Pedro Calapez - lameiros

Page 1

Pedro Calapez Lameiros

Pedro Calapez Lameiros


Pedro Calapez Lameiros


8 de outubro de 2012 a 6 de janeiro 2013 October 8th 2012 to January 6th 2013 Centro de Arte Contemporânea Graça Morais Bragança


Pedro Calapez Lameiros


In low population density and fragile economy territories, well-being and life quality factors should be strongly appreciated. It is in this context that a good network of cultural platforms with adequate cultural programs represents an added value to urban life, a situation that has positive effects on choices such as investment decisions, selecting a location to live and work or what to visit in town, and because of this, culture will always be a pillar of the strategic management of the city. In the transition and beginning of the millennium, Bragança experienced one of its most expressive transformations in the cultural area as far as municipal management is concerned. The construction of new cultural venues (libraries, museums, the municipal theater, dance and music schools, science and new technologies centers) has assured Bragança a new cultural stance in the cities of the interior urban system, providing at the same time to its inhabitants a higher level of confidence. Bragança has been reinforcing centrality factors in the Iberian context. The city has more frequently been positively mentioned, recording as well an increase in tourist preferences - 38% in the last three years, two thirds of these originating from other countries – having cultural tourism as their main driving force. Bragança is undergoing significant changes in road, air and train accessibility (in 2016 it will have access to the TGV fast trains in the close by train station Pueblo de Sanabria), gathering unique conditions to break through the isolation prejudice and state its proximity and centrality in the Iberian context, a challenge that culture and identity will help overcome. It is in this perspective that the generosity of the many good artists that accept to collaborate with Bragança must be dearly valued, with the purpose of assuring their commitment to recommending Bragança, returning to town and help us creating the informal network of the “friends of Bragança”. We must promote this relationship by employing good character traits and hospitality. Artists such as Pedro Calapez, whose personal and artistic merit is unquestionable in and outside our country, deserves our respect, acknowledgement and a reinforced desire to have him as one of the “Bragança ambassadors”, also because of his close family link to Bragança. Thank you Pedro Calapez for this beautiful exhibition “Lameiros”, symbol of a unique landscape that throughout centuries was created by man in an intimate relation of work and harmony with nature.

António Jorge Nunes Presidente da Câmara Municipal de Bragança

4


Nos territórios de baixa densidade populacional e economia fragilizada, os fatores positivos associados à qualidade de vida e bem estar têm que ser valorizados. É neste contexto que uma boa rede de equipamentos culturais com adequada programação cultural representa uma mais valia para a atratividade urbana, situação que pondera positivamente na matriz de opções diversas como sejam: decisões de investimento, escolha de local para viver e trabalhar, de visita turística, e por isso, a cultura será sempre um pilar na gestão estratégica da cidade. Em Bragança, na transição e início do milénio, escreveu-se na área cultural uma das páginas mais expressivas das transformações ocorridas em Bragança no âmbito da gestão municipal. A construção de novos equipamentos culturais (bibliotecas, museus, espaços de memória, Teatro Municipal, escolas de artes da dança e da música, centros de ciência e de conhecimento e novas tecnologias) assegurou um novo posicionamento cultural de Bragança no sistema urbano das cidades do Interior, e deu aos cidadãos mais confiança. Bragança tem reforçado os fatores de centralidade no contexto Ibérico, a cidade tem sido mais referenciada pela positiva, tem registado um movimento de procura turística crescente, 38% nos últimos três anos, sendo dois terços provenientes de países estrangeiros, tendo como motivação principal o turismo cultural. Bragança está a mudar muito em termos de acessibilidades rodoviárias, aéreas e ferroviárias (no ano de 2016 terá acesso ao TGV na estação próxima de Puebla de Sanabria), reunindo condições únicas para romper com preconceitos de isolamento e afirmar a sua centralidade e proximidade no contexto Ibérico, desafio a que a cultura e identidade ajudarão a dar impulso. É nesta perspetiva que a generosidade dos muitos e bons artistas, que aceitam colaborar com Bragança, tem de ser valorizada, no sentido de assegurar o seu empenho na recomendação de Bragança, de voltarem e ajudar-nos a criar a rede informal dos “amigos de Bragança”, relação que temos de promover, usando valores de bom caráter e de bem receber. Artistas como Pedro Calapez, cujo mérito pessoal e artístico é reconhecido de forma inquestionável dentro e fora do país, merece, pelo atrás referido, o nosso respeito e reconhecimento e um pedido reforçado de se constituir como um dos “Embaixadores de Bragança”, considerando a sua íntima ligação familiar a Bragança. Obrigado Pedro Calapez por esta bonita exposição “Lameiros” representativos de uma paisagem única que, ao longo de séculos, o homem foi criando numa relação de trabalho e harmonia com a natureza.

