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Cachoeira-Bahia/Julho 2013/Ed.

Jornal Laborat贸rio do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rec么ncavo da Bahia


CARTA AO LEITOR Esta é a primeira edição de uma aventura que começou em 08/07/13, e foi vivida por sete estudantes, um professor e sua amiga, e dois maravilhosos motoristas escolhidos especialmente para essa missão. Nossa viagem durou 11 dias, e foi marcada por descobertas culturais e pessoais também, pois além de descobrirmos as especificidades de cada lugar visitado, a forma como as pessoas se portam frente a pessoas desconhecidas que lhes indagam sobre sua cultura, suas histórias, é algo interessante de se analisar. E claro, é uma descoberta sobre nós mesmos, como reagimos às respostas e reações dos outros. Sem contar da experiência de conviver mais de perto com os colegas que só víamos em sala de aula. Em Ilhéus desfrutamos das belezas da cidade cacaueira, e ouvimos pela boca de seus moradores como é morar no “país” do internacional Jorge Amado. Visitamos a UESC,

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conversamos com nossos futuros colegas de profissão, e ficamos com uma pontinha de inveja dos laboratórios de rádio, TV e fotografia... Mas um dia nós do CAHL também chegaremos lá. Lamentamos pelos colegas que não puderam participar conosco dessa maravilhosa experiência, e esperamos passar um pouco de nossa emoção para vocês todos, desejando que outras oportunidades surjam. Desde já nossos agradecimentos ao nosso querido professor Robério Marcelo, por nos proporcionar esse momento inesquecível, aos colegas que foram conosco e um obrigada especial aos motoristas Francis Costa e Thiago Salomão por irem além de suas obrigações, dando um colorido especial às longas horas que passamos na estrada e alegrando nossas conversas. Boa leitura a todos! Maelí Souza

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo

>>EXPEDIENTE<< Reitor Paulo Gabriel Soledad Nacif

Centro de Artes Humanidades e Letras (CAHL) Quarteirão Leite Alves, Cachoeira/BA CEP - 44.300-000 Tel.: (75) 3425-3189

Coordenação Editorial J. Péricles Diniz e Robério Marcelo Editor e Redator Maeli Souza Repórteres

Bárbara Rocha, Laís Sousa, Larissa Molina, Roquinaldo Freitas, Thácio Machado. Victor Érik. Editoração Gráfica

Larissa Molina, Roquinaldo Freitas, Thácio Machado. Victor Érik. Fotografia Maeli Souza, Roquinaldo Freitas.

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I NE DI T OR I AL

A oferta de ensino superior na chamada Região Cacaueira da Bahia tem inicio na década de sessenta, em pleno período de interiorização e privatização do ensino superior brasileiro. Em 1961 são criadas a Faculdades de Direito em Ilhéus e a de Filosofia em Itabuna, ambas resultantes de iniciativas de particulares, mas com a expectativa de apoio público. Como era praxe na época e sob o olhar complacente do então Conselho Federal de Educação os cursos ofertados dispensavam estruturas complexas. Necessitavam apenas, como se diz no jargão popular, de saliva e giz. E assim foi. As Faculdade ofereciam os cursos de Direito, Filosofia, Letras, Estudos Sociais e Ciências, estes últimos na modalidade de licenciatura curta. Durante alguns anos esta era a única alternativa para os jovens de uma região, que, embora rica com as divisas que o cacau trazia, não dispunha de equipamentos educacionais públicos, a exemplo do que acontecia em toda a Bahia. Ao jovem baiano restava a alternativa de encerrar sua carreira com o ensino médio ou ter recursos financeiros para residir em Salvador e estudar na única Instituição pública situada na capital do Estado, a Universidade Federal da Bahia. Assim, sempre houve uma dívida histórica do poder público com esta região, especialmente porque o cacau sempre esteve entre os produtos que sustentou por longos anos o desenvolvimento da Bahia e a região produtora sempre esteve fora do retorno social esperado. Dez anos se passaram. Aos cursos existentes agregou-se o de Ciências Econômicas e as Escolas de Direito e de Filoso-

