História de Itapevi

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ITAPEVI do sítio à cidade passando pela maria-fumaça

Estudos gerais sobre a logística guarani da região das ´itapevis´ entre a Paranapiacaba e a Jaguamimbaba, 1991-92, c/ atualização em 2019.

João Barcellos


Agradecimentos Câmara Municipal de Itapevi Prefeitura Municipal de Itapevi Ex.mo Sr. Deputado Estadual João Caramez Ex.mo Sr. Prefeito Igor Soares Ex.mo Sr. Vereador Prof. Paulinho

Aziz Ab´Sáber Hernâni Donato W. Paioli

Susumo Harada Amigo e Companheiro de Jornadas Historiográficas de Itapevi para o Brasil via Piabiyu


Índice Apresentação do Prefeito de Itapevi Itapevi: do Sítio à Cidade passando pela Maria-Fumaça Uma História Precária, Mas Uma História... Do Sítio Itapevi Enquanto Eixo Do Progresso Da Maria-Fumaça à Indústria e Comércio Estação Ferroviária / o Marco-Zero Itapeviense São Judas Tadeu / Padroeiro de Itapevi Formação Geossocial Formação Administrativa Questão Emancipatória Emancipação & Economia Entre a CAC e Itapevi Sociedade Itapeviense / Dados Gerais

Notas & Bibliografia Anexos - Piabiyu & Serra de Itaqui (homenagem a Susumo Harada) - Caminho d´Itu & 4 Encruzilhadas, Via ´itapevis´ - O Brasil Antes De 1500... Poemas De Campanha Por Entre Itapevis

Nota: fotos e mapas do Autor e de Susumo Harada, acrescidos de fotos e mapas pinçados da Web e s/ restrição autoral.


ITAPEVI do sítio à cidade passando pela maria-fumaça

Os exemplos de vilas e cidades que nasceram no entorno de uma estação ferroviária são muitos, de sorte que em vez de uma capela o marco-zero civilizatório foi mesmo o ponto de embarque e desembarque do trem. Um desses exemplos no Brasil é a municipalidade que antes era um sítio e parada dito Itapevi

Ft ENFA

na imensidão territorial que era Akut´ia [Acutia, Cuti, Cotia, etc...] no velho sertão da Carapochuyba quinhentista e seiscentista.


Uma história precária, mas uma história... As regiões da Capitania vicentina a oeste do planalto piratiningo são grandes florestas cortadas por rios e riachos, um interminável ´mar´ de morros entre a Paranapiacaba e a Jaguamimbaba, onde vários povos perdidos da linha do Império Inca brigam por si próprios; entre eles, o povo guarani mantém a rota inca sagrada, dita Piabiyu, e demarca uma logística que os portugueses logo sinalizam como crucial para se estabelecerem acima da linha d´água salgada. O encontro de portugueses e guaranis determina, no Séc. 16, o seu assentamento com a abertura de ´fogos´ em cada ´entrada´ e uma expansão que rapidamente os faz tomar gentes, terras e aldeias nativas. Todo o tipo de ´parada´ guarani é tido como objetivo a ser estudado e seguido e, se possível, abraçando os próprios nativos. É assim que ao largo de Carapochuyba descobrem a aldeia Akut´ia e, no seu entorno, o sítio das ítapevis´. Entre a aldeia guarani Akut´ia e a região de Itapevi está um vasto território cortado pelo Rio Akut´ia com vários trechos de acesso palmilhados há centenas de anos por povos nativos e, mais, pelos guaranis, que fazem das suas aldeias pontos de encontro [Akut´ia] para uma logística de contato e abastecimento.

Itapevi? O nome é guarani e significa pedra chata e lisa, a saber: ita [pedra] e pevi [chata] e lisa.


´itapevis´ fotografadas por Susumo Harada

Tanto os guaranis como os tupis denominam os seus pontos de encontro conforme o que veem, i.e., observam o ambiente de flora e fauna, ou simplesmente um leito d´água diferenciado, e determinam a identidade que vai ser passada de boca em boca. A região de muitas pedras chatas e lisas, ou ´itapevi´, apesar das ´pedras´ permite o assentamento de ´fogos´ dispersos para o trato de pesca e caça, além de uma agropecuária de sobrevivência. Sendo um sítio e parada, a região tem uma posição privilegiada entre as idas e vindas de nativos, mas logo os ´fogos´ de portugueses tornam-se pequenas propriedades a salvo de jesuítas e de outros colonos que gostam de açambarcar o que de outrem é para escambo lucrativo, na verdade, um esbulho criminoso que muito prejudica quem a terra lavra e produz alimentos.

* E então, por que um território tão estratégico não passa de uma parada no sertão...? Tanto o mestre Susumo quanto eu, já tínhamos analisado a sítio de passagem das itapevis quando o notável geógrafo uspiano Aziz Ab´Sáber colocou novamente a questão ao ler uma sinopse de pesquisas minhas, em 1994. Pessoas mais idosas, de Cotia, de Carapicuíba, de Jandira e de Itapevi, ainda dizem que “Itapevi é lugar sagrado de povos indígenas”. E foi uma familiar de Nhô Quim, de segundo grau, dona Maria, professora de primeiras letras, quem, perto do natal de 1991, terminava eu pesquisas acerca da Estrada de Maracananduba, deu a ´chave´ – a saber: “[...] Sabe, aquelas ´três


encruzilhadas’ na estrada da mina d´oiro? Todo o mundo sabia que Itapevi é para passar, fazer alto rápido, e seguir em frente. É que a parte mais alta de Itapevi, ali a apontar para a Serra de Itaqui, é lugar sagrado de indígenas, é canguera. Por isso, os cristãos não podiam sequer rezar ali para não incomodar os espíritos dos mortos... Também por isso, surgiu mais à frente o lugar das cruzes” [in “Entre Itapevis & Cangueras”, artigo para os jornais ´Treze Listras´ e ´Gazeta de Cotia´, de João Barcellos]. Sim, é certo. Observando-se a topografia entre os certõens d´Itapecerica e Carapochuyba percebe-se um vasto território cruzado por trilhas florestais (o ramal logístico guarani do Piabiyu), mas, no entorno do Sítio Itapevi, “a apontar para a Serra de Itaqui”, como mencionou a profª Maria, as ´itapevis´ formavam, e em alguns lugares, ainda formam, edificações naturais, muitas delas aproveitadas pelos povos nativos para fazerem descansar os seus mortos e celebrando-os entre a natureza. Com a formação dos primeiros ranchos no Século 18 e, principalmente, com a instalação dos caminhos de ferro e uma estação, a civilização tupi-guarani foi banida de vez dos certõens y mattos a oeste de Piratininga, restando somente um aldeamento do Pico do Jaraguá.

*

E assim, o sítio e parada Itapevi é um espaço autônomo onde chegam pessoas de todos os tipos e credos; e, por não ter aldeia montada, permite o intercâmbio sertanejo de quem vai para a mineração ou vai à caça de gente nativa. Uma terra de ninguém onde nem os precários assentamentos de portugueses – os ´fogos´, ou seja, ranchos provisórios com 5 ou 7 pessoas – ousam dizer ´terra minha´. E por isso é que entre os Sécs. 16 e 18 a região de Itapevi é um sítio de encontros e nada mais. Entretanto, se a logística guarani serve a mineradores e bandeirantes e tropeiros, no Séc. 19 é cobiçada pela modernidade ferrífera: a civilização sobre trilhos ao som de uma maria-fumaça. Eis que no caminho de dentro parnahybano o sítio Itapevi é o ponto ideal para uma estação ferroviária e assim nasce a Estação de Cotia, porque Itapevi é, como é Jandira [q.s. ´favo de mel´], simplesmente isso: um sítio no território cotiano.


os caminhos de dentro e de fora no contexto parnahybano

A par de atividades rurais, o sítio Itapevi ganha a modernidade, o que chama a atenção de mais pessoas atentas ao progresso no entorno da ´maria-fumaça´ E uma história pós-colonização começa a ter assentamento...


Do Sítio Itapevi enquanto eixo de progresso Não existem registros acerca de alguma aldeia nativa erguida em Itapevi. Apenas que é parada obrigatória para quem vai ao oeste e ao centro-oeste, e para o sul, tendo a Serra d´Itaqui como rota, a mesma utilizada pelos portugueses de serr´acima e os padres jesuítas, e a mesma que levou Affonso Sardinha (o Velho) a tomar o Pico do Jaraguá e o Monte Ibituruna [no sítio dos arassarys] para minerar ouro e prata, enquanto mantinha o cais carapochuybano sob a sua chefia. Das posses sesmeiras de Affonso Sardinha (o Velho) nos Séculos 16 e 17, no entorno dos caminhos de dentro e de fora com eixo em Sant´Anna de Paranahyba, e entrada e saída pelos cais de Carapochuyba e Quitauna, a região de Itapevi passa a ser passagem pela Akut´ia entre os certõens y mattos das margens do Anhamby para a serrania de Itapecerica e o este na direção do Paranapanema. Um dos pontos de tal estrutura logística, embasada no Piabiyu guarani, está na bifurcação do Ribeirão da Vargem Grande, que liga a velha estrada do Rio Akut´ia aos cais d´Anhamby, por um lado, e ao certam d´águas d´Ibiuna e Serra de São Roque, por outro lado – passagem fundamental para mineradores, bandeirantes e tropeiros entre os Séculos 16 e 19. E depois da parada Itapevi o que existe? O que existe é um sítio estratégico utilizado por todo o tipo de gentes e interesses, e mais no negócio da agropecuária e serviços afins.

casa rural e pousada em Itapevi com as mesmas características arquitetônicas dos casarões de Morro Grande e Caiapiã (em Cotia)


Mas, quando no Séc. 19 se pensa em utilizar a logística guarani e montar nela o caminho de ferro, Itapevi é um dos sítios privilegiados na malha de ligação a ser efetuada pela ´maria fumaça´, cuja

estação ferroviária vem a ser o marco-zero para a cidadania itapeviense.