António Jorge Nunes Presidente da Câmara Municipal de Bragança

5


6


7


8


Entre a abstração e a referência Between abstraction and reference Jorge da Costa

“É na indefinição da paisagem que ela surge no máximo sentido”.1

“It is in the landscape’s lack of definition that it emerges in its full meaning”.1

A condição arquitetónica, ainda que atravessada pelas mais inesperadas soluções formais e técnicas, marcou, sempre, como matriz organizadora e até estruturante, o trabalho de Pedro Calapez (Lisboa, 1953). A par dela, está a memória e um manancial de referências que desconstrói, depura e reinventa para criar fragmentados “campos polícromos de caráter abstrato”2.

Architecture, albeit traversed by the most unexpect-

Há no seu trabalho, permanentemente pautado pelo rigor e pelo método, uma predileção pelos grandes formatos ou, quando não, pelas composições agrupadas e pelas montagens cenográficas de feição teatral, que combina, num jogo de arquiteturas e de outras estratégias processuais, para dar corpo a um trabalho que, continuamente, vem superando “os limites da pintura para adquirir os rasgos de uma instalação”3.

His work, which is always governed by rigour and meth-

O trabalho de Pedro Calapez é, desde a década de 1980, período correspondente ao chamado “regresso à pintura”, paradigma das mudanças que nesta altura surgem em torno da prática artística, com a introdução de novas estratégias que até então não cabiam na condição pictórica.

called ‘return to painting’, Pedro Calapez’s work has

ed formal and technical solutions, has always marked the work of Pedro Calapez (Lisbon, 1953) as an organising and even structuring matrix. Alongside architecture are memory and a well spring of references that he deconstructs, refines and reinvents in order to create fragmented “polychromatic fields of an abstract nature”2.

od, conveys a predilection for large formats or grouped compositions and scenographic assemblies of a theatrical nature that he combines, in a play of architectures and other process-based strategies, to give form to an oeuvre that continually overcomes “the limits of painting to acquire the features of an installation”3. Since the 1980s, the period corresponding to the sobeen a paradigm of the changes that have emerged around artistic practice, with the introduction of new strategies that previously did not fit the definition of the pictorial.

9


A conjugação de técnicas e cruzamento de disciplinas, a utilização de novos materiais e de suportes não convencionais, a volumetria, o diálogo estabelecido entre domínios próprios da pintura com os contextos escultórico e arquitetónico, aproximam a sua obra do conceito de “campo expandido”, defendido, em 1979, pela historiadora Rosalind Krauss.

The concept of the ‘expanded field’ adopted by the historian Rosalind Krauss in 1977 is recognisable in Calapez’s work, arising through the way that he combines techniques and mixes disciplines, uses new materials and unconventional supports, introduces volume, and establishes a dialogue between fields associated with painting and the contexts of sculpture and architecture.

Quase sempre aplicada à espátula sobre os suportes, sejam as placas de alumínio, planas, torcidas ou recortadas, as monumentais e texturadas folhas de papel, o vidro temperado ou os tijolos industriais, a cor é o elemento dominante em toda a exposição. Pedro Calapez constrói sedutores e desconcertantes planos de cor, evocações de lugares, de paisagens, fragmentos ou parcelas de espaços não convencionais.

Colour is the dominant element throughout the exhibi-

No seu trabalho, as referências surgem habitualmente de fontes muito diversas. Se em diferentes fases da sua carreira fez uma aproximação à obra de grandes mestres da história universal, de um modo muito particular a pintura de Giotto, Fra Angelico ou Piranesi – subtraindo delas os mais diversos elementos para, numa predileção pelo marginal ou pela lateralidade maneirista, se centrar nos planos de fundo, que desornamenta, desconstrói, transforma ou adapta –, a sua obra vem mantendo correlações com um conjunto muito vasto de géneros e tendências contemporâneos, que oscilam entre a citação de imagens de cariz erudito ou simplesmente apropriadas de banais imagens do quotidiano.

In his work, references stemming from a wide range of

Pela sua descontextualização e por se assumirem como universos alterados, que se libertam do peso da citação, impossibilitando a reconfiguração do real, as suas obras afiguram-se em perspetivas imprecisas de outros lugares ou mesmo de não-lugares, imagens ilusórias em aparente suspensão de significado.

they establish themselves as altered universes liberated

10

tion and a palette knife is almost always used to apply it to his supports, whether these be flat, twisted or cutout aluminum plates, monumental and textured sheets of paper, or toughened glass or industrial bricks. Pedro Calapez constructs seductive and disconcerting planes of colour, evocations of places, landscapes, fragments or parts of unconventional spaces.

sources frequently appear. At different stages in his career he has approached the work of the great historical masters, particularly the paintings of Giotto, Fra Angelico and Piranesi, from which, motivated by a predilection for the marginal or the mannerist habit of shifting the main theme to the sides, he subtracts the most diverse elements in order to focus on the backgrounds, which he simplifies, deconstructs, transforms or adapts. Nevertheless, his work has also maintained affinities with a vast range of contemporary genres and trends, oscillating between the citation of images from high culture or simple appropriations of banal everyday images. Because of their decontextualisation and the way that from the weight of citation, making the real impossible to reconfigure, his works appear as imprecise perspectives of other places, or even non-places; illusory images in which meaning is apparently suspended.



12


13


Centrada na sua produção mais recente, concretamente nos trabalhos realizados em 2011 e 2012, a presente exposição propõe ao olhar do visitante um campo visual muito diferenciado. Novos temas, formas, séries e abordagens parecem manter infinito o campo de possibilidades de uma obra que, num contexto contínuo de experimentação e interrogação, surge alicerçada, desde o seu início, na reformulação dos princípios académicos e protocolos conceptuais da pintura.

Focusing on his most recent work, specifically pieces

Composto por mais de uma centena de tijolos cerâmicos, a obra Transferência surge frontal à entrada do espaço expositivo. As suas faces pintadas a preto e branco expandem-se ao longo da instalação. A obra, apresentada pela primeira vez em 2011, na Ermida N.ª Sr.ª da Conceição, em Belém, e complementada com uma intervenção na parede exterior do edifício, é uma inevitável remissão à obra Muro contra muro que apresentou em 1994, na galeria Luís Serpa, em Lisboa. Sucedânea da experiência realizada anteriormente na obra Ácido (grupo de 8 tijolos cerâmicos pintados a acrílico), o muro transcende aqui a metáfora da barreira arquitetónica para se assumir como uma cenografia desabitada, como um campo visual despojado de qualquer outro elemento acessório, mas simultaneamente comprometido e dialogante com o espaço arquitetónico que o acolhe. E se em Muro contra muro o visitante era envolvido pela obra à medida que atravessava um estreito corredor formado por intervalados e monumentais painéis de MDF, Transferência, onde o negro é cor dominante, apresenta-se como boca de cena de um palco ou barreira que o visitante tem depois de contornar para ter acesso ao espaço expositivo.

uated right at the entrance to the exhibition space, its

14

created in 2011 and 2012, this exhibition offers the visitor a highly differentiated visual field. New themes, forms, series and approaches seem to ensure that an infinite range of possibilities is offered by a body of work which, in a context of continuous experimentation and questioning, has been grounded from the very beginning in the reformulation of the academic principles and conceptual protocols of painting. Made up of over 100 ceramic bricks, Transferência is sitblack-and-white painted surfaces extending like a monumental installation. The work, which was shown for the first time in 2011 at the Nossa Senhora da Conceição chapel in Belém, where it was complemented by an intervention on the outside wall of the building, is an inevitable cross-reference to Muro contra muro, which he exhibited in 1994 at the Luís Serpa gallery in Lisbon. Following on from the experiment previously carried out in Ácido (a series of eight acrylic-painted bricks, 2011), in this case the wall transcends the metaphor of the architectural barrier to become a piece of uninhabited scenography, like a visual field that is stripped of any other accessory but is simultaneously committed to, and in dialogue with, the architectural space that accommodates it. While in Muro contra muro, the visitor was enveloped by the work as he or she moved along a narrow corridor formed by massive MDF panels placed at intervals, Transferência, in which the dominant colour is black, appears as the proscenium of a stage or barrier that the visitor must subsequently move around to enter the exhibition space.




Idêntica extensão do campo pictórico realiza-a em Half-pipe, obra que ocupa grande parte do espaço expositivo da Nave; um exercício abstrato, mais do que metafórico, que propõe uma dialética entre a monumentalidade e a citação de objetos de uso quotidiano. O artista apropria-se da forma das estruturas urbanas utilizadas na prática de desportos radicais, onde apresenta, combinadas, um conjunto de manchas informes sob distintos fundos monocromáticos, aplicadas sob a superfície côncava de num conjunto de chapas de alumínio apensas a uma estrutura metálica, que sugestionam dinâmica e desafiam o visitante a procurar distintas perspetivas visuais.