<< fia continuaram tentando sobreviver e encontrar uma alternativa de apoio junto aos poderes públicos. No inicio da década de setenta, por iniciativa do então Secretario Geral da CEPLAC (Comissão Executiva do Plano de Recuperação da Lavoura Cacaueira) começa um processo de aglutinação das escolas existentes sob a forma de Federação de Escolas, embrião de uma futura Universidade privada a ser denominada de Santa Cruz. A CEPLAC construiu o campus com recursos da lavoura cacaueira, mas o formato continuou de escola particular, embora boa parte dos alunos tivesse uma bolsa de estudos com recursos oriundos da CEPLAC. O financiamento público de um empreendimento privado cessou com a decisão do então Ministro da Agricultura de proibir que um órgão ligado a agricultura financiasse a educação superior na região. Tal acontecimento conduz a uma luta dura e firme da comunidade regional em busca do sonho de possuir uma Instituição de Ensino Superior pública. Foram muitos embates com opiniões e práticas dissonantes. Finalmente, em 1993, aquela que seria a Universidade de Santa Cruz de direito privado, transformou-se na Universidade Estadual de Santa Cruz, parte integrante do conjunto de universidades públicas financiadas pelo Governo do Estado da Bahia. Concretizou-se assim um ideário alimentado por décadas. Passaram-se mais de trinta anos e um novo momento surge no cenário educacional da região: a Universidade Federal do Sul da Bahia, oriunda do processo de ampliação e reestruturação do ensino superior brasileiro. Finalmente a Bahia conquista sua terceira universidade federal, visto que em 2006 a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia começou suas atividades no recôncavo da Bahia, após sessenta anos de existência unicamente da UFBA. Apesar da última conquista não devemos nos aquietar. A luta precisa ser recrudescida para que a Bahia se coloque no mesmo patamar de estados brasileiros que tendo a mesma dimensão territorial e populacional possui mais de dez universidades federais.

Dinalva Melo do Nascimento, secretária de educação de Itabuna

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A interiorização do ensino superior

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Roquinaldo Freitas

Entre os anos de 2001 e 2010 o crescimento do ensino superior no Brasil foi de 110,1%, o numero de matrículas em cursos de graduação em 2011 foi mais do que o dobro referente ao ano de 2001. Os dados são do Censo da Educação Superior 2010, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) O aumento da demanda foi um esforço do governo do Presidente Lula para a democratização do ensino superior através da criação de novos centros acadêmicos e ampliação dos já existentes. Consequentemente, o aumento de vagas levou as faculdades federais para o interior dos estados. Essa interiorização tem como característica o potencial transformador que melhora a qualidade de vida e diminui o grau de concentração de pessoas nos grandes centros urbanos sendo possível o desenvolvimento local e regional onde estão inseridas. Na Bahia durante o governo Lula foi criada Universidade Federal do Recôncavo da Bahia sediada na antiga Escola de Agronomia da UFBA, em Cruz das Almas, desmembrada em 3 campi nas cidades de Amargosa, Cachoeira e Santo Antônio de Jesus e mais recentemente em mais 2 campi recém inaugurados em Feira de Santana e Santo Amaro.

Já na gestão da Presidenta Dilma encontra-se em processo de conclusão a implementação da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob) que contemplará as cidades de Bom Jesus da Lapa, Barra, Santa Maria da Vitória, Luís Eduardo Magalhães e terá sede em Barreiras e a Universidade Federal do Sul da Bahia (Ufsba) com sede em Itabuna e campi em Porto Seguro e Teixeira de Freitas. A Ufsba irá oferecer 3.000 vagas em 71 cursos de diferentes modalidades para Bacharelados Interdisciplinares previstas para o segundo semestre de 2014, com uma meta de atingir 18 mil vagas para estudantes de graduação e pós-graduação até 2020. A Federal do Sul da Bahia terá um forte impacto na economia regional, já que sua implementação colocará em circulação na região cerca de R$ 200 milhões, 200 empregos diretos e uma faixa orçamentária prevista de aproximadamente R$ 90 milhões por ano. Para o teixeirense Lídio Gabriel Chaves Silva, 18, discente de comunicação social na UFRB, é uma oportunidade dos estudantes de Teixeira de Freitas e região circunvizinha permanecerem na região após concluírem o ensino médio, o que atualmente acarreta na migração para os estados

Espírito Santo e Minas Gerais por falta de instituições de ensino superior na região, incluindo o próprio estudante que saiu de sua cidade por não possuir o curso no qual estava interessa-

“Teixeira tem pouca opção de curso superior, lá tem somente a UNEB, que oferece cursos de licenciatura. Ela é a unica publica entao o pessoal que quer fazer algo diferente de licenciatura tem que pagar alguma faculdade ou sair de Teixeira. O pessoal escolhe mais o Espirito Santo e Minas Gerais poucos ficam na Bahia, até porque o pessoal de lá tende a puxar mais pra aquele lado, é extremo sul, quase saindo da Bahia.”

do. Saulo Leal, diretor de som do Centro de Artes Humanidades e Letras, formado em comunicação social com ênfase em radio e TV na Universidade Estadual de Santa Cruz no eixo Itabuna-Ilhéus,

ressalta a importância da democratização do ensino superior, resultado direto da interiorização das instituições federais, o que acarreta em um boom econômico na região.