Da maria-fumaça à indústria e comércio

Ainda no Séc. 19, o italiano Giulio Michaeli [v. ´Formação Geossocial´] abre uma pedreira para a produção de paralelepípedos e em tal empreendimento dá trabalho para outras famílias, como as Belli, Silicani e Michelotti, entre outras, segundo informações dispersas, oficiais e particulares. E então, por que Itapevi? Porque aqui está um ponto de escoamento para a produção: a linha férrea. Durante o oitocentos ferroviário é que Itapevi alcança uma identidade própria e já lança a perspectiva para transformar o sítio rural e ferroviário em casa de gentes natas.

Centro de Itapevi e ECF, Séc. 20

Se um italiano industrializa, velhas famílias portuguesas e mamelucas [como os Nunes e os Abreus] abrem espaços para uma cidadania ordenada


fundiariamente. Eis que em 1883 José Nunes dos Santos [de Sant´Anna de Parnahyba] vende para João de Abreu Nogueira [de Ibiuna] o então bem conhecido Sítio São João, onde ainda se encontra uma das mais antigas moradias da região, do Séc. 17, e que é pousada para bandeirantes e viajantes, que saindo de São Paulo ao amanhecer ainda alcançam Itapevi no final do dia; e sendo difícil e perigoso seguir viagem com o escuro da noite, dormem na casa. E logo, no alvorecer do Séc. 20, em 1912, Joaquim Nunes Filho, o Nhô Quim, de Cotia, compra o Sítio Itapevi, um espaço de 152 alqueires, que lhe dá cabedal financeiro e fundiário para encabeçar a política regional e determinar a elevação do sítio a distrito de Cotia.

Nhô Quim

Época em que chegam mais italianos e portugueses e a população nata já celebra a sua identidade cidadã.

Apesar disso a referência da cidade ainda continuava sob o nome de estação Cotia tirando a possibilidade de identificação própria do local. Em 1940 chegava em Itapevi o empresário Carlos de Castro que adquiriu de Joaquim Nunes vasta gleba de terra, dando origem ao loteamento do Parque Suburbano e Jardim Bela Vista. Foi a partir daí que se acelerou o desenvolvimento do local. Com a estação ainda com o nome de Cotia e a própria sede do município chamada de Vila Cotia, criava-se enormes confusões notadamente ao serviço de correios e telegramas para que as correspondências e pessoas localizassem os endereços em Itapevi.


Em 1945, Carlos de Castro conseguiu com o então ministro Cardoso João Alberto que a estação tivesse seu nome alterado para Itapevi, com festa para a população. A partir daí e já dentro de um espírito emancipacionista presente por toda região, integrantes da sociedade da época iniciaram o movimento de autonomia do distrito, fazendo a população se empenhar em massa no processo. Seus idealizadores eram homens como o próprio Carlos de Castro, Américo Christianini, Cezário de Abreu, Bonifácio de Abreu, Rubens Caramez, Raul Leonardo, José dos Santos Novaes e tantos outros.

Estação Ferroviária A Estrada de Ferro Sorocabana [EFS] é fundada em 1872, e o primeiro trecho da linha férrea aberto em 1875, até Sorocaba.

Ft em livro de Júlio W. Durski


Em 1875 é inaugurada a estação de Cotia. A festa de inauguração da Estação de Cotia no sítio Itapevi acontece no dia 10 de julho. A cerimônia tem a presença de diversas autoridades, além do presidente da província Sebastião José Pereira, o presidente da EFS, Matheus Maylasky, o chefe de polícia, conselheiro Martim Francisco, e representantes do imperador Pedro II. A estação de Cotia, na verdade é uma pequena parada onde também se abastecem com lenha as fornalhas das marias fumaças. A linha-tronco se expande até 1922, quando atinge Presidente Epitácio, nas margens do rio Paraná. Antes, a EFS constrói vários ramais, e passa por trocas de donos e fusões: em 1892, é fundida pelo Governo com a Ytuana, então, à beira da falência. Em 1903, o Governo Federal assume a ferrovia, vendida para o Governo paulista em 1905, que a arrenda em 1907 para o grupo de Percival Farquhar, desaparecendo a Ytuana de vez, com suas linhas incorporadas na EFS. Em 1919, o Governo paulista volta a ser o dono, por causa da situação precária do grupo detentor. E assim até 1971, quando a EFS é uma das ferrovias que formam a estatal FEPASA. O seu trecho inicial, primeiro até Mairinque, depois somente até Amador Bueno, desde os anos 20 passam a atender principalmente os trens de subúrbio. Com o surgimento da CPTM, em 1994, esse trecho passa a ser administrado por ela. Trens de passageiros de longo percurso trafegam pela linha-tronco até 16/1/1999, quando são suprimidos pela concessionária Ferroban, sucessora da Fepasa, que coloca trens de carga. Embora conste como inaugurada em 1922, com o nome de Fernão Dias, alguns relatórios da Sorocabana apontam o dia 01/05/1927 [cinco anos depois] como o da inauguração dessa estação. Entretanto, a estação, na verdade um galpão de tábuas, tem a designação alterada para Estação Amador Bueno em 1933. Segundo reza a história, ou estória, foi João Prado, morador do bairro do Coruruquara, em Santana de Parnaíba e na divisa com o então município de Cotia, atual Itapevi, onde ele cortava a lenha e dali levava-a para a estação em grandes quantidades. O novo edifício da estação vem a ser construído em 1938.

A moderna estação de trens urbanos no Séc.21


* E enfim, como é de fato a Linha Métrica que ´carrega´ os trens de subúrbio? Ao ler um artigo de Rubens Hering, em 2010, resolvo registrá-lo: “[...] A linha original de 1875 era métrica e singela. Após atravessar o rio Pinheiros vinda de São Paulo, a ferrovia passava por uma região quase desabitada pelo vale do Tietê e do rio São João. Nesse trecho São Paulo-São João (hoje a estação é São João Novo, um pouco além e distante de São João "velho"), havia apenas três estações e uma parada (São Paulo, Barueri, Cotia e São João). A parada era a de Cotia, um estribo construído no mesmo ponto onde hoje está a estação de Itapevi. Para se ter uma ideia, a população em volta da estação de Barueri era de, no máximo, cinquenta pessoas, incluindo aí a Aldeia de Barueri, situada a cerca de um quilômetro do acampamento para construção da ferrovia que se montou em volta da estação de Barueri. A parada de Cotia ganhou esse nome porque onde hoje é Itapevi só existiam ´itapevis´ a sinalizarem uma ´parada´ na rota guarani enquanto ´ramal´ do Piabiyu. A existência dessas paradas devia-se à necessidade de alimentação de água e lenha para as locomotivas, além de facilitar o cruzamento de trens numa linha singela que se duplicava apenas nesses pontos, construídos a 27, 36 e 48 km da estação inicial.

*

Em maio de 1939, a Sorocabana decide reduzir o percurso dos trens de subúrbio, que chegam a Mairinque, até Amador Bueno, o que provoca revolta entre quem mora no trecho suprimido (é certo que depois se estendeu e suspendeu novamente para Mairinque diversas vezes): "Amador Bueno é uma espécie de depósito de linha e de vagões vazios. Com essa reforma, a estrada naturalmente aproveita, mas o mesmo não se poderá dizer da extensa zona que vai desta estação até Mailaski, assim excluída da zona de subúrbios" [nota publicada em O Estado de S. Paulo, 24/5/1939]. A nota explica os quês das idas e vindas da ´maria fumaça´ no sítio Itapevi e, sobre tais acontecimentos, até o poeta Baptista Cepellos veio a escrever um soneto meio ´desvairado´ em torno da ferrovia.


São Judas Tadeu Padroeiro de Itapevi

Na tradição cristã, são Judas Tadeu é natural de Canaá, na Galiléia e é escolhido por Jesus para apóstolo. Após receber o dom do Espírito Santo, inicia pregação na Galileia, passando pela Samaria e Iduméria, entre outras regiões judaicas. E, logo, Mesopotâmia, Síria, Armênia e Pérsia. A pregação e o testemunho de Judas Tadeu impressionam os pagãos, que se convertem. Tal sucesso provoca a inveja e a fúria contra o apóstolo, que é trucidado, a golpes de cacetes, lanças e machados, no ano 70. A famosa Carta de São Judas, que está na Bíblia, é uma severa advertência contra os falsos mestres e um convite a manter a pureza da fé. A imagem de São Judas Tadeu tem o livro, que é a Palavra que ele prega e a machadinha, com a qual foi morto. Os restos mortais, após terem sido guardados no Oriente Médio e na França, foram definitivamente transferidos para Roma, na Basílica de São Pedro. No ano 1952 é criada a Paróquia de São Judas Tadeu, em Itapevi, sob jurisdição religiosa de Osasco.