The pictorial field is extended in an identical manner in

A heterogeneidade de formas, sejam planas, côncavas ou convexas, recortadas, horizontais ou verticais, suspensas na parede ou colocadas no chão, isoladas ou agrupadas em conjuntos, coexiste com a variedade de temas presentes na exposição, transformando-a num campo discursivo de difícil compreensão. A obras como Half-pipe, cuja matriz é inteiramente

cave, convex, cut-out, horizontal or vertical, and may

Half-pipe, a work that occupies a large part of the space of the exhibition hall. An abstract rather than a metaphorical exercise, Half-pipe offers a dialectic between the monumentality of the work and the citation of everyday objects. The artist appropriates the shapes of urban structures used in the practice of extreme sports, presenting a series of formless stains against distinct monochromatic backgrounds applied to the concave surface of a series of aluminium plates attached to a metal structure, suggesting dynamism and challenging the visitor to seek out different visual perspectives. The heterogeneity of the forms, which may be flat, conhang from the wall or be placed on the ground either in isolation or grouped together in series, coexists with the variety of themes present in the exhibition, transforming it into a discursive field that is not easily understood. Works such as Half-pipe, which are entirely urban in origin, stand in contrast to the rusticity depicted in four

17


18


19


20


urbana, contrapõe Calapez a ruralidade paisagística em quatro novos trabalhos de dimensão monumental, os Lameiros4, com que evoca, pela máxima depuração de formas e pela transfiguração do real, um dos elementos identitários do mosaico paisagístico transmontano, constituindo-se na mais recente série do seu alfabeto de fontes, e que dá também título à exposição.

new large-scale works, the Lameiros4, with which, by re-

Como as imagens que os desencadeiam, os meios envolvidos neste processo criativo são também de vária ordem. Mas se a manipulação das imagens, as mudanças de escalas e até a combinação das cores resultam, com muita frequência, de estudos preparatórios concebidos a partir do computador, a verdade é que, como refere num dos seus escritos, “O ponto de partida – o tema, a ideia, a série – apaga-se durante o ato de fazer. O ritmo do fazer ultrapassa inesperadamente qualquer estudo prévio”. A pintura reduz-se depois ao gesto, à combinação de tons ou à sobreposição da cor distendida ou interrompida pela passagem da espátula sobre o suporte.

ist’s manipulation of images, changes in scale and even

A imensidão do céu, do mar ou de uma qualquer paisagem, propostas aqui em séries de obras recentes como Transfondo, Céu Sombrio, Horizonte Sobreposto #02 ou Horizonte Sobreposto #03 é um claro exemplo da capacidade que a pintura de Calapez tem de evocar espaços que depois se distanciam das imagens que as despoletaram para dar origem a outras completamente abstratas, que as aproxima, não raras vezes, das poéticas do expressionismo abstrato americano, nomeadamente das telas Colorfield Painting de Barnett Newman, de Mark Rothko e, de modo particular, de Clyfford Still.

Horizonte Sobreposto #03, provides a clear example of the

fining forms as much as possible and transfiguring the real, he evokes one of the identifying elements of the landscape mosaic of Trás-os-Montes, becoming established in the most recent series of his alphabet of sources, from which the exhibition takes its title. Like the images that trigger them, the media used in this creative process are also of various types. But if the artcombinations of colours frequently result from preparatory computer-aided studies, the truth is that, as he says in one of his articles, “the starting point – the theme, idea or series – fades away during the act of creation. The rhythm of creating unexpectedly transcends any previous study”. The painting is subsequently reduced to the gesture, the combination of shades or the overlapping of colour that is stretched or interrupted by the passing of the palette knife across the support. The immensity of the sky, the sea, or any other kind of landscape, as seen here in series of recent works including Transfondo, Céu Sombrio, Horizonte Sobreposto #02 or ability of Calapez’s paintings to evoke spaces that subsequently distance themselves from the images that inspired them to give rise to other completely abstract images that often recall the poetics of American abstract expressionism, specifically the Color-Field paintings of Barnett Newman, Mark Rothko, and particularly Clifford Still.

21


22


23


24


25


Bandas retangulares, zonas de cor justapostas, interceção de manchas e de planos, de lisos e texturados, de cheios e vazios, realizam-se em exercícios visuais de grande abstração cromática, a partir dos quais evoca, num jogo de segmentos, memórias incertas, onde cada elemento parece transcender, para lá dos limites do quadro, o seu território de conflito.

Rectangular stripes, juxtaposed areas of colour, inter-

Os limites do quadro são, por isso, um campo essencial no trabalho de Calapez. “A minha questão acaba por ser sempre a dos bordos do quadro. Eu tenho sempre vontade que a pintura se prolongue para além dela”5, refere numa

For this reason, the boundaries of the painting are an

entrevista a Delfim Sardo. Ao olhar do espectador não é apenas proposto o prolongamento mental das fronteiras físicas do suporte, mas conseguir estabelecer um continuado jogo de mudanças de ponto de vista, a deambular de um pormenor a outro, a variar o distanciamento do olhar em relação às obras, a procurar distintas perspetivas entre a vista geral da sala ou na perceção de um detalhe isolado.

im Sardo in an interview. The spectator’s gaze is asked

Praticamente ausente de qualquer obra em exposição, o desenho, que é génese do processo criativo de Calapez, ocorre apenas por sugestão num outro conjunto de trabalhos recentes, onde contorno é definido, não pelo riscado da grafite, da incisão ou da pincelada, mas pelos recortes das chapas de alumínio. Em alguns dos elementos, como acontece em obras como Spider ou Octopus, não deixa de se reconhecer o seu contorno antropomórfico, mas a sua maioria não perdeu o pendor abstrato. Estes resultam de um novo processo de trabalho iniciado em 2009, cuja produção advém de formas previamente criadas em computador e em que o gesto do riscar é substituído pelo recorte mecanizado, realizado a jatos de água, tanto nos bordos exteriores como nas aberturas interiores das chapas.

Drawing, despite being the genesis of Calapez’s crea-

26

posed stains and planes, both smooth and textured, full and empty, are presented in visual exercises marked by a high degree of chromatic abstraction, from which, in a play of segments, he evokes uncertain memories in which each element seems to transcend its area of conflict, moving beyond the boundaries of the painting.

essential area of interest in Calapez’s work. “My question ultimately concerns the edges of the painting. I always want the painting to extend beyond itself”5, as he told Delfnot only to consider the mental extending of the physical boundaries of the support but also to establish a continuous play of changing points of view, wandering from one detail to another, varying the distance between the eye and the works, seeking perspectives that range from an overall view of the room to the perception of an isolated detail.

tive process, is virtually absent from the works on display, occurring only through suggestion in another series of recent works in which the outline is defined not by a mark made by graphite, incisions or brushstrokes but by pieces cut from aluminium plates. Although some of the elements allow an anthropomorphic outline to be discerned, as in works like Spider or Octopus, the majority remain predominantly abstract. The result of a new working process which he first used in 2009, these pieces are made from shapes created in advance on a computer in which the gesture of marking lines is replaced by one of mechanised cutting carried out by jets of water directed at both the exterior edges and the interior apertures in the aluminium plates.


27


28


29


30


31


32


O mesmo processo é realizado em composições agrupadas como 24 Badges, 12 Vertical Bars ou 24 Bars, onde o exercício é repetido em múltiplas variações, resultantes da manipulação das generosas porções de tinta acrílica distendida à espátula sobre a superfície fria do alumínio previamente recortado. Dispostas em composições formais simétricas sobre a parede, cada composição, a par da sua coexistência singular, constitui-se e complementa o seu sentido como fragmento ou pormenor de uma obra global, formando conjuntos indivisíveis, independentemente da variação da dimensão, recorte, cromatismo, volumetria ou texturado dos seus elementos.

The same process is used in grouped compositions such

A realização de composições agrupadas, como os trabalhos de grande dimensão, passam pela vontade de um persistente “envolvimento do espectador”6, Pedro

grouped compositions involves the desire for a persis-

as 24 Badges, 12 Vertical Bars or 24 Bars, in which the exercise is repeated in multiple variations resulting from the manipulation of generous portions of acrylic paint spread by a palette knife across the cold surface of the previously cut aluminium. Arranged in formal symmetrical compositions on the wall, each composition, besides existing as a unique entity, establishes and complements its meaning as a fragment or detail of an overall work, forming indivisible series independently of variations in the size, outline, chromatism, volume, or texture of its elements. In common with the large-scale works, the creation of tent “involvement of the spectator”6, Pedro Calapez emphasises the idea by making use of the installation, cre-

Calapez sublinha a ideia com o recurso à instalação, criando espaços que se encerram sobre si mesmos, retomando a ideia de Studiolo.

ating spaces that close in on themselves, reprising the

Calapez materializa aqui o conceito da câmara renascentista numa pequena sala retangular revestida a painéis de madeira, contígua à Nave de exposições, dispondo e agrupando os segmentos que constituem a obra 24 Badges, a partir de uma arrumação sistematizada e ocupando toda a extensão do espaço. Formada por um conjunto de peças circulares recortadas irregularmente nos seus bordos, cujo referente passa pela iconografia heráldica, ainda que a suas linhas abstratizantes dificultem o reconhecimento das memórias que convoca, cada peça estabelece-se num engenhoso jogo de confrontos com o seu “duplo”, uma vez que cada componente surge na parede oposta, de imagem invertida, aproximando-se do mesmo dispositivo de projeção das imagens de uma câmara-escura.

sance chamber in a small rectangular room covered in

idea behind Studiolo. Here, Calapez materializes the concept of the Renaiswooden panels adjacent to the exhibition hall, arranging and grouping the segments that make up 24 Badges on the basis of a systematic layout and occupying the entirety of the space. Formed by a series of circular pieces irregularly cut along the edges, it references heraldic iconography even though its abstract lines make it difficult to recognise the memories that it evokes. Each piece establishes itself in an ingenious play of confrontations with its ‘double’, since an inverted image of each component appears on the opposite wall, recalling the method by which images are projected from a camera obscura.

33


34


35


A obra mais recente de Pedro Calapez oferece-se ao olhar do espectador a partir de múltiplos exercícios pictóricos que, como os anteriores, recusam interpretações definidas e unívocas: sedutores campos cromáticos que funcionam como catalisadores de espaços poéticos capazes de estimular memórias, sensações e fantasias. Ao mesmo tempo recusa, numa permanente estratégia de obra aberta, a ideia de sistematização para a sua prática artística.

36

Pedro Calapez’s most recent work offers itself to the spectator’s gaze as a series of pictorial exercises, which, like earlier ones, reject defined and unambiguous interpretations: seductive chromatic fields that serve to catalyze poetic spaces capable of stimulating memories, sensations and fantasies. At the same time he rejects the idea of systematizing his artistic practice in line with a permanent strategy that characterizes the open work.


37


38


39


(Endnotes)

1

Cf. Pedro Calapez, in Finisterra, XXXVI, 2001.

2

Cf. Júlio César Abad Vidal – Las Pinturas Invisibles de Pedro Calapez, galeria Max Estrella, Madrid, 2003.

3

Cf. Maria de Jesus Ávila – Del Outro Lado – En El Outro Lado, galeria Bores & Mallo, Cárceres, 1998.

4

Situados junto às linhas de água, os lameiros são prados naturais permanentes, cuja manutenção depende do corte cíclico da vegetação para a produção de feno ou pastoreio direto e os seus bordos e o seu interior são ocupados por espécies arbustivas e arbóreas autóctones. No entanto, ameaçados pelo envelhecimento e pelo despovoamento das populações rurais, estes biótipos tão peculiares do sistema agropecuário transmontano correm o risco de desaparecer. Delfim Sardo em conversa com Pedro Calapez, in Pedro Calapez. Obras Escolhidas, 1992/2004, CAM – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2004.

5

6

40

Cf. Pedro Calapez in Pedro Calapez, Convento dos Capuchos, Caparica, 1991.

1

Cf. Pedro Calapez, in Finisterra, XXXVI, 2001.

2

Cf. Júlio César Abad Vidal – Las Pinturas Invisibles de Pedro Calapez, galeria Max Estrella, Madrid, 2003.

3

Cf. Maria de Jesus Ávila – Del Outro Lado – En El Outro Lado, galeria Bores & Mallo, Cárceres, 1998.

4

Situated near watercourses, lameiros are permanent natural meadows whose maintenance depends on direct grazing or the cyclical cutting of vegetation to produce hay. Their edges and interior are occupied by autochthonous species of trees and shrubs. Threatened by ageing and the depopulation of rural areas, these biotypes, which are closely linked to the mixed-farming methods characteristic of Trás-os-Montes, are at risk of disappearing.

5

Delfim Sardo in conversation with Pedro Calapez, in Pedro Calapez. Obras Escolhidas, 1992/2004, CAM – Calouste Gulbenkian Fundação, Lisbon, 2004.

6

Cf. Pedro Calapez in Pedro Calapez, Convento dos Capuchos, Caparica, 1991.


41


42


43


Transferência, 2011 196 x 261 x 20 cm Acrílico s/ tijolo cerâmico 108 tijolos, estruturas metálicas Acrylic on ceramic brick 108 ceramic bricks, metal structures

Pequeno Corpo #19, 2012 17 x 40 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Pequeno Corpo #13, 2012 42 x 30cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Pequeno Corpo #11, 2012 48 x 38 cm Acrílico s/ alumínio

Acrylic on aluminum

Pequeno Corpo #03, 2012 52 x 45cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Shape Dialog 04, 2011 116 x 146 x 4 cm Acrílico s/ alumínio conjunto de 6 painéis

Acrylic on aluminum Group of 6 panels

Pequeno Corpo #09, 2012 26 x 51,5 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Spider, 2012 60 x 64 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Pequeno Corpo #10, 2012 38,5 x 50 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Torch, 2012 76 x 48cm Acrílico s/ alumínio conjunto de 2 painéis Acrylic on aluminum Group of 2 panels

Pequeno Corpo #08, 2012 33 x 40,5 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Typhoon, 2012 45 x 75 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Pequeno Corpo #12, 2012 50 x 35 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Bones, 2012 45 x 60 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Pequeno Corpo #04, 2012 45,5 x 38,5 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

44

Octopus, 2012 45 x 60 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum


Barreira H, 2012 108 x 76 x 4 Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Travesso 07, 2011 103,5 x 153,5 Acrílico s/ papel arches Acrylic on arches paper

Travesso 04, 2011 103,5 x 153,5 Acrílico s/ papel arches Acrylic on arches paper

Barreira M, 2012 228,5 x 71 x 3cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Travesso 02, 2011 101,8 x 152,5 cm Acrílico s/ cartão museu Acrylic on museumboard

Céu Sombrio #17, 2012 103,5 x 153,5 cm Acrílico s/ papel arches Acrylic on arches paper

Travesso K, 2012 153 x 103 cm Acrílico s/ papel arches Acrylic on arches paper

Bunker ABC, 2012 147 x 210 x 8 cm Acrílico s/ alumínio

Travesso L, 2012 153 x 103 cm Acrílico s/ papel arches

Acrylic on aluminum

Acrylic on arches paper

Trasfondo #25, 2011 153,5 x 103 cm Acrílico s/ papel arches Acrylic on arches paper

Travesso O, 2012 103 x 153 cm Acrílico s/ papel arches Acrylic on arches paper

Lameiro A, 2012 300 x 150 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Lameiro B, 2012 300 x 150 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Lameiro C, 2012 300 x 150 cm Acrílico s/ alumínio

Acrylic on aluminum

Lameiro D, 2012 300 x 150 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum


Shape Dialog 02, 2011 105 x 111 x 5 cm Acrílico s/ alumínio conjunto de 4 painéis Acrylic on aluminum Group of 4 panels

Horizonte Sobreposto 03, 2012 200 x 183 cm Acrílico s/ tela Grade 01, 2011 150 x 300 cm Acrílico s/ alumínio

Acrylic on canvas

Horizonte Sobreposto 02, 2012 200 x 180 cm Acrílico s/ tela Acrylic on canvas

Acrylic on aluminum

12 Vertical Bars, 2012 148,5 x 253 cm Acrílico s/ alumínio, 12 painéis Acrylic on aluminum, 12 panels

24 Bars, 2011 240 x 304 x 4 cm Acrílico s/ alumínio, 24 painéis Acrylic on aluminum , 24 panels

Half-pipe, 2012 900 x 200 x 150 cm Acrílico s/ alumínio 4 painéis em alumínio, estruturas metálicas, contraplacado Acrylic on aluminum 4 aluminum panels, metal structures, plywood

Flutuante #10, 2012 150 x 212 x 39 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

Ground 04, 2012 125 x 125 x 11,5 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum

46

Ground 05, 2012 125 x 125 x 11,5 cm Acrílico s/ alumínio Acrylic on aluminum


24 Badges, 2011 Dimensões variáveis/Variable dimensions Acrílico s/ alumínio 24 painéis em alumínio Acrylic on aluminum 24 aluminum panels

Ground 03, 2012 Dimensões variáveis/Variable dimensions Acrílico s/ alumínio 4 painéis em alumínio