Lídio Gabriel

“ Eu vejo a universidade como uma oportunidade que a população do interior tem de ampliar seus conhecimentos e entrar no mercado de trabalho mais preparado.” Saulo Leal


4 Maelí Souza

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Histórias e Sabores do Vesúvio

UESC em fotos

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Por Larissa Molina

Esta é Melissa de Souza, estudante e estagiária da TV UESC, a Tv interna que além de servir como laboratório para os alunos do curso de Comunicação (lá a especialização é em rádio e TV), divulga os cursos e programas desenvolvidos dentro da instituição para a comunidade, e tem parceria com a Tv Cultura. Apesar da longa trajetória, assim como qualquer outra instituição pública, ela tem suas glória e suas queixas. Segundo Melissa, os trabalhos realizados pela TV UESC estão sendo transmitidos via internet, até que os problemas com cabeamento sejam resolvidos.

Para quem visita Ilhéus, o Vesúvio é uma das paradas obrigatórias. Chegando ao centro da cidade na Praça Dom Eduardo, já se percebe a imponência da Catedral de São Sebastião e do prédio azul onde funciona o bar. Logo ali na frente, sentado em uma das mesas que ficam na calçada, está uma estátua de Jorge Amado. O escritor eternizou a história do Vesuvio, fazendo dele um dos cenários para o romance entre a cozinheira Gabriela e o dono do estabelecimento, o árabe Nacib.O nome do bar cente-

nário é o mesmo de um vulcão que existe na Itália que é o país de origem dos seus criadores. No passado, Ilhéus viveu um intenso crescimento econômico devido a produção de cacau e o porto da cidade também recebia pessoas de diversas regiões do Brasil e do mundo, entre eles “turcos” como Nacib. Essa história também está documentada em um pequeno acervo de fotografias que decoram o interior do bar e restaurante, totalmente reformado há 13 anos. Em 2001 ele foi tombado como patrimônio histórico pela

O bar Vesúvio é uma das atrações mais conhecidas da cidade de Ilhéus

Atrações tória da Gabriela, experimentei o quibe e também já tirei uma foto. Todo mundo tem que conhecer isso aqui”, recomenda. O cardápio também famoso pelos pasteis, serve além do conhecido quibe sempre acompanhado da pimenta e limão, outros petiscos da cozinha árabe e diversas opções da culinária baiana. A “moqueca arretada” que é preparada com mariscos, camarão defumado, carne charque, ovos e dendê é a mais recente receita de sucesso da casa.

A Universidade Estadual de Santa Cruz localizada no eixo Ilhéus / Itabuna, iniciou sua trajetória em 1972. Sua área integra três fazendas e os investimentos na área agrícola predominam na instituição.

A universidade ainda mantém ativo um laboratório de revelação por processo químico, uma raridade.

Os alunos da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia tiveram a oportunidade de conhecer um pouco da estrutura da UESC, guiados por Hélio Heleno e Thiago Andrade, técnicos do curso de Comunicação Social. Por ser uma instituição madura, as instalações são bem mais avançadas, como o estúdio de rádio com equipamentos avançados para realização de trabalhos referentes ao curso de Comunicação Social com habilitação em rádio e Tv.

e Mídia na TNT Bahia Comunicação e Marketing, trabalha com gestão e monitoramento de redes sociais, Assessora de Imprensa da Associação de Distribuidores e Atacadistas da Bahia e professora de jornalismo On-line na FTC. A passagem pela instituição serviu para nortear sua vida profissional, pois lhe abriu um leque de possibilidades que ela jamais pensou existir. Segundo ela, pesquisar, ter uma relação estreita com Lorena Vieira, formada em os professores e bom desem2006 pela UESC, é Diretora de penho acadêmico, tem grande peso na carreira profissional. Planejamento

O Vesúvio atrai todos os tipos de público, que pode desfrutar de música ao vivo todas as noites. No verão, quando ilhéus tem maior movimento turístico, há programação especial que inclui peças teatrais sobre a história do romance Gabriela Cravo e Canela. Mas O bar é conhecido em todos os cantos do mundo, e em qualquer época do ano é atração por essa sua tradição, histórias e sabores que misturam ficção e realidade.