Entre As Encruzilhadas /// O que conhecemos por Itapevi é uma região inserida na atual micro bacia do Córrego Sapiantã, que ´enche´ o Rio São João (o atual Barueri Mirim).

Cruzes na encruzilhada (acervo de Susumo Harada)

Fazenda Maracananduba, dos Novaes, ao largo de Itapevi e depois Acutia (Ribeirão da Vargem Grande) _ ft João Barcellos

A aldeia guarani Acutia dá lugar, no Séc. 19, à municipalidade e paróquia de Nª Sª do Monte Serrat da Acutia, com grandes latifúndios no Caiapiã e no Morro Grande e, outro, mais a sul e na área de Itapevi, dito Fazenda Maracananduba, na estrada para Itu via Araçariguama, com demarcações feitas com oratórios/capelinhas e com eixo na região dita Quatro Encruzilhadas, a lembrar o estilo e a fé das gentes no norte de Portugal.


Diversidade Religiosa Se a tradição cristã na colonização feita pelos portugueses, nos Sécs. 16 e 17, é a rota mística oficializada, já na mesma época o judaísmo é forte, o protestantismo avança [presbiterianos, metodistas, adventistas, luteranos, batistas, etc.] e o islamismo tem laços com a marujada que desembarca na costa brasileira; assim, também na evolução de Itapevi existe uma mística diversa que possibilita às gentes optarem por credos que não o estabelecido politicamente. Nos primórdios itapevienses a mística fora do credo cristão é vista como anormal, mas o sincretismo provocado na raça mameluca, que origina a brasileira e se congrega com a emigração europeia, faz com que aos poucos os credos sejam aceitos; e é o que acontece também em Itapevi. Quando os africanos iniciam os seus rituais no âmbito das senzalas, fazemno, na condição de escravos, na mescla com o quadro santeiro do catolicismo, logo, o terreiro é um cântico afro-católico de resistência e de fuga: o movimento místico e político origina uma das mais extraordinárias miscigenações da história humana. Brancos e negros, judeus, cristãos e muçulmanos, hindus e budistas, têm espaço em Itapevi. A fé é uma só.

Observação Historiográfica

O primeiro altar da cristandade itapeviense é montado na casa de Nhô Quim, a mesma que viria a servir para montar a Prefeitura Municipal e, também a Banda (Corporação Musical de Itapevi) regida por Teodomiro de Moraes; e, esta Banda abrilhanta, então, as festas religiosas em Itapevi e Cotia.


Formação Geossocial

Itapevi está a cerca de 7 léguas da Sam Paolo dos Campi de Piratininga e é uma parada entre morros e morrotes, como diz o geólogo Aziz Ab´Sáber, a cerca de 700 m no ambiente formado pelo Ribeirão Sapiantã e a Serra de Itaqui nas bandas de Sant´Anna de Parnahyba. Aliás, é a bacia do Sapiantã que alimenta a fauna e a flora nesta região de ´itapevis´, além de quem por aqui passa para o sítio dos arassarys, no Ibituruna, ou para Ibiuna via Ribeirão da Vargem Grande apanhando a Maracananduba pelas Quatro Encruzilhadas. Eis como, ano após ano, a parada das itapevis abrigou todo o tipo de gentes como linha secundária obrigatória do grande Piabiyu desde que montanísticos e faiscadores avançaram pelos sertõens y mattos no oeste guarani.

Mapa da Comissão de Geografia e Geologia, 1923, mostrando as Quatro Encruzilhadas ao lago de Itapevi


Para se ter uma ideia da grandeza territorial de Itapevi ao tempo da vila de Sant´Anna de Parnahyba e de Acutia, a parada das Quatro Encruzilhadas, na banda de Maracananduba, indo para Ibiuna ou Ibituruna via estrada de Itu, passando pelo Ribeirão da Vargem Grande, aconteceu em fazenda de tal ´encruzilhada´ a leitura do inventário de Escholastica Cordeiro Borba, filha da famosa Catarina de Borba Gato. Ou seja: no final de 1755 já a região das ´itapevis´ alberga várias e vastas fazendas, de sorte que a grandeza urbana que já vai modernizando a Sam Paolo jesuítica chega lentamente aos rincões do oeste agrário e escravagista. Isolamento e autonomia é o que se pode dizer dos ranchos/fogos assentes ´a volante´ na região de Itapevi entre os Sécs. 16 e 18, e é o que encontram as famílias Nunes e Abreu, as primeiras a desenvolverem aqui atividades agropecuárias e madeireiras. Ao contrário da aldeia guarani Caucaia, no certam d´Itapecerica, que vem a receber no ponto alto da Paranapiacaba a estação ferroviária, mas continua como região autônoma apesar de Cotia, a região de Itapevi situa-se no certam de Carapochuyba e é somente uma parada para gentes e gado. Quando a parada recebe a estação ferroviária esta passa a ser o centro formador geossocial. Das crônicas da época, sabe-se que a Família Nunes tem negócios de Itapevi até Ibiuna passando pelo Ribeirão da Vargem Grande, ou seja, no circuito mais estratégico da dita Estrada Velha Paulista; e que a Família Abreu assentou ´fogo´ em Itapevi, que logo virou rancho e fazenda. Outras correspondências mostram que entre os Sécs. 19 e 20 várias famílias assentam e ganham raiz em Itapevi, como Roncagli, Chiamilera, Michelotti, Correias, Moraes, Bachini, Domingues, etc., às quais se juntam, nos Anos 30 do Séc. 20, parte da saga japonesa que, então, ergue em Cotia a Cooperativa Agrícola Cotia (CAC). O ´abraço´ entre nativos, portugueses, brasileiros, africanos, italianos e japoneses, vem a moldar a Sociedade Itapeviense. Pedras, sempre as ´itapevis´... Lá pelo meio do novecentos, a Sam Paolo jesuítica dá lugar a uma metrópole em vias de industrialização. Abrem-se ruas e praças na cidade grande e é em Itapevi que se assegura parte da produção de cascalho e pedra. Obviamente, a pedra cortada também vai servir para amortecer os caminhos de ferro e erguer as estações. Uma das razões que me leva a acreditar que a designação nativa ´itapevi´ ficou até hoje é a existência da pedra para assentar a ´aldeia que Itapevi nunca foi´...


Imagem antiga da Pedreira São João [acervo Susumo Harada]

O primeiro grande empreendimento itapeviense é a Pedreira São João, que vem a servir também a urbanidade crescente da região, já um nicho-dormitório para muitos emigrantes portugueses e italianos. Assim é que a pedreira serve os paulistanos mundanos e os paulistas da ruralidade caipira.


Formação Administrativa _ Da História

1 Da Região Das ´Itapevis´ Durante todo o Séc. 16, a região de Itapevi é uma área de acesso aos certõens y mattos no âmbito da Akut´ia e do dito certam da Carapochuyba, ao tempo do cais anhambyano tomado por Affonso Sardinha (o Velho) no seu processo sesmeiro de alargar a posse fundiária e encontrar novas rotas no encalço da logística guarani. Por isso é que quando a aldeia guarani Akut´ia é levada para o certam d´itapecerica, em 1703, para se transformar em Paróquia de Nossa Senhora do Monte Serrat da Acutia, em 1717, regiões como Jandira, Itapevi, parte de Carapochuyba, Ribeirão da Vargem Grande e Caucaia, foram-lhe anexadas; desse processo resultou uma paróquia-município com territorialidade imensa fronteiriça aos domínios de Sant´Anna de Parnahyba, tocando pelo ´caminho de dentro´ Araçariguama.

Quando, em 1875, é inaugurada a Estação de Cotia da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS), precisamente no eixo central das rotas guaranis de Itapevi,


a região começa a crescer no entorno da economia gerada pela logística ferroviária. Mas, é Cotia, não é Itapevi...

2 Do Manancial-Rio Sapiantã

A designação guarani ´sapiantã´ possui duas possibilidades de interpretação – a saber: a) de sapy´á, q.s. ´de repente´, e b) de ´sapy´y ´, q.s. ´arvoredos de rio´ (= ´mata ciliar´). Os povos nativos não davam, nem dão, nomes a lugares, citam-nos como referências naturais, assim, é de crer que ´sapiantã´ algo como ´de repente no caminho´ e nele sinalizaram mais um ponto em meio à malha Piabiyu em meio aos ´sertõens y mattos´, sinalização logo aportuguesada pelos colonos. Fontes: 1- Vocabulário Guarani-Português, Mário Arnaud Sampaio / Ediç L&PM, 1986; 2- Vocabulário Tupi-Português / Curso Elementar de Tupi Antigo; USP; 3- Encontro c/ Caciques Tupis e Guaranis no IHGSP, 2011.

A importância de um ponto hídrico na geografia em que se insere [raramente se integra...] a comunidade humana é tal que era possível dizer ´de água não se morre´, mas, o uso abusivo de solos e mananciais deixou marcas que nos sinalizam uma incerteza: ´Teremos água até quando?´...