Acrylic on aluminum 4 aluminum panels

47


Pedro Calapez Lameiros www.calapez.com

Pedro Calapez (Lisboa, 1953) começou a participar em exposições nos anos 70. O seu trabalho tem sido mostrado em diversas galerias e museus tanto em Portugal como no estrangeiro: Petit jardin et paysage, Capela Salpêtriére, Paris (1993); Campo de Sombras, Fundació Pilar i Joan Miró, Mallorca (1997); Madre Agua, Museo MEIAC, Badajoz e Centro Andaluz de Arte Contemporáneo, Sevilha (2002); Obras escolhidas, CAM - Fundação C. Gulbenkian, Lisboa (2004); piso zero, CGAC - Centro Galego de Arte Contemporáneo, Santiago de Compostela; “Kickflip”, Fundação PLMJ, Lisboa (2011). Nas diversas mostras colectivas destaca-se a sua participação nas Bienais de Veneza (1986) e S. Paulo (1987 e 1991) bem como nas exposições 10 Contemporâneos, Museu de Serralves, Porto (1992); Perspectives, Centre d’art contemporain, Marne-La-Vallée (1994); Tage Der Dunkelheit Und Des Lichts, Kunstmuseum Bonn (1999); EDP.ARTE, Museu de Serralves, Porto (2001); Del Zero al 2005. Perspectivas del arte en Portugal, Fundación Marcelino Botín, Santander (2005); Beaufort Inside-Outside, Trienal de Arte Contemporânea, PMMK Museum, Ostende (2006); A colecção, Museu de Serralves, Porto (2009); A culpa não é minha, obras da Colecção António Cachola, Museu Berardo, Lisboa (2010). Colecções: Caixa Geral de Depósitos, Lisboa; Centro de Arte Caja Burgos, Burgos; Central European Bank, Frankfurt; Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela; Chase Manhattan Bank N.A, New York; Colecção António Cachola, Elvas; European Investment Bank, Luxembourg; Fondación Coca-Cola España, Madrid; Fundació Pilar i Joan Miró, Maiorca; Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; Fundação EDP, Lisboa; Fundação Luso Americana, Lisboa; Fundação PLMJ, Lisboa; Fundação Portugal Telecom, Lisboa; MEIAC- Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz; MMCARS- Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid; Museu de Serralves, Porto e outras colecções públicas e privadas.

Pedro Calapez (Lisbon, 1953) began taking part in exhibitions in the seventies. He has exhibited his work individually in various galleries and museums: Petit jardin et paysage, Salpêtriére Chapel, Paris (1993); Campo de Sombras, Pilar i Joan Miró Foundation, Majorca (1997); Madre Agua , MEIAC - Contemporary Art Museum, Badajoz and CAAC - Andalucia Contemporary Art Centre (2002); Selected works 1992-2004, Gulbenkian Foundation, Lisbon (2004); piso zero, CGAC - Galicia Contemporary Art Centre, Santiago de Compostela (2005); Kickflip, PLMJ Foundation, Lisboa (2011). Most outstanding among the various collective exhibitions in which he has taken part are the biennials of Venice (1986) and S.Paulo (1987 and 1991) and the exhibitions: 10 Contemporâneos , Serralves Museum, Oporto (1992); Perspectives , Marne-LaVallée Contemporary Art Centre (1994); Tage Der Dunkelheit Und Des Lichts, Bonn Art Museum (1999); EDP.ARTE, Serralves Museum, Oporto (2001); Del Zero al 2005. Insights on Portuguese art - Marcelino Botín Foundation, Santander (2005); Beaufort Outside - Inside, Contemporary Art Triennial, PMMK Museum, Ostende (2006). The collection, Serralves Museum, Oporto (2009); It’s not my fault, Berardo Museum, Lisbon (2010). Collections: Caixa Geral de Depósitos, Lisboa; Centro de Arte Caja Burgos, Burgos; Central European Bank, Frankfurt; CGAC- Galician Contemporary Art Centre, Santiago de Compostela; Chase Manhattan Bank N.A, New York; António Cachola Collection, Elvas; European Investment Bank, Luxembourg; Coca-Cola Foundation Spain, Madrid; Pilar and Joan Miró Foundation, Majorca; Calouste Gulbenkian Foundation, Lisbon; EDP Foundation, Lisbon; Luso American Foundation, Lisbon; PLM Foundation, Lisbon; Portugal Telecom Foundation, Lisbon; MEIAC, Ibero-American Contemporary Art Museum, Badajoz; MNCARS, Reina Sofia Contemporary Art Museum, Madrid; Serralves Museum, Oporto an others.

Exposição / Exhibition Produção / Production Câmara Municipal de Bragança Concepção da Montagem / Project Jorge Costa Pedro Calapez Montagem / Instalation Paulo Ferreira José Araujo Jorge Rodrigues (MPPC) Serviço Educativo / Educational Department Carlos Martins Cláudia Pinto Susana Pires Comunicação / Comunication Sandra Canteiro

Catalogo / Catalog Edição / Publisher Câmara Municipal de Bragança Design / Design João Brandão B2 atelier de Design, Lda Texto / Text Jorge Costa Revisão / Editing Jorge Costa MPPC Fotografia / Photography MPPC Impressão / Printing Textype Tiragem / Print run 500 Depósito Legal / Legal Deposit 352570/12 ISBN / ISBN 978-989-8344-20-5


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.