Fotografias que decoram o bar também ajudam a contar sua história

Tradição de boteco Prefeitura Municipal de Ilhéus. Na ficção e na realidade de Ilhéus dos anos 30 ,40 e 50, era ali que os coronéis do cacau desabafavam com Nacib, e esperavam Gabriela passar com o almoço, conversavam sobre tudo ou quem sabe fugiam para o famoso Bataclan por uma suposta passagem secreta que existia. Hoje o lugar preserva sua origem intimista e é ótimo para aproveitar a noite, sen-

tar pra comer e beber em qualquer horário do dia e conversar. Isso faziam os dois amigos em plena manhã, os advogados Ari Moreira que é ilheense e sempre frequenta e aprova o local e o amigo Sebastião Ribeiro, carioca que mora em Brasília, na cidade à passeio. Ele disse que achou a Ilhéus maravilhosa e que o Vesúvio tinha que estar no roteiro pela sua importância. “Estava aqui recordando com ele a his-

Ilheenses e turistas recordam as histórias e aprovam os pratos do bar


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Bataclan, o tempo e a reforma não tiraram seu glamour Thacio Machado

Nos anos áureos do cacau, Ilhéus efervescia. Impulsionados pelo fruto que dá origem ao chocolate, os homens do Sul da Bahia esbanjavam riqueza, luxo e ostentação. Nesse contexto de riqueza e glamour um cabaré ganhou destaque. Imortalizado na obra de Jorge Amado Gabriela Cravo e Canela o Bataclan ficou conhecido internacionalmente, tornando-se um dos mais famosos bordeis do Brasil. Em um ambiente em que a luxuria era vendida, os barões do cacau se embriagavam em festas dionisíacas. Tudo do bom e do melhor, vinhos importados, champanhes e mulheres em abundancia para satisfazer seus desejos. Inspirado no nome

de uma grande casa de espetáculo Francesa, o Bataclan faz parte da memória viva de Ilhéus, localizado em frente ao porto e ao cais da antiga feira (lugar de grande movimento). O famoso bordel foi palco de importantes decisões políticas, e acumula estórias que sobrevivem no imaginário popular. Reza a lenda, que existia uma passagem secreta do Bar Vesúvio (Bar do Nacib), para o bordel, para que os coronéis não fossem vistos entrando no puteiro. E, além disso, os barões agradavam o padre com bons dízimos para que a missa fosse alongada e ao final o sino tocasse sete badaladas, para que os mesmos estivessem de volta ao bar tratando de negócios.

Além do bordel, funcionavam um cassino e um salão, com apresentações de diversas companhias de dança, inclusive, internacionais. Era comum apresentação de grupos de Tango Argentino e dançarinas de cancan Francesas. O cabaré viveu seu apogeu nas décadas de 1920 e 1930, quando entrou em decadência em 1938 com a proibição de cassinos no Brasil. Parou de funcionar e o prédio ficou abandonado por décadas. Reformado em 2004, com a parceria da prefeitura de Ilhéus e Petrobrás, o antigo cabaré foi transformado em centro cultural e restaurante. “O Bataclan está lindo, me sinto no livro de Jorge Amado quando entro aqui”, revela o turista

mineiro Claudio Santos. Um dos principais pontos turísticos de Ilhéus, recebendo turistas de todo o país, o bataclan nos revela boas e inesperadas surpresas, em frente ao bordel trabalha um ótimo personagem que conta boas histórias dos tempos de ouro do cacau. Poeta, escritor, ator, artista plástico e contador de histórias. José Delmo interpreta coronéis, boêmios e diversas figuras que fizerem parte da rica história da Nação Grapiúna. Há 45 anos como ator e dez anos como contador de histórias, Delmo é figura conhecida em Ilhéus. ”Comecei como contador de histórias em frente à Casa de Cultura Jorge Amado. Mudei para Bataclan faz pouco tempo”, relata. Delmo sobrevive dos trocados deixados por turistas em seu velho chapéu ao final de cada história. ”Faço para minha própria satisfação, o artista faz para seu prazer, o que faz para o prazer do outro não é Artista”. Histórias que fazem nos sentirmos dentro dos livros e contos de Jorge Amado, como se estivéssemos cara a cara com os grandes barões do cacau.