Em encontro no Colégio Kosmos, na Estrada do Jardim Nova Cotia, adentrando Itapevi, num final de semana de palestras ecológicas, apresentei estudos que havia feito para conversar com caciques tupis e guaranis no Instituto de Histórico e Geográfico de São Paulo (ihgsp) – e, a falar acerca da antropia que leva a alterações irreversíveis no solo e mananciais, anotei a existência de “[...] uma comunidade não-natural na borda da região hídrica dita Sapiantã: o bairro Jardim Nova Cotia. Aqui, o ´Cotia´ vem do fato de Itapevi ter sido distrito de Cotia. Sabe-se que: 1º– a região das ´itapevis´ foi rota importante entre Ybytátá e o cais da Carapochuyba e daqui para Sant´Anna de Parnahyba, na outra margem anhambyana, e para o sul via Ibituruna, tanto assim que veio a ser contemplada com a ´maria-fumaça´ ainda no tempo da administração cotiana, o que lhe valeu o ímpeto emancipatório; 2º– é parte da Mata Atlântica com densidade araucaiana, logo, e além das pedras (´itapevis´) que serviram para pavimentar a os trilhos da ´maria-fumaça´, a moderna Sam Paolo dos Campi de Piratininga e também Cotia, uma região de suma importância no complexo de mananciais ligado à Floresta do Morro Grande.


E aqui, nas rotas florestais, encontramos abaixo do manancial Sapiantã uma comunidade isolada de tudo e, isolada de tudo, porque estabelecida sem critérios urbano-paisagísticos pela ocupação precária de velhos ranchos e fazendas oriundos da primeira ocupação colonial. Assim é que, e vejam bem..., só a sorte de uma autonomia política local poderá dar sobrevida ao Jardim Nova Cotia enquanto ponto humano sem recursos de infraestrutura sanitária, como acontece, por ex., em Caucaia do Alto, denso e desprotegido distrito cotiano...”. Ora, a importância de mananciais e rios como o Sapiantã está na sobrevida que nos dá enquanto a nossa antropia não der fim a essa riqueza telúricocósmica. BARCELLOS, João / palestra, Colégio Kosmos, 2011.


Questão Emancipatória

Distrito de fato, as Famílias Itapevienses perspectivam o salto administrativo e político necessário à consolidação da sua existência no âmbito da ancestral autonomia regional. Emancipar para virar municipalidade é a ordem do dia nas pautas sociais e políticas nos Anos 50 do Séc. 20. Formam a Comissão Executiva Pró-Emancipação políticos, ferroviários e empresários: Rubens Caramez, Raul Leonardo, Aylton Ferraz de Freitas, Lincoln César do Amaral, Arnaldo Cordeiro das Neves, José dos Santos Novaes, José Chaluppe, José Baptista Silveira, Joaquim Mendes de Moraes, Dorival de Oliveira, José Ayres Monteiro, Antônio Pedra Pereira, Josué Geraldo Guimarães, Orestino Ramos, Bonifácio de Abreu, César de Abreu, Joaquim Leite dos Santos, Carlos de Castro, Américo Christianini, João Domingues (que escreve o hino emancipatório) e o padre Romeu Mecca. Todos os emancipacionistas têm funções específicas.


E... Um Ferroviário Coloca Itapevi Nos Trilhos Políticos No dia 4 de outubro de 1959, abertas as urnas, registram-se 1.061 votos a favor da emancipação.

E a Sociedade Itapeviense elege para Prefeito Municipal um representante legítimo do seu marco-zero:

Rubens Caramez

o ferroviário Rubens Caramez, que tem como vice Romeu Manfrinato, outro ferroviário.


Emancipação & Economia Com os ranchos e fazendas no entorno da estação ferroviária e servindo-se da mesma, é necessário adentrar os novos tempos industriais que fazem crescer a Capital paulista. Com incentivos municipais, instalam-se em Itapevi vários chãos-de-fábrica: Fábrica de Cimento Santa Rita, Indústria Paulista de Explosivos, Frigorífico Itapevi. É através principalmente da empresa Cimento Santa Rita, que tem fábrica e tem pedreira par retirada em calcário, que Itapevi vê surgir os primeiros lances urbanos: a empresa constrói duas vilas, uma para o proletariado e outra para os engenheiros e técnicos especializados; a par disso, instala um grêmio poliesportivo com quadras e campo de futebol.

Fábrica Cimento Santa Rita

Crônicas da época mostram que na pedreira, situada em Araçariguama, a empresa erigiu outra vila com escola de ensino fundamental destinada aos filhos dos empregados. Pode-se dizer, e o digo, que se a estação dos caminhos de ferro (ECF) é o marco-zero geográfico, os empreendimentos da empresa Cimento Santa Rita são o ´abre-alas´ da economia em Itapevi, pois, seguindo as ´vilas´ industriais logo surgem os bairros que fundam o sítio urbano.


Entre a CAC e Itapevi Com a expansão da Cooperativa Agrícola Cotia para o sul e o oeste, e logo presente no Brasil e no mundo, os municípios a oeste de São Paulo recebem famílias japonesas. Itapevi não fica de fora deste ciclo tão importante para o desenvolvimento do Brasil.

Mapa mostra o assentamento nipônico entre Carapicuíba, Barueri, Itapevi e Cotia

No ano de 1943, adquirindo terra para cultivar verdura no sítio Amador Bueno, a família Sakai (Kunifumi Sakai) é a pioneira da saga nipônica na região. E, logo, os Akiba, os Fujimoto, os Kusano, Terasaka, os Yamamoto, os Tomioka, os Harada, os Nishwaki, os Onodera, os Kobayashie e etc., que, em 1955 fundam o Clube da Amizade [Shimbokudai), e em 1996, a Associação Cultural e Esportiva de Itapevi (ACEI)


Sociedade Itapeviense

Itapevi, ontem e hoje.


Distrito Criado com a denominação de Itapevi, pela Lei Estadual nº 1.741, de 19.10.1920, subordinado ao município de Cotia, o distrito inicia um processo de ganho de identidade própria. Obs.: A elevação do ´sitio/parada´ à condição de Distrito de Cotia não é mera ação política, ou coronelística, mas a certeza de um outro olhar socioeconômico sobre a região que se expande a partir do seu marcozero, a estação ferroviária. O que vê, então Nhô Quim? Se a região de Itapevi foi importante na estratégia logística dos guaranis e tupis, e por isso recebeu caminhos de ferro, por que não desenvolver esta geossociedade diante da paralisia que governa Cotia, que só arrecada? No olhar do pré-emancipador está o assentamento definitivo de uma identidade sociopolítica que, em futuro próximo, ditará a formação da municipalidade.

Município O distrito passa a município pela Lei Estadual nº 5.285, de 18.2.1959, desmembrando-se de Cotia. A sede municipal é instalada em 1º.1.1960. Recebe a categoria de Comarca na sessão extraordinária da Assembleia Legislativa em 2 de agosto de 2000, pela Lei Complementar Nº39.

A casa de Nhô Quim que virou Paço Municipal


Dados Gerais Território: 82,659 Km2 [microrregião de Osasco, na Grande São Paulo]. Aniversário: 18 de Fevereiro Fundação: 12 de Outubro de 1920 Emancipação: 18 de Março de 1959 Gentílico: Itapeviense Lema: Labor et Progressum [Trabalho e Progresso] Padroeiro: São Judas Tadeu / 28 de Outubro Demografia: 220.250 habitantes (2014) Limites: São Roque [oeste], Santana de Parnaíba [norte], Barueri [nordeste], Jandira [leste], Cotia [sul] e Vargem Grande Paulista [sudoeste].

Hidrografia Ao longo de seu curso, o rio faz surgir cachoeiras pelas várzeas, que exercem funções de reservatórios naturais na regularização das enchentes em épocas de chuvas, formam lagos e recebem aves migratórias já na bacia do rio Tietê. O Alto Cotia, devido às desapropriações ocorridas no início de sua operação, conta com uma ampla proteção proporcionada pela cobertura vegetal existente em toda a área do manancial.


O Baixo Cotia, entretanto, teve várzeas ocupadas, contaminação de águas e assoreamento ocasionado por uso de solo indevido. O sistema Baixo Cotia produz, em média, 900 litros de água por segundo e abastece os municípios de Barueri, Jandira e Itapevi. [Fonte: Sabesp] Pelas ´itapevis´ passam os córregos Palmeiras, Vale do Sol, Paim, Sapiantã (bacia e rio) e Barueri-Mirim (que é continuação do Sapiantã). Entretanto, como em todas as vilas a oeste do Jeribatyba (rio Pinheiros), a urbanidade cresce e se adensa sem projetos adequados e sem infraestrutura para atender as necessidades hidrográficas, pois, várzeas são tomadas, matas ciliares desaparecem e, com elas, importantes olhos-d´água. Acresce que com o passar dos tempos, Itapevi foi recebendo o lixo urbano de outras regiões: já sem sistema natural de microdrenagem (várzeas e capoeiras) a região vira uma lâmina d´água a cada estação de chuvas. Hoje, o desafio das águas é em Itapevi o pesadelo urbano, porque não basta canalizar córregos, é preciso respeitar a naturalidade das águas e suas vazões.

Itapevi integra Comitê Da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê / CBH-AT

Arujá, Barueri, Biritiba Mirim, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jandira, Mairiporã, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Poá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Santana de Parnaíba, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São Paulo, Suzano, Taboão da Serra, Juquitiba e São Lourenço da Serra.


