Revista Lugar - edição Reverso 114

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Foto: Brenno Carvalho - O GLOBO

Agora é

para todos! Paraty, no litoral fluminense do Rio de Janeiro, se torna Patrimônio Mundial. A biodiversidade e os povos tradicionais foram critérios essenciais para o reconhecimento concedido pela Unesco.

texto: Matheus Rufino Quem nasce em Paraty é paratiense. Quem visita ou simplesmente conhece por fotos e vídeos é encantado. A cidade, que fica a pouco menos de 300 km da capital carioca, desperta atenção de todos que cruzam com ela. Paraty é trifurcação para lugares consideravelmente antagônicos em sua construção. Estando na entrada, bem no trevo de acesso à cidade, é possível enxergar nas sinalizações quais são esses destinos. Angra dos Reis, onde ficam as usinas Angra 1, 2 e 3, cidade mais desenvolvida economicamente e o paradeiro predileto dos famosos globais e internacionais. Cunha é um lugarejo frio, conhecido pelos rodeios e cheio de ladeiras e depressões geográficas, situado a leste de São Paulo. Enquanto a outra paulista, Ubatuba, uma mistura das duas estâncias anteriores, é mais procurada por jovens e surfistas. Diferente das outras, a cidade histórica de Paraty com cerca de 40 mil habitantes agora, mais do que nunca, é para todos. Desde julho desse ano, quando foi reconhecida como Patrimônio Mundial, numa cerimônia em Baku, no Azerbaijão, Paraty recebe nos seus limites territoriais gente ain-

da mais diversa: interessados em arquitetura e natureza, praieiros, pessoas de 15 a 90 anos, intelectuais e celebridades de toda ordem. Mas foram os povos tradicionais do município — 28 comunidades caiçaras, duas terras indígenas e duas comunidades quilombolas — juntamente a vasta biodiversidade, de quase 150 mil hectares preservada por esses cidadãos, os grandes responsáveis por catapultarem o conjunto de belezas ao estrelato. Até então, na América Latina, não havia patrimônio com características de um sítio misto, ou seja, interações entre os saberes culturais e as riquezas do meio ambiente. Paraty, portanto, se torna a primeira a ocupar o cargo. Todas as concessões liberadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco), sejam no Brasil ou em outras federações, alternam entre belezas mistas, naturais e culturais, como é o caso do Centro Histórico de Salvador, por exemplo, que desde 1985 carrega consigo o título de Patrimônio Mundial por conta do casario de cinco séculos atrás e por ter sido, ainda, a primeira capital do país. Desse modo e de volta a Paraty, as lide4

ranças políticas da cidade tentavam conquistar o tal título desde 2009. A primeira candidatura tinha como proposta inicial o Centro Histórico com todo charme do conjunto arquitetônico, incluindo o calçamento de pedra com mais de dois séculos de existência, popularmente conhecido como ‘’pé de moleque’’, por parecer a iguaria feita com amendoim. Mesmo sendo exuberante, o centro não foi suficiente. O interesse da Unesco estava em reafirmar a cultura viva que margeia e pulsa em toda baía de Paraty e que vai se adentrando aos povoados e aos ritos de cada costume. O compromisso com a conservação e a preservação desse patrimônio misto já vem sendo trabalhado com a finalidade de fazer jus ao elevado prestígio que o município teve, e também por saber que se não for apresentado relatórios mostrando avanços, a cada quatro anos, o reconhecimento pode ser suspenso. A secretária de cultura do município, Cristina Maseda, diz que Paraty, agora, passa a ser pensada de forma conjunta entre as várias esferas do governo e com participação da sociedade civil. As principais metas do plano

de gestão, segundo ela, estão sendo ‘’a realização de todo o sistema de tratamento de esgoto da cidade, o restauro do prédio da Santa Casa das Artes, a revitalização do cais de turismo e, também, a construção do centro de informação criativa, a escola técnica, que será direcionada para a formação de jovens.’’ Na intenção de ser mais um espaço que valoriza os modos de vida, como a Casa da Cultura, localizada no Centro Histórico, o prédio da Santa Casa das Artes, após a reforma, deve funcionar como um centro de referência e interpretação do Patrimônio Mundial. A nova instituição colocará a história da cidade em molduras para que essa mesma narrativa se fortifique e alcance tanto os paratienses quanto os que vem de fora. Durante o ano inteiro, Paraty se mantém como um berço de pluralidade e atrações artísticas, movimentando em todas as raias o desenvolvimento da cadeia econômica e produtiva. Os principais festejos desse município que desemboca do Rio de Janeiro e São Paulo são popularmente democráticos. Logo em janeiro, o réveillon engarrafa uma ponte onde, em dia normal, se atravessa em dois minutos caminhando.

No carnaval, a mesma coisa. O Centro Histórico e a avenida principal ficam coloridas e festivas. O tradicional Bloco da Lama é um evento espontâneo que surge do mangue da Praia de Jabaquara, e na intenção de se divertirem, os foliões saem pela cidade e acinzentam a festa numa explosão de alegria e cultura. Tem o Fest Juá, um evento esportivo que integra comunidades caiçaras em diversas praias da Reserva Ecológica da Juatinga, unindo os laços e o espírito de coletividade. Os finais de tarde e as noites durante o Bourbon Festival são momentos mágicos. Gêneros musicais como jazz, soul e blues tomam conta das ruas de pé de moleque. Em julho, um dos maiores eventos literários do país e da América do Sul onde, desde 2003, incentiva e fomenta a leitura: a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip.Todo ano um homenageado. O primeiro foi o poeta Vinícius de Moraes e, esse ano, o escritor Euclides da Cunha, responsável por uma das obras mais antológicas da nossa literatura; ‘’Os Sertões’’, que traz em cena a Guerra dos Canudos, ambientada no interior da Bahia. Tem também o Festival da Cachaça, Cultura e Sabores onde a interação entre os moradores

da cidade e os turistas acontece nitidamente. Seja na produção da pinga ou na participação do evento o paratiense é corpo presente. É, sem dúvida, um final de semana bem agitado. Para os amantes da fotografia, em outubro, o Paraty em Foco e sua estrutura imagética irretocável. A culinária criativa também é merecedora do título de Patrimônio Mundial. Passando pela Folia Gastronômica, e chegando aos pratos típicos produzidos nos quilombos e nas comunidades caiçaras, como a tradicional feijoada e o saboroso peixe cozido com banana. Esses saberes e sabores próprios conquistados no cotidiano e que passam de geração em geração é o que completa o significado de sítio misto. A paratiense e empresária, Cimar Calixto, entende que as mudanças estruturais na cidade vão acontecer de forma gradativa e que o título abre caminhos e atrai investimentos para os negócios. ‘’É um reconhecimento merecido e que nos enche de orgulho. Temos um conjunto arquitetônico bem preservado, diversidade cultural e natural. O mais importante é que a concessão fortalece o compromisso e a responsabilidade que assumimos em proteger, preserAdriano Castro - Blog Viajei Bonito

Praia de Trindade é um dos destinos turístcos mais visitados de Paraty. 5


var e conservar esses bens.’’ Assim como as tradições e o casario histórico, o mar de Paraty é um convite à parte. Há, basicamente, ilha e praia disponível para cada dia do ano; ao total são 360. Muitas são inacessíveis e preservadas, outras é possível conhecer nos populares passeios de escuna que duram em média seis horas, com saída do cais pesqueiro da cidade. Esse é um tipo de programação que o turista precisa fazer quando estiver por lá. O mar de Paraty também foi cenário para o cinema internacional. Em 2011, a cidade acompanhou de perto algumas cenas da saga Crepúsculo, que foram gravadas no Saco do Mamanguá, o único fiorde brasileiro – grande entrada de mar entre altas montanhas rochosas. Além do vilarejo caiçara que movimenta a renda local com o comércio de pratos típicos e artesanatos, Trindade é um refúgio mundial há tempos, tanto pela exuberância natural quanto por seu apelo hippie e libertário. O nome da tríade mais requisitada da região fluminense é Praia do Cepilho, boa para o surfe, a Praia do Meio e a Piscina Natural do Cachadaço, ambas boas para banho. ‘’O mar, quando quebra na praia, é bonito’’, já cantava o baiano Dorival Caymmi. E ele estava certo, mas esse mesmo mar precisa ser respeitado. Durante os últimos anos, conta a professora Carolina Fonseca, o turismo no município vinha perdendo o foco na preservação e se tornando um puro vai e vem predatório. E claro, o risco estava voltado para as populações que moram em algumas dessas áreas de interesse turístico. ‘’Precisamos pensar que tipo de turismo temos vivenciado, principalmente nas duas últimas décadas em nossa cidade, que tem poluído nossas matas, mares e rios. Um turismo predatório, sem planejamento e que tem colocado em risco povos, comunidades tradicionais, pressionando-os a saírem de seus territórios’’ conta. Ela também sugere como Paraty deve caminhar em defesa dessas culturas, agora, após as portas do mundo se abriram ainda mais. Ela diz: ‘’Olhar para eles. Enxergá-los. E, se unir em suas lutas pela permanência em seus territórios e pela valorização de suas culturas. Há 10 anos o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) luta pelos direitos dos povos indígenas, caiçaras e quilombolas de Ubatuba, Paraty e Angra, mas é preciso um engajamento de toda a população civil para preservá-los e protegê-los.’’ Valorizando e protegendo os povos tradicionais, juntamente a biodiversidade, é possível ter um Patrimônio Mundial sustentável e que se preocupa com o presente e projeta um futuro melhor para todos e todas.

Foto: Ligia Skowronski - ABRIL

Peixe com banana-da-terra, prato típico de Paraty.

Foto: Renato Stockler

Caiçara e artesã do Pouso da Cajaíba, Reserva Ecológica da Juatinga, admira sua produção feita com chita.

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texto: Kathleen Ribeiro

Tianalva, o que Cachoeira tem de especial para reafirmar seu potencial turístico? TIANALVA: Cachoeira tem um enorme potencial. Eu acho que Cachoeira é um bom lugar para se visitar, inclusive a cidade é muito visitada por turistas internacionais e nacionais. A Festa da Boa Morte atrai muitos turistas de outros países e a Festa D’ajuda traz mais turistas de Salvador, cidades mais próximas. Não sei se é porque eu sou suspeita pra falar, porque eu sou apaixonada por Cachoeira, mas aqui tem uma riqueza de informação, de história. Cada prédio desse tem uma história, e se a gente observar até as pedras da rua tem uma história, elas são diferentes. São diferentes, mas cada canto que você passa tem história. Eu não sei se é o meu olhar ou se todo mundo é assim, mas você chega num lugar, você tem uma ideia assim, olha e pensa. Aqui tem casas que às vezes eu fico olhando e me vem milhões de pensamentos sobre o que acontecia dentro daquela casa há 100 anos atrás. Como eram as pessoas, como elas viviam? Fico imaginando um monte de coisas: as crianças correndo, derrubando as coisas ou sentadas na varanda ou o que ocorria dentro dos quartos; mulheres privadas, trancadas, sem direito nem a chegar na janela. As pessoas quando vêm pra Cachoeira sentem muito isso da imaginação. Ela senta num lugar e olha “deve ter acontecido isso e isso”. Eu tenho uma amiga que veio visitar o lançamento do meu livro e a gente foi dar uma volta na rua. Quando ela chegou lá na praça Teixeira de Freitas ela disse: “Nalva essas árvores são todas mortas, sem vida”, aí eu perguntei: “Como assim? Você quer que as arvores andem, se balancem, sorriam pra você? (risada) Ela disse “não, você percebe que é uma sombra forte”, aí eu disse “é mesmo. Muitos escravos foram amarrados nessas árvores pra serem chicoteados”, então ela sentiu isso assim, sabe? As pessoas sentem, não só das coisas tristes, das alegres também. Por isso eu digo que Cachoeira é uma cidade pra ser visitada, pra ser curtida. Cada pedacinho, cada ruazinha que você observa tem uma história.

Foto: Bárbara Lima

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Foto: Iago Aragão

Foto: Bárbara Lima

A senhora falou que é apaixonada pela cidade. Como surgiu essa paixão? TIANALVA: Nasceu comigo isso. Eu sinceramente tenho um ressentimento, porque minha mãe foi migrante pra aqui pra Cachoeira e quando ela engravidou ficou aqui um tempo, mas precisou ir em Salvador, aí não deu tempo e nasci lá, mas eu tenho raiva disso (risada). Eu me considero cachoeirana. Cachoeira é uma boa madrasta, acolhe bem as pessoas, tanto que todo mundo que vai embora, uma hora ou outra quer voltar. Cachoeira tem um encanto que atrai as pessoas, muitas voltam. Em meio a essas festas e programações típicas da cidade, onde muitas pessoas vêm de fora e interagem com a realidade local, a senhora tem algum acontecimento que te chamou atenção pra nos contar? TIANALVA: Tenho uma recente. Eu conheci uma moça na Festa de Iemanjá. Ela estava sentada ali no bar e eu passei com meus livros pra tentar vender e mostrei pra ela. Eu não sei o nome dela, só sei que ela estava com Cíntia. Ela imediatamente leu e comprou o livro, aí ela disse que era professora de teatro e me perguntou se poderia transformar meus contos em peças, aí eu disse que não tinha problema nenhum. Esqueci disso, ela foi embora e não lembrei mais. Quando foi hoje, Cíntia chegou aqui com um livro de Conceição Evaristo. A moça me mandou de presente de lá do Rio de Janeiro. Eu fiquei emocionada, ela lembrou de mim e teve essa afetividade. Cachoeira traz esses afetos a gente se envolve. Tem algum lugar ou festividade de Cachoeira que a senhora tem um carinho especial? TIANALVA: Tem, tem sim. Tenho pela subida do lado da câmara-cadeia. Eu fico olhando assim, e não sei o motivo, só sei que fico viajando nela. Acontece um monte de coisa do lado de cá e eu sento aqui e fico parada olhando daqui pra lá. Quando eu vou lá, fico olhando cada pedrinha e imaginando. Não sei porque me encanta tanto, não consegui desvendar esse mistério. O que a senhora chamaria atenção em relação ao turismo na cidade? TIANALVA: Cachoeira, antigamente, aqui nessa rua tinha capoeira, ali tinha samba de roda, em outro lugar tocava outro tipo de som e hoje o turista vem e não vê mais tanto quanto era antes. Acho que tem que se investir mais e de uma forma mais aberta para que as pessoas voltem. O potencial é grande, mas ultimamente algumas programações turísticas estão muito focadas para a elite, tem coisas muito restritas. 10

“muitoExistia muita pesca aqui, peixe, mas você não encontra mais...é difícil. ” Samuel é pedreiro, mas ainda tenta a pesca no Paraguaçu como forma de complementar a renda. 11


Foto: Iago Aragão

“O nosso Antes era maravilhoso. dia-a-dia era mais

no rio do que em casa. Mas hoje a situação tá tão difícil, que a gente tá mais em casa do que no rio.

“Eu tive infância aqui, boas lembranças...” Comunidade ribeirinha do bairro 135, da cidade de São Félix, enfrenta há anos problemas sociais e ambientais com o descarte de resíduos de uma fábrica no leito do rio Paraguaçu. texto: Iago Aragão

“A gente teve infância. A gente teve fartu-

ra. A gente passava o dia no rio e hoje meus filhos não têm o lazer que eu tive aqui”. É o que conta Leonice Alves, pescadora, conhecida por todos como Nininha, sobre a relação dela com o Paraguaçu após o início dos descartes da fábrica de couro Mastrotto dentro do rio que banha o seu bairro. Instalada na cidade de Cachoeira há quase 18 anos, a empresa produtora de couro Mastrotto Reichert Brasil, chegou ao Recôncavo com a promessa de descentralizar os polos industriais da zona metropolitana de Salvador e trazer

emprego e prosperidade ao interior do estado. Com mais de 600 funcionários da região e considerada uma das maiores empresas de curtimento do mundo, para a comunidade do bairro 135, da cidade de São Félix, a história é um pouco diferente. Nininha, assim como uma grande parte dos moradores da região, tem a pesca como um ofício de várias gerações de sua família: “Meu avó era pescador, meu pai é pescador, tenho tio pescador, meu esposo é pescador”, relata sobre a época em que ainda era possível se sustentar somente com essa profissão na região, hoje em 12

dia a maior parte da sua renda vem dos seus atendimentos como manicure. O bairro 135 fica localizado a cerca de 2km da barragem Pedra do Cavalo, onde funciona a usina hidroelétrica da Votorantim. Próximo a essa barragem, mas precisamente no distrito de Capoeiruçu, na cidade de Cachoeira, funciona a fábrica da Mastrotto. Durante o processo da curtição do couro, são gerados resíduos que precisam de tratamentos e descartes adequados, mas o que é apontado pelos moradores dessa localidade é justamente o contrário. Segundo eles, o lodo descartado pela fábrica

Lilia, à direita, mora na beiro do rio e tem saudades do tempo em que havia fartura de peixe. 13

Foto: Iago Aragão


contamina o rio, causando não só prejuízos ambientais como o desaparecimento de peixes, e também impactando diretamente na saúde e na renda dessa comunidade. A população desse local, que é composta em sua maioria por ribeirinhos remanescentes de quilombos, além da pesca, também utiliza a água do rio para alguns serviços domésticos como banho e lavagem de roupas, por exemplo. Lilia Souza, que mora na margem do rio, teve que diminuir seu contato com a água com receio de doenças causadas pela poluição. Ela diz: “Eu não tomo mais banho no rio porque eu me coço toda. Eu tenho marca de ferida, de tanta coceira que eu fico. Mas ainda uso para limpar a casa, para lavar um prato, passar um pano”. Segundo alguns moradores, o descarte acontece geralmente três vezes por dia: no começo da manhã, próximo ao meio dia e no final da noite. Outra grande reclamação de quem mora perto da margem é o cheiro forte gerado pelos resíduos de couro. “É carniça. Carniça mesmo! Não tem outro nome para o fedor não. É carniça”, afirma Nininha com indignação. Segundo ela, algumas pessoas têm até dificuldade em almoçar devido ao mau cheiro que toma o ar no horário da refeição. E é complementada por sua amiga Maria Rita, que conta sobre um episódio em que teve um mal-estar: “Eu mesmo não aguentei. Saí daqui doida correndo para casa por causa do cheiro e com dor de cabeça”. A comunidade conta com uma associação de moradores e dentro das reuniões tenta discutir estratégias de alcançar a atenção do poder público para essa situação. Ao longo de muitos anos buscando por algum tipo de reparação, algumas entidades e organizações não governamentais se juntaram a fim de apoiar a luta desses moradores, como é o caso do Instituto Afroamérica e, mais recentemente, do Movi-

mento Atingidos por Barragem, o MAB. Para os mesmos, a situação da população do 135 também tem relação com a barragem vizinha, pois a retenção de água feita pela Pedra do Cavalo, faz com que a região tenha pouca vazão ao longo do rio, agravando o acumulo dos resíduos na região. E é por isso que a comunidade é a mais afetada pelo problema, assim como a do bairro Varistrada, já que as outras localidades ribeirinhas mais abaixo e distantes da barragem, não sentem tanto os impactos dos resíduos pela dissolução deles ao longo do Paraguaçu. Antonio Tafarel, diretor executivo do Instituto Afroamerica, é nascido e criado dentro do bairro 135, e é um importante nome na interação da comunidade com esses movimentos. Inclusive foi daí que surgiu a parceria com o instituto, que já há alguns anos vem desenvolvendo ações de visibilização dos problemas dessa comunidade. Tafarel fala sobre uma recente reunião com o Conselho de Segurança Alimentar do Estado da Bahia, o Consea, que aconteceu no terceiro trimestre desse ano e já foi um avanço significativo. Ele diz: “Fomos convidados, levamos alguns pescadores e pescadoras. Fizemos uma apresentação lá sobre a grave situação que a comunidade do

Foto: Iago Aragão

Varristrada e do 135 estão enfrentando”. Segundo Tafarel também houve um contato com o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), que mandou fazer alguns estudos de impactos ambientais na região, mas ainda sem data para a divulgação do resultado.

Foto: Iago Aragão

“ Sempre gostei de pescar

por lazer, uma diversãozinha... E também pra tirar um dinheirosinho, um extra. ”

A Mastrotto entrará nos próximos meses em processo de renovação da sua licença para se manter no local e para o ativista essa é uma boa oportunidade para a população: “A gente precisa aproveitar essa renovação da licença pra tomar algumas medidas reparatórias e compensatórias no sentido de tentar tá amenizando o problema”, finaliza. A comunidade segue com a esperança de ter de volta o Paraguaçu de anos atrás, o rio que já ajudou a criar tantas gerações de famílias é parte fundamental da identidade e cultura desse povo. É preciso de atenção a esses problemas, porque dizem respeito a toda uma sociedade. A situação do 135 percorre não só a valorização e preservação ambiental, mas também o respeito a vida dessa população.

Ataildes não nasceu no 135, mas conhece o rio desde criança e a pesca é sua maior diversão. Foto: Iago Aragão

“se você Aqui não existe renda, quiser renda vai ter que ir pra fora. ”

Samuel é pedreiro, mas ainda tenta a pesca no Paraguaçu como forma de complementar a renda. 14

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texto: Sâmia Sales

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Salvador DA

CIDADE BAIXA A capital baiana ainda tem muita beleza escondida lá embaixo Salvador é dividida em duas cidades, a cidade alta e a cidade baixa. Marta Maria Gomes e Celina Márcia de Souza Abbade, autoras do artigo intitulado: No sobe e desce das ladeiras, Salvador conta a sua história, descrevem que devido o desnível da cidade, a alta foi feita com muralhas a fim de restringir o núcleo urbano, enquanto a baixa foi pensada para locais de trabalho e atividades portuárias. No passado, a ladeira da preguiça, localizada no bairro Dois de Julho, fazia ligação entre as cidades em questão. O que era descarregado na cidade baixatransportava e abastecia a cidadealta. No intuito de desenvolver um lugar fortificado para evitar invasões, a zona elevada tinha vista favorecida para o mar e facilitava o combate contra os inimi-

Foto: Iago Aragão

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gos. A parte alta centralizou o administrativo da cidade, os grandes prédios públicos, os hospitais, Santa Casa da Misericórdia e as moradias das famílias de alta renda. A cidade baixa ficava responsável pela produção econômica e portuária da província. Por ser banhada pela Baía de Todos os Santos, ela ficou encarregada pela descarga dos navios que abasteciam a cidade alta. Com o passar do tempo e a expansão econômica e social de Salvador, a população de baixa renda foi direcionada para as bases periféricas, velhas edificações e encostas da metrópole. E desse modo, se construiu a cidade de Salvador: cidade alta, a repartição da elite soteropolitana e a cidade baixa, a zona periférica e de maior população da metrópole. 17

Turismo na Bahia Salvador é um dos principais destinos para o verão. Em uma pesquisa na internet nos sites de turismo, os locais oferecidos para visitação na capital são sempre o Farol da Barra, Pelourinho e Centro Histórico. Além do Carnaval, que ocorre entre o mês de fevereiro e março nos bairros da Barra e Campo Grande, sendo a maior festa de rua do planeta, se tornando o portal de entrada para que pessoas do mundo inteiro conheçam a capital da Bahia. Os bairros especificados, de fato, têm lugares que são realmente especiais. As paisagens são belíssimas. Por exemplo, quem não sente alguma emoção quando vê a junção do mar com o farol da Barra?


Foto: Bárbara Lima

Ou quem não imagina a vida antiga que ocorria nos corredores do Pelourinho quando está no local? Mas o interessante é que são todos localizados na cidade alta. Nessa divisão que coloca a cidade entre ricos e pobres, esquecem de colocar na rota para o turismo que a cidade baixa tem belezas tão interessantes quanto à parte elitizada de Salvador.

Tem turismo na cidade baixa Gilvânia Mendes foi moradora do bairro da Ribeira por mais de dez anos disse que uma das coisas que ela mais gosta de fazer é admirar a baixa do Bonfim e a Boa Viagem. A Boa Viagem ou Monte Serrat é banhada pela Baía de Todos os Santos. Uma das riquezas históricas de Salvador, a Baía de Todos os Santos é a mais tropical do mundo por ser maior reduto de águas tranqüilas e cristalinas, com temperaturas adequadas com variações de 24ºC a

26ºC, além da diversidade da vida submarina. Quem chega ao bairro da Boa Viagem, em Salvador, fica encantado ao observar o farol de Monte Serratque, dos três da cidade, ele é o único feito dentro do mar. Os faróis têm a utilidade de guiar os navios dos lugares rochosos existentes no mar. Para além dos faróis, Monte Serrat é um dos locais de referência para quem mora na região ou dentro da cidade. O lugar tem paisagens deslumbrantes juntamente com a igreja que leva o nome do lugar ao redor. Para quem quer passar uma tarde com a família apreciando o mar e estar pertinho da nossa história, com certeza esse é o lugar. Não distante dali se encontra a Ponta do Humaitá, tão famosa para os soteropolitanos. O local dos casais apaixonados, dos retratos das famílias ou de encontro com amigos. O lugar é tão especial que virou referência na cidade 18

para quem gosta de assistir pôr do sol, contemplar a paisagem e até mesmo entender a geografia da divisão da cidade. Ao redor desse composto de paisagens e história estão a Baía de Todos os Santos, que vem da Barra e passa pela Península de Itapagipe que é toda região da Ribeira, Bonfim, Boa Viagem e Monte Serrat, desaguando pelo Recôncavo. Lugares incríveis com beleza natural e contexto histórico-colonial pouco explorado em uma Bahia tão visitada por turistas de todo mundo. Os bairros periféricos têm seus grandes encantos e histórias, precisam ganhar destaque até mesmo para o desenvolvimento econômico e estrutural da área. É importante que os homens que dividiram Salvador, socialmente e economicamente, aprendam com o mar que sem distinção percorre todos os lugares, mostrando que beleza não está dividida em zona rica ou pobre.

Foto: Bárbara Lima

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