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Maria Machadão Maria Machadão foi cafetina e dona do bordel nos seus anos de apogeu. Ela comandava quengas vindas de diversas regiões, inclusive meninas de famílias pobres de Ilhéus, quando perdiam a virgindade antes do casamento eram entregues aos cuidados dela. No novo Bataclan, reformado e aberto para visitação há um espaço onde foi montado o quarto da celebre cafetina Maria Machadão, eternizada por Jorge Amado. Com cada peça em seu devido lugar, o quarto conta com uma típica penteadeira, cheia de enfeites, fracos de perfume e tudo mais. Conta também com uma cama e um guarda roupas, que seriam a reprodução fiel do quarto da cafetina-mor do cabaré.

Quanto custaria hoje uma noitada no Bataclan É difícil mensurar os valores gastos pelos coronéis no antigo cabaré. A moeda usada era diferente, a situação econômica é outra e existe todo um contexto que impede que se avalie com exatidão a variação dos Reis para o Real. No entanto, avaliando alguns trechos do livro e da mini-serie Gabriela, exibida ano passado pela rede Globo, em que algumas vezes é citado o valor cobrado pelas meretrizes podem dar uma base. Atiçado pela mine-série o jornalista Marcelo Soares da Folha de São Paulo resolveu tentar equiparar os valores e mensurar os valores gastos nas noitadas no bordel. O método utilizado foi comparar preços de produtos que eram vendidos na época e que ainda são vendidos hoje. O padrão utilizado foi o preço do feijão. Nessa hipótese cada dez mil reis valeriam dez reais hoje. Na mini-série uma noitada com uma das meninas de Maria Machadão custaria cerca de 500 mil reis, cerca de cinco mil reais. Uma garrafa de champanhe custaria cerca de R$ 900,00. Hipoteticamente falando uma noite no batclan sairia em média por seis ou sete mil reais.


8 Laís Souza Influenciado pelo modernismo na construção de sua identidade poética, Jorge Amado foi buscar lá na sua origem sertaneja, aqui no Nordeste, os personagens que caracterizam a sua literatura. Antes que o feminismo da década de 1960 desse voz e vez às mulheres na vida social, política e cultural do Brasil, a ficção de Jorge Amado já apre­ sentava personagens femininas que transgrediam condutas. Mulheres do povo, morenas sensuais, mulatas estonteantes, cada uma à sua maneira. Prostitutas do Pelourinho, lavadeiras das calçadas do Senhor do Bonfim ou jovens burguesas descendentes dos coronéis do cacau da região de Santo Amaro, Ilhéus e Itabuna. As observações feitas por Jorge em suas andanças permitiram a criação de uma amada galeria de tipos femininos bem descritos e inesquecíveis. A mistura de força, coragem, sensualidade, sabedoria, beleza e poder permite a cada mulher uma faceta, donas de seus próprios destinos, não mais objeto de manipulação masculina, com moral baseada nas aprendizagens da vida: o sofrimento da sobrevivência, a dupla jornada de trabalho, a viuvez, as ideologias contra o sistema vigente, o cuidado estremado com os filhos, a vontade de viver e de amar, a leveza e liberdade entregues aos prazeres carnais. Entre muitas personagens bastante conhecidas – mesmo porque tiveram suas histórias adaptadas para o cinema e para a TV nacional - Gabriela, Dona Flor, Tieta e Tereza Batista são as heroínas mais famosas de Jorge Amado.

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MULHERES DE JORGE GABRIELA Cravo e Canela (1958) Com seus cabelos longos, negros e encaracolados espalhados nos ombros, sempre vestida em seus trapos limpos exalando cravo, sensualíssima com rasgão que mostrava um pedaço de sua coxa cor de canela, Gabriela foi expulsa do sertão nordestino pela seca e chega a Ilhéus, onde começa trabalhar como cozinheira no Vesúvio, bar de Nacib, patrão conquistado pelo seu tempero e beleza de espírito livre, meio bicho, meio mulher, diferente das senhoras da sociedade local. Logo se casam, mas Gabriela não se adapta aos limites de um relacionamento formal.