Brasão de Armas & Bandeira

O prefeito Rubens Caramez promulga a Lei nº 07/61 em 20/05/1961, em sua primeira Legislatura, quatriênio 1960 a 1963, e oficializa o Brasão de Armas da cidade de Itapevi. Segundo o Artigo 2º do Projeto, “O Brasão de Armas do Município de Itapevi terá as seguintes características: Escudo Português redondo, partido e cortado, encimado de uma coroa mural. No primeiro campo de sinople (verde) uma chave de prata em aspa com uma alabarda do mesmo metal. No segundo campo de goles (vermelho) uma locomotiva na rua cor natural. No terceiro campo de goles (vermelho) uma engrenagem de ouro. No quarto campo de sinople (verde) um rio de prata. No pé do Brasão, um listel de goles (vermelho) com a Legenda em letras de prata “LABOR ET PROGRESSUM”, e mais a palavra “ITAPEVI” em ouro, ladeadas pelas datas 19/10/1920 e 18/02/1959” Projeto de Lei LEI Nº 07/61, de 20 de maio de 1961 // O PREFEITO DO MUNICIPIO DE ITAPEVI, usando das suas atribuições que lhe confere o artigo


78, da Constituição Estadual, e nos termos da Resolução nº 09/61, da Câmara Municipal, promulga a seguinte Lei: Artigo 1º - Fica criado o Brasão de Armas do Município de Itapevi. Artigo 2º - O Brasão de Armas do Município de Itapevi terá as seguintes características: Escudo Português redondo, partido e cortado, encimado de uma coroa mural. No primeiro campo de sinople (verde) uma chave de prata em aspa com uma alabarda do mesmo metal. No segundo campo de goles (vermelho) uma locomotiva na rua cor natural. No terceiro campo de goles (vermelho) uma engrenagem de ouro. No quarto campo de sinople (verde) um rio de prata. No pé do Brasão, um listel de goles (vermelho) com a Legenda em letras de prata “LABOR ET PROGRESSUM”, e mais a palavra “ITAPEVI” em ouro, ladeadas pelas datas 19/10/1920 e 18/02/1959”. Artigo 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Prefeitura do Município de Itapevi, 20 de maio de 1961. RUBENS CARAMEZ Prefeito EDWARD RODRIGUES DOS SANTOS Secretário Publicada na Secretaria da Prefeitura do Município de Itapevi, em 20 de maio de 1961


Bandeira

Projeto de Lei nº024/2002, do vereador Valter Cardoso: “...dispõe sobre a criação da Bandeira do Município de Itapevi”, projeto que embasou a L. M. nº1.565, de 28 de junho de 2002.


Hino de Itapevi Quando cedo me levanto Vejo no céu o sol surgir Vejo a beleza desta terra Lindo recanto do Brasil Respiro com muita alegria Sinto forças pra viver Nesta terra onde nasci Quero lutar até morrer Itapevi, Itapevi Teu progresso é assustador Por tua emancipação Lutaremos com ardor Unidos seremos fortes Por uma luta sem par E por tua felicidade Até meu sangue hei de dar Aos fundadores desta terra Louvamos sem distinção Guardamos as suas glórias Bem dentro do coração A juventude que hoje canta Jamais se esquece de ti Enaltecendo os pioneiros Desta terra de Itapevi Letra & Música: João Domingues Estabelecido pela Lei Nº 1.659, de 8.3.2004


Prefeitos de Itapevi Rubens Caramez (1960-1964) vice: Romeu Manfrinatto Romeu Manfrinatto (1965-1968) vice: Pedro de Oliveira e Silva Osmar de Souza (1969-1972) vice: Dorival de Oliveira Romeu Manfrinatto (1973-1976) vice: Claro Camargo Ribeiro Jurandir Salvarani (1977-1982) vice: João Caramez Silas Manoel de Oliveira (1983-1988) vice: Elias de Souza Jurandir Salvarani (1989-1992) vice: Ramiro Eleutério Novaes João Caramez (1993-1996) vice: Lázaro Toledo Queiroz Filho Sérgio Montanheiro (1997-2000) vice: José Francisco de Oliveira Dalvani Anália Nasi Caramez (2001-2004) vice: Lineu Alberto Góis Maria Ruth Banholzer (2005-2008) vice: Jaci Tadeu da Silva Maria Ruth Banholzer (2009-2012) vice: Jaci Tadeu da Silva Jaci Tadeu da Silva (2013-2016) vice: Cláudio Azevedo Limas Igor Soares (2017-2020) vice: Marcos Ferreira Godoy (Teco)

Câmara Municipal Presidentes

Pedro de Oliveira Silva / 1º.1.1960 – 31.12.1960 Joaquim Mendes de Moraes / 1º.1.1961 – 31.12.1961 Paulo Nunes / 1º.1.1962 – 31.12.1962 Joaquim Mendes de Oliveira / 1º.1.1963 – 31.12.1963 Elisário Mendes Moraes / 1º.1.1964 – 31.12.1965 Lino Piazza / 1º.1.1966 – 31.12.1966 Osmar de Souza / 1º.1.1967 – 31.12.1968 Claudionor Bruno / 1º.1.1969 – 31.12.1970 Almi Alves da Silva / 1º.1.1970 – 31.12.1971 Salvador Silva Rosa / 1º.1.1971 – 31.12.1973 Bemvindo Moreira Nery / 1º.1.1973 – 31.12.1975 Rinaldo Cavanha / 1º.1.1975 – 31.12.1977 Ramito Eleutero Novaes / 1º.1.1977 – 31.12.1979 Alípio Ferreira Freitas / 1º.1.1979 – 31.12.1981 Rinaldo Cavanha / 1º.1.1981 – 31.12.1983 Antônio Carlos Galvão / 1º.1.1983 – 31.12.1985 Paulo Janacomi / 1º.1.1985 – 31.12.1987 Pedro Jorge Moreira Nery / 1º.1.1987 – 31.12.1988


Norival José Druzian / 1º.1.1989 – 31.12.1990 Francisco Valderi Fernandes de Lima / 1º.1.1991 – 31.12.1992 Valter Francisco Antônio (Cardoso) / 1º.1.1993 – 31.12.1994 Jadir Francisco e Souza / 1º.1.1995 – 31.12.1996 Roberto Tochio Sato / 1º.1.1997 – 31.12.1998 João Ferreira do Monte / 1º.1.1999 – 31.12.2000 Hermógenez José Sant´Anna / 1º.1.2001 – 14.2.2002 Valter Francisco Antônio (Cardoso) / 14.2.2002 – 15.4.2002 Valter Francisco Antônio (Cardoso) / 16.4.2002 – 31.12.2004 Sérgio Montanheiro / 1º.1.2005 – 31.12.2006 Marcos Ferreira Godoi / 1º.1.2007 – 31.1.2008 Marcos Ferreira Godoi / 1º.1.2009 – 31.1.2010 Luciano de Oliveira Farias / 1º.1.2009 – 31.12.2012 Paulo Rogério de Almeida / 1º.1.2013 – 31.1.2014 Júlio César Portela / 1º.1.2015 – 31.1.2016 Anderson Cavanha / 1º.1.2017 – 31.1.2018


Notas & Bibliografia

Notas 1 Parte do meu conhecimento acerca da história itapeviense devo às conversas com o geólogo Aziz Ab´Sáber e a artista multidisciplinar Marília Gruenwaldt. 2 O artista plástico (desenhista, gravador, pintor, escultor e escritor) Susumo Harada foi o principal guia para mim nos estudos acerca da aldeia jesuítica Maniçoba, de Itapevi e da Serra de Itaqui. Das várias pesquisas de campo que fizemos sobre o Piabiyu, a rota guarani do império Inca no Brasil, pude extrair diversas leituras que me levaram a entender o anel guarani das aldeias seiscentistas e encetar outras investigações historiográficas. 3 Nos meus estudos [1991 e 1992] acerca dos caminhos de ferro nas rotas guaranis de entre as serras de Paranapiacaba e Jaguamimbaba, para o norte e para o oeste via sul, percebi em definitivo a importância que o Piabiyu tem, no quinhentos, para os portugueses de serr´acima: primeiro, no conhecimento dos sertõens y mattos y minas a oeste do planalto de Piratininga, segundo, e no oitocentos, no aproveitamento dessa rotas para o assentamento da linha férrea nessas mesmas rotas, e terceiro, quinhentos anos depois, no assentamento da malha e no anel rodoviário da metrópole paulista. Duas estações ferroviárias têm, então, no oitocentos e no novecentos, importância estratégica no âmbito social e mercantil: a ecf Itapevi e a ecf Caucaia [do Alto]. “O estudo do desenvolvimento do Estado de São Paulo pode ser feito, também, pelas pesquisas de João Barcellos, na ocupação e uso dos sítios e rotas indígenas no entorno da velha São Paulo dos jesuítas e dos bandeirantes” [Aziz Ab´Sáber – in ´Conversas com João Barcellos e W. Paioli; jornal Treze Listras / Cotia, 1991]. 4 Quando fui convidado para proferir palestras no âmbito da história de Cotia (em 2006), no âmbito da história de Araçariguama (em 2007), no âmbito da história de Iperó / Cerro Ybiraçoiaba (em 2011), e no Centenário da Emigração Japonesa (em 2008), nas câmaras municipais, pude explicar com pormenores historiográficos a importância dos sítios quinhentistas que sobreviveram sem terem tido uma aldeia nativa, como foi o caso de Itapevi, mas nos quais nasceram novas comunidades.


