de assuntos alheios ao contexto escolar, explica Silvia. Mas nada disso descarta o fato de que, em algumas situações, ele pode ser muito útil. “A gente gamificou uma visita ao zoológico: cada um tinha que responder questões pelo caminho, usando a geolocalização. O celular tinha um objetivo”, exemplifica Silvia.

Adriana Martinelli, diretora de conteúdo do congresso Bett Brasil, evento que tem o foco em tecnologias para instituições de ensino, vê que toda a discussão em torno do tema é uma forma de encontrar um bode expiatório para um problema mais profundo da escola: a dificuldade em despertar o interesse dos mais novos.

“Proibir pode ser uma resposta emergencial para o outro extremo, que é o uso indiscriminado. Mas é só um paliativo. O que a gente precisa é garantir o engajamento do estudante no processo de aprendizagem”, diz.

A melhor resposta? Talvez seja levar o problema aos estudantes. “Se a gente quer mudar a cultura, para ter um processo de desenvolvimento de autonomia e pensamento crítico, a proibição não faz sentido porque priva de pensarem em soluções. Uma escola deveria se colocar na postura de não ter todas as respostas, poder testar, experimentar e descobrir caminhos”, orienta Adriana.

Revista Educação 37 Envato Elements

PROFESSORES INDÍGENAS

Entre preconceito e descaso, a vontade de aprender

Às margens do rio Xingu, aldeia do povo Mẽbêngôkre é palco para a elaboração de material paradidático na língua tradicional. Comprometidos, eles aproveitam as raras oportunidades educacionais

enviada especial, aldeia piaraçu, MT

Kremaiti Kaiapó nasceu em uma das aldeias afetadas pela hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Aos quatro anos teve que mudar de aldeia. Hoje, com filhos e casado com a segunda cacica da aldeia Baú, em Altamira, mesmo com invasões de garimpeiros, pescadores e madeireiros, se dedica à proteção do território de seu povo e na preservação da sabedoria ancestral. O povo Kayapó se autodenomina Mẽbêngôkre (aqueles que vieram do buraco/lugar d’água), e também vive na floresta amazônica do norte do Mato Grosso. A sede de aprender é maior que os obstáculos que chegam a Kremaiti, tanto que percorreu mais de 24 horas até chegar à aldeia Piaraçu, localizada na Terra Indígena Capoto/ Jarina, às margens do rio Xingu, em Peixoto de Azevedo, MT, e que cedeu espaço para a realização de uma oficina de elaboração de material paradidático na língua tradicional Mẽbêngôkre.

Kremaiti foi um dos 30 participantes indígenas. “Fiquei muito contente com essa atividade. Para nós é importante porque se não fizermos [o livro], nossos filhos, netos, e crianças que ainda vão nascer não vão mais falar a língua Kayapó, vão esquecer a dança tradicional, a pintura corporal”, diz.

Professores de quatro terras indígenas: Baú, Kayapó (localizadas no Pará), Mẽkrãgnotire (uma parte no Pará e outra MT) e Capoto/Jarina (MT) passaram cerca de 10 dias na oficina realizada pelo Tradição e Fu-

turo na Amazônia, projeto patrocinado pelo Programa Petrobras Socioambiental, gerido pelo Funbio (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade) e tendo como parceiros o Instituto Raoni, Instituto Kabu e a Associação Floresta Protegida. O material será distribuído para as escolas indígenas atendidas pelo projeto. “A produção dessa cartilha na língua Kayapó materializa o objetivo do projeto de reunir tradição e futuro e deixar um legado para as próximas gerações para além dos saberes passados oralmente”, pontua Dante Novaes, gerente do projeto Tradição e Futuro na Amazônia, no Funbio.

TERRITÓRIO, A BASE

Um livro educativo elaborado por indígenas e escrito na língua tradicional não é exclusivo para o professor e o estudante. É valorizado por toda a aldeia, das crianças aos anciões, pois fortalece a preservação da cultura e identidade indígena. A exaltação de um material como esse pela comunidade também ocorre por um descaso dos órgãos públicos de todas as regiões do país: as 304 etnias brasileiras não possuem políticas públicas ativas que financiem e organizem a construção de materiais didáticos feitos por indígenas e na língua tradicional — no Brasil são mais de 200 línguas —, além disso, formação de magistério e continuada também estão fragilizadas. São direitos colocados em leis como a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a resolução CNE/CEB n° 5, de 22 de junho de 2012, mas ainda negados.

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Participantes da oficina junto das coordenadoras

Bimba e Maria Eliza, da representante do Instituto Raoni, Mayalú Txucarramãe e de Gabriella Furtado, do Funbio. Ajoelhado, de bermuda, Kremaiti

“Essas oficinas têm que continuar, tem que ter mais. Porque ainda há muita coisa para os professores escreverem na língua”, avalia Megaron Txucarramãe, liderança reconhecida internacionalmente

Durante a oficina, coincidiu que representantes da Secretaria de Educação do MT estivessem na aldeia Piaraçu para a atualização do Projeto Político-Pedagógico (PPP). Na reunião a qual a repórter acompanhou, lideranças reivindicaram material na língua tradicional. A Secretaria alegou que tal pedido deve passar pelo Ministério da Educação.

A atividade na aldeia Piaraçu também foi momento de formação continuada dos professores indígenas. Por exemplo, os participantes aproveitaram para definir regras da grafia da língua materna, já que pela dimensão dos territórios é comum encontrar diferenças no uso da língua, refletiram sobre os impactos ambientais e sociais em seus territórios e relembraram atividades que podem fazer com seus estudantes, como cruzadinhas e caça-palavras.

“É muito bom ter escrita na nossa língua porque conta a nossa história, dos antigos, de grandes líderes e caciques, do rio, floresta, demarcação de terra, como demarcou, por que demarcou a terra. Essas oficinas têm que continuar, tem que ter mais. Porque ainda há muita coisa para os professores escreverem na língua”, afirma Megaron Txucarramãe, liderança Mẽbêngôkre reconhecida internacionalmente e que participou da atividade como representante técnico. Mega, inclusive, foi o primeiro indígena a assumir o cargo de diretor indígena do Parque Indígena do Xingu, em 1984. Também esteve à frente de conquistas para o seu povo, como a construção de escola e formação de professor.

Entre os destaques do livro produzido na oficina está a importância do território indígena e tudo o que ele propicia. Desenhos e textos na língua foram produzidos à mão pelos participantes.

A coordenação da oficina e do material ficou por conta de Maria Cristina Troncarelli, conhecida como Bimba, e Maria Eliza Leite, que atuam com educação indígena desde os anos 80, tanto que são fluentes na língua Mẽbêngôkre. “A gente percebe que são poucas as oportunidades de elaborar o material didático, de conseguir sua impressão e de que os alunos recebam esse material. Então esse material é prioritário, uma vez que a escola indígena deve ser diferenciada e específica; ela deve trabalhar com a língua materna do aluno”, defende Bimba. Paulista, quando Maria Eliza chegou às aldeias Mẽbêngôkre, poucos falavam português. “Megaron e Raoni lutaram na ditadura pela demarcação. Exigiram que a educação chegasse às aldeias, de início, para aprenderem português e o funcionamento da política brasileira.”

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Fotos: Laura Rachid

PROFESSORES INDÍGENAS

DIREITOS DEVEM SER VIABILIZADOS

Ainda hoje, o mais comum é ouvir de indígenas de diferentes povos que o objetivo da qualificação educacional é o de adquirir conhecimento para fortalecer a luta de seu povo. Morador na Piaraçu, Kokokroriti Metuktire também participou da oficina. Ele faz graduação intercultural indígena na Universidade de Goiás, cuja modalidade é modular, sendo a maior parte do tempo na aldeia. “Nós, indígenas, precisamos nos preparar, ensinar sobre os dois mundos. Trazer conhecimento vai facilitar para o meu povo conhecer a lei. Quero me formar para intermediar e apoiar o meu povo.”

Na aldeia Piaraçu, a escola indígena estadual tem indígena em todos os cargos, de diretor, coordenador/articulador a professor — uma ‘vitória’ ao comparar com outros estados. “A escola indígena foi uma conquista. Tem que ter professor indígena para atuar pela comunidade”, afirma Tàkàktum Metyktire, docente na escola estadual da Piaraçu e formado em ciências sociais pela Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat).

Por falta de apoio, as formações para professor Mẽbêngôkre nas quais Bimba e Eliza atuam não ocorrem como antes. Ao longo do tempo, foram produzidos na língua materna e no português materiais, por exemplo, de alfabetização, português, matemática, ciências e saúde e um atlas das terras indígenas. Mas os impressos são poucos e se esgotam.

Patkore Metuktire tem magistério e é diretor da Escola Municipal Roikore. Foi escolhido pela comunidade

e seu cargo será encerrado ano que vem. “Queremos mais formação. Queremos estudar mais para fortalecer a nossa cultura.”

Com sete filhos, Ngreiku-Eti é uma das poucas mulheres professoras indígenas da região, contudo, não leciona mais, mas esteve na oficina. Desenhou alguns grafismos tradicionais, sendo que um deles foi escolhido pelos participantes para ser uma das quatro capas do livro. Fez formação nos anos 2000. “Quis ser professora para falar português. Eu gosto de estudar e ensinar.”

Há 24 anos na educação, o professor Bepnhi Mekragnoti, da Terra Indígena Mẽkrãgnotire, chamou atenção na oficina por conta de uma de suas habilidades, é um artista. “Gosto de combinar desenho com a escrita e de colocar a cultura do meu povo no papel. Já fiz três livros com desenho e tradução: sobre lixo, doenças transmissoras e história do território.”

Vitória que vira e mexe tentam tirar é o Departamento Indígena da Secretaria de Educação e Cultura Municipal de Peixoto de Azevedo, MT, e cujo atual coordenador é o Kremoro Metuktire, escolhido em 2021 pela comunidade. “O aluno tem que aprender a cultura. Tem que saber o mês em que se limpa a roça e acompanhar. Em nossas festas as crianças também aprendem, só que ainda temos dificuldade de aceitaram a nossa escola diferenciada”, alerta Kremoro, formado em ciências sociais pela Universidade Intercultural Indígena.

*A repórter viajou à aldeia Piaraçu, MT, a convite do Funbio

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De saia amarela listrada, Ngreiku-Eti, uma das poucas mulheres professoras indígenas da região. Seu grafismo foi escolhido para ser uma das quatro capas do livro “Gosto de combinar desenho com a escrita”, conta o professor Bepnhi Menkragnoti Fotos: Laura Rachid
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PROFESSORES INDÍGENAS

Opinião

Só recebi carinho

Aldeias, berços de histórias vivas, ensinam que há diferentes formas de ver e estar no mundo, sendo preciso apenas respeitar os modos de vida de cada povo. É pedir muito?

Mais uma vez a floresta amazônica soprou e abriu caminhos para eu fazer uma das coisas que mais amo: vivenciar o Brasil profundo dos povos indígenas, dessa vez com os Mẽbêngôkre. Em maio, passei nove dias na Terra Indígena Capoto/Jarina, no Mato Grosso, somando mais um dia de ida e outro de volta (avião e transporte terrestre). Me banhei no rio Xingu e voltei a São Paulo agradecida por novamente ter a oportunidade de sentir e aprender sobre a história dos Brasis por olhares que não o eurocêntrico dominador.

Mas também saí de lá triste pelo descaso sempre presente na vida dos povos indígenas (os dias em que lá estive coincidiram com a retirada da demarcação de terras do Ministério dos Povos Indígenas e com a antecipação de votação do Marco Temporal).

Os povos indígenas estão encurralados e resistem diante do mundo capitalista que enxerga tudo e todos como mercadoria. Fora da aldeia, mais de oito horas de estrada com a natureza traduzida em monocultura: soja e mais soja, provavelmente de um único dono ou grupo. Passei por Sinop e Peixoto de Azevedo, cidades marcadas pela soja e o garimpo — uma delas possui um monumento homenageando o garimpeiro (sim, o garimpo que por conta do mercúrio mata o rio e causa problemas neurológicos, principalmente nos bebês).

ANCESTRALIDADE DO PASSADO, PRESENTE E FUTURO

Ganhei muitos presentes na aldeia. Entre eles, presenciei momentos da ‘festa do homem’, que aconteceu entre maio e agosto deste ano. Em determinados perío-

dos do dia, os indígenas se reúnem na ngà (casa dos homens localizada no centro da aldeia), cantam na língua tradicional e saem dançando em fila no terreiro em movimentos geométricos. Nisso, as mulheres e crianças chegam para dançar junto deles. Lindas, pintadas e cheias de adornos. Em um dos dias também dancei.

Dura meses, eles ensaiam para o grande dia, mas o próprio ensaio já é tido como festa. A festa é carregada de significados que não consigo explicar neste curto espaço, mas há o dono da festa, o momento de caçar e pescar, batismo, pintura corporal, construção dos adornos e o preparo da comida tradicional no forno de barro, como o berarubu. Esses momentos também compõem a educação tradicional indígena, que é repassar o seu modo de vida para os mais novos manterem. Contudo, ainda é uma luta o sistema escolar brasileiro reconhecer essas festas como períodos de aprendizagem.

Pra mim, um dos momentos mais emocionantes foi a ‘apresentação’ do primeiro filho de um casal à comunidade. Pintados de jenipapo e segurando um pau da árvore buriti, o pai e parte de seus parentes meninos se apresentaram no centro da aldeia. Já a mãe com o bebê no colo e junto das outras meninas de sua família apareceram andando em fila do outro lado. Diante de etnocídios e retrocessos, me toca um rito tão antigo como esse ainda estar vivo.

Quanto mais conheço os povos indígenas, mais admiro. Só recebi carinho. Mejkumrej.

*Laura Rachid é jornalista, editora na revista Educação e há oito anos mergulha nos universos dos povos indígenas. Sua família materna é de comunidade tradicional fundo e fecho de pasto, no sertão baiano

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Da esq. para a dir.: Yapi Metyktire, Txokre e Laura Rachid
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‘Festa do homem’ acontece entre maio e agosto Comida tradicional feita de forma coletiva para a festa Grafismo com jenipapo e urucum, adornos coloridos e o corte de cabelo das mulheres são características dos Mẽbêngôkre Entre crianças e adultos, a língua tradicional predomina Bedjai Txucarramãe, liderança, acompanhou parte da oficina: “tem pintura dos mais velhos e pintura para os mais novos”. Sentados, Bàkakô e Takatum Fotos: Laura Rachid

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JOVENS COMUNICADORES

Aprendizagem por meio de agências de notícias

escolares

Há 18 anos o programa Imprensa Jovem fomenta a criação de canais de comunicação em escolas municipais de SP. Com isso, abre oportunidades para reinventar as aprendizagens

| Por Leticia Scudeiro

Com muitos casos de estudantes apresentando dificuldades de aprendizagem, o CEU EMEF Professor Paulo Gonçalo dos Santos, em Balneário São Francisco, SP, criou em 2012 um projeto para que esses alunos tivessem uma nova metodologia de aprendizagem. A proposta da professora Lucimara Gabriel faz parte do programa Imprensa Jovem, da Secretaria Municipal de São Paulo, que oferece às escolas a oportunidade de criar suas próprias agências de notícias e em qualquer formato: rádio, jornal, TV, ou até mesmo redes sociais.

Com os estudantes no papel de repórteres para a Agência de Notícias Planeta CEU — nome dado pela escola —, eles ampliaram seus conhecimentos e trabalharam com suas dificuldades por outra perspectiva. “Os alunos deram significado real a tudo que liam, pesquisavam e escreviam”, comenta Lucimara. “À medida que eles se apropriam de novos conhecimentos e habilidades, tornam-se multiplicadores de saberes. Isso reflete diretamente na melhora e superação da indisciplina, ajuda no desenvolvimento da autonomia e responsabilidade. Quando o estudante veste o colete do Imprensa Jovem é nítida a mudança de postura”, acrescenta.

Segundo a professora Lucimara, a escola não utiliza o termo ‘recuperação’, o espaço voltado para o aluno é nomeado como Imprensa Jovem e Rádio Escolar, como uma forma de incentivá-los e gerar identificação com o grupo da agência de notícias. Isso desperta nos jovens vontade de participar do projeto — que ainda conta com a participação voluntária de estudantes não identificados para a recuperação.

Em 2022, um dos trabalhos foi o desenvolvimento do seminário Mulheres protagonistas do CEU, em parceria com os professores de história e geografia, e o projeto de dança cigana, voltado à valorização das mulheres do colégio que muitas vezes não estão em destaque, como professoras, cozinheiras, profissionais da limpeza e mães.

PROGRAMA IMPRENSA JOVEM

Esse é apenas um dos projetos desenvolvidos pelo Imprensa Jovem. Criado em 2005 em uma escola da rede pública, ganhou força no ano seguinte, quando passou a fazer parte da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, sob a responsabilidade do Núcleo de Educomunicação. O objetivo é fomentar canais de comunicação da escola com a comunidade. Atualmente, com 18 anos de história, fazem parte do programa quase 300 escolas públicas e, apesar de ainda não ter nenhuma adesão, ele também é aberto para as escolas particulares.

O programa pode ser implementado em todos os níveis da educação básica, com estudantes a partir dos

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Fotos: Arquivo pessoal “O Imprensa Jovem foi um catalisador para o nosso desenvolvimento pessoal, profissional e acadêmico”, afirmam as estudantes Ayla e Winnie

No CEU EMEF Professor Paulo

dos Santos, a iniciativa apoia estudantes com dificuldades de aprendizagem que seriam levados para a recuperação tradicional

três anos. Está presente em algumas escolas de educação para jovens e adultos (EJA), escolas indígenas e escolas para surdos. “É um projeto customizável. Toda escola pode começar da maneira que quiser, como quiser e pela mídia adequada. Temos programas de rádio que se tornaram agências de notícias da Imprensa Jovem, projetos de jornal, redes sociais e, inclusive, um projeto de jornal mural”, esclarece Carlos Lima, coordenador do Núcleo de Educomunicação de São Paulo e coordenador do Imprensa Jovem.

Cada escola possui uma agência de notícias e projetos individuais e o Núcleo de Educomunicação às vezes realiza trabalhos em conjunto, por exemplo, campanhas contra fake news que englobam mais de uma escola. Além disso, todos os estudantes que fazem parte do programa também recebem acesso a diversos eventos para a realização de matérias e coberturas.

FORMAÇÃO DOS EDUCADORES

Como o projeto dá autonomia para as escolas, o Núcleo de Educomunicação oferece para professores e estudantes cursos preparatórios para a implementação do programa e cursos específicos realizados por especialistas contratados da área de educomunicação, como fotogra-

fia, direitos autorais, STEAM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática), entre outros. A implementação do programa é feita com os estudantes e conta com exercícios práticos. Pode participar qualquer professor que já tenha o programa na sua escola, seja para aquele que deseja implementar ou apenas conhecer.

“Tivemos uma experiência de professoras da educação infantil que têm crianças de um a dois anos que não viam viabilidade de participar [uma vez que o projeto tem que ser feito com o aluno]. Então oferecemos a oportunidade de elas trabalharem com as famílias no desenvolvimento de projetos, porque a educação infantil também pode ter uma agência de notícias para poder melhorar sua comunicação”, ressalta Carlos.

EXPERIÊNCIA DE ESTUDANTES

Ayla Júlia Ferreira dos Santos e Winnie Stefany Alves da Silva desenvolveram em 2020, período da pandemia, quando estudavam na EMEF Professora Anna Silveira Pedreira, localizada no Jardim Novo Santo Amaro, um projeto de tutoriais e amparo acadêmico sobre o uso do Google Sala de Aula por meio de vídeos divulgados no YouTube da escola. “Voltamos o projeto à produção midiática e ao engajamento estudantil para a resolução de um problema que acreditávamos afetar apenas nosso entorno, mas muitos feedbacks positivos chegaram de diversas escolas, que adotaram os tutoriais como uma importante ferramenta no acolhimento das dúvidas dos discentes”, contam as jovens.

“O Imprensa Jovem foi um catalisador para o nosso desenvolvimento pessoal, profissional e acadêmico. Atualmente, cursamos o terceiro ano do ensino médio em Desenvolvimento de Sistemas [na ETEC Jardim Ângela] e nosso Trabalho de Conclusão de Curso é a criação de uma rede social digital focada em conectar estudantes às oportunidades de crescimento pessoal, profissional e acadêmico. A essência do Imprensa Jovem reverberou em nossas vidas com tamanha força que nos fez ter vontade de retribuir o que um dia nos foi apresentado, além do conhecimento inestimável adquirido durante toda a atuação no projeto”, reconhecem as jovens Ayla e Winnie.

Revista Educação 47
Carlos Lima, coordenador do Núcleo de Educomunicação e idealizador do programa Imprensa Jovem Gonçalo
Fotos: Divulgação
Projeto atende quase 300 escolas da rede municipal de SP

Quando o professor assume a postura de pesquisador

Para documentar o desenvolvimento das crianças, os educadores devem observar e anotar tudo o que acontece na escola. Além de mostrar os resultados do projeto pedagógico, o processo também ajuda os docentes a crescer profissionalmente. Quanto mais conhecem suas práticas, mais têm condições de aprimorá-la

| Por Cristiane Marango da revista Educação Infantil*

Médicos que não anotam os sintomas e hábitos de seus pacientes não conseguem fazer um bom trabalho. O mesmo acontece com os advogados. Se esses profissionais não tomam nota de cada detalhe mencionado por seus clientes e não pesquisam quais são os amparos legais, não é possível bem representá-los em um tribunal, por exemplo. O que dizer então de um professor que não guarda registros de seu próprio trabalho e dos avanços de seus alunos? Seguramente, assim como em outras carreiras, ele não será um bom profissional.

Os benefícios que envolvem a prática são inúmeros. Com a documentação do que é feito em sala de aula, o educador consegue avaliar o quanto uma criança aprendeu sobre determinado conteúdo. Também é possível entender o que fazer para que ela se desenvolva ainda mais. Isso, sem contar a facilidade para

É importante que, durante os registros, o professor se reconheça como parte integrante da aprendizagem em parceria com sua turma

EDUCAÇÃO INFANTIL
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compartilhar os resultados de todo o processo educativo com a família. “O professor que registra a sua prática cria espaços e instrumentos de reflexão e investigação da ação educativa, colocando-se como aprendiz, protagonista em parceria com os meninos e as meninas do grupo em que atua, assim como sujeito ativo dos processos de experimentações e descobertas”, explica Marilia Dourado, diretora executiva da Esse Consultoria, representante nacional da Red Solare Brasil e membro do Network International da Reggio Children.

FORMULANDO HIPÓTESES

É importante que, durante os registros, o professor se reconheça como parte integrante da aprendizagem em parceria com sua turma. “Ao atuar dessa maneira, assume-se uma prática mais consistente e geradora de novas aprendizagens, compreendendo também a si mesmo com mais profundidade, formulando hipóteses acerca da própria atuação profissional, buscando compreender as teorias intuitivas e originais formuladas pelas crianças e a realidade em que se está inserido”, pontua Marilia. “O registro, nessa perspectiva, é instrumento de comunicação, de apoio à memória e recurso para aprofundamento das aprendizagens. Portanto, é uma forte base para o desenvolvimento profissional”, acrescenta.

INVESTIGAÇÃO

MODELO ITALIANO

Documentar não é algo simples. É preciso que o professor adote uma postura de pesquisador para anotar sempre tudo o que faz e observa. Durante esse processo, surgirão perguntas, pesquisas, estudos, observações, reflexões, discussões e interpretações ao longo do trabalho. É, portanto, um jeito de investir na própria formação. O resultado da documentação pode ser exposto em diversos suportes, como murais, paredes da escola, cadernos e pastas. A função da exposição é comunicar o trajeto de determinada aprendizagem e auxiliar os demais profissionais na construção da memória pedagógica.

Com os registros incorporados à rotina escolar, ganham as crianças, que têm acesso a uma ação pedagógica com mais qualidade, e os professores, que refletem sobre a própria prática e buscam caminhos para aperfeiçoar o trabalho realizado e reforçar as ações bem-sucedidas.

Nas escolas de Reggio Emilia, na Itália, a documentação é considerada a alma da educação, pois é por meio dessa prática que é possível comunicar ideias, crenças, valores, imagem da criança e dos seus processos de aprendizagem. “O processo de documentação é importante porque a prática educativa é transformadora. Não basta registrar tudo se a criança não é reconhecida nas suas enormes potencialidades, como um ser competente, ativo, crítico, produtor de conhecimento, de cultura, de valores e de direitos, sujeito que formula ideias fantásticas sobre o mundo e tem teorias ricas e valiosas para explicá-las. Isso precisa ser documentado”, explica Marilia Dourado. Para ela, não se trata apenas de documentar algo para apoiar a memória escolar. Ela considera também a prospecção, pois dá forma a futuros processos de aprendizagem. Dessa maneira, o registro se converte em memória viva e visível dos processos compartilhados com as crianças. A memória passa a ser conhecida, porque é pública e compartilhada com toda a comunidade escolar, que passa a ser também uma comunidade de aprendizagem. ”As famílias também aprendem sobre o que as crianças pensam, seus sentimentos, suas atitudes, e isso gera reflexões e novas aprendizagens. E, por fim, os professores recém-contratados têm acesso à história da instituição e à dos alunos e podem, com isso, formular perguntas, esclarecer dúvidas e compartilhar suas inquietações. Como consequência, também aprendem.”

Muitas vezes, as documentações não são expostas nas paredes das escolas. Elas estão em pastas, chama-

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EDUCAÇÃO INFANTIL

das portfólios, em apresentações para as famílias, como registro para acompanhar o processo, como estratégia para os professores identificarem o que, como e quando fazer, intervir, provocar, convocar e mobilizar, acrescenta a consultora. “A documentação é uma maneira de tornar visível para as crianças como elas aprendem. De posse desse processo, elas identificam quais estratégias foram efetivas para alcançar o conhecimento.”

AQUI, TODOS REGISTRAM

No Colégio Marupiara, em São Paulo, as anotações fazem parte não só do dia a dia dos profissionais. Elas também estão e são fundamentais no trabalho dos pequenos. O registro do professor só é possível porque as crianças são ensinadas a registrarem os significados de suas aprendizagens. Tudo começa com o planejamento. Nele, determinam-se quais aspectos os docentes vão observar na turma. Podem ser noções, funções do pensamento, comportamentos sociais e comportamentos de aprendizagem. Isso é feito por dia letivo, ou seja, todos os dias há um novo ponto de observação. Esse planejamento é discutido em reunião pedagógica e modelado até alcançar o formato ideal.

Vale destacar que na educação infantil e no primeiro ano do ensino fundamental, o foco de trabalho é a leitura e a escrita. A escola sempre elabora um projeto tendo como base um livro de literatura de diferentes gêneros, amarrando todos os conteúdos, inclusive os das outras áreas, nesse mesmo projeto. Durante os momentos de registro, a coordenadora pedagógi-

O resultado da documentação pode ser exposto em murais, paredes da escola, cadernos e pastas. A função é comunicar o trajeto da aprendizagem e auxiliar na construção da memória pedagógica

ca deixa sua equipe bastante à vontade; o importante mesmo é cada profissional saber o que vai observar. Durante o projeto, a coordenadora pedagógica se reúne com seus professores para saber sobre o andamento dos trabalhos, tentando sempre resgatar com eles o compromisso ao qual se propuseram no planejamento. Ela também assiste às aulas para saber como as crianças estão sendo motivadas. Enquanto isso, os professores seguem registrando, e as crianças, aprendendo e, mais importante, registrando os significados de suas aprendizagens. Sem o registro, o professor pode não conseguir ter clareza de quais ações são efetivas e quais não estão atingindo as crianças.

Ao fim de cada trimestre, os professores reúnem suas anotações e compõem um relatório de cada criança, que é entregue aos pais ou responsáveis no dia da reunião. A coordenação da escola garante que o documento reflete não só as aprendizagens dos pequenos, mas também suas principais características, o que confere a ele credibilidade. Assim, as famílias conseguem enxergar seus filhos quando leem o relatório e percebem com clareza quais são seus avanços e onde estão suas dificuldades. Além disso, de posse de todos os registros, o professor é capaz de fazer uma avaliação geral e individual de seu grupo, ao mesmo tempo que identifica onde precisa melhorar suas estratégias de ensino. Tudo isso só é possível graças ao trabalho diário de observação docente.

* Matéria publicada originalmente na edição 4, de 2018, da revista Educação Infantil

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FUTURO DA ESCOLA

Sesc Escola Horto, Mato Grosso do Sul

Tecnologia digital que aproxima o estudante do professor

Ao aliar conteúdo com ferramentas digitais, escola nota maior interesse dos jovens nas aulas. O mesmo é observado em atividades maker, que trazem a teoria para a prática

Adaptar-se às mudanças que surgem na educação é uma prática que as escolas procuram seguir. No Sesc Escola Horto, em Mato Grosso do Sul, as ferramentas tecnológicas digitais vêm sendo incorporadas gradualmente há cerca de oito anos. Inclusive, em 2023, as turmas do 7º e 9º ano incorporaram material 100% digital.

Para Regina Ferro, diretora regional do Sesc-MS, incorporar a tecnologia na sala de aula aproxima o estudante do professor, uma vez que ela desperta interesse pelo conteúdo trabalhado. “Antes os alunos viam a escola como um lugar chato. Agora eles passam a ver a escola de outro jeito e mudam a forma de participar da aula. Então para a gente [utilizar a tecnologia em sala] tem sido

um grande aprendizado, mas um aprendizado com muita consciência e responsabilidade”, defende Regina.

FERRAMENTA DE GESTÃO

A Escola Horto possui 1.600 estudantes, 150 professores e atua em todos os níveis da educação básica, trabalhando com as ferramentas digitais (como uso de tablets e plataformas educacionais) desde a educação infantil. Mas, para os professores, ter um controle sobre como o estudante está utilizando a tecnologia ainda é um desafio. De acordo com Regina, a escola possui ferramenta de gestão em sala de aula, que possibilita monitoramento em tempo real, ou seja, diagnosticar se os estudantes estão fazendo as atividades ou se utilizam a ferramenta para outro propósito.

Na Escola Horto, os estudantes utilizam ferramentas digitais desde a educação infantil

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“Antigamente, a gente achava que controlava tudo, mas às vezes só o relator do grupo que fazia [determinado trabalho]. Agora não, cada um faz uma contribuição e o professor consegue ver no texto a digitalização de várias pessoas”, comenta Regina.

Com a ferramenta de gestão em sala de aula também é possível observar se o estudante está online fazendo o conteúdo, por exemplo, observando quanto tempo ele fica em determinada aba ou em determinada atividade. Além disso, a utilização de ferramentas digitais em sala de aula possibilita ao professor realizar avaliações de formas criativas. “O professor pode fazer, por exemplo, uma nuvem de palavras do conteúdo dado naquela aula e medir o nível de aprendizagem por meio do número de palavras que colocaram, ficando mais evidente onde estão as dúvidas”, explica Regina.

O uso das ferramentas digitais, segundo a diretora, ainda ajuda a criar um vínculo e aproximar as famílias da escola. Atuando em período regular, os estudantes levam o equipamento (tablet ou chromebook) para a realização de exercícios complementares em casa. Com isso, os pais se aproximam do conteúdo que as crianças e os jovens estão aprendendo.

ESPAÇO MAKER

“O aprendizado quando envolve emoção é mais efetivo. Então, além da aula teórica, do fundamento conceitual, tentamos dar exemplos práticos”, ressalta Regina. Na Escola Horto, os estudantes contam com espaço maker e promoção de exercícios mão na massa.

Alessandra Filgueiras Guimarães, professora de estudos avançados de matemática, disciplina do 1º ano e 2º ano do ensino médio, relata um trabalho realizado pelos estudantes. Acompanhados também pelo professor assistente Eduardo Henrique Sales, eles desenvolveram no espaço maker a criação de polígonos regulares. Nessa atividade, atuaram com conceitos da matemática sobre o que são os polígonos, o estudo dos ângulos, entre outros pontos, de uma forma mais interativa.

“A metodologia maker influencia a construção do conhecimento, pois possibilita que o aluno perceba a aplicabilidade do que está estudando. Muito mais do que estudar a matemática apenas no conteúdo, é ver no concreto. A cultura maker também estimula a criatividade e o trabalho em grupo, tudo isso de forma interdisciplinar, porque o aluno soluciona problemas reais com au-

tonomia e eficiência”, explica a professora Alessandra, que também atua na disciplina robótica para o 3º ano do ensino médio e matemática e cotidiano no itinerário formativo do 2º ano do ensino médio.

A cultura maker consegue ser inserida em qualquer disciplina, inclusive, unir as áreas de conhecimento, já que ao abordar determinados projetos, os professores podem desenvolver suas disciplinas em conjunto. “Tem um trabalho que achei muito interessante. Os alunos estavam fazendo uma maquete mostrando um eclipse solar. A ideia era provar por que a Terra é redonda. Quando o aluno foi colocar o título, em vez de escrever ‘a terra é redonda’, escreveu ‘a terra é redonda, por quê?’. Então, no trabalho, você observa que ele também sabe português. Isso é incrível, se observa nessa atividade que é lúdica, que ele nunca vai esquecer que o ‘por quê’ é separado e com acento no final de uma frase interrogativa”, conta Regina.

FUTURO DA EDUCAÇÃO

Para Regina, tecnologia já faz parte da vida do estudante e essas duas vertentes não podem mais ser separadas, uma vez que as escolas precisam estar atentas para as mudanças que vão surgindo e trabalhando com a realidade em que o estudante se encontra, seja por meio do uso das ferramentas digitais ou atividades práticas. “Não há educação sem estar inserido no momento atual. Acompanhar o presente vai garantir nossa presença no futuro. Essa fala parece meio óbvia, mas precisamos olhar para o fundamento da educação no Brasil e ao acesso de jovens e crianças a conteúdos e ferramentas que pautem o aprendizado”, conclui Regina.

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Para a diretora regional Regina Ferro e a professora Alessandra Guimarães, a aprendizagem maker possibilita um trabalho interdisciplinar Fotos: Divulgação
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Um conselho para os Conselhos de Classe

Que se voltem ao que é essencial — a aprendizagem dos estudantes e os planos de ação para que ela se dê plena e sólida

| Por João Jonas Veiga Sobral

OConselho de Classe é pautado, fundamentalmente, no Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola e no Regimento Escolar. Responsável pelo processo coletivo de acompanhamento e avaliação do ensino, nele se constitui o momento em que o corpo docente, as equipes pedagógica e educacional e a direção se agrupam para analisar, discutir, avaliar as ações educacionais e propor planos de ações que busquem afiançar a efetivação do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes.

Esse dispositivo pode ser organizado em três etapas. A primeira consiste em elaborar um bom diagnóstico com base na análise dos dados previamente elaborados pelas equipes docente, pedagógica e educacional. A segunda é o momento em que ocorrem a discussão dos casos e as proposições que favoreçam a aprendiza-

gem dos estudantes com recondução do processo metodológico quando necessário. A terceira é o instante de efetivar os planos de ações que garantam a aprendizagem dos estudantes.

Os Conselhos de Classe são oportunidades para que se avalie o trabalho em determinado período. São mais eficazes se ocorrerem em intervalo de tempo curto — bimestre ou trimestre — e de forma periódica no ano. Conselhos de final de ano, na bacia das almas, são perigosamente paliativos, salvadores ou sentenciosos.

As discussões e as deliberações das equipes envolvidas devem estar alicerçadas em critérios qualitativos. Para verificar os avanços obtidos pelo estudante na aprendizagem, o trabalho pedagógico e metodológico realizado pelo professor para que o estudante melhore a aprendizagem. E ainda as particularidades de aprendizagens dos estudantes ou as suas necessidades espe-

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cíficas, o desempenho do aluno em todas as disciplinas e o desenvolvimento dele de um ano para o outro. Além disso, é momento propício para que se analisem os casos de inclusão e de progressão por questões diversas para elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI). E também os critérios e os instrumentos de avaliação propostos e utilizados pelos docentes.

No entanto, esse espaço pedagógico nem sempre é utilizado para esses fins. Não raro, discutem-se às pressas alguns casos por conta de tempo da escola e de disposição dos grupos. E não é incomum que ocorram, nesses momentos, desabafos e processos catárticos que não levam em conta os propósitos dos Conselhos e a aprendizagem dos alunos.

Muitas vezes, há — nas discussões — rotulação de alunos e ajuizamento de valores que pouco contribuem para o trabalho pedagógico. A constatação de que o estudante é apático ou desinteressado contribui apenas para uma caracterização taxativa e categórica que diz mais do grupo que discute do que do aluno discutido.

Algumas discussões beiram o empirismo. “O aluno tem muita dificuldade” ou “o estudante não tem pré-requisito em determinada matéria." Ora, quem não tem alguma dificuldade em aprender algo novo ou em determinada área do conhecimento ou em determinada habilidade? Quanto ao pré-requisito, passa despercebido que se está discutindo uma ausência mais da escola do que do aluno, uma vez que houve uma aprovação sem pré-requisito.

Há situações interessantes em que, por medo ou excesso de zelo, os debatedores saem em defesa própria: “eles aprenderam esse conteúdo e essa habilidade no oitavo ano”. Alguém atento se opõe: “mas se aprenderam não poderiam ter desaprendido ou simplesmente esquecido, não é ?"

Há, infelizmente, constatações mais simplórias ou óbvias, “o estudante precisa estudar mais”. Creio que esse parecer não necessitaria de uma reunião de Conselho de Classe, uma vez que poderia ser pronunciado pelo balconista de uma padaria caso alguém lhe dissesse, em uma prosaica conversa entre um atendimento e outro, que um estudante obteve nota baixa em determinado componente curricular.

Por outro lado, há pronunciamentos que tratam muito mais da índole do estudante, em formação, do que do seu estágio de aprendizagem acadêmica e de vida: “Fulano é bastante dissimulado”. Sim, é possível

que o jovem mostre dissimulação em determinadas situações da vida, mas cabe aos adultos que o educam buscar causas e diretrizes para corrigir esse comportamento e não apenas notificar uma característica como se isso já estivesse posto de forma consolidada e infensa à aprendizagem.

Há Conselhos que, em boa parte do tempo, ocupam-se em apontar os avanços e as estagnações de aprendizagem dos alunos e da turma sem se ater muito às possibilidades de ações que deveriam ser tomadas em conjunto para que o trabalho fosse mais assertivo e promissor. Funcionam mais como um tribunal de condenações e absolvições do que um colegiado que visa a ajustar o que não caminha bem nas três pontas da educação. Sobretudo, porque há convergência e divergência nas análises e nas relações que os estudantes estabelecem com os professores, com as aulas e com a aprendizagem.

Se cabe algum conselho para os Conselhos de Classe, seguirei as máximas de Confúcio: “O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum aos outros” e “Não há coisa mais fria do que o conselho cuja aplicação seja impossível”. Sugiro que os Conselhos de Classe se voltem ao que é essencial — a aprendizagem dos estudantes e os planos de ação para que ela se dê plena e sólida.

Para isso, as rotulações, os ajuizamentos e os apontamentos genéricos devem dar lugar a observações mais claras e assertivas sobre o que o estudante consegue e o que não consegue fazer. Sobre como se encontra o estágio de aprendizagem dele e da turma e sobre quais caminhos as equipes docente, pedagógica e educacional devem trilhar para que a aprendizagem ocorra da melhor forma possível.

Com análises consistentes e coerentes pautadas em observações precisas, técnicas e acolhedoras (tratarei desse tema na próxima edição), as chances de sucesso escolar são animadoras. São conselhos simples, factíveis e sem invencionices, visto que estão pautados nos princípios que regem o colegiado de educadores, conhecido como Conselho de Classe.

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João Jonas Veiga Sobral Escritor, professor de língua portuguesa e orientador educacional

ENTRE MARGENS

Equívocos da ‘deficiência’

Expliquei que, quando tentei ensinar um surdo, não consegui. E que, se houvesse um deficiente ali, seria eu, que não sabia a linguagem gestual

Capelas, 7 de junho de 2043

Nos idos de 23, encontrei nos Açores um projeto onde todos os alunos eram ‘especiais’, quando a ‘inclusão’ prometida em Salamanca ainda não passara de mero enfeite de tese. O conceito precisava de clarificação. Comprovei essa necessidade, inopinadamente.

O organizador de um evento, pela enésima vez, me dirigiu o convite:

“O senhor doutor não vem ao palco? Venha! Suba!”

Não subi.

“Tem power point?”

“Não. Só tenho power.”

Pareceu não entender a chalaça.

“O que quereis saber?”

Milhares de vezes havia feito essa pergunta. A resposta era o silêncio. Porém, daquela vez, um braço se ergueu.

“A senhora quer fazer uma pergunta?”

“Não é bem uma pergunta. É um comentário. Posso fazer?”

“Certamente! Faça o favor!”

“O senhor é a pessoa indicada para abrir um congresso de inclusão.”

“Muito obrigado, minha senhora”.

“Não acabei...” – disse a senhora, sustendo a vaidade que me invadia. Deveria ter lido os meus livros sobre inclusão e me parabenizava.

“Então, diga.”

E a senhora disse:

“O senhor é a pessoa indicada para abrir um congresso sobre inclusão, porque eu já vi que o senhor é deficiente.”

Gargalhada geral!

Contei até 20. Respirei fundo. Perguntei:

“A senhora acha que eu sou deficiente por quê?”

“Porque eu já vi que o senhor é estrábico.”

“A senhora pode chamar-me estrábico, vesgo até, mas a deficiência é de natureza conceptual ou de contexto. Expliquei que, quando tentei ensinar um surdo, não consegui. E que, se houvesse um deficiente ali, seria eu, que não sabia a linguagem gestual. Quando uma criança com paralisia cere-

bral chegou à Ponte, deficiente era o contexto, pois não havia rampa de acesso.

A senhora não desarmou:

“O senhor é deficiente.”

“Por quê, minha senhora?”

“Porque o senhor vê menos do que eu!”

Essa ‘deixa’ me permitiu provar-lhe o contrário, questionando o velho conceito anglo-saxônico da ‘teoria dos dotes’. Contei-lhe um episódio por mim vivido, quando via um programa de televisão num espaço público.

Um daqueles seres humanos, que andam sozinhos no mundo não me viu — eu seria paisagem, transparente — e se colocou entre mim e o aparelho de televisão.

Perguntei à senhora:

“Se estivesse no meu lugar, como reagiria?”

“Eu diria para o cavalheiro ter respeito e sair da minha frente.”

“A senhora iria criar uma situação de conflito.”

“Pois ia.”

“Eu não precisei de criar tal situação.”

“Como? O sujeito não se pôs entre si a televisão?”

“Pôs-se entre mim e a televisão. Mas eu fechei o olho direito e passei a olhar a televisão com o olho esquerdo, continuei a ver a televisão. A senhora é capaz de fazer isso?”

“É claro que não!”

“Então quem é o deficiente? A senhora, que só consegue ver de uma maneira, ou eu, que vejo de três?”

Perduravam muitos equívocos nas mentes e nas práticas. A chamada ‘educação inclusiva’ não era missão exclusiva da escola. Era um produto histórico de uma época e de realidades educacionais que requeriam o abandono de estereótipos e preconceitos.

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José Pacheco Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) josepacheco@editorasegmento.com.br

Jornalismo em sala de aula enriquece trabalho pedagógico

Educadoras contam como a revista Qualé ajuda a desenvolver habilidades como poder de argumentação, pensamento crítico e empatia, além de combater a desinformação

Protagonismo, pensamento crítico, poder de argumentação, oralidade e aumento do vocabulário. Segundo educadores, essas são algumas das habilidades desenvolvidas pelos estudantes com apoio do uso do jornalismo em sala de aula. Além disso, o gênero textual adequado à faixa etária ajuda a combater a desinformação.

Um exemplo dos benefícios pode ser visto com a Qualé, revista de jornalismo para jovens e crianças, que tem linguagem adequada e visual atraente. A publicação vem acompanhada de sugestões e fichas que indicam atividades para cada uma das reportagens, de acordo com a faixa etária do estudante, sempre ligadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aos currículos municipais e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

“As temáticas abordadas nas edições têm enriquecido meu trabalho pedagógico. Gosto muito das reportagens e da diagramação. Aguardo ansiosamente a chegada dos exemplares para usá-los com meus alunos”, conta Chris Sousa Vidal, educadora da Emef Des. Arthur Whitaker, em São Paulo.

Em maio de 2023, depois de fazer a leitura da edição 65, que trouxe o tema fake news, Chris propôs criar um projeto diferente com os alunos. “Fizemos uma roda de conversa e discutimos o assunto. Mostrei como as notícias falsas podem influenciar o dia a dia e a vida das pessoas.”

Segundo a educadora, a discussão foi rica e produtiva, e as crianças chegaram à conclusão de que precisam tomar cuidado para não compartilhar mensagens falsas. “Fala mos sobre como o aprimoramento da tecnologia e o uso indevido de ferramentas, como o ChatGPT, podem propa gar fake news. No final da conversa, propus a criação do

projeto Notícias do Bem”, afirma.

Já a professora Ana Kamel, também de São Paulo, utiliza a revista Qualé no contraturno escolar. “ Trabalho com crianças com dificuldades de aprendizagem. Não dá para eu chegar com um livro e pedir simplesmente que leiam um texto. Ele tem que ter a ver com a vida deles, trazer um significado. E a revista possui esse diferencial”, diz ela.

Outro exemplo de uso da Qualé em sala é da professora Joselice da Silva Duarte, da Emef Joel Fernandes de Souza. “Os conteúdos diversificados e atuais da publicação enriquecem a prática pedagógica e ainda contemplam os temas do currículo da rede”, ressalta.

Sobre a revista

Atualmente,aQualé é distribuída emcercade600escolaspúblicas Entreeprivadasdetodoopaís. municipaisosparceirosestãoasredes deensinodascidadesCampos,deSãoPaulo,SãoJosédos

polis,Campinas,JalesePetróparticularesalémdecolégios como Bandeirantes,SantoIvo, BeitYaacoveObjetivo.

Além de projetos específicos, o jornalismo em sala de aula pode ser usado de forma multidisciplinar, como explica a coordenadora pedagógica da Qualé, Claudia Gabionetta. “Além dos textos escritos, a revista apresenta diferentes linguagens, como infográficos, tabelas e imagens.”

Já a jornalista e educomunicadora Januária Alves reforça a importância de trabalhar estilos textuais diversos de forma conjunta. “Não faz sentido compartimentalizar o uso. E, quando você tem na escola um exercício nas mais diferentes disciplinas, aí você consegue fazer escolhas mais inteligentes”, completa.

A tiragem é de cerca de 300 mil exemplares por quinzena. A publicação também serve como um rico material de pesquisa para os estudantes por meio de todo o seu acervo digital.

(www.revistaquale.com.br)

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FOTOS: Gabriel Reis Revista Qualé pode ser usada de forma multidisciplinar
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