Revista Damário - Edição Especial Reverso 107

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Damário! Revista de Jornalismo Cultural e Científico

GLAUBER ROCHA AINDA VIVE NO VELHO ESPANHA

AS STARTUPS VÃO DOMINAR SALVADOR!

EM BUSCA DE DAMÁRIO DACRUZ

Iniciativas como a Vale do Dendê e o Parque Tecnológico incentivam empresas inovadoras

Por onde anda o legado do homem que escolheu Cachoeira como pouso para o seu sonho?

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JAN/2019


ÍNDICE

04

SOBRE OUSAR E IR ALÉM

04

MUITO PRAZER, DUDA BEAT

AO LEITOR

CULTUROLÓGICA

05

06

INOVAÇÕES MADE IN BAHIA

CULTUROLÓGICA

TECNOLOGIA

08

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NÃO É MATO, É PANC!

EM BUSCA DE DAMÁRIO DACRUZ

UM CENTENÁRIO NOS BARRIS

PÁGINAS AZUIS

SABERES

Reitor da UFRB Silvio Soglia

Este é um produto

Diretor do CAHL Jorge Cardoso Filho Coordenador do curso de Jornalismo Robério Marcelo Ribeiro

Repórteres Adailane Souza Bruno Leite Lucas Neves Monalysa Mélo

Orientador Péricles Diniz Bahia

Revisão de texto Bruno Leite

Monitor Rodrigo de Azevedo

Direção de arte Bruno Leite

Editor-chefe Lucas Neves

Foto de capa Bruno Leite

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AO LEITOR

SOBRE OUSAR E IR ALÉM LUCAS NEVES | Editor-chefe

A possibilidade de arriscar é que nos faz homens. Vôo perfeito no espaço que criamos. Ninguém decide sobre os passos que evitamos. Certeza de que não somos pássaros e que voamos. Tristeza de que não vamos por medo dos caminhos.

(Todo Risco, de Damário Dacruz) Continuamente, vivemos e observamos o início de muitos ciclos, ainda que estes representem o fim de tantos outros. Damário Dacruz foi poeta, fotógrafo, jornalista, agitador cultural baiano e inspiração para que essa ideia se tornasse concreta. A Revista Damário surge como mais um ciclo e cada página aqui é um pouco da nossa trajetória. Nela faremos uma viagem ao Vale do Dendê e ao Parque Tecnológico da Bahia, um passeio através do campo e da academia, conhecendo um pouco mais das PANCs, passaremos por Cachoeira e pousaremos na história que dá nome a revista. No caminho, daremos uma pequena parada no bar Velho Espanha para uma bate-papo. E assim, seguiremos conhecendo e redescobrindo um pouco mais da inovação e da cultura baiana e do recôncavo. A possibilidade de arriscar é que nos faz homens. Obrigado, Damário!

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CULTUROLÓGICA

MUITO PRAZER, DUDA BEAT! BRUNO LEITE | Texto e Fotos

F

amosa por hits como ‘Bixinho’ e ‘Bolo de Rolo’, Duda Beat tem muito o que falar desde a sua saída de Pernambuco, quando foi para o Rio de Janeiro com a pretensão de estudar Medicina. Na cidade, desilusões amorosas fizeram o favor de transformar o que poderia ser sofrimento em sucesso. Com trinta anos, a cantora veio pela primeira vez à Bahia no último dia 25 de novembro, para se apresentar na derradeira noite do Feira Noise, o maior festival de artes integradas do Nordeste. Apesar de cantar desde os treze anos, foi com o álbum ‘Sinto Muito’, lançado em 2018, que ela despontou no cenário das plataformas de streaming. Somente no Spotify, a cantora acumula hoje 155.339 ouvintes mensais. O disco tem onze faixas que beiram as temáticas da rejeição e do desapego, além de apresentar uma artista com musicalidade carregada de referências pop, de estética ousada, falante de um sotaque com influências cariocas e pernambucanas e dona de um loiro platinado.

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“Tudo o que tá ali no disco foram coisas que aconteceram na minha vida, eu sofri pra caramba, sofri por um cara por sete anos seguidos e depois por outro por três anos”, confessa Duda. “Acabou que o outro levou mais músicas do Sinto Muito do que o de sete anos, mas toda experiência foi válida, né?”, conta sobre o que ela chama de “saldo positivo”. O nome artístico surgiu através de vários fatores e uma autorização numerológica. O “Eduarda” deu lugar ao “Duda” e o “Bittencourt” ao “Beat”. A sugestão veio de uma backing vocal e nos primeiros momentos causou receio sobre a verdadeira ideia que queria passar. “Fiquei na dúvida se ia pegar isso para mim, aí lembrei do movimento Manguebeat, que é um movimento extremamente importante da minha terra e eu falei: ‘não tô pegando nada de ninguém’”, detalha. A terra natal é tão presente na sua obra quanto o seu relato pessoal de idas e vindas do amor. E essa relação ela explica: “Minha relação com Recife é de intimidade profunda, é uma relação em que meus pais moram lá ainda, minha família inteira mora lá, então sempre que eu posso eu estou lá e eu acho que é isso, é onde eu me formei”. Segundo ela, Pernambuco aparece como um refúgio para os momentos de dureza na capital carioca.


EM BUSCA DE DAMÁRIO DACRUZ MONALYSA MÉLO | Texto RICARDO PRADO | Foto

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oeta, fotógrafo e jornalista brasileiro. Considerado o melhor poeta universitário da década de setenta, Damário Dacruz nasceu no dia 27 de julho de 1953. Apesar de ser natural de Salvador, acabou recebendo o título de cidadão cachoeirano em 2005, como forma de agradecimento por sua importância cultural para a cidade. Durante sua vida, o “fotógrafo da poesia”, como ficou conhecido, conquistou prêmios, publicou três livros, 500 poemas e mais de 30 posters-poemas. Ganhou reconhecimento e é respeitado internacionalmente, chegando, por exemplo, a ter seus posters-poemas expostos em Paris. Damário surpreendeu a todos quando na década de noventa, na contra-mão de quem desacreditava na recuperação da cidade de Cachoeira após a enchente sofrida, resolve comprar um sobrado em ruínas para investir em sua restauração, criando logo depois a Galeria de Arte Pouso da Palavra, inaugurada em 2001. Com o passar o tempo, o local tornou-se ponto de referência cultural e turístico, promovendo um espaço para lançamentos literários, atividades artísticas, recitais de poesias, exposições, debates, biblioteca, mostra de trabalhos, de fotografias e artesanatos. Ele dizia que “o objetivo do pouso da palavra é provocar a criatividade e investir na manutenção da arte”. Atualmente, o Pouso da Palavra está com uma cara nova. O espaço abriga um restaurante que foi inaugurado em março de 2018. No local, ainda se conservam alguns aspectos importantes sobre o legado do poeta. O dono do restaurante, Manuel Mayan, que foi amigo pessoal de Damário, defende o interesse em fazer uma reabertura da galeria em homenagem ao fundador, que faleceu em 2010, mas até lá, o lugar permanece como está, tendo Damário como segundo plano.

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TECNOLOGIA

INOVAÇÕES MADE IN BAHIA BRUNO LEITE | Texto e Fotos

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s startups são modelos de negócio que vão dominar o Brasil. A afirmação parece messiânica, mas de acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), estima-se que existam cerca de seis mil em todo o país. Esse número segue aumentando e na Bahia, iniciativas inteligentes têm gestado vários negócios nesse formato. Uma delas é a Vale do Dendê, uma holding que incentiva negócios de impacto social liderados por jovens negros e periféricos - um incremento necessário em um estado em que, de acordo com dados do IBGE, 80,3% da população se declara enquanto preta e parda. A Vale do Dendê surgiu em 2016 a partir da iniciativa de quatro pessoas, a comunicadora Ítala Herta, o publicitário Paulo Rogério, o jornalista Rosenildo Ferreira e o economista Hélio Santos. Até aqui, trinta empreendimentos criativos e inovadores já foram pré-acelerados através de consultorias, facilitações e encontros com potenciais investidores, parceiros e outros empreendedores. Desse número, cerca de dez chegaram à última etapa, alguns venceram editais de financiamento e outros estão na fase de diálogo para receber investimentos.

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Uma das premissas do projeto é transformar Salvador na cidade mais inovadora do Brasil, após um ócio de apostas do tipo. Essa inércia, para o diretor executivo da Vale do Dendê, Paulo Rogério, é fruto de uma falta de compreensão histórica sobre a importância da diversidade para a inovação. “No geral, nossa cultura empreendedora na universidade é um pouco limitada, na escola também. O poder público só agora começou a pensar nesse tema da inovação, nas três esferas [união, estados e municípios]”, explica. A loja, no segundo piso de um dos shoppings mais movimentados de Salvador, serve como uma vitrine para a atuação do projeto e uma fábrica de ideias. De lá, saíram ações como a Ocupação Afrofuturista, um evento de cultura inovadora realizado na capital e em mais duas cidades do interior, Irecê e Seabra. Já quem passa pela Avenida Paralela, na altura do Bairro da Paz, nem imagina o que ocorre no grande prédio vermelho em meio à vegetação nativa. O Parque Tecnológico da Bahia, esse grande prédio, é um órgão vinculado à Secretaria de Ciência e Tecnologia e Inovação do estado, no qual estão instaladas empresas, institutos de pesquisa e é claro, startups.


Doze startups estão instaladas no Parque Tecnológico, divididas em áreas de atuação específicas. “A gente divide aqui em algumas áreas prioritárias, não quer dizer que não vão entrar outras bases tecnológicas, mas é saúde, tecnologia da informação e energia”, detalha Ivson Manzini, responsável pela incubadora de empresas, a Áity.

NEM TUDO SÃO FLORES

Uma empresa fica na incubadora por um prazo de até três anos e o custo de ocupação, levando em consideração ao estipulado no último edital, é inicialmente de R$15 reais por metro quadrado no primeiro ano, chegando a R$ 25 no terceiro e último ano. Entre os benefícios de estar ali está a mediação feita entre a incubadora, instituições públicas e empresas na prospecção de investimentos e investidores.

Segundo Ivson, a ocupação dos lotes depende da liberação do habite-se e de uma redefinição do projeto inicial. Já em relaão aos outros prédios, eles seguem como meta e a previsão é de que um outro edifício seja construindo em 2019, dando prosseguimento ao que foi idealizado.

O parque foi implantado em setembro de 2012, mas até agora, seis anos depois, apenas um dos prédios foi construído. Lotes desocupados e ruas vazias denunciam a realidade do local. Pelo menos três outros prédios estão no planejamento.

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PÁGINAS AZUIS

GLAUBER ROCHA AINDA VIVE NO VELHO ESPANHA LUCAS NEVES | Texto BRUNO LEITE | Fotos

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ompletando cem anos em 2018, o bar mais famoso dos Barris, no centro de Salvador, já foi ponto de encontro de Glauber Rocha, do jurista Josaphat Marinho e do ex-ministro do STJ, Álvaro Peçanha Martins. Rebatizado de Velho Espanha Bar e Cultura, o local tem muita história. Tanta história que os idealizadores do projeto, Arthur Dalto e Uiara Araújo, decidiram manter na reforma o teto de madeira de lei, o piso de ladrilho hidráulico e as paredes de adobe exposto, tudo bem arquitetado com a nova proposta do bar, que hoje tem um mini festival de música, rodas de samba, shows, apresentações de teatro, dança, performances e até vernissage, com mostras de arte. Para combinar com a proposta do bar, quadros e pinturas decoram o ambiente. As geladeiras e a luminária vintage rememoram pelo menos as três gerações que passaram pelo comando do bar. No wifi, uma mensagem: “2016foigolpe”. E assim, o Velho Espanha vai tomando forma. A cozinha de boteco também tem seu diferencial: os pratos são batizados com nomes de ruas e espaços da cidade. Caldos, pastéis e bolinhos de bacalhau são servidos junto à cerveja que está sempre no ponto.

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Damário: De onde surgiu a ideia de reabrir o bar?

D: O investimento foi de quanto?

Arthur: Eu e a Uíara, a gente vivia aqui. É o bar do bairro, se perguntassem onde eu queria estar, eu diria: No Espanha! Mas era um bar tão delicioso quanto tosco. [...] O mictório do bar era no chão, era super frequentado por homens, as amigas que a gente trazia, se fossem um pouco mais frescas, certamente não iriam gostar do ambiente, mas a gente adorava! [...] Esse bar, na verdade, a última geração que a gente teve contato, foi levado por três irmãos. Seu Zé, esse cara de oitenta e poucos anos, que bebe aqui ainda e mora aqui na rua, ele veio pra cá, pra morar com o pai dele, que já estava dentro desse empreendimento. Ai o bar ia fechar, seu Zé passou o bar, uma pessoa comprou o ponto e aí tiveram três administrações entre seu Zé e a gente. Acabaram sendo administrações não tão inteligentes do ponto de vista profissional mesmo. Era um bar, mas era um bar tosco. Seu Zé era muito sisudo, não deixava você fazer muita coisa. Nesse período fizemos alguns sambas, um samba em apoio ao segundo mandato de Dilma. Enfim, manteve a proximidade com a Espanha até que a última administração, que era de Jose, filha de libanês, tava indo mal e decidiu fechar o bar. Ai eu e a Uiara não deixamos. Tinha a ideia de ser um possível restaurante de comida japonesa, imagina! Um bar que ia fazer cem anos. Aí a gente se meteu nisso aqui, foi uma loucura. Fizemos vários empréstimos. A gente sempre quis ter um bar também, então deu certo.

A: Não sei precisar, mas foi mais de cem mil reais. A gente reformou bastante, demolimos o balcão e o banheiro. Houve intervenção na infraestrutura, construímos dois novos banheiros, abrimos uma porta que não tinha, recuou o balcão pra dar mais espaço, porque o bar era praticamente um corredor. Transformamos a cozinha numa cozinha profissional e o tratamento acústico na verdade é um remendo, né? Isolamos as janelas só. Não fizemos um isolamento no bar inteiro, porque nem era a proposta, isso transformaria o bar numa casa de shows e por mais que a gente faça shows, a ideia do Espanha é ser um bar mesmo.

“São tempos árduos e não dá para não se posicionar”.


D: E a relação do bar com Glauber Rocha e outras personalidades? Teve algum tipo de motivação para vocês manterem esse legado do bar? A: Temos um grupo de amigos aqui dos Barris, que tem um discurso meio bairrista, sobre essa ideia de afirmar o centro da cidade. Então o bar vem dentro dessa onda, era uma brincadeira que ficou um pouco mais séria que se chama o M.E.B. - Movimento Etílico dos Barris. A gente sempre brincou dizendo que o Barris era o melhor lugar do mundo e o Espanha era o bar do bairro, depois abriram outros bares, mas era o bar por excelência dos Barris. Glauber Rocha morou aqui, frequentava o bar, aí, óbvio que não perderíamos essa. O bar tem uma perspectiva de ser mais que isso, ser bar e cultura e a gente não ia perder essa chance. Talvez o maior cineasta da história do cinema brasileiro, um ícone que muito nos orgulha. Se tivesse vivo hoje, estaríamos convivendo com Glauber Rocha - imagine que coisa maravilhosa seria. Nessas conversas que tive com seu Zé, soube de outras pessoas: juristas, professores da Faculdade de Comunicação da UFBA. É um bar em frente à biblioteca pública do Estado da Bahia, a mais antiga da América Latina, por mais que não tenha funcionado desde sempre aqui mas num passado recente é uma referência. É um complexo, duas salas de cinema, teatro, um espaço de produção de audiovisual da Bahia. Então é um bar bastante frequentado, moram artistas aqui no bairro e os artistas que não moram, frequentam o bairro também, então veio a calhar tudo isso aí.

D: Vocês fizeram recentemente o festival Glauber Rocha. Por que fazer esse festival e integrar essas várias artes? A: Dentro de um ano a gente fez duas festas de aniversário. O Projeto Velho Espanha completou um ano, a gente fez o festival, que na verdade, no segundo ano vai se chamar Festival Barris de Música. Esse ano lotou, foi uma coisa muito mais comercial, virou festa de largo. Na abertura do bar a gente já tinha feito esse festival, que também lotou pra caramba. O bar tem uma perspectiva de dialogar com todas as linguagens artísticas, não só de música. Então a gente sabia que ia ter dois aniversários, dentro do ano e do planejamento. Um de um ano e outro de cem anos, no mesmo ano que o projeto Velho Espanha completou um ano, o bar do Espanha propriamente, que não começou como bar mas a ideia do Espanha, tinha cem anos de idade. Depois que a gente abriu o bar, inclusive, saiu um fato interessante, conversando com seu Zé, ele dizia assim ”O bar foi inaugurado na data que tá escrita na fachada do prédio, pode olhar lá!” E lá em cima do prédio tem dizendo 1920, né. Depois que abrimos o bar, achamos esse registro na junta comercial do bar em 1918. Então o bar não abriu em 1920 e sim em 1918, e desconfiamos que o prédio tenha demorado talvez mais dois anos pra construir, pra subir os andares. Aqui tem também uma exposição de artes visuais e teremos outra em dezembro. Já tivemos apresentação de teatro, de dança. O balé jovem de Salvador já dançou aqui, já teve monólogo de teatro e performances também e a gente quis mesmo fazer um festival que dialogasse com todas as linguagens artísticas. A curadoria foi de Uiara, que é minha sócia e foi super lindo. D: Como é a relação do público com o bar? A: Hoje a gente consegue atrair um público de fora, que foi até uma surpresa positiva para nós. A gente recebe pessoas de outros cantos de Salvador que vem pra cá e também as pessoas do próprio bairro que tem essa relação de pertencimento mesmo, mas o retorno que a gente tem é positivo, costumam falar bem.

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D: Mudou muito o público nesse processo de revitalização do bar? A: Sim, mudou. É algo que nos orgulha, mas a gente fica assim um pouco cauteloso. Querendo ou não, a gente imprimiu um novo movimento dentro do bar, então a gente percebe que alguns públicos mais antigos acabaram se distanciando um pouco. Em compensação, outros públicos de pessoas de faixa etária mais avançada também vieram para o bar, mas essa coisa da atualização que a gente fez com inclusão de música, de transformar o bar em um bar com arte, que respeita todos os tipos de gente, de orientação sexual, de raça, de idade e gênero, acho que isso assustou algumas pessoas. A gente também teve o acréscimo de outros clientes novos e isso vai manter o espaço vivo, mantendo a tradição que a gente quer manter do Espanha desde o piso ao nome, ao teto, descascando as paredes pra dar esse ar mais vintage mas também acenando para o novo. Afinal de contas o bar estava fincando, as administrações que vieram não fizeram isso e não deu muito certo. Então esse foi um caminho que a gente achou pra manter o Espanha vivo. D: Na nossa conversa prévia, você disse que trabalhava na área de comunicação. Você é comunicador por formação? A: Não, eu e a Uiara somos advogados por formação, mas eu estou trabalhando com comunicação. Dei uma estudadinha, fui atrás das coisas. Mas tanto eu quanto ela somos advogados juristas, eu diria, por formação, apesar dos dois terem a carteira da OAB, mas os dois trabalham hoje na Caixa [Econômica Federal]. Aí eu trabalho no setor de comunicação do banco e ela numa agência bancária.

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“Esse bar é um bar metalinguístico, um bar que fala do centro da cidade, a gente fez um mapeamento cultural e com isso a gente quis dizer que o Espanha está perto de todos os pontos culturais da cidade que são importantes”, Arthur. D: E como funciona a gestão do marketing do bar? Existe alguma estratégia? A: Temos uma estratégia de comunicação desde de antes do bar abrir. Na época que o bar abriu, tínhamos dois mil seguidores no Instagram, por exemplo. Então tem uma célula de comunicação, a gente tem duas redes sociais, o Facebook e o Instagram. Hoje o Instagram tem mais de dez mil seguidores e o Facebook três mil e poucos. Fazemos uma média de cinco a sete publicações na semana. Em alguns eventos específicos temos um mapeamento. A gente solta o release, então tem o trabalho de assessoria de imprensa também, ou seja, pensamos sim na comunicação, desde a escolha dos artistas, que é um conceito também. Acredito que isso integra o conceito de comunicação do bar, do cardápio que é pensado pra comunicar, homenageando ruas e espaços do centro da cidade. Então a comunicação é bem ampla, e o próprio projeto de pensar um bar, é um projeto de pensar um bar que comunique.

D: A veia política também é muito forte aqui no bar, certo? A: Sim, desde sempre. São tempos árduos e não dá para não se posicionar. D: É algo segmentado, as pessoas procuram o bar por isso? A: Isso contribui de alguma forma, mas também não é algo que a gente faça porque queremos segmentar um público. Isso acontece naturalmente. O bar tem uma vocação esquerdista, acho que isso reflete um pouco no posicionamento de vida que eu e a Uiara temos e hoje num negócio é obrigatório você se posicionar. A gente não discrimina nem trata de forma diferente quem quer que seja, que chegue aqui, desde que chegue com respeito. O que houver de episódio que seja de desrespeito a direitos humanos, minorias ou qualquer coisa, a gente vai coibir, vai chegar junto, é um bar pra todo mundo. Nessas eleições, fizemos alguns debates com candidaturas mais ligadas à esquerda.


SABERES

NÃO É MATO, É PANC! ADAILANE SOUZA | Texto e Foto ROMEU LEITE | Foto

V

ocê já ouviu falar em PANCs? Se não ouviu, talvez já tenha visto em algum lugar. As plantas alimentícias não convencionais possuem uma função definida no papel da biodiversidade e servem como plantas condimentares e alimentares para seres humanos e animais. Elas, apesar de estarem disseminadas ao nosso redor, não são devidamente valorizadas enquanto alimentos. Há uma grande variedade de espécies cultiváveis no Brasil. As PANCs, além de um alto valor nutricional, são de fácil cultivo, uma vez que são naturais do nosso ecossistema, ou seja, o custo para sua produção é mínimo. Mas veja bem, é preciso conhecer qualquer uma destas plantas antes de levá-la à mesa, já que algumas variedades são tóxicas e o preparo de forma errada pode causar grandes prejuízos. Na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em Cruz das Almas, um grupo de pesquisa estuda plantas alimentícias não convencionais. A professora Franceli Silva, coordenadora do grupo explica: “É difícil às vezes você reconhecer numa planta um hábito alimentar que foi utilizado por nossos antepassados e que a gente não utiliza mais, porque nossa visão hoje é mais comercial”. As PANCs são, em boa parte das vezes, plantas espontâneas, que nascem e se desenvolvem sem maiores cuidados. Para quem não lida diretamente com o campo é mais complicado identificar as plantas, porque muitas das vezes são confundidas com ervas daninhas ou plantas sem função na natureza. Reconhecer uma alface, por exemplo, é muito mais fácil do que reconhecer uma beldroega. “Geralmente o que a gente faz é utilizar um manual que já tem uma descrição dessas espécies e quando a gente vai à campo a gente tenta identificálas, dentro daquele conjunto de plantas espontâneas”, ressalta a professora Franceli.

ALGUNS EXEMPLOS Nos últimos anos, pesquisadores têm dado atenção a esse grupo de plantas. O engenheiro agrônomo Romeu Leite, que estuda a espécie Physalis angulata, conhecida como Camapú ou Juá-de-capote nas comunidades rurais do país, destaca que, além de apresentar um fruto com sabor agridoce que pode ser consumido in natura, a Camapú também apresenta outras partes, como caule e folhas, com propriedades antioxidantes, anticancerígenas e anti-inflamatórias. Outra planta não convencional é a Beldroega. Ela tem níveis extremamente altos de ácidos graxos, ômega-3 e com quantidades significativas de vitaminas A, B e C. Dela são utilizados os talos e as folhas em saladas cruas, sucos, sopas e caldos. Mais um exemplo é o Caruru, presente em quase todas regiões do Brasil. Conhecido popularmente como bredo, é de uso muito comum no estado da Bahia, onde é usado para diversas receitas e, inclusive, um dos pratos típicos da culinária baiana recebe o nome caruru. Já a Jurubeba, que é considerada uma planta rústica, também pode ir ao prato. Ela tem poder anti-inflamatório, digestivo, diurético, cicatrizante, estimulante, laxante, tônico e descongestionante, além de estimular o apetite e o fluxo menstrual e facilitar a digestão.

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