DONA FLOR e Seus Dois Maridos (1966) Pequena e rechonchuda, bronzeada de cabo-verde, cabelos lisos e negros, olhos de requebro, lábios grossos e dentes alvos. Essa era o biótipo da séria professora Florípedes Paiva, protagonista do enredo que tem como chave a impossibilidade de ser feliz no casamento formal. Dona Flor compensa em um casamento o que falta no outro: desfruta da paixão e erotismo ao lado do boêmio Vadinho e da calmaria e segurança trazidas pela relação com o farmacêutico Teodoro.

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Bárbara Rocha As mulheres de Jorge Amado não eram convencionais. Irreverentes e à frente do seu tempo, Jorge Amado refletiu em suas personagens ao longo das décadas de 50 e 70, a mulher forte e independente de hoje. Com assuntos que transgrediam os padrões da época, o autor se referia a sensualidade, política, poligamia e prostituição de forma natural, o que acabou impactando a sociedade com seus enredos. Independente do contexto social em que estavam inseridas as mulheres de Jorge se destacavam, cada uma com suas peculiaridades, e chamavam atenção pelo seu comportamento, muitas vezes apenas pelo fato de serem mulheres, ou por sua sensualidade ou por estarem politicamente influenciadas. Pois, na época, lugar de mulher era atrás do marido, não podiam demonstrar quaisquer sinais de sua sensualidade ou muito menos estar à frente de um cargo importante. O homem sempre foi estimulado a falar sobre sexo e praticá-lo para provar sua masculinidade perante o meio em que vive, já a mulher era obrigada a se retrair e conformar com sua posição de objeto e deixar-se ser usada quando o marido quisesse. Jorge Amado mostrou para a sociedade que a mulher é capaz de amar,

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Mulheres contemporâneas de Jorge arder e ser independente, sem dar satisfação a ninguém. Porém, a sociedade atual ainda não se mostra completamente livre do machismo e possui posturas xiitas, pois fatores religiosos, culturais e morais ainda permeiam pela tradição e influenciam ativamente na vida das mulheres, mas esse quadro vem melhorando e mudando em alguns aspectos. Hoje, a mulher – que pode e quer – estuda, trabalha, vota e ama. Não ficam apenas à mercê dos trabalhos de casa, mas comandam empresas, universidades, instituições, cidades, e o maior exemplo disso é ter, pela primeira vez, uma mulher no cargo mais importante da República. O caminho para a igualdade justa e conscientização ainda é longo, mas as mudanças são perceptíveis e a mulher, cada dia mais, vai alcançando o seu verdadeiro lugar, como um ser humano igual e capaz.

TEREZA BATISTA Cansada de Guerra (1972) Órfã e vendida a um fazendeiro, aos 13 anos Tereza Batista é estuprada e mantida cativa. Torna-se mulher da vida e mesmo em meio à adversidade, não perde o senso de justiça e de compaixão: Junto com outras prostitutas cuida dos doentes em crise de varíola quando o médico e a enfermeira fogem da cidadezinha do interior. As provações enfrentadas tão precocemente ajudaram a moldar a personalidade de mulher valente e decidida, teimosa, briguenta, tirana em tratos de amor, e que detestava ver homem batendo em mulher. Tereza acaba por assassinar seu algoz e parte à procura de seu amor, o marinheiro Januário, trabalhando como prostituta pelo sertão, até chegar a Salvador.

TIETA do Agreste (1977) Fogosa e namoradeira, Tieta é expulsa de casa e da cidade quando sua irmã revela ao pai que ela perdera a virgindade na rua. Retorna a Santana do Agreste 25 anos depois, em condições melhores: rica e influente na política, traz progresso para o lugarejo interiorano. A família acredita que sua vida mudou graças ao casamento com um industrial de posses, mas com o tempo a verdade aparece – Tieta se reergueu graças ao trabalho como prostituta e cafetina em São Paulo.


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Casa da cultura Jorge Amado

AO GRANDE ESCRITOR, A CULTURA PRESERVADA EM CASARÃO! Victor Érik

Por tanto produzir cacau a cidade de Ilhéus se tornou conhecida pelo fruto que enriqueceu fazendeiros. Chocolates e esculturas de cacau são encontradas pela cidade como lembranças do auge da cultura cacaueira, que em tempos de decadência não diminuiu a beleza da cidade, mas foi guardada como história nos belos prédios e monumentos que o escritor Jorge Amado eternizou por todo o mundo ao divulgar em seus romances. Embora o escritor tenha nascido em Itabuna, cidade vizinha, Ilhéus foi um cenário vívido em suas obras, e como retribuição ao carinho do “filho adotivo”, o amado Jorge tem um quarteirão no centro da cidade registrado com seu nome. É nesse quarteirão onde encontramos a antiga residência do autor, que foi inaugurada em 1997 como Casa de Cultura Jorge Amado. “A ideia de transformar a antiga casa de Jorge Amado em uma casa de cultura, surgiu junto com a vontade de fortalecer o turismo na cidade. A administração da época quis trabalhar o nome e a his-

tória de Jorge Amado” Lembra Odilon Ferreira, diretor da casa de cultura. “Jorge se considerava Ilheense. Aqui na casa temos uma carta dele falando justamente sobre isso, do seu amor por sua Ilhéus”. Conta Odilon. O casarão amarelo mostarda recebe hoje visitas monitoradas. “O Jorge passou a sua infância e a sua adolescência na casa. Ela foi construída pelo seu pai com o intuito que ficasse de patrimônio pra os seus filhos. Mas eles só moraram na casa por 11 anos ela foi inaugurada 1926 e eles foram embora em 1937 morar em Salvador”. É o que conta Rita Santana, guia da casa de cultura. Durante a nossa visita, éramos sete aspirantes a jornalistas descobrindo em cada grande cômodo – três nomeados por Fundação Cultural, Academia de Letras e o Instituto Histórico de Ilhéus -, capas de suas obras, antigas fotos e objetos pessoais como a máquina de datilografar que, em perfeito estado, roubou muito de nosso encanto, mas não tanto do nosso tempo como a escada íngreme, de curtos de-

graus, em madeira escorregadia, que alcançava o extremo cume do casarão. A apreensão da subida somada à imaginação da descida não foi suficiente para nos impedir de, em duplas, alcançarmos o sótão que cremos ter sido o lugar onde Jorge Amado enxergava parte de Ilhéus inspirando poesias. A casa de cultura de cultura Jorge Amado mostra-se, mais que um patrimônio, mas também como um elo de ligação com os ilheenses que foram morar longe da cidade. Ao visitar os cômodos percebemos um pai mostrando a sua filha os detalhes da casa, com um jeito diferente dos outros turistas. “Eu vim a Ilhéus que é a cidade que eu nasci trazer a minha filha mais nova, Julia de 6 anos. Que nunca tinha vindo, meu outro filho Julio já tinha vindo aqui. Moro em minas a mais de 20 anos. Mas acho que é importante manter essa raiz com o lugar que a gente nasceu. Ainda mais se é a terra desse cara, o Jorge Amado que mostrou essa Ilhéus bonita pro mundo todo”. Revela Julival Filho, que passa

férias com a família em Ilhéus e faz questão de mostrar aos filhos a importância da cidade. “O primeiro lugar que eu quis mostrar a minha filha foi a casa de Jorge Amado, depois vou mostrar o Vesúvio de Gabriela, que ela ouvia falar nas propagandas da novela das 11 – Gabriela, que foi exibida em 2012 na globo -, e eu dizia a ela que iria levar trazê-la ela pra conhecer”. Conta Julival, com um jeito de dever cumprido. Construído pelo pai do escritor em 1928, o pequeno palácio ao estilo neoclássico ocupa 600 metros quadrados. O piso em jacarandá é bem acompanhado pelos azulejos da varanda. “A vontade maior de vir a Ilhéus é pra conhecer essas casas grandiosas que guardam o valor da cultura do povo baiano. Principalmente pelo Jorge Amado é um escritor famoso no país inteiro e eu já li alguns livros dele. Por isso a vontade de conhecer a casa, onde ele passou a infância”. Explica Jorge Oliveira, um turista paulistano que ficou encantado com as obras e pinturas de Jorge Amado que estão na casa de cultura.

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Maelí Souza

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Diário de Bordo

Aos oito dias do mês de julho de dois mil e treze, as oito e cinqüenta e quatro, embarcamos numa expedição com duração prevista de doze dias. Primeiro destino: “Caminhos de Gabriela”, aquela que é cravo e canela de Jorge Amado... À hora em que chegamos eu não lembro, mas acho que foi por volta das 15h e a primeira providência foi almoçar, estávamos famintos. Depois de acalmar a fome chegamos numa confortável pousada, “Sol de Ilhéus”, onde a simpaticíssima dona, carinhosamente chamada de Mary Help já nos aguardava. Meninos e meninas em quartos separados, banho tomado e uma sonequinha para recuperar a energia. A impressão que tive foi a de fechar os olhos e me ajeitar sob o edredom quentinho e pronto, o mensageiro bateu na porta chamando-nos em nome do “professor Robério” que solicitava a nossa presença na recepção da pousada, para uma reunião de pauta de urgência. Nem precisa descrever nosso estado físico atravessando os corredores e descendo as escadas que não sei como parecia ter triplicado os degraus. Mas a sonolência passou fácil, assim que ouvimos o nome “Vesúvio” e “quibe”. É, fomos ao bar do Nacif onde a Gabriela praticava suas habilidades culinárias, e onde os poderosos do cacau se reuniam para discutir seus negócios e o destino da nação grapiúna... Olhe, cá prá nós, a verdade é que eles usavam esse pretexto para enganar suas mulheres, pois enquanto elas estavam na missa rezando por seus fiéis e batalhadores maridos, eles passavam furtivamente pela cozinha do Vesúvio e iam dar no Bataclan para pelejar guerras que não nos é permitido descrever. Lá fomos nós, animados para respirar os ares que antes encheram os pulmões de Gabriela, pisar o chão por onde passeou o ilustre ilheense que talentosamente reescreveu a Bahia em seus romances e misturou realidade e ficção com uma graça, que fica difícil dizer onde termina uma e começa a outra. O quibe estava uma delícia, passar por lá e não prová-lo é um erro! Mas não podíamos demorar, pois o dia seguinte seria de muito trabalho e precisávamos estar dispostos para desbravar os arredores do QJA. O dia seguinte prometia, e superou as expectativas. Voltar ao Vesúvio, rever a Catedral de São Sebastião e admirar sua arquitetura mista a luz do dia, constrange-nos a reverenciar aquele ambiente que exala espiritualidade. O próximo destino foi à Casa de Cultura Jorge Amado, onde pudemos ver objetos pessoais e alguns manuscritos do escritor. Passamos pelo Palácio Paranaguá, Igreja Museu São Jorge, Casa do coronel Misael Tavares, casa de Tonico Bastos e Teatro Municipal, tudo bem rapidinho, pois o foco era o Bataclan. E lá fomos nós muito eufóricos para conhecer a casa de Maria Machadão, e os meninos mais ainda. O ambiente surpreendeu; mesmo depois da reforma de 2004, que o transformou em centro cultural e restaurante, o ambiente ainda remetia ao passado. Com um pouco de imaginação seria possível ouvir a música misturada com as vozes e gargalhadas embriagadas pelo álcool e luxúria. A comida estava deliciosa, uma das melhores que provamos em toda a viagem. Mas infelizmente tínhamos que partir, o dever nos chamava e lá fomos nós, suspirando, visitar a Universidade Estadual de Santa Cruz. Não chegamos em boa época, os alunos estavam de férias. Fizemos um tour pelo campus e fizemos nossas preces, desejando que a nossa jovem universidade (UFRB) um dia cresça tal qual a UESC, em todos os sentidos. Na quarta-feira lá pelo meio da manhã, um de nossos correspondentes (Amôzi) alertou-nos de uma mobilização que aconteceria nas rodovias no dia seguinte, e por segurança tivemos que antecipar nossa partida, alterando nosso roteiro pelas terras de Gabriela. E finalmente, depois de uma frenética partida, entre suspiros e lamentos, desembarcamos em Porto Seguro, no Hotel do Descobrimento, para redescobrir essas terras por onde nossa história foi reescrita pelos antepassados europeus e os nativos que aqui já viviam. Mas isso já é outra história...

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www.ufrb.edu.br/reverso

Tã o ‘A m a d o” I l h é u s Victor Erik

Em toda parte e canto Percebe-se nos detalhes o seu encanto, Que fascinou aquele que dá nome ao seu centro histórico Ele que a descrevia tão bem em suas histórias, O Jorge tão Amado por sua amada Ilhéos A terra do cacau, dos barões, Das igrejas e casarões. Que mudou e cresceu, virou Ilhéus, E não esqueceu de sua história Alias, tem orgulho em contar, Mil vezes se for preciso a quem vem visita-la. Passear por suas ruas é sentir-se parte do passado Conservado em casas, bares e no seu teatro, À noite as cores fazem um espetáculo a parte Ilhéus, não há quem não se encante ao visitar essa cidade.

CACHOEIRA | BAHIA Julho/2013


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