Bibliografia A Origem dos Nomes dos Municípios Paulistas – Enio Squeff e Helder Perri Ferreira. Ediç Imprensa Oficial do estado de São Paulo, 2003. Águas No Oeste Do Alto Tietê – Secretaria de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento. Governo do Estado de São Paulo, 2005. Araçariguama / do Ouro ao Aço – João Barcellos. Edicon & TerraNova Comunic. São Paulo / Br., 2007; 2ª Ediç 2019. Baptista Cepellos (1872-1972) – Mello Nóbrega. Livraria São José, Rio de Janeiro / Br, 1972. Caminhos de Ferro de S. Paulo... – José Webank da Câmara, 1875. 2[ Ediç FacSimilar c/ fotos de Júlio W. Durski, Edit Ottoni – Sorocaba/SP, 2012. Comportamento Morfodinâmico do Meio Físico: Análise das Erosões no Município de Itapevi – H. J. Santos / tese de doutoramento, FFLCH-USP, 2000. Cotia/ Uma História Brasileira – João Barcellos. Edicon & TerraNova Comunic. São Paulo / Br., 1993; 2ª Ediç 2019. Itapevi Agora – jornal. Leitura de matérias avulso no Acervo Harada. Juaguamimbaba / Juqueri, 1825 – Susumo Harada. Ediç do Autor. Itapevi, 2011. Patrimônio industrial e memória. A formação da cidade de Itapevi SP a partir da contribuição da Santa Rita S.A – Henrique Caruso Almeida; in Arquitextos [vitruvius.com.br], Ano 6, 2006. Pequeno Ensaio do Peabiru – Susumo Harada. Ediç do Autor. Itapevi, 2008. PETRONE, Pasquale – Aldeamentos Paulistas – Pasquale Petrone. Edusp, SP-1995. Piabiyu... – João Barcellos. Edicon & TerraNova Comunic. São Paulo / Br., 2006. Projeto Memória de Itapevi – Projeto que contou com os esforços de Sérgio Montanheiro, José Francisco de Oliveira, João Ferreira do Monte, Lucia Maria das Graças Santos Silva (pelo Executivo e pelo Legislativo), dos presidentes da Associação Comercial e Industrial de Itapevi (ACITA) Walter Fernandes Mesa (1997), Luis Carlos Delgado Aguiar (1998) e Gilberto Shizuo Kuwazuru (1999); a coordenação de projeto coube à Profª Maria Alice Tomini e Luís Carlos Torcato, as pesquisas e textos a Flavia Borges Pereira, Alice da Silva Prado e Reinaldo Seriacopi; o livro publicado teve capa de Humberto Alcântara. Itapevi 1997.


Sant´Anna de Parnahyba – João Barcellos. TerraNova Comunic & G. D. Noética [noetica.com.br]. São Paulo / Br., 2017. Ulrico Schmdil, 1553 / Dossiê – Susumo Harada. Ediç. Marcos Torquato Ramalho. Itapevi, 2015. Vocabulário Tupi-Guarani / Português – Silveira Bueno. Brasilivros Editora, 1982.


ANEXOS Piabiyu & Serra de Itaqui

Caminho d´Itu & 4 Encruzilhadas Via ´itapevis´

Antes de 1500... o Ramalho, o Bacharel e João II.

Poemas De Campanha Por Entre Itapevis


Piabiyu & Serra de Itaqui

homenagem a

Susumo Harada


Piabiyu & Serra de Itaqui O quadro geopolítico da expansão colonial jesuítica tendo Maniçoba como entreposto idealizador antes da Sam Paulo dos Campus de Piratinin

Introdução É preciso chegar às “terras dos guaranis”, eis o grito geral. “É preciso subir a serra do mar e adentrar os matos do planalto, pois, um alemão veio pelos caminhos nativos até Piratinin depois de atravessar muitos paranás e muitas aldeias e dar de cara com as terras do Ramalho, lá na borda do campo ao adentrar o planalto”. Os portugueses e os castelhanos sabem, então, que no Piabiyu existem rotas marítimas, fluviais e terrestres – uma malha de comunicação entre os povos nativos. A aventura da expansão territorial de portugueses e de castelhanos tem diferenças substanciais – a saber: a) aos portugueses interessa a missionação católica e, a par dela, o lucro com a divisão das riquezas entre o Estado e a própria Igreja; b) aos castelhanos interessa também a missionação, entretanto, para eles está em primeiro lugar o assentamento do seu modo de viver nas terras ocupadas. Conclui-se, portanto, que a ação colonizadora do Novo Mundo tem circunstâncias diferenciadas, e que os portugueses chegam e vão se ´aclimatando´, como fazem João Ramalho, Cosme Fernandes, Diogo Álvares Correia, enquanto os castelhanos tomam posse efetiva das terras e dos povos impondo a sua característica urbana. Mas, portugueses e castelhanos são, ao mesmo tempo, a ´besta´ que mata e esfola em nome de ´deus´... E assim é que uns e outros fazem os povos escravos, pelo ´cunhadismo´ e pela espada, e lá vão mato adentro em busca das riquezas. “Ninguém se faz ao mato sem ter uma perspectiva idealizada: por aqui eu chego lá”. Recepcionados com a oferta de esposas e filhas de caciques [aqui começa o ´cunhadismo´], o que não é norma para todas as tribos, os portugueses desgarrados da ação institucional colonizadora começam a forma[ta]r uma nova raça através dos três náufragos nas costas do norte e do sudeste, e ao longo da Linha de Tordesilhas. Quanto o Portugal institucional chega para colonizar encontra núcleos de luso-americanos que facilitam, de


certa maneira, o intercâmbio. Longe da modernidade do pensamento que gera urbanidade, os nativos americanos são simplesmente destituídos da sua alegria de viver a vida na exuberância da hileia e passam a servir os colonos, tanto os fundiários como os místicos, e todos em busca das pedras preciosas. Durante a expedição do jesuíta Manoel da Nóbrega ao planalto da Serra do Mar, ele encontra-se com Ramalho, que lhe mostra a Aldeia Piratininga, e, pelos guaranis, fica a saber do caminho ancestral que liga as regiões sul do Novo Mundo – o Piabiyu. Não existe interesse de Nóbrega em relação a Piratininga, pois, o seu olhar alonga-se pelas bocas de sertão à procura de uma aldeia que possa tomar, catequizar, e dela saber como chegar aos grandes povos guaranis no entorno da ´montanha de prata´. Conhecer o Piabiyu é, para os jesuítas, a chave para assentar no sul o seu império teocrático... Naquele olhar alongado e sob condução de guias guaranis, Nóbrega passa pela Koty guarani, embarca ali ao lado no portinho Carapochuyba e atravessa a Serra de Itaqui para, milhas depois, ´achar´ a aldeia-entroncamento à qual vem a dar o nome de Maniçoba. Entre a aldeia Maniçoba e a Serra de Itaqui inicia-se a expansão jesuítica e, com ela, a dominação colonial efetiva de Portugal na Insulla Brasil, porque se os ibéricos [lusos e castelhanos] chegam aos guaranis e aos incas no rumo sul, faltava-lhes o rumo sul-oeste para a expansão total e conquista da América do Sul, e o dado topográfico surge nos cadernos de Ulrich Schmidel.

1 Com os olhos no Piabiyu que leva aos guaranis Do planalto piratiningo, Manoel da Nóbrega e João Ramalho podem observar os picos de Jaraguá e de Itaqui, serras que lhes surgem como atalaias diretas dos povos tupis e guaranis, entre outros. No entorno de Jaraguá e de Itaqui vários povos aldeados observam, também, os movimentos do ´guerreiro´/cunhado Ramalho e do homem de preto. Já sabem do homem de preto pelas informações que lhes chegam no sistema de comunicação que é o Piabiyu [rede de caminhos ancestrais abertos e mantidos pelos guaranis no continente sul-americano, e de grande agitação nas bocas-de-sertão ´alimentadas´ pelas kotys [pontos de encontro] entre aqueles picos e o planalto da Serra do Mar. Entre a Serra de Itaqui e o alto maciço da Serra do Mar estão aldeamentos que se comunicam numa mistura de línguas, mas que têm o guarani e o tupi como base, e só não o fazem as ´nações´ que ainda têm o canibalismo como costume na sua sobrevivência alimentar. De resto, a vasta região a oeste do planalto piratiningo é um manancial de riquezas vegetais e animais – e mais uma: porta de entrada terrestre-fluvial para locais de possível mineração de ouro, prata, ferro, esmeraldas, etc., e que é já, em meados do Séc. XVI, cobiça maior de aventureiros como o Bacharel de Cananéia, uma vez que João Ramalho é o português inteiramente integrado aos costumes nativos tupi-guaranis. É, pois, através do já luso-americano Ramalho que o chefe da milícia jesuítica tem de se entender para adentrar o ´sertão dos carijós´ e conseguir estabelecer um ponto estratégico favorável ao contato direto com os guaranis ditos carijós [karai-yos],


e tal evento deve ser realizado além da boca de sertão, mas com comunicação terrestre e fluvial... A aldeia Carapochuyba é a primeira parada obrigatória, porque, ao lado da aldeia guarani Koty, é também um entroncamento terrestre e fluvial tão importante que só [d]aí é possível perspectivar outras possibilidades de expansão. Entretanto, os jesuítas talvez tenham utilizado a Koty via Itapevi por algum tempo, pois, foi aldeia importante por muitos anos, até ser abandonada e, depois, mudada para perto da nascente do rio que atravessa: algumas sugestões apontam até a Koty como o primeiro posto avançado jesuítico em terra guarani e no planalto itaquiano, mas é pouco provável que o olhar de Nóbrega tenha parado por aqui muito tempo, porque esse olhar além quer, então, um contato mais interiorano, e vai até próximo de Arassa-y [do tupi-guarani, q.s. “rio do araçá”], aldeia na margem esquerda do rio Anhamby, sob o morro do Ibituruna, e avança para as bandas de Jundiaí onde consegue, enfim, e ao que parece, estabelecer o contato tão desejado. E aqui começa a Questão Maniçoba. Na mente de Nóbrega, a sinalização exuberante das várzeas nas planícies serranas de Itaqui e sua gente não menos exuberante insinuam caminhos sutis que levam aos povos guaranis e aos povos da prata. Logo, os guaranis devem ser ´iscados´ e catequizados: impõe-se, então, a tomada de uma aldeia interiorana. Quando lhe é servida uma comida da dieta nativa que havia conhecido entre as gentes da Serra de Itaqui – a ´maniçoba´, uma iguaria feita com folhas [moídas e cozidas] de mandioca, com preparo que demora mais de uma semana para a extração de um ácido venenoso, ele decide-se: Maniçoba, eis a nossa primeira aldeia no Piabiyu.

* É bom lembrarmos a narrativa do alemão Hans Staden sobre a iguaria “maniçoba”: “[...] As mulheres fazem bebidas. Tomam as raízes de mandioca, que deixam ferver em grandes potes. Quando bem fervidas tiram-nas [...] e deixam esfriar [...] Então as moças assentam-se ao pé, e mastigam as raízes, e o que fica mastigado é posto numa vasilha à parte”. O livro de Staden é a primeira ilustração literária acerca do Novo Mundo e, particularmente, sobre a fauna, a flora e os costumes dos povos sul-americanos, entre eles, os guaranis, que “Acreditam na imortalidade da alma” [idem]. O termo “maniçoba” é tão comum entre tupis-guaranis que os jesuítas não poderiam substitui-lo simplesmente, como tentaram, e em vão, fazer com outros termos guaranis da linguagem m´byana, e, inclusive, transformar a figura mítica guarani “Zumé” em “S. Tomé”...! *

O Piabiyu [do tupi-guarani pi q.s. caminho e abiyu q.s. pisado/amassado], e há quem diga que “abiyu” significa também “Peru” na língua antiga dos guaranis


m´byanos, o que não deixa de ter relação direta com o ´caminho´, e que eu, inclusive, tenho adotado nos meus livros, artigos e conferências buscadas entre caciques tupis e guaranis. E adiante... Como aparece este ´caminho´ entre os afazeres dos marujos que ficam meses e meses na beira-mar, costeados, e entre os colonos que ainda ´caranguejam´ no sopé da serra do mar? Durante os Anos 20 do Séc. XVI, o explorador do norte do Novo Mundo, o castelhano Cabeza de Vaca, após ter sido prisioneiro dos nativos norteamericanos, retorna para casa e é encarregado de conquistar a bacia do Rio da Prata, ao sul da Linha de Tordesilhas, em 1540. E, já no campus tordesilhano, assim o faz partindo de Porto de Patos e passando pela Foz do Iguaçu até chegar em Asunción, na prática, o mesmo percurso do português Aleixo Garcia, que se quedara a poucos quilômetros de Potosi, a fabulosa montanha de prata. É o percurso do lado sul do Piabiyu, entre o mar e os paranás que dividem o continente. Cabeza de Vaca encontra pessoas ligadas ao Bacharel de Cananéia que haviam estado com Garcia. Mas, por que o ´bacharel´ não quis saber de montanha de prata? Ele não era, como o Ramalho do planalto piratiningo e o Correia [Caramuru] da costa norte, o náufrago, mas aquele que quis ser o marco sul da linha tordesilhana e que também soube aproveitar a oferta do ´cunhadismo´ nativo e transformar-se no “imperador da costa sudeste”. Que mais lhe interessava?... O ´bacharel´ é, nos primeiros 40 anos da precária ocupação do litoral da Ilha Brasil, a referência do colono por excelência: eu posso, quero e mando. E, por isso, enfrentou a ´ordem´ institucional quando esta aportou na região que ele mesmo ajudara a povoar e que logo vai ganhar nome católico, como é da praxe colonial luso-vaticana: S. Vicente. Na verdade, se o ´bacharel´ se interessa pelas notícias que recebe dos guaranis do sul, acerca de Potosi, ele mesmo alcança a região e se declara independente do reino de Portugal. Nada mais justo, e a história da Insulla Brasil passa a ser outra, com Tratado de Tordesilhas ou não. Mas não é o que acontece. E as notícias que o ´bacharel´ não quis trabalhar são as mesmas que chegam a Cabeça de Vaca cerca de 10 anos depois. E o lado sul do Piabiyu cai nas mãos dos seus proprietários, porque entre a Cananéia e o Paraguay passando por Patos está o Poder castelhano e não o português. O lado sul-oeste do Piabiyu só vem a ser conhecido com a aventura do retorno de Ulrich Schmidel para a Alemanha: ele faz o percurso do Piabiyu terrestrefluvial pelo interior, de Asunción aos paranás da Insulla Brasil até chegar ao planalto de Piratininga e dar de cara com as terras e a filharada de Ramalho.

* É preciso ter a noção da grandeza continental hidrográfica da Insulla Brasil para se entender as particularidades da odisseia no espaço-tempo da aventura colonizadora – a saber:


O território possui um sistema hídrico diverso e complexo entre as bacias fluviais e o oceano atlântico, com rios, lagos, arquipélagos, cataratas, golfos, baías. Na maioria dos casos, um rio caudaloso e com extensão a perder de vista dá o nome a uma bacia, como é o caso do Paraná, do Tocantins, do S. Francisco, do Paraguai, do Amazonas, etc., e a região demarcada pela Bacia do Rio Paraná, que mais diz respeito à história da colonização europeia, abrange 879.860 km2 entre Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Goiás, sendo que o Rio Paraná tem afluentes como o Rio Grande, o Rio Paranapanema, o Rio Iguaçu, o Rio Paranaíba e o Anhamby, todos cercados por um denso sistema florestal do tipo ´mata atlântica´, ´cerrado´ e ´araucárias´. Percorrer, ou, como dizem os lusos, ´palmilhar´ tão vasta região da hiléia sulamericana, não é tarefa para qualquer pessoa, e os europeus valem-se principalmente do apoio logístico dos guaranis para realizarem o desejo de ir em frente. *

A odisseia de Schmidel tem uma particularidade historiográfica: ele anota os detalhes geográficos em seus cadernos... Na data de 26 de Dezembro de 1552, acompanhado de 20 guaranis e 6 castelhanos, Schmidel quer, após 18 anos de aventuras, retornar a casa e sabe que tem embarcação aportada em S. Vicente. Antes de deixar Asunción, ele registra todos os dados possíveis sobre a ancestral trilha dos guaranis e cercase, então, de guias que já conhecem o percurso. Se o Cabeza de Vaca chegou a Asunción a pé depois de navegar o rio, eu vou pela banda do sertão, onde os perigos são menores, deve ter pensado Schmidel. Pelos nativos, sabe que a maior dificuldade é atravessar as 7 Quedas [´Saltos de Guaíra´ ou ´Guita´ ] rodeadas de vários povos não muito interessados em ´conversa´ com gente estranha, nem com outros povos do mesmo continente. O grupo sobe o Rio Paraná [Parabot] em canoas por 26 milhas até à foz do Jejui, onde encontra dois portugueses que decidem seguir a mesma trilha. Sobem mais 15 milhas pelo Rio Jejui até Barey; e mais 4 dias para 16 milhas até Gebarerge. Logo, e a pé, 9 dias para 54 milhas até Jbaroti, onde começam a descer o Rio Monday para alcançar o Rio Pamau [Paraná] e entrar em Giengáe. No total estão percorridas 100 milhas até onde começa a terra do rei de Portugal, segundo a anotação de Schmidel. Ele está na região que, poucos anos depois, seria cobiçada pelos jesuítas: a Argentina. A marcha que se segue é de 6 semanas até às aldeias dos Thopis [Tupi] por cerca de 126 milhas, com parada numa aldeia em Karieseba, onde dois europeus são mortos e devorados pelos nativos. Perito em armas de fogo, Schmidel sabe o que é fazer barulho, por isso, alimentam-se de plantas e raízes em vez de saírem caçando animais, até que chegam a uma região com gente Biessaie [Mbiazàs], e podem aqui permanecer por 4 dias abastecendo-se de provisões. Estão entre os guaranis m´byanos na região do urquaie [uruguai].


A partir de Biessaie, o chefe do grupo não registra quaisquer comentários e são 100 milhas, pois é uma caminhada de quase 4 semanas. Ao atingir um grande aldeamento, dito seherebethueba, o grupo descansa por 3 dias. Daqui o grupo chega ao planalto piratiningo, território de Jahann Kaimunelle [João Ramalho], e deste percurso também não é feito registro sobre tempo ou distância. E mais 20 milhas serra abaixo, Schmidel alcança o porto de S. Vicente, com 2 europeus e os 20 nativos guaranis. É o dia 13 de junho de 1553. Um navio está pronto para zarpar rumo à Europa e levar o alemão de volta para casa, após uma marcha de 476 milhas, ou cerca de 2.500 km. No seu estudo sobre a marcha de Schmidel e os seus registros geográficos, dir-se-á ´precariamente topográficos´, diz-nos Susumo Harada que antes de chegar ao planalto da Serra do Mar, o aventureiro alemão passou por boa parte do Tape [ ou Paraná] e teve de passar pela Serra de Itaqui, porque era aí que se encontravam alguns dos nós mais importantes da malha do Piabiyu na entrada/saída de Piratininga, com passagem por Itu, Araçariguama, Koty e talvez Carapocuyba. Ora, não é por acaso que Schmidel dá de cara com a ´casa´ de Jahann Kaimunelle, é que pelo percurso guiado pelos guaranis essa era passagem. Na análise de Susumo o fato de não haver anotações sobre o percurso entre seherebethueba e o planalto piratiningo pode indicar que Schmidel já se sente a salvo, i.e., em Maniçoba... As anotações de Schmidel são um registro preciosíssimo que ajuda a mapear a malha piabiyuana sul-oeste, pois, a do sul já é bem conhecida desde os tempos de Aleixo Garcia e muito utilizada por Cabeza de Vaca. E, voltando a Susumo, ele faz a comparação necessária com os traçados da linha férrea que liga o planalto da Villa piratininga ao interior caipira do oeste. Resultado: um novo olhar historiográfico sobre a malha piabiyuana. A questão se coloca na relação Trem-Piabiyu não está apenas no maciço itaquiano e sua exuberância florestal [grande celeiro de araucária] para alimentar os fornos das marias-fumaças, mas e principalmente no assentamento dos trilhos que religam os velhos nós daquela malha de via terrestre, do planalto piratiningo aos campos rachados [´sorocaba´] do grande interior caipira que absorveu a maioria das tribos tupi-guaranis após a intervenção de colonos como Afonso Sardinha. Espelhar o mapa do Piabiyu sobre o traçado da linha férrea sorocabana é verificar que, após os jesuítas e após os bandeirantes, e logo depois os tropeiros, mais uma vez a trilha guarani serviu de base para o progresso colonial.

2 Serra de Itaqui: a trilha pré-bandeirística. Pouco tempo depois, as trilhas da malha piabiyuana na Serra de Itaqui servem também à expansão dos negócios fundiários e minerários de Affonso Sardinha


[o Velho], o mais rico e poderoso colono português, proprietário do primeiro trapiche [armazém de produtos e produção de cachaça] na Villa Piratininga, e vereador da Câmara Municipal: da sua fazenda no Ybitátá toma a aldeia-portinho Carapochuyba e segue para o Ibituruna para minerar ouro e prata, mas volta para tomar o Jaraguá e aí minerar ouro além de estabelecer a sua principal fazenda, e vai a Ybiraçoiaba, nas ybi sorocas, para estabelecer a primeira siderurgia da América. Por que o ´velho´ Sardinha segue a trilha piabiyuana-jesuítica? Porque é ele, então, o principal financiador da Societas Jesu [SJ] e tira proveito do seu inteligente investimento. E, entre os seus negócios estão ajudas de custo e empréstimos ao capitão Jerônymo Leitão, que vem a estabelecer fazendas na região itaquiana de Mbaroeiy; o mesmo capitão que, em 1580, idealiza e executa a “sesmaria dos índios do pinheiros e barueri” para, justamente, proteger os interesses jesuíticos, os próprios, e os de amigos e compadres como Affonso Sardinha, diante da queda do Trono luso nas mãos dos castelhanos. E é ele, o ´velho´ Sardinha, quem estabelece o mais produtivo curso mercantil entre as regiões agro-minerárias do oeste paulista e a recém fundada ciudad Buenos Ayres, momento em que as regiões de M´baroeri e de Sant´Ana de Parnahyba ganham importância social e mercantil e disputam o espaço político com a Villa piratininga. Os percursos da malha piabiyuana no entorno da Serra de Itaqui vêm a formar as primeiras entradas das bandeiras paulistas rumo aos paranás que conduzem às pedras preciosas e aos confins da Amazônia.

3 Da distante Maniçoba para a entrada de sertão M´boy Pelo elementar e político desejo de ir/estar na ´terra dos guaranis´ é que o jesuíta Nóbrega avança sertão adentro e, tomando e refundando uma aldeia nativa lhe dá o nome de Maniçoba. Dizem algumas pessoas, entre elas jesuítas, que Maniçoba está a 90 milhas da Villa Piratininga, e outras, a cerca de 35 milhas, tendo a Villa vicentina como marco zero. Entretanto, certeza não existe. Pode estar naquele lugar que é o Rio dos Arassaris, logo após a velha Koty e a Carapochuyba, no lado esquerdo do Anhamby, indo por Jandira, ou mais além, talvez Araratiguaba [´onde os arassaris bicam na areia´]... mas, sabe-se, pelos próprios escritos jesuíticos, que os padres, a certa altura, são tão submetidos a ataques que têm de deixar Maniçoba, e vão se fixar numa aldeia guarani mais próxima ao maciço da Serra do Mar, que pode ser M´boy, ou Quitaúna, próximas ao portinho carapochuybano. O elementar e quase psicopata desejo de ir/estar na ´terra dos guaranis´ é, em Nóbrega, o exercício miliciano de constituir um império teocrático jesuítico no coração da América do Sul. Nem a São Paulo dos Campos de Piratininga nem a Maniçoba, nem qualquer outra aldeia, têm importância no quadro geopolítico nobreguense. São focos do


instante da expansão, e só. A tal quadro de ação colonial junta-se, em 1554, o padre Anchieta, que dá seguimento ao plano teocrático gizado pelo seu superior hierárquico. Por isso, também, é que colonos e políticos importantes como Affonso Sardinha dão apoio fundiário-financeiro, mas não se integram na marcha jesuítica através da Serra de Itaqui, complexo geossocial que vem a ter importância fundamental no assentamento das riquezas agrominerárias em torno de Santana de Parnaíba e M´Baroeri. Com exceção da Família Sardinha, todas as famílias poderosas arrancham-se entre Koty e M´baroeri, Carapochuyba e Santana de Parnaíba e Arassara-y[i], enquanto a São Paulo dos Campos de Piratininga quase se transforma num deserto de padres de várias ordens religiosas... com aluguéis a pagar ao economicamente parrudo Afonso Sardinha, o Velho, como sabemos pelo seu testamento. Eis que o abandono da Maniçoba o é em função da segurança dos religiosos e seus catequizados, e não em função do plano teocrático jesuítico, pois, a Maniçoba inicial dera os frutos tão desejados por Nóbrega: as informações sobre as rotas do Piabiyu. Tão importante é Maniçoba ao tempo de Nóbrega que este a batiza com nome nativo, e não com nome de santo católico... E, talvez pelo mesmo motivo, a velha Koty da beira do Anhamby continuou com o seu nome nativo embora tenha perdido a importância estratégica, assim como a perdeu Carapochuyba. No caso de M´boy, os jesuítas empenham-se com mais um colégio, mas tudo fica por isso mesmo, como que a demonstrar a passagem efêmera de Maniçoba pela história luso-jesuítica na ´terra dos guaranis´. No entanto, lá em Arassaray[i], o arraial da mina de ouro no Ibituruna explorado pelo ´velho´ Sardinha, e este sempre acompanhado por um padre jesuíta, dá lugar a outros arranchamentos e fazendas, tendo pelo meio o Rio do Colégio... que, cronologicamente, é um rio assim denominado por causa da fazenda da Família Pompeu de Almeida cuja capela interna está sob o mando jesuítico, conforme se sabe pelos testamentos coevos, e uma vez que não há relato de ter o ´velho´ Sardinha patrocinado no seu rancho de mineração algum colégio, além da capela em honra de Sta Bárbara, a padroeira dos mineiros. A finalizar... Quando o reinol Tomé de Souza desembarca na Insulla Brasil para ser, então, o Governador-Geral, logo ele toma decisões para disciplinar o que a Coroa lusa acha ser o ´ato libertino dos colonos´, que não acatam ordens e ainda ordenam em causa própria... Um desatino. Na verdade, a cosmopolita e gorda Lisboa desconhece a realidade da pré-colonização estabelecida por Correia, Ramalho, Pessoa, e logo seguida mercantil e politicamente por Sardinha e outros: obviamente, vale em meados do Séc. XVI ´brasileiro´ o que vale no norte luso, i.e., “pra cá do Marão mandam os que cá estão”! Mas, por que um ato disciplinador acima da Serra do Mar? Com a organização de Asunción e a reorganização de Buenos Ayres, a linha comercial entre essas regiões da dita América espanhola e os ´barões´ libertinos luso-americanos que nelas apostam os seus ´cabedais´, verifica-se a ascensão política e mercantil da região itaquiana [Koty, Carapochuyba, Sant´Ana de Parnahyba, M´Baroeri], e tudo isso, sob o riso escancarado do político e minerador e banqueiro Affonso Sardinha [o Velho], porque é o Piabiyu o caminho


que mais engorda os negócios entre luso e castelhanos. Entretanto, existe ainda uma guerra diplomática declarada pelo Tratado de Tordesilhas, e é o que governador Tomé de Souza quer ´disciplinar´... 1563, eis o ano em que um reinol quer mudar a história à qual os primeiros náufragos deram início: ele proíbe a circulação de pessoas e de bens pelo Piabiyu. Proibir é uma ´coisa´, ver isso concretizado é outra ´coisa´. Dizer a quem faz um ´outro Portugal´ para parar é dizer ´morra!´. É o que os colonos entendem e logo mandam o governador ´às favas´, ou num termo mais brasileiro, ´pro brejo´. Pela desobediência categórica, ´libertina´, os luso-americanos assentados ao longo da Capitania de S. Vicente transformam a velha rota de comunicações dos místicos guaranis, o Piