Perto da margem - Close to the edge (Bilingual)

Page 1

P E R TO DA M A RG E M C LO S E TO T H E E D G E

Pe d r o C a l a p e z

t

o P

t

r

P E R TO DA M A R G E M C LO S E TO T H E E D G E
2 0 2 1 t e x
o |
e x t Jo ã
i n h a
a n d a D
O C U M E N T A

A apresentação, todos os anos, no museu da Fundação Arpad Sze nes Vieira da Silva, da obra de um grande artista português contem porâneo é uma das linhas estratégicas da nossa programação, permi tindo um diálogo renovado e plural da criação actual com o legado artístico dos nossos dois Patronos. Assim foi possível expor, nos últi mos anos, Jorge Martins, artistas da colecção de Victor Pinto da Fonseca, Manuel Baptista e Eduardo Batarda.

Este programa tem o apoio mecenático da Fundação Carmona e Costa, em diálogo com a qual é escolhido o artista a apresentar e o curador da exposição.

Por esta parceria exemplar, que tem tido um assinalável sucesso e que as duas partes desejam manter e aprofundar, estamos muito gratos à Dra. Maria da Graça Carmona e Costa, grande mecenas das artes em Portugal.

É neste âmbito que agora se apresenta a exposição «Perto da Mar gem» com curadoria de João Pinharanda, com um conjunto de obras recentes de Pedro Calapez criadas entre 2018 e 2021, na sua maioria inéditas, realizadas em diversos suportes e com uso de dif e r e n t e s

5

t é c nicas, sendo que em duas delas de 2021, Balançoire e Labirinto,é intuível um diálogo criativo com a obra de Vieira da Silva.

A Pedro Calapez, um dos artistas mais representativos da sua geração, a Fundação Arpad Szenes Vieira da Silva agradece o grande empenho pessoal posto na realização deste projecto. O nosso reco nhecimento vai também para João Pinharanda, cuja colaboração tanto tem enriquecido a nossa programação.

António Gomes de Pinho

Lisboa, 2 de Dezembro de 2021

6

The yearly presentation, at the museum of the Arpad Szenes Vieira da Silva Foundation, of an exhibition showcasing the work of a major contemporar y Portuguese artist is one of our strategic pro gramming guidelines, allowing for an ever renewed, plural dialogue between modern creations and the artistic legacy of our two Patrons. Thus, over the past years we have exhibited works by Jorge Martins, artists from Victor Pinto da Fonseca’s collection, Manuel Baptista and Eduardo Batarda.

This programme is sponsored by the Carmona e Costa Founda tion, with whom we work to select the featured artist and the exhibition’s curator.

For this exemplar y partnership, which has been remarkably s u c c e s s f u l a n d wh i c h b o t h p a r t i e s i nvo lve d w i s h t o c o n t i n u e a n d develop, we are ver y grateful to Mrs. Maria da Graça Carmona e Costa, a great supporter of Portuguese art.

It is within this context that we now present “Perto da Margem”, an exhibition curated by João Pinharanda, featuring a set of recent works by Pedro Calapez, created between 2018 and 2021, most of

7

them previously unseen, done in a variety of supports with different techniques; in two of them, Balançoire and Labirinto (both 2021), a creative dialogue with Vieira da Silva’s work can be sensed.

The Arpad Szenes Vieira da Silva Foundation wishes to thank Pedro Calapez, one of the most important artists of his generation, for his outstanding personal commitment in making this project a reality. We also wish to thank João Pinharanda, whose contributions have so enriched our programming.

Lisbon, 2 December 2021

8

Depois da Margem

Depois da margem fica o abismo para onde corremos ou onde corre já a água que nos afogará depois da queda. Os sucessivos capí tulos de que esta exposição se compõe deixam nos à beira de vários perigos e abrem nos o caminho para o precipício dos sentidos, se o quisermos tomar: entre o corpo e a queda, entre o olhar e a cegueira. Pedro Calapez encontra o título da sua exposição, «Perto da Margem», nas palavras de uma canção dos Yes, «Close to the Edge», que cita nas suas notas de trabalho: «D ow n a t t h e e n d , r o u n d by t h e c o r n e r / Close to the edge, just by a river / Seasons will pass you by / I get up, I g e t d ow n / Now t h a t i t ’ s a l l ove r a n d d o n e , / Now t h a t yo u f i n d , n ow t h a t yo u ’ r e wh o l e » .

Não há excesso literário nem dramatização estética na associação suicidária que aqui enunciamos. A delicadeza e a elegância, a monumentalidade e o luxo são, na obra de Calapez, o cenário da mal disfarçada e radical angústia revelada nas múltiplas direcções do seu intenso trabalho: como se vê? o que fica do que se vê? ou seja, o que fica do que se vive? porque estamos rodeados de ruínas? até onde de vemos arriscar nos seguir? o que podemos dizer aos outros de nós

9

mesmos? como entender e fazer entender o enigma que sabemos escondido nas coisas?

Para ver esta exposição

Pode esta introdução funcionar como guia de visita da exposição. Em cada sala há um discurso que deve ser tomado na sua autonomia; ou seja, em cada sala há a proposta de uma margem que nos atrai ao abismo e que, ao mesmo tempo, dele nos protege deixando-nos sempre indecisos face à direcção a tomar. Mas obrigamo nos a avançar seguindo as linhas que prendem estas obras entre si, que as prendem ao seu passado e ao seu futuro porque há uma coerência, interna a cada capítulo, uma justificação histórica para o que aqui e agora vemos, porque cada solução encontrada e apresentada pode abrir caminho ao desenvolvimento de uma nova série de trabalhos que veremos numa exposição seguinte.

Mais do que um puzzle, feito de encaixes certos, ou de um roman à tiroirs, abrindo se em perspectiva infinita sobre si mesmo, encon tramos neste percurso uma estrutura horizontal. Fragmentado sala a s a l a , o c o r p o d a e x p o s i ç ã o u n i f i c a s e a o s o b r e p o r ( p o r ve z e s a o r e velar), em pontuais afloramentos, ligações antigas e algumas ima

10

gens novas. No corpo das imagens novas revelam-se tramas subjacentes, memórias e regressos inesperados a algumas das diferentes pistas paralelas que Pedro Calapez tem percorrido: desenho, pinturadesenho, desenho pintura, pintura escultura, instalação; cor e ausên cia de cor; textura e ausência de textura; suportes de tela, de papel, de madeira ou de alumínio; linha ou traço limpo e pincelada ou es patulados largos; bidimensionalidade e tridimensionalidade; citação de múltiplos tempos históricos e literários e também citações da cul tura popular; uma dominante abstracta, pela total ausência da figura humana, mas criação de ambientes de permanente sugestão ou citaç ã o a r q u i t e c t ó n i c a e p a i s a g í s t i c a , c e n o g r á f i c a ( o n d e o e s p e c t a d o r f i gura na obra a partir do seu exterior); montagem de pinturas como sendo contentores, cercas, céus arquitectónicos ou túneis e corredo res; sugestão de um tempo de olhar contemplativo e numerosas exigências de um olhar peripapético.

Depois deste prólogo explicativo o texto divide-se em capítulos acompanhando a lógica discursiva das obras no espaço. Devemos prevenir o leitor de que apenas o percurso físico do museu, a sequência encadeada das salas, determina a ordem deste texto. Assim, a su cessão dos capítulos é aleatória quer do ponto de vista do significado individual de cada um deles (das obras a que se referem), quer do entendimento do conjunto. Porém, o resultado final desta operação

11

resulta maior do que a soma das suas partes, podendo ser tomado como expressão da complexidade do universo do artista oferecida ao olhar complexo dos seus espectadores.

Dedicatórias

A s c i n c o s a l a s s ã o p r e c e d i d a s p o r u m c o n j u n t o d e o b r a s q u e t o mamos como dedicatórias. Um conjunto de obras finais conclui a exposição em jeito de posfácio.

Antes de atravessarmos a zona do museu, onde em permanência se apresentam as imagens dedicadas a Vieira e Arpad, encontramos algumas obras onde Calapez estabelece diálogo directo no espaço com o legado histórico dos dois patronos do museu. O vermelho vertical da primeira pintura (um corpo entre outros #33, 2020), aplicado sobre outras cores fortes em massas muito subtis, abre um caminho sem regresso até ao corpo sem palavras da abstracção que ocupa o trabalho de Calapez e até aos limites de uma espacialidade paisagística que nele não tem marcação de espaço, ou seja, que se apresenta como podendo não ter limites.

Será interessante comparar a liberdade tensa que essa primeira pintura transmite com a liberdade livre que muito mais adiante nasce

12

numa obra de título aparentemente tão simples como Tenho no quintal um limoeiro, 2020, ou com as revelações e ocultações de cor de Mil pinturas #01 e #02, 2021; com a liberdade que Vieira encontra sempre nos constrangimentos do espaço; ou compará la ainda com a liber dade (muito mais próxima da de Calapez) que Arpad pratica na atmos fera fluida das suas praias (onde areia, mar e céu se fundem).

As diagonais que sobem e descem na segunda pintura deste per c u r s o i n i c i a l ( B a l a n ç o i r e s , 2 0 2 1 ) , m a r c a d a s c o m o u m l a r g u í s s i m o gesto de desenho e escrita num vasto campo de prata e mercúrio, expandem as promessas de revisão do espaço pictórico que a obra de Calapez sempre contém; e fazem no até à vertigem de um voo que desdobra as linhas inscritas sobre o fundo. À sua frente, fazendo parte da montagem permanente, a pequena pintura Les balançoires (1931), de Vieira, foi o primeiro espelho (metáfora de miroir-sorcière que tudo nos revela) onde Calapez se olhou para interagir com a pa trona deste museu; e onde também nós nos olhamos.

Atravessado o diversificado campo de pinturas de Vieira do piso principal do museu chegamos, finalmente, às páginas de rosto da exposição e somos introduzidos a uma última exerga destas dedicatórias: quatro barras de alumínio pintado (cobertos os ramos mortos, 2018) são como quatro linhas negras numa pauta musical ou as linhas de um vo c a b u l á r i o s i m p l e s c o m a s q u a i s s e p o d e c o m e ç a r a c o n s t r u i r u m

13

desenho ou a pensar uma pintura de paisagem. São quatro e poderiam ser mais aplicando se a lógica da serialidade da arte contemporânea — encontraremos outras séries, noutros capítulos desta exposição. Esta «página» de um caderno (ainda ou já? ) sem letras, sem números, sem notas musicais inscritas, estabelece uma feliz coincidência com a estrutura da pintura de Maria Helena Vieira da Silva, Esplanade (1967), que se apresenta na parede lateral direita coincidência ines perada mas perfeita, da ordem do «acaso objectivo».

14

Beyond the Edge

Beyond the edge lies the abyss towards which we run or through which already runs the water that will drown us after the fall. The successive chapters that make up this exhibition leave us on the brink of various dangers and open to us the path towards the precipice of the senses, if we care to take it: between the body and the fall, between the gaze and blindness. Pedro Calapez has found the title of his exhi bition, “Perto da Margem”, in the words of “Close to the Edge”, a song by the rock group Yes, which he quotes in his work notes: “Down at the end, round by the corner / Close to the edge, just by a river / Seasons will pass you by / I get up, I get down / Now that it’s all over and done, / Now that you find, now that you ’ re whole.”

There is neither literar y excess nor aesthetic theatricals in the suicidal association we have enunciated here. Delicateness and elegance, monumentality and luxur y provide, in Calapez’s oeuvre, a set ting for the thinly disguised radical anguish that is revealed in the multiple directions of his intense work: how do we see? what is left of what we see? in other words, what is left of what we live through? why are we surrounded by ruins? how far should we dare to go on? what can we say to others about ourselves? how can we understand

15

Before we start

This introduction can act as a tour guide to the exhibition. Each room contains a discourse that should be taken as an autonomous statement; that is, each room offers an edge that draws us to the abyss and at the same time protects us from it, always keeping us uncertain as to which direction to take. Nonetheless, we compel our selves to advance, following the threads that connect these pieces to one another, that tie them to their past and their future — because there is a coherence to each chapter, a historical justification for what we see here and now, because ever y solution that has been found and displayed can usher in the development of a new series of works that we will see in a future exhibition.

Rather than a jigsaw puzzle, where ever ything fits together per fectly, or a roman à tiroirs, opening infinitely upon itself, what we fi n d i n t h i s i t i n e r a r y i s a h o r i z o n t a l s t r u c t u r e . Fr a g m e n t e d f r o m room to room, the body of the exhibition unifies itself by superimposing (sometimes by disclosing), in occasional emergences, old con nections and some new images. The body of the new images reveals

16
and make others understand the enigma we know lies concealed in things?

a number of underlying plots, memories and unexpected returns to some of the various parallel paths Pedro Calapez has explored: draw ing, drawing painting, painting drawing, sculpture drawing, instal lation; colour and absence of colour; texture and absence of texture; canvas, paper, wood or aluminium supports; clean lines and broad strokes made with a brush or palette knife; two dimensionality and three dimensionality; quotations from multiple historical and literar y times alongside quotations from popular culture; a predominantly abstract approach, given the total absence of the human figure, but marked by the creation of environments that constantly offer ar chitectural and landscape suggestions or quotations, with a sceno g r a p h i c q u a l i t y ( t h e v i ewe r i s p r e s e n t i n t h e wo r k f r o m o u t s i d e i t ) ; p a i n t i n g s m o u n t e d a s c o n t a i n e r s , f e n c e s , r o o f s / c e i l i n g s o r t u n n e l s a n d c o r r i d o r s ; t h e s u g g e s t i o n o f a t i m e f o r c o n t e m p l a t ive g a z i n g a n d n u m e r o u s d e m a n d s f o r a p e r i p a t e t i c g a z e . After this explanator y prologue, the text will divide into chap t e r s f o l l ow i n g t h e wo r k s ’ d i s c u r s ive l o g i c a c r o s s t h e s p a c e . T h e reader is forewarned that the order of the present text is defined only by the physical itinerar y though the museum, the sequence in which the rooms are visited. Thus, the succession of the chapters is random in terms of both the individual meaning of each one of them (of the works to which they refer) and of the understanding of the whole. However, the final outcome of this operation is bigger than the sum

17

of its parts, and may be taken as an expression of the complexity of the artist’s universe offered to the complex gaze of its viewers.

Dedications

The five rooms are preceded by a set of works that we consider to be dedications, while a final set of pieces will bring the exhibition to a close as a sort of after word.

Before we reach the section of the museum in which works by Vieira da Silva and Arpad Szenes are on permanent display, we come across a few pieces in which Calapez engages in direct dialogue with the historical legacy of the museum ’ s two patrons. The vertical red of the first painting (um corpo entre outros #33, 2020), laid over other bright colours in ver y subtle masses, opens a path with no return leading to the wordless body of the abstraction that fills Calapez’s work and to the limits of a landscape-based spatiality that has no defined limits in this artist’s work, thus presenting itself as possibly limitless.

It will be interesting to compare the tense freedom this first painting conveys with the free freedom that quite further on will manifest in a work with such a seemingly simple title as Tenho no quintal um limoeiro, 2020 (room 2 in the museum ’ s plan) or with the revela

18

tions and concealments of colour in Mil pinturas #01 and #02, 2021; with that freedom Vieira always finds in space restraints; or to com pare it still with the freedom (much closer to Calapez’s) that Arpad exercises in the fluid atmosphere of his beaches (where sand, sea and sky mingle).

The diagonal lines that ascend and descend in the second paint ing of this initial itinerar y (Balançoires, 2021), defined as an extremely broad drawing and writing gesture across a vast field of silver and mercur y, further expand the promises of revision of the pictorial space that Calapez’s work always contains; and they do so in a ver tiginous flight that unfolds the lines inscribed on the background. Before it stands a small painting that is part of the permanent dis play: Vieira’s Les Balançoires (1931), which provided the first mirror (a metaphorical miroir sorcière that reveals ever ything to us) into which Calapez has gazed in order to interact with Vieira da Silva’s painting; and into which we also gaze at ourselves.

Having traversed the varied field of Vieira paintings in the museum ’ s main floor, we finally come to the title pages of the exhibition and to a final instance of these dedications: four bars of painted alu minium (cobertos os ramos mortos, 2018) that are like four black lines in a music sheet or the lines of a simple vocabular y that can be used to start a drawing or conceive a landscape painting. They are four and they could be more, if the serial logic of contemporar y art were

19

applied to them — we will find other series in later chapters of this exhibition. This “ page ” from a notebook (still or already?) free from letters, numbers or musical notes coincides joyously with the struc ture of Esplanade (1967), a painting by Maria Helena Vieira da Silva that is displayed on the right side wall — an unexpected but perfect coincidence, which falls under the “objective chance” categor y.

20

c h a p t e r i

Fe c h a d o e Ab e r to É por aqui que entramos; mas é aqui também que vemos negada a nossa entrada. Clausura (2021) é um especial dispositivo, uma má quina radical, de visão. Podemos encontrar no percurso de Calapez repetidos antecedentes de peças cuja vocação é inter vir, influenciar e condicionar a percepção dos visitantes através de encenações específicas podemos falar de instalações mais ou menos orienta doras da nossa circulação e do nosso olhar. Obras como muro contra muro (1994) ou a série de «contentores» (dentro, 2002) criam barrei ras, determinam percursos, delimitam horizontes de visibilidade, determinam ângulos e distâncias de obser vação.

Nas pinturas desta sala revela se um conjunto de formas alon gadas em que devemos atentar, pois elas vão regressar no final da exposição — veremos que estas formas são fantasmas, sombras, representações em negativo de alguns corpos que nos esperam, materiali zados, à saída.

Clausura, fecha-se mas também se (entre)abre (ou vice-versa?) e somos nós os destinatários das dificuldades de percepção que Calapez cria como um jogo, um desafio. A peça é uma estrutura quadrangular

29

de estantaria de armazém comercial sem qualquer vocação esteticizante. Virada para um espaço interior, sustém um conjunto de qua t r o t e l a s e d o i s e s p e l h o s . Ne n h u m a d a s d i f e r e n t e s i m a g e n s a s s i m enclausuradas se consegue ver frontalmente, todas resistem ao olhar que lhes deitamos e todas são campos de enorme instabilidade. Essa instabilidade nasce de vários factores minuciosamente estudados pelo artista em sucessivas maquetas: cada um dos quatro pontos de obser vação (colocados nas quatro arestas da estrutura) nos oferece uma visão diferente do conjunto, mas os espelhos desencontrados que preenchem metade dos dois lados maiores da estrutura acres centam, com as suas qualidades de reflexão, inúmeras possibilidades àquela variabilidade original.

Focos intensos, que surgem como fonte única de luz na sala, ao m e s m o t e m p o q u e n o s g u i a m ( a t r a e m ) p a r a e s s e m e s m o c e n t r o , a b r e m a i n d a q u a t r o r a s g o s d e l u z n a s a l a o b s c u r e c i d a . O s q u a t r o r e feridos pontos de obser vação são, na realidade, frestas; e criam se assim outros tantos postos de obser vação invertidos na sua vocação porque virados para o interior e não para ao exterior da constru ç ã o . Nã o s ã o f r e s t a s n u m a m u r a l h a a b e r t a p a r a a l a r g u e z a d e u m horizonte paisagístico, são uma montagem cenográfica voyeuriste que nos permite olhar uma cena escondida. E, no entanto, não existe qualquer acção possível no interior inacessível do que poderia ser um studiolo (tema que já ocupou Calapez em 1998) , nenhuma acção

30

a não ser a da própria pintura que espelhando-se se multiplica, se desdobra, se repete, se inventa.

As pinturas tornam se assim decorações murais de uma câmara secreta, a sala de um tesouro resguardado na câmara de um hipogeu; pinturas que, na falta de toda a representação figurativa, se tornam p i n t u r a s s e m n a r r a t iva , s e m j u s t i f i c a ç ã o i n t e l e c t u a l , á u l i c a o u r e l i g i o s a .

Para satisfazermos a nossa curiosidade visual rodeamos o estra nho objecto que ocupa o centro da sala, comparamos cada ângulo de visão, regressamos muitas vezes a pontos anteriores para tirarmos dúvidas das ilusões de óptica que nos assaltam. Estamos à beira de um perigo indefinido (que pode ser transportado por aquele módulo vindo de uma realidade artificial e ali poisado) e no primeiro dos jogos de enigmas que esta exposição nos propõe.

31

c h a p t e r i

C l o s e d a n d O p e n

This is where we enter; but it is also here that entrance is denied to us. Clausura (2021) is a special device, a radical vision machine. In Calapez’s artistic itinerar y, we find previous pieces that were designed to influence and condition the perception of viewers through specific stagings — we might call them installations — that variously determine our circulation and gaze. Such works as muro contra muro (1994) or the “containers” of dentro (2002) create barriers, set routes, delimit visibility ranges, define viewing angles and distances.

The paintings in this room present a set of elongated shapes to wh i c h i t i s a d v i s a b l e t o p ay a t t e n t i o n , b e c a u s e t h ey w i l l m a ke a comeback at the end of the exhibition at that point, we will realise that these shapes are ghosts, shadows, negative depictions of a few bodies that await us, in materialised form, at the exit.

The work titled Clausura closes but also (half) opens itself (or is it the other way around?), making us the target of the perceptual dif ficulties that Calapez creates as a game, a challenge. The piece is a quadrangular structure of commercial shelving devoid of any aes thetic intention. Turned towards an inner space, it holds a set of four

33

canvas and two mirrors. None of the various images thus confined can be seen frontally: all of them resist our gaze and all of them are fields of great instability. That instability emerges out of several fac tors, painstakingly explored by the artist in a succession of maque ttes: each one of the four obser vation points (situated on the four corners of the structure) offers us a different view of the whole, but the diverging mirrors that cover half of the two larger sides of the structure add, via their reflective qualities, countless possibilities to that original variability.

Powerful spotlights, the only source of light in the room, guide us (draw us) towards that same point, by creating four light trails in t h e d a r ke n e d r o o m . T h e f o u r p r ev i o u s ly m e n t i o n e d o b s e r va t i o n points are, in fact, slits; and thus are created four more obser vations posts, now with their purpose reversed because they are turned to ward the interior of the structure, rather than its exterior. These are not slits in a fortress wall offering a view of a vast landscape, they are a voyeuristic scenic set-up that allows us to view a concealed scene. And yet, no action can take place in the inaccessible interior of what might be a studiolo (a subject that Calapez had already explored in 1998)

t o t h e e xc e p t i o n o f p a i n t i n g , wh i c h m u l t i p l i e s , u n f o l d s , r e p e a t s and invents itself by means of its reflections in the mirrors.

Thus the paintings become wall decorations of a secret cham ber, a treasure room in a hypogeum; paintings that, through lacking

34

any sort of figuration, become pictures devoid of narrative, without any intellectual, aulic or religious justification.

In an attempt to satisfy our visual curiosity, we walk around the strange object that occupies the centre of the room, comparing each viewing angle, often retracing our steps to clarify the optical illusions that assault us. We are on the brink of an undefined danger (which may be carried by that structure from an artificial reality that landed there) and in the presence of the first of several enigmas this exhibition offers us.

35

c h a p t e r i i

B ra n co d e Pra t a

A luz forte, mas localizada, da peça anterior é de natureza invasora nesta segunda sala; não tem origem em fontes localizadas nem aparece direccionada, antes surge de todos os lados ocupando a sala e emanando dos fundos intensamente brancos dos próprios dese nhos. E é realmente dessa luz em que todo o espaço está mergulhado que os desenhos se fazem. As linhas de prata que os percorrem são elas mesmas linhas de luz, linhas livres, itinerários de uma deam b u lação aparentemente leve mas frequentemente densa e sempre obsessiva, linhas fechadas ou centradas sobre si, sobre o seu fazer.

O discorrer da linha no papel quase parece involuntário, os de senhos sugerem ser, por vezes, quase volumetrias, mas a maior parte deles é absolutamente plana. Esse jogo de simulacros entre volume e plano é comum na obra de Calapez, estabelecendo assim uma outra tensão essencial na compreensão do seu trabalho. Calapez enfren tou, desde sempre, os recursos visuais que as múltiplas realidades coevas podiam oferecer à sua obra, articulando os valores históricos, as obras de arte referenciais ou a natureza exterior e interior; enf r e n t a n d o a p e r d a d e d e n s i d a d e d o r e a l , o s é c r a n s t r a n s l ú c i d o s , o s p l a n o s d e s l i z a n t e s , a s i m a g e n s m u t a n t e s o u a s a c u m u l a ç õ e s d e

53

i n formação contraditória, de matéria e de cor. Esta longa série de desenhos resulta de sucessivas operações de depuração/complexifi cação: dos cadernos de notas os desenhos passam ao computador, do computador à projecção sobre a folha onde vão ser desenhados pela finas linhas que percorrem vastos planos de papel intensamente branco. Em cada etapa sofrem alterações e acertos Calapez reduz a o m á x i m o o s r e c u r s o s p l á s t i c o s p a r a r e f e r i r o e s va z i a m e n t o d o mundo e, na superfície reflectora dos fundos (ou para além dela) o que vemos são contornos de corpos ausentes: figuras abstractas que nos sugerem mapas, estruturas de paisagens e arquitecturas, perfis de naturezas mortas… As linhas destes desenhos são abertas a lápis de prata e a referida rarefacção de meios situa nos também na mais directa tradição da obra desenhística de Calapez. Rarefacção não implica simplificação da mensagem visual ou diluição do poder visual das imagens, antes intensificação de sentido através da valorização dos meios plásticos: a intenção ou libertação do gesto que conduz a linha, a presença sempre decisiva da superfície que recebe as figuras construídas, a força da cor que, noutros casos, as preenche e que aqui aparece substituída pela base de acrílico branco cobre as folhas fun c i o n a n d o c o m o r e f l e c t o r . C a d a d e s e n h o m e r e c e r i a u m t e x t o q u e atentamente decifrasse os seus enigmas ou os inventasse. E o que inventamos nasce do que sabemos das formas e dos desejos (nossos e do mundo), nasce de memórias que temos vivas ou esquecidas: aqui,

54

temos ilhas de tesouros, temos Morandi ou Cézanne, temos veios de mármores raros… Colhemos um único exemplo, aquele único onde o contorno é vencido pela construção interior de uma figura: isolado entre as duas janelas que abrem sobre o jardim, há um desenho que Calapez diz ter feito sem tomar consciência dos caminhos tomados pelo lápis. Tal obra é variação evidente de um dos múltiplos dese nhos onde, sob o tema e título genérico de Le couple (especialmente relevantes nas décadas de 1930 e 40), Arpad se representou em fusão com Vieira e, por vezes, com os objectos do atelier da artista (o cavalete, a cadeira de vime, o sofá…). Este resultado inconsciente é a premonição da atenção que Calapez dá ao sonho (tema a que regressaremos), e deixa nos à beira de novo abismo: o da citação, o do esquecimento e da memória…

55

c h a p t e r i i

Si lve r y W h i te

The powerful, but circumscribed, light of the previous piece becomes invasive in this second room. It does not come from a clear source nor seems aimed at any particular point; instead, it comes from all directions, flooding the room and emanating from the in tensely white backgrounds of the drawings themselves. And, indeed, the drawings are made from light, which suffuses the whole space. The silver lines that run through them are themselves lines of light, free lines, itineraries of a seemingly insouciant wandering that fre quently becomes dense and is always obsessive, lines that close up or focus on themselves, on their making.

The line’s progress on the paper appears almost involuntar y; sometimes the drawings seem to suggest volumes, but most of them a r e c o m p l e t e ly f l a t . T h a t p l ay o f s i m u l a c r a b e t we e n vo l u m e a n d plane is customar y in Calapez’s oeuvre, and thus defines another t e n s i o n t h a t i s e s s e n t i a l t o u n d e r s t a n d i n g h i s wo r k . C a l a p e z h a s a l ways approached the visual resources that the various coeval real ities could bring to his work by combining historical values, referential art works or outside and inner nature, while also taking in the r a r e f a c t i o n o f r e a l i t y, t h e t r a n s l u c e n t s c r e e n s , t h e s l i d i n g p l a n e s ,

57

t h e mutating images or the accumulations of contradictor y information, matter and colour. This long series of drawings is the result of successive depurating/complexifying operations: the drawings on the notebooks are transferred into the computer, from which they are printed onto the sheet of paper, as fine lines that move across vast expanses of intense white. In each stage of the process, the draw ings undergo changes and adjustments Calapez reduces his visual resources to the bare minimum as a reference to the emptying of the world; all that we see on the reflective surface of the backgrounds (or beyond it) are the contours of absent bodies: abstract figures that are suggestive of maps, landscape and architectural structures, sug gestions of still lifes… The lines in these drawings are drawn with a silver pencil, and the already mentioned rarefaction of means also places us within the truest tradition of Calapez’s drawing. “Rarefac tion” does not imply a simplification of the visual message or a dilu

t i o n o f t h e i m a g e s ’ v i s u a l p owe r , b u t r a t h e r a n i n t e n s i f i c a t i o n o f meaning through the valorisation of visual means: the intention or liberation of the gesture that leads the line, the always decisive pres ence of the surface that receives the created figures, the power of colour that in other instances fills in the figures and is replaced here by the white acr ylic base that covers the paper, acting as a reflecting e l e m e n t . E a c h o f t h e s e d r aw i n g s i s d e s e r v i n g o f a t e x t t h a t c o u l d attentively look into its enigmas, or invent them. And what we invent

58

is born out of what we know about forms and desires (our own and the world’s), out of fresh or forgotten memories: here, we find treas ure islands, Morandi or Cézanne, veins of rich marble… Let us pick up a single instance, the only one in which the outline is conquered by the interior construction of a figure: isolated between the two windows that open to the garden is a drawing that Calapez claims to have created without being aware of the paths taken by the pencil. That piece is clearly a variation on one of the many drawings in which, under the overall subject and title of Le couple (particularly during the 1930s and 40s), Arpad depicted himself in the process of fusing with Vieira and, sometimes, with the objects in her studio (an easel, a wicker chair, a sofa…). This unconscious outcome offers a premonition of the importance Calapez accords to the dream (a subject to which we will return) and leaves us on the edge of a new abyss: the abyss of quotation, forgetfulness and memor y…

59

c a p í t u l o i i i

Pa i s a g e m d e C o r re d o r Através da disposição de duas pinturas diversas (tanto na dimensão como na espessura das suas estruturas metálicas), colocadas no estreito corredor mezzanino do museu, Calapez cria um espaço q u e , s e n d o p a r a ve r d e l o n g e , t a m b é m r e q u e r a t e n ç ã o d e p r o x i m i dade.

Com Mil pinturas #01 e #02 podemos falar de «pintura de paisa gem», mas também podemos designá las como pinturas cenográfi cas. De paisagem, porque Calapez, mesmo que essa sua afirmação se f a ç a e m c o n t r a d i ç ã o c o m a d e f i n i ç ã o p a i s a g í s t i c a d a t r a d i ç ã o p ó srenascentista, cria o que podemos definir como uma realidade pró pria da pintura de paisagem.

De facto, a densidade das matérias pictóricas e a sua opacidade impedem qualquer profundidade perspéctica à pintura e dão um destino de nocturno, romântico ou simbolista a estas obras. Porém, um jogo cintilante de cores, que o negro esfarrapado da noite tenta conter, revela ou mantém à superfície elementos visuais (sempre abstractos) cuja evolução espacial adquire virtudes cinéticas na condução dos nossos passos e do nosso olhar. Trata se de trabalhar sobre o p l a n o e n ã o s o b r e a p r o f u n d i d a d e é n e s s e s e n t i d o q u e e s t a s u

77

gestão de paisagem se afirma no domínio da pintura cenográfica, teatralmente encenada e envolvente e não como herdeira da janela renascentista.

Esta solução está profundamente enraizada na prática pictórica de Calapez: porque as citações históricas que faz nos seus primeiros anos de trabalho (de Fra Angelico, por exemplo) e o modo de as apre s e n t a r ( e m va s t a s m o n t a g e n s e s p a c i a i s ) s u g e r i a m j á c e n á r i o s d e palco; ou porque usou essas mesmas soluções para verdadeiras en cenações teatrais (Viagem de Inverno, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989), ou em instalações pictóricas (muro contra muro, Galeria Luís Serpa, Lisboa, 1994), em que o espectador é actor de um percurso próprio; ou, finalmente, porque, evitando a representação humana ou animal, no seu conjunto a obra de Calapez nos oferece, ainda assim, muros e portas, colunas e salas, alcovas e corredores vazios espaços ambíguos que só nós, através do nosso olhar e da memória do nosso corpo em deslocação no palco de cada exposição, podemos ocupar.

Estas duas pinturas podem ser vistas logo a partir do andar in ferior ou vividas na relação directa estabelecida no difícil espaço do corredor mezzanino. Na sala anterior, através da criação da cenogra fia centralizada e fisicamente inacessível de Clausura já tínhamos visto um dos exemplos mais fortes da radicalização do destino ceno gráfico que domina a pintura de Calapez. Aqui, como nas cenografias

78

palacianas, onde certas pinturas de ambiente preenchem corredores e salas de ligação ou de aparato, mas aqui sem a usual carga figura tiva (cenas de caça, de batalha ou mitológicas), Calapez estabelece um percurso coerente, preenchendo o seu papel de espaço de passa gem, mas liberta estas pinturas de qualquer estatuto de inferioridade decorativa pelo contrário, Calapez reabilita este espaço de passa gem e fá lo equivaler aos restantes espaços do museu. A vocação desta longa e rica linha de pinturas de Calapez é a de criar continui d a d e s e s p a c i a i s . E , e m b o r a n e s t e c a s o a d o m i n a n t e n o c t u r n a n o s i n troduza num clima de inquietude, que a sala seguinte glosará de modo singular, estas Mil pinturas não nos colocam num lugar claus trofóbico, mas num espaço em expansão e deslocação.

79

c h a p t e r i i i

C o r r i d o r L a n d s c a p e

T h r o u g h t h e a r r a n g e m e n t o f t wo r a t h e r d i f f e r e n t p a i n t i n g s (both in terms of size and of the thickness of their metallic struc t u r e s ) , i n s t a l l e d i n t h e m u s e u m ’ s n a r r ow m e z z a n i n e c o r r i d o r , Calapez creates a space that, while planned to be seen from a dis tance, also demands close attention.

Mil pinturas #01 and #02 are what we may call “landscape paint ings”, but we can also call them scenographic. They are landscapes, because Calapez, even though these works go against the post Renais sance tradition’s definition of landscape, generates here something we can describe as a reality that pertains to landscape painting.

In fact, the density and opacity of the pictorial materials deny any sort of perspectival depth to these pieces, lending them a noc turnal, romantic or symbolist flavour. However, a scintillating play of colours, which the night’s ragged black attempts to restrain, dis closes or keeps on the surface a number of (always abstract) visual elements, whose spatial evolution gains kinetic qualities, guiding our steps and our gaze. It is a matter of working on the plane rather than in depth and it is in that sense that this suggestion of land scape becomes also a scenographic work, a painting that is theatri

81

cally staged and encompassing, rather than an heir of the Renaissance window.

This approach is deeply rooted in Calapez’s pictorial practice, either because the historical quotations of his early years as a painter (from Fra Angelico, for instance) and his way of displaying them (as vast montages across the space) were already suggestive of stage sets or because he used these same approaches in actual theatrical stagings (Viagem de Inverno, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon, 1989) or in pictorial installations (muro contra muro, Galeria Luís Serpa, Lisbon, 1994) in which the viewer is an actor during a particular itiner ar y, or, finally, because, even though it steers clear from human or animal depictions, Calapez’s oeuvre nonetheless offers us walls and doors, columns and rooms, alcoves and empty corridors — ambiguous spaces that only we, though our eyes and the memor y of our body as we move across the stage of each exhibition, can occupy.

These two paintings can either be seen right from the floor be low or directly experienced in the complicated space of the mezzan i n e c o r r i d o r . I n t h e p r ev i o u s r o o m , t h e c e n t r e d a n d p hy s i c a l ly i n accessible scenography of Clausura had already provided us with a p owe r f u l e x a m p l e o f t h e s c e n i c r a d i c a l i s a t i o n t h a t d o m i n a t e s Calapez’s painting. Here, in a way similar to those palatial scenograp h i e s i n wh i c h c e r t a i n m o o d p a i n t i n g s fi l l c o r r i d o r s , c o n n e c t i n g rooms and grand rooms, only now without the usual figurative ele

82

ment (hunting, battle or mythological scenes), Calapez defines a c oherent itinerar y, fulfilling the role of a space of passage, while freeing these paintings from any decorative low status in fact, Calapez dig nifies this space of passage, making it just as important as the other spaces in the museum. This long and rich line of paintings by Calapez has the ability of generating spatial continuities. And, even though in this case the dominant nocturnal tone inspires an atmosphere of un easiness, a theme which the next room will develop in ver y unique terms, the Mil pinturas set brings us, not into a claustrophobic place, but into an expanding, shifting space.

83

c a p í t u l o i v

So n h o s So l to s

Este é o único dos cinco capítulos (ou o único dos cinco cenários?) que não se apresenta ao visitante como uma unidade discur siva ou desenvolvendo um tema central. Há quatro peças nesta sala e cada uma delas vem de um universo próprio, como se de quatro realidades diversas se tratasse. Se há sonho nos desenhos que dominam a sala (Sonho a noite, #01 a #08, 2021) ou nas obras que, rodeando os, acabam por poder ser evocadas sob este mesmo tema, não há qualquer contacto (formal ou de motivação poética) com a tradição onírica do surrealismo. O sonho, em Calapez (que glosou longamente «Little Nemo in Slumberland» de Winsor McCay, 1905, onde o pe queno herói vive em sonho permanente), funciona como campo de revelação ou aparição de uma ideia formal, e uma poética da suspen são no tempo e não de um fluxo narrativo e ilustrativo feito de saltos entre realidades, de metamorfoses e metáforas.

As obras que referimos têm a evidência de uma pintura icónica sem iconografia; e, embora se possam tentar decifrar as suas mensa gens através dos títulos, não existem muito mais pistas de leitura — cada uma delas é, na realidade, um universo visual autónomo; cada u m a d e l a s e x i g e a o b s e r va ç ã o d e t o d a s a s va r i áve i s v i s u a i s , e x i g e

93

interpretação mas permite liberdade de análise; e os sonhos a que nos podemos referir são jogos limitados pelas regras de aplicação da cor, das densidades texturais e da composição de uma qualquer pintura.

Na parede maior temos um conjunto de oito desenhos que, ao evocar o mundo e a realidade dos sonhos (Sonho a noite, 2021), pode dar o mote unificador da sala quem sabe se da exposição inteira! Esses desenhos, executados sobre fundos de azuis revoltos, abertos a uma luz crepuscular, erguem figuras que podemos situar entre o de linear de edifícios e a esquematização de paisagens, ou seja, possíveis cenários para sonhos. Há uma estranha dinâmica visual em cada um desses desenhos que dificilmente se decifra: as linhas das suces sivas construções volumétricas (espessas e marcadas de modo in certo) acabam por revelar um discreto e inexplicável desequilíbrio, acelerando subtilmente a perspectiva de cada imagem. De facto, o artista apresenta os (e assina os) invertidos relativamente à posição em que os realizou. É essa solução que cria o campo de afirmação onírica a que o título já nos conduzia: o tempo do sono é ele também invertido; e o curso do sonho assemelha se à multiplicação, em pai nel contínuo, mas fragmentado, de imagens cromática e formal mente muito próximas cenas de noites mal dormidas. Também a pintura Tenho no quintal um limoeiro #02 (2020) nos liga à dimensão de uma certa irrealidade. O título (verso de um sim ples e belíssimo cante alentejano) é, em si mesmo, a expressão de um

94

sonho de felicidade pacificada, de uma desejada aurea mediocritas. O que mais importa nesta pintura, a mais forte do conjunto, é a sua dinâmica de composição formal e cromática, é o fluxo rompante de um pálido amarelo diagonal que na fluidez da tinta lançada sobre as outras cores as absor ve, abre um jacto que pode ser da fresca água de rega mas que, na sua intensidade, nos pode dar, mais exactamente, a ideia mesma do título, assim estabelecendo um forte traço entre a ex pressão do desejo e a sua realização metafórica.

Uma outra pintura (Dupla margem, 2021) traz-nos novas circunstâncias e sensibilidades, constituindo um raro (embora sempre apa rente) momento de apaziguamento e distensão, equilibrado entre dois pólos. Especialmente significativo é o contraste com a dinâmica da pintura anterior. Aqui, os dois campos cromáticos contíguos (azul com prata e rosa), de citação e elegância rocaille, as passagens de pla nos de cor e forma, a inscrição de uma arquitectura indecifrável ou o tratamento abstracto das texturas em transições delicadas, resultado de delicadas raspagens, originam pacificadas e subtis transparências e alternâncias embora sempre sob o signo da duplicidade.

Finalmente, no solo, temos um conjunto de recortes metálicos não pintados que nos conduzem, como o título indica (Sarabande, 2018), à possibilidade de uma dança sem fim. O facto de estarem colocadas no chão, desacertadas entre si e não encostadas ou suspen sas, acentua o carácter frágil, provisório e incerto da solução desta

95

escultura ou instalação sem solução construtiva rígida. Olhado de cima, este conjunto resulta como um pequeno estrado de vários pla nos perfurados, uma armadilha que nos quebraria os pés se sobre ela tentássemos andar.

Não se trata, porém, de uma peça performativa, como outras desta exposição (por exemplo, Clausura, já vista, ou Labirinto deslocado, que veremos de seguida), mas de uma peça que se impõe como rico e va riado jogo visual, de observação e paciência como em certos marfins chineses, quando tentamos penetrar nas diferentes e desencontradas camadas de formas de que se compõe a peça, perdemo nos também aqui nos indecifráveis meandros de um jogo de paciência visual e im possível solução. Na realidade, esta sobreposição de matéria metálica é ainda fruto do trabalho de um pintor que desvia os trabalhos de um escultor: como se Calapez continuasse a tratar com camadas de tinta, mas sobrepondo as agora sem a subtileza de nenhuma velatura, em alta densidade, sem fusão nem mistura de matérias e cores. Mas estas placas perfuradas são também camadas de memória cujos encontros e desencontros, passagens e bloqueios, nascem do desacerto de cada uma das lâminas com a seguinte. Representando tempos diversos, e embora unidas por uma mesma gramática formal e vocabular, essas lâminas criam uma densa complexidade visual, metaforicamente relacionável com a densidade contraditória, a incoerência narrativa e o acaso de resultados finais que vivemos em todos os sonhos.

96

c h a p t e r i v

L o o s e D re a m s

This is the only one of the five chapters (or the only one of the five sceneries?) that does not appear before the visitor as a discursive unit or organised around a central theme. There are four pieces in this room, and each one of them comes from a separate universe, as though they are dealing with four distinct realities. While dreams are present in the drawings that dominate the room (Sonho a noite, #01 to #08, 2021) and in the works that accompany them, there is no (formal or poetic) contact with the oneiric tradition of Surrealism. In Calapez, who spent many years creating variations on Winsor McCay’s “Little Nemo in Slumberland” (1905), a comic strip whose little hero lives in a permanent dream state, the dream acts as a field for the revelation or apparition of a formal idea and a poetics of suspension in time, rather than a narrative and illustrative flux composed of leaps between realities, metamorphoses and metaphors.

The works in question here are clearly iconic paintings that are devoid of iconography; and, even though we may tr y to decipher their messages through their titles, there is ver y little else to guide us — each one of them is, in fact, an autonomous visual universe; each one of them demands attention to all its visual variants, demands inter

97

pretation while allowing analytical freedom; and the dreams we can find here are creations limited by rules of colour application, textural densities and composition that largely apply to any painting.

O n t h e l a r g e r wa l l , we f i n d a g r o u p o f e i g h t d r aw i n g s ( S o n h o a n o i t e , 2 0 2 1 ) t h a t , w i t h t h e i r evo c a t i o n o f b o t h t h e wo r l d a n d t h e r e ality of dreams, may offer a unifying motif for the room and perhaps even for the whole exhibition! These drawings, done on backgrounds of tempestuous blue and open to a crepuscular light, p r e s e n t fi g u r e s t h a t h ove r b e t we e n d e p i c t i o n s o f b u i l d i n g s a n d schematic landscapes, i.e. potential sceneries for dreams. There is a strange visual dynamics in these dreams, one that can hardly be de ciphered: the thick, uncertain lines of the successive volumetric con structions eventually reveal a discreet and unexplainable unbalance that subtly accelerates the perspective of each image. Actually, the artist is displaying (and signing) them in a position that is is the re verse of the position in which they were drawn. It is that approach that creates the oneiric atmosphere: the time of sleep is also reversed; and the dream’s course is like the multiplication, in a continuous but fragmented panel, of images that are chromatically and formally quite close to one another scenes from poorly slept nights.

Tenho no quintal um limoeiro #02 (2020) also connects us to a certain dimension of unreality. That painting’s title (In my garden a lemon tree grows, a line from a ver y simple and quite beautiful tradi

98

tional Alentejo song) expresses a dream of peaceful happiness, a desired aurea mediocritas. What is most important in this painting, the most powerful of the group, is its formal and chromatic composition dynamics, the impetuous flux of a pale yellow diagonal that fluidly absorbs all the other colours it covers, in a jet that can allude to cool, irrigating water but which, in its intensity, can convey to us the idea behind the title, thus defining a powerful connection between the expression of the desire and its metaphoric fulfilment.

Another painting (Dupla margem, 2021) brings us to new circumstances and sensibilities, offering a rare (though always apparent) mo ment of appeasement and relaxation, balanced between two poles. Par ticularly meaningful is its contrast with the dynamics of the previous painting. Here, the two contiguous chromatic fields (blue and silver, pink), which allude to rocaille aesthetics and elegance, the shifts between planes of colour and form, the inscription of an indecipherable archi tecture and the abstract treatment of the textures in delicately scraped transitions combine to generate peaceful and subtle transparencies and alternations though always under the aegis of duplicity.

Finally, on the floor we see a set of unpainted metallic cut outs that lead us, as the title suggests (Sarabande, 2018), to the possibility of an endless dance. The fact that they are placed on the floor, with no clear relation to one another, instead of leaning against the wall or hanging from it, heightens the fragile, provisor y and uncertain

99

quality of this sculpture (or installation) devoid of a clear construction. Seen from above, this set looks like a small platform made up of several perforated planes, a trap that would certainly break our feet if we tried to walk on it.

This, however, is not a performative piece, as is the case of other works in this exhibition (for instance, the already seen Clausura, or Labirinto deslocado, which we will look at next); instead, it is a piece that comes across as a rich and varied visual game of obser vation and patience — as with certain Chinese car ved ivor y pieces, when we tr y to penetrate the various, disparate layers of forms that con stitute the piece, we get lost in the undecipherable meanders of a vi sual game of patience that is impossible to solve. In fact, these over lapping pieces of metal are the result of a painter’s approach to the work of a sculptor: it is as if Calapez was still working with layers of paint, only now overlapping them without the subtlety of a wash, in high density, with no fusion or mixture of materials and colours. But these perforated plates are also layers of memor y: their contacts and misses, passages and blocks are born from the divergence between each one of these planes and the one next to it. Standing for different times, and though united by the same formal and expressive gram mar, these plates create a dense visual complexity, metaphorically connectable with the contradictor y density, narrative incoherence and random outcomes we all experience in our dreams.

100

c a p í t u l o v

Jo g o I n f i n i to

A s a l a é a p e n a s o c u p a d a p o r u m a o b r a : L a b i r i n t o d e s l o c a d o , 2 0 2 1 . O t í t u l o é t o m a d o d e u m a p i n t u r a d e Vi e i r a ( D i s l o c a t i o n d u l a byrinthe, 1982), que sabemos permanentemente fascinada com o que o Labirinto tem, em simultâneo, de força literária (mítica) e de força visual (quer no desenho quer no espaço construído); mas fas cinada, ao mesmo tempo, pela convocação, pela desobediência à regra. Ne s t e c a s o p o d e m o s d i z e r q u e C a l a p e z r e a l i z a u m d u p l o d e s v i o : d e s locando outra vez, e para um novo patamar, o que Vieira já tinha deslocado.

Apesar da enorme diferença formal, cromática e de sentido en tre Clausura (na primeira sala) e Labirinto deslocado, a solução de ocu pação dos espaços é idêntica: o artista opta por mostrar, em ambos, no centro da sala, uma única peça. Porém, enquanto o primeiro dispositivo era de sentido arquitectónico (construído e constituindo um espaço interior, embora fisicamente inacessível), Labirinto deslocado é de outra natureza dispersando, no chão, os elementos que o consti tuem (28 chapas de alumínio quinadas, 16 com 50 × 100 × 50 cm e 12 com 50 × 50 × 50 cm).

117

A horizontalidade desta dispersão opõe-se também à agregação compacta e vertical (paralelepipédica) de Clausura. O que era luxúria (na cor, na textura, na pincelada livre, na duplicação de imagens e na luz artificial acrescentada) é aqui sobriedade (de forma e de cor)

g a r a n t i d a p e l a r e p e t i ç ã o d o s 2 8 e l e m e n t o s , d o b r a d o s e m â n g u l o recto, pintados a óleo nas duas faces com grandes, texturadas e irre gulares pinceladas escuras que acentuam ainda a uniformização do conjunto e que, pela sua forma, sugerem grandes blocos de pedra sobrepostos numa arquitectura arcaica.

A escala é outro dado a ter em conta — uma escala que deve ser tomada nas dimensões em que a peça se nos apresenta: a extensão e a altura. A nossa capacidade de leitura visual do conjunto, permitida pela pouca altura dos elementos, é acrescentada pela possibilidade de circulação (pelo menos visual) no seu interior contrariando, também deste modo, a inacessibilidade de Clausura e tornando a peça aparentemente mais próxima do espectador.

Se n d o o b j e c t iva m e n t e e s c u l t ó r i c o e a b s t r a c t o , s e m u t i l i d a d e nem um significado exterior a si mesmo, Labirinto deslocado convoca, subjectivamente, uma avalancha de imagens e referências históricas e culturais que derivam de tudo o que vimos e sabemos: do mítico Labirinto de Creta, à história da escultura minimalista, da arquitec t u r a o u d o u r b a n i s m o r a c i o n a l i s t a s à s p r á t i c a s l ú d i c a s d e c e r t o s

118

p a s s a t e m p o s e j o g o s s o c i a i s ( p a l av r a s c r u z a d a s , s a l t o d e c ava l o , p a ciências com cartas de jogar, Sudoku, Tetris, flippers…). Labirinto deslocado abre-nos, porém, caminhos para os quais não temos chave interpretativa: possui ou simula possuir e expor um enigma para o qual não temos pistas. Porque talvez elas real mente não existam, porque, como o título acentua, toda a interpre tação literal é sistematicamente deslocada, desviada: a estrutura abre se totalmente ao exterior e assim nega a condição de labirinto; os espaços definidos não podem ser preenchidos por nenhuma com binação lógica de letras ou algarismos, nem submetidos a nenhuma interpretação pitagórica ou outra e, por isso, o enigma que sugere nem sequer existirá.

Uma das riquezas deste híbrido de escultura, pintura e instala ção está na realidade no seu processo de montagem, na acção que ela pressupõe e sugere, quer ao artista quer aos que interagem com a peça. O momento de construção da peça no espaço foi, para Calapez, de espanto e revelação, de descoberta e experimentação, regido com a mesma responsabilidade com que compõe uma pintura. A força e a lógica de composição pictórica é o que explica a solução formal aqui encontrada. A partir de um projecto desenhado, mas também por tentativa e erro, e no momento mesmo da montagem, desres peitando os numerosos estudos que fora fazendo, Calapez dispôs as

119

peças no chão como quem distribui pinceladas na superfície vertical de um muro ou de uma tela. Já em Sarabande Calapez se referira a uma dança frenética — aí, porém, quase apenas os nossos o l h o s s e m ov i a m p r o c u r a n d o a c e r t a r c o m o s r i t m o s d o s r e c o r t e s s o brepos tos e desencontrados da escultura. Aqui, movendo se no espaço tri dimensional, deslocando as peças até encontrar ritmos que não res peitam os que encontrara na superfície dos desenhos preparatórios, permitindo nos «entrar» na peça, Calapez prolonga a de modo per formativo, conduzindo o nosso olhar e os nossos passos numa nova dança infinita.

120

c h a p t e r v

I n f i n i te G a m e

This room contains only one work: Labirinto deslocado, 2021. Its title was inspired by the title of one of Vieira da Silva’s paintings (Dis location du labyrinthe, 1982). As it is well known, Vieira da Silva was constantly fascinated by the simultaneous literar y (mythical) and vi sual power (as both a design and a construction) of the Labyrinth; but she was also fascinated by its invitation to disobey rules. Here, we can say that Calapez has performed a double deviation, dislocating again, and to a new level, something Vieira had already dislocated.

In spite of the huge difference, in formal and chromatic terms, as well as meaning, between Clausura (in the first room) and Labirinto deslocado, the way the two spaces are occupied is identical: in both of them, the artist has chosen to display, at the centre of the room, a single piece. Yet, while the first device had an architectural nature (a built inner space, though physically inaccessible), Labirinto deslocado is quite different, scattering across the floor the elements that con stitute it (28 bent aluminium plates, 16 of them 50 × 100 × 50 cm and 50 × 50 × 50 cm for the other 12).

T h e h o r i z o n t a l i t y o f t h i s d i s p e r s i o n i s a l s o t h e o p p o s i t e o f Clausura’ s compact and vertical (parallelepipedic) aggregation. What

121

was lush (in terms of colour, texture, freedom of brushstrokes, duplication of images and added artificial lighting) is here sobriety (in form and colour) guaranteed by the repetition of the 28 elements, folded into right angles and painted in oil on both sides with broad, textured and irregular dark brushstrokes that further enhance the standardisation of the whole and, through their form, also suggest large stone blocks in an archaic construction.

Sc a l e i s a n o t h e r e l e m e n t t o c o n s i d e r a s c a l e t h a t m u s t b e a p proached in the dimensions in which the piece presents itself to us: length and height. Our capacity to visually read the whole, made p o s s i b l e by t h e m o d e s t h e i g h t o f t h e e l e m e n t s , i s c o m p l e m e n t e d by the fact that it is possible to move around (at least with one ’ s eyes) inside it, thus negating the inaccessibility of Clausura and making Labirinto deslocado a piece that is seemingly more welcoming of the viewer.

An objectively sculptural and abstract creation, devoid of utility or meaning outside itself, Labirinto deslocado subjectively summons an avalanche of images and historic and cultural references that s t e m f r o m a l l we h ave s e e n a n d k n ow : f r o m t h e my t h i c C r e t a n labyrinth to the histor y of minimalist sculpture, from rationalist architecture and urbanism to the practice of certain pastimes and social games (crosswords, solitaire games with playing cards, Sudoku, Tetris, pinball machines…).

122

However, Labirinto deslocado opens to us paths for which we have no interpretative key: it possesses, or affects to possess and present an enigma regarding which we lack clues. That is perhaps because they in fact do not exist, because, as the title tells us, ever y literal i n terpretation is systematically dislocated, deviated: the structure opens itself completely to the exterior, thus denying the condition of labyrinth; the defined spaces cannot be filled with a logical combi nation of letters or digits, nor can they undergo any Pythagorean or other explanation and, consequently, the enigma suggested by the piece probably does not even exist.

One of the finest qualities of this hybrid work, which combines sculpture, painting and installation, lies in the reality of its set up process, in the action it presupposes and suggests both to the artist and to those who interact with the piece. The moment when the piece was installed in the room was, for Calapez, a moment of amazement and revelation, discover y and experimentation, conducted with the same care as the composition of one of his paintings. The power and logic of pictorial composition is what stands behind the formal solu tion found here. Using a drawn project, but also trial and error, at the ver y moment of setting up the piece and going against the many stud ies he had made over time, Calapez arranged the pieces on the floor l i ke s o m e o n e wh o a p p l i e s b r u s h s t r o ke s o n t h e ve r t i c a l s u r f a c e o f a wall or a stretched canvas. Concerning Sarabande, Calapez had

123

already mentioned a frenetic dance — but back then, however, little e l s e t h a n o u r eye s wa s m ov i n g , wh i l e we a t t e m p t e d t o g r a s p t h e rhythms of the overlapping, mismatched cut outs that make up the sculpture. Here, moving across three dimensional space, shifting the pieces around until he found cadences that transgressed the ones he had discovered on the surface of his preparator y drawings, and thus allowing us to “enter” the piece, Calapez performatively prolonged it, leading our gaze and steps in a new endless dance.

124

p o s f á c i o

E n i g m a Fi n a l

Ao terminar a exposição deparamos com duas situações-limite: Cerca, 2021 e Enigma #01, 2021. Limite, não apenas no sentido literal de serem as últimas peças apresentadas na exposição (e numa situa ção incómoda de montagem), mas porque ambas podem confirmar os riscos que Calapez assumiu ao longo de todo o percurso anterior: risco, ao dificultar o nosso acesso às imagens de Clausura, criando um estranho dispositivo de visionamento; risco, ao voltar a negar a facilidade descontraída do ver (que invade o mundo contemporâneo) obrigando-nos a olhar intensamente e a inventar os corpos que se escondem nas linhas de prata dos rarefeitos desenhos da segunda sala; risco, ao criar uma cenografia, um travelling de paisagem noc turna, longa, carregada de cintilações que atravessamos suspensos até sermos atirados para a sala onde o risco não se mede pela tensão entre rarefacção e sobrecarga dentro de uma mesma obra, mas pela dispersão de linguagens das quatro peças apresentadas, cada uma capaz ainda de multiplicar em si, por meios totalmente díspares, imagens de vertigem ou de instabilidade, revelando momentos de sedutora estranheza, de larga euforia ou de funda inquietação; risco, finalmente, no estilhaçar da última peça, dispersa como um chão de

137

detritos que, afinal, se (re)organizam segundo regras estabelecidas por intuição pictórica.

Regressemos às obras que fecham a exposição: Cerca, um recorte em chapas de alumínio de nove gestos verticais de pintura, é nos imediatamente familiar, veremos porquê; do mesmo modo, Enigma ostenta no título uma das linhas de trabalho que se foi tornando guia mais evidente desta exposição, a de que alguma coisa nos é escon dida em cada peça ou oferecida de modo cifrado: na máquina de ver que impede a visão, nas linhas de contorno que escondem os corpos, no negro que esconde as suas luzes…

Os nove recortes de Cerca encostam se à parede do corredor de saída. São de um azul negro, incerto e melancólico, e foram seleccio nados e aumentados a partir de outros tantos gestos de uma mão que, com um simples pincel, percorresse uma superfície branca (ou foram directamente simulados no écran de um computador). Cerca é nos fa miliar por já antes termos visto os seus negativos foram esses nove elementos que ser viram de escantilhão a algumas das pinturas que compõem Clausura. Quer dizer, o recorte escultórico definiu o espaço de inscrição da cor na totalidade das pinturas dessa peça.

Uma «cerca» constitui se a partir de numerosos elementos idên t i c o s c r ava d o s n o s o l o d e l i m i t a n d o u m e s p a ç o , c e r c a n d o - o ; u m a «cerca» estabelece um limite à circulação de pessoas e de animais, define um limite de propriedade, é um sinal de defesa e de interdição.

138

Aqui é também limite ou fronteira figurada, fronteira metafórica da própria pintura, pois inicialmente Calapez usou esses elementos que agora autonomiza como simples aparelhos auxiliares de pintura. Aqui é a parede que faz figura de tela branca, de limite; mas é sempre possível conceber esta Cerca como campo de expansão: os elementos que a constituem assemelham se mas não são idênticos entre si; apresentam mínimas diferenças introduzindo um novo desafio de atenção a quem as olha; esse número (nove) não é fechado pois, na prática moderna da produção em série, o número de elementos poderá aumentar sem quebra de sentido, ganhando mesmo, provavel mente, novos sentidos.

D o l a d o e s q u e r d o , o c a m i n h o fi c a a b e r t o p a r a a s e s c a d a s d e saída; mas somos travados por uma última imagem: a mancha negra d e E n i g m a , p e ç a r e c o r t a d a t a m b é m e m a l u m í n i o . E n i g m a , p o n t o f i nal da exposição, mancha negra e irregular, colocada no espaço como última obra, tem valias formais e semânticas que justificam a sua posição: ao recordar-nos no título que toda a exposição é atravessada por uma sensação de segredo; ao garantir uma dinâmica que, sendo visual, simula um movimento para fora do espaço cons trangedor onde se apresenta (um corredor terminado por umas esca das íngremes).

É significativa a diferença formal entre esta obra de fecho e uma das obras iniciais (cobertos os ramos mortos, 2018), embora as referên

139

cias literárias se cruzem — na abertura, a proposta de uma página vazia, de um desenho a preencher; aqui, um terminus. Título e forma, título e cor de Enigma constituem, porém, uma unidade em movi mento. A cor reforça o enigma mas, no entanto, em nenhum mo mento a peça assume a imagem de um buraco negro, capaz de absor ver a energia do que a rodeia ou ser ilustração hiper realista e limitada de um borrão de tinta. Pelo contrário, o seu recorte irregular (mas que guarda uma memória radial dinâmica) é marca de certa agressi vidade; e a peça surge-nos como um disco em voo, disco que, uma vez lançado, se poderá tornar em arma letal uma arma que, no final da exposição, finalmente nos cegue, nos atire para um abismo.

Lisboa, 25 de Novembro de 2021

140

p o s t f a c e

Fi n a l E n i g m a

At the end of the exhibition, we are confronted with two limit situations: Cerca, 2021 and Enigma #01, 2021. “Limit” not only in the sense that these are the last pieces in the exhibition (and in an un comfortable set up), but because both of them can act as confirma tion of the risks Calapez took throughout the itinerar y leading here: r i s k , wh e n h e m a d e i t d i f fi c u l t f o r u s t o a c c e s s t h e p i c t u r e s i n Clausura by creating a strange viewing device; risk, when he once again negated the relaxed effortlessness of seeing (which saturates the contemporar y world), by forcing us to gaze intensely and invent the bodies that hide in the silver y lines of the rarefied drawings in the second room; risk, when he created a scenography, a travelling shot of a long, glittering nocturnal landscape that we traverse in a state of suspension until we are thrown into a room in which risk is not measured by the tension between rarefaction and overcharge within a single piece but by the expressive dispersion of the four works displayed there, each of which is also able to multiply in itself, by completely different means, images of vertigo or instability, revealing moments of seductive strangeness, broad euphoria or deep anxiety; risk, finally, in the shattering of the last piece, scattered as

141

a n e x p a n s e o f d e b r i s t h a t u l t i m a t e ly ( r e ) o r g a n i s e t h e m s e lve s i n a ccordance with rules defined by pictorial intuition.

Let us return to the pieces that bring the exhibition to a close: Cerca, nine vertical painting gestures cut out into aluminium plates, is immediately familiar to us — we will soon look at the reason why; similarly, Enigma presents in its title one of the lines of work that be c a m e a n i m p o r t a n t g u i d e l i n e i n t h i s e x h i b i t i o n : t h e n o t i o n t h a t something is hidden from us in each piece, or else presented to us as a cypher: in the viewing machine that impedes vision, in the outlines that conceal the bodies, in the darkness that hides the lights…

The nine cut outs that make up Cerca lean against the wall of the exit corridor. They are painted in a blackish, uncertain, melan cholic blue, and were selected and enlarged from a number of gestures by a hand that used a simple painting brush on a white surface (or perhaps were directly simulated on a computer screen). Cerca is familiar to us because we have already seen its negatives these nine elements acted as models for some of the paintings that make up Clausura. In other words, the sculptural cut out defined the in scription of colour in all the paintings of that work.

A “fence” (Port. cerca) consists in a number of identical elements that are stuck into the ground to delimit and surround a space; a “fence” puts a limit to the circulation of people and animals, defines a property limit, is a sign of prohibition. In this piece, it is also a figu

142

rative limit or frontier, a metaphorical frontier of painting itself, because Calapez initially used these elements, which he now treats as autonomous, as simple auxiliaries for painting. Here, the wall plays the role of blank canvas, of limit; but it is always possible to view this Cerca as a field of expansion: its constituting elements are similar but not identical to one another; their small differences bring in a new challenge to the attention of the viewer; their number (nine) is not final because, within the modern practice of serial production, the number of elements can increase without loss of meaning; actually, new meanings may even be generated.

On our left is the path that leads to the exit stairs; but we are stopped on our tracks by one last image: the black patch of Enigma, another cut-out aluminium piece. Enigma is the final stop of the exhibition, a black irregular entity with formal and semantic qualities that justify its positioning, namely by having its title remind us that the whole exhibition is traversed by a feeling of secrecy; by ensuring a dynamics that, while strictly visual, simulates a movement away from the restricted space in which it is displayed (a corridor that ends on a steep flight of stairs).

There is a significant formal difference between this closing piece and one of the initial works (cobertos os ramos mortos, 2018), even though their literar y references intersect in the opening piece, we have the proposition of a blank page, a drawing to be filled

143

in; here, a terminus. The title and form, title and colour of Enigma are, however, a unit in motion. The colour enhances the enigma but yet, at no time does the piece take on the guise of a black hole, able to absorb the energy of its surroundings, or of a hyper realistic and limited illustration of an ink blot. On the contrar y, its irregular contour (which nonetheless preser ves a dynamic radial memor y) conveys a certain level of aggressivity; and the piece appears before us as a disc in flight, a disc that, once thrown, may become a deadly weapon — a weapon that, at the end of the exhibition, may finally blind us and cast us into an abyss.

Lisbon, 25 November

144
2021

p 21

Balançoires, 2021 acrílico sobre tela | acr ylic on canvas 294 × 196 cm

pp 22 25

Balançoires, 2021 pormenor | detail

pp. 26 27

cobertos os ramos mortos, 2018 óleo alquídico sobre alumínio | alkyd oil on aluminium c o n j u n t o d e q u a t r o t u b o s q u a d r a d o s | s e t o f f o u r square tubes

p 37

Clausura, 2021 pormenor | detail p. 38

Clausura, 2021 pormenor | detail p 39

Clausura, 2021 pormenor | detail p. 40

Clausura, 2021 pormenor | detail p 41

Clausura, 2021 pormenor | detail pp. 42 43

vista da exposição | exhibition view

pp 44 47

Clausura, 2021 estruturas metálicas, acrílico sobre tela, espelhos, iluminação Led | metallic structures, acrylic on canvas, mirrors, Led lights 250 × 430 × 270 cm pp. 48 51

Clausura, 2021 pormenor | detail p. 52 Clausura, 2021 estudos em maqueta | project model p. 61 forma enformada #06 pormenor | detail ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm pp. 62 63 forma enformada vista da exposição | exhibition view p. 64 forma enformada #01 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm p 65

forma enformada #02 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

153
L i s t a s d a s O b ra s | L i s t o f Wo r k s

p. 66

forma enformada #03 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p 67

forma enformada #04 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p. 68

forma enformada #08 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p 69

forma enformada #07 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p. 70

forma enformada #09 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p 71

forma enformada #10 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p. 72

forma enformada #11 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p 73

forma enformada #12 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p. 74

forma enformada #13 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p 75

forma enformada #14 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p. 76

forma enformada #06 ponta de prata sobre papel preparado | silver point on primed paper 102,5 × 152,5 cm

p 85

um corpo entre outros #33, 2020 técnica mista sobre papel | mixed media on paper 152,5 × 102,5 cm

pp. 86 87 vista da exposição | exhibition view

p 88

Mil pinturas #01, 2021 acrílico sobre alumínio | acr ylic on aluminium 150 × 300 × 8,3 cm

p. 89

Mil pinturas #02, 2021 acrílico sobre alumínio | acr ylic on aluminium 150 × 300 × 8,3 cm

pp. 90 91 vista da exposição | exhibition view

p. 103

vista da exposição | exhibition view pp 104 105

Sarabande, 2018 chapa de alumínio pintada, recortada a jacto de água | painted aluminium plate, water beam cut 200 × 136 cm

154

p. 107

Dupla margem, 2021 técnica mista sobre papel | mixed media on paper 205 × 152,5 cm

pp 108 109 vista da exposição | exhibition view

pp. 110 111

Sonho a noite, 2021 tinta da china e acrílico sobre papel | Indian ink and acr ylic on paper conjunto de oito trabalhos | set of eight works 170 × 440 cm

pp 112 113 vista da exposição | exhibition view

pp. 114 115

Tenho no quintal um limoeiro #02, 2020 acrílico sobre tela | acr ylic on canvas

p. 125

diagrama da montagem de «Labirinto deslocado» impressão a jacto de tinta sobre papel | inkjet print on paper 29,7 × 42 cm

pp. 126 127 vista da exposição | exhibition view

pp 128 129 Labirinto deslocado, 2021 pormenor | detail

pp 130 131

Labirinto deslocado, 2021 pormenor | detail

pp 132 133

Labirinto deslocado, 2021 pormenor | detail

pp 134 135

Labirinto deslocado, 2021 óleo sobre chapa de alumínio | oil on aluminium plate

dimensões variáveis (700 × 850 × 75 cm, na exposi ção) | variable dimensions (700 × 850 × 75 cm, at the exhibition)

p 136

Labirinto deslocado, 2021 estudo | study técnica mista sobre papel | mixed media on paper 59,4 × 42 cm

p 145 vista da exposição | exhibition view

pp. 146 147 vista da exposição | exhibition view

pp. 148 149 Cerca, 2021 chapa de alumínio pintada a acrílico, recortado a jacto de água | acrylic painted aluminium plate, water beam cut conjunto de nove chapas recortadas a jacto de água | set of nine water beam cut plates dimensões variáveis (150 × 255 cm, na exposição) | variable dimensions (150 × 255 cm at the exhibition)

pp 150 151 vista da exposição | exhibition view

p. 152

Enigma #01, 2021 chapa de alumínio pintada a acrílico, recortado a jacto de água | acrylic painted aluminium plate, water beam cut 60 × 62 × 5 cm

155

A g r a d e c i m e n t o s | A c k n o w l e d g e m e n t s

M a r i a d a G r a ç a C a r m o n a e C o s t a

A l d a G a l s t e r e r C é s a r B a r r i o D a l i l a Pi n t o d e A l m e i d a D i n o r a h L u c a s Jo r g e Ro d r i g u e s M a n u e l Pe d r o C a l a p e z M a r i n a B a i r r ã o Ru ivo

156

E s t e l iv r o f o i p u b l i c a d o p o r o c a s i ã o d a e x p o s i ç ã o « Pe r t o d a M a r g e m » , d e Pe d r o C a l a p e z , c o m c u r a d o r i a d e Jo ã o P i n h a r a n d a , r e a l i z a d a n a Fu n d a ç ã o A r p a d S z e n e s Vi e i r a d a S i lva

( d e 7 d e O u t u b r o d e 2 0 2 1 a 1 6 d e Ja n e i r o d e 2 0 2 2 ) e m p a r c e r i a c o m a Fu n d a ç ã o C a r m o n a e C o s t a

T h i s b o o k w a s p u b l i s h e d o n t h e o c c a s i o n o f Pe d r o C a l a p e z ’ s e x h i b i t i o n

“ C l o s e t o t h e Ed g e ” , c u r a t e d b y Jo ã o P i n h a r a n d a , s h o w n a t t h e A r p a d S z e n e s Vi e i r a d a S i l v a Fo u n d a t i o n ( f r o m 7 O c t o b e r 2 0 2 1 t o 1 6 J a n u a r y 2 0 2 2 )

i n p a r t n e r s h i p w i t h t h e C a r m o n a e C o s t a Fo u n d a t i o n

157

f u n daç ão c a r m o n a e co s ta

C o n s e l h o G e r a l | G e n e r a l Bo a r d M a r i a d a G r a ç a C a r m o n a e C o s t a C o n s e l h o d e Ad m i n i s t r a ç ã o | Bo a r d o f D i r e c t o r s M a r i a d a G r a ç a D i a s C o e l h o C a r m o n a e C o s t a Pr e s i d e n t e | Pr e s i d e n t Á lva r o C a r m o n a e C o s t a Po r t e l a Jo s é A m a r o M a r t i n s C a r m o n a e C o s t a

Ad m i n i s t r a d o r a E xe c u t iva | E x e c u t i ve D i r e c t o r M a r i a d a G r a ç a C a r m o n a e C o s t a

A s s e s s o r p a r a a Pr o g r a m a ç ã o C u l t u r a l | Ad v i s o r f o r C u l t u r a l Pr o g r a m m i n g Pe d r o Va l d e z C a r d o s o

f u n daç ão a r pa d s z e n e s v i e i r a da s i lva

E X P O S I Ç Ã O [ E X H I B I T I O N ]

C o n s e l h o d e Ad m i n i s t r a ç ã o | Bo a r d o f D i r e c t o r s A n t ó n i o G o m e s d e Pi n h o Pr e s i d e n t e | Pr e s i d e n t Jo ã o C o r r ê a Nu n e s Vi c e Pr e s i d e n t e | Vi c e Pr e s i d e n t Ve r a No b r e d a C o s t a Si m o n e t t a L u z A f o n s o Jo s é M a n u e l d o s S a n t o s R i t a Fa d e n I s a b e l C a r l o s

D i r e c t o r a | D i r e c t o r M a r i n a B a i r r ã o Ru ivo

C u r a d o r i a | C u r a t o r Jo ã o Pi n h a r a n d a

Pr o d u ç ã o | Pr o d u c t i o n Re n a t o S a n t o s S a n d r a S a n t o s S a n d r a Q u i n t a s So f i a Su t r e

Eq u i p a d e m o n t a g e m | D i s p l a y St a f f Jo r g e Ro d r i g u e s ( a s s i s t e n t e d e Pe d r o C a l a p e z )

C a r l o s No g u e i r a Re n a t o S a n t o s

C o m u n i c a ç ã o | Me d i a D e p a r t m e n t I n ê s Eva

158

C A T Á L O G O [ C A T A L O G U E ]

C o n c e p ç ã o | C o n c e p t Pe d r o C a l a p e z

Tr a d u ç õ e s | Tr a n s l a t i o n s Jo s é G a b r i e l F l o r e s

Ed i ç ã o | C o p y e d i t i n g S a n d r a S a n t o s

Rev i s ã o | Pr o o f r e a d i n g He l e n a Ro l d ã o S a n d r a S a n t o s

Fo t o g r a f i a | P h o t o g r a p h s M P P C C é s a r B a r r i o ( p p . 1 2 8 1 2 9 )

D e p ó s i t o l e g a l | Le g a l d e p o t : 4 9 3 9 8 1 / 2 2

Pr é i m p r e s s ã o , i m p r e s s ã o e a c a b a m e n t o | Pr e p r e s s , p r i n t i n g a n d b i n d i n g AC D Pr i n t S A Ru a M a r q u e s a D ’A l o r n a , 2 5 1 9 2 6 2 0 2 7 1 Ra m a d a

© Fu n d a ç ã o C a r m o n a e C o s t a , 2 0 2 1

© Si s t e m a So l a r ( c h a n c e l a D o c u m e n t a ) i m a g e n s | p l a t e s © Pe d r o C a l a p e z t e x t o s | t e x t s © Jo ã o Pi n h a r a n d a

I S B N : 9 7 8 9 8 9 8 8 3 3 7 7 8

Fu n d a ç ã o A r p a d S z e n e s Vi e i r a d a Si lva Pr a ç a d a s A m o r e i r a s , 5 6 / 5 8 1 2 5 0 0 2 0 L i s b o a w w w f a s v s p t

Fu n d a ç ã o C a r m o n a e C o s t a Ed i f í c i o So e i r o Pe r e i r a G o m e s Ru a So e i r o Pe r e i r a G o m e s , Lo t e 1 6 . º D 1 6 0 0 1 9 6 L i s b o a w w w f u n d a c a o c a r m o n a e c o s t a p t

To d o s o s d i r e i t o s r e s e r va d o s E s t a o b r a n ã o p o d e s e r r e p r o d u z i d a , n o t o d o o u e m p a r t e , p o r q u a l q u e r f o r m a o u q u a i s q u e r m e i o s e l e c t r ó n i c o s , m e c â n i c o s o u o u t r o s , i n c l u i n d o f o t o c ó p i a , g r ava ç ã o m a g n é t i c a o u q u a l q u e r p r o c e s s o d e a r m a z e n a m e n t o o u s i s t e m a d e r e c u p e r a ç ã o d e i n f o r m a ç ã o , s e m p r év i a a u t o r i z a ç ã o e s c r i t a d o s e d i t o r e s | A l l r i g h t s r e s e r ve d No p a r t o f t h i s p u b l i c a t i o n m a y b e p r i n t e d o r u s e d i n a n y f o r m o r by a n y m e a n s , i n c l u d i n g p h o t o c o py i n g a n d r e c o r d i n g , o r a n y i n f o r m a t i o n o r r e t r i e v a l s y s t e m s , w i t h o u t p e r m i s s i o n i n w r i t i n g o f t h e p u b l i s h e r s

D O C U M E N TA

Si s t e m a So l a r , C r l . Ru a Pa s s o s M a n u e l , 6 7 B 1 1 5 0 2 5 8 L i s b o a w w w. s i s t e m a s o l a r . p t

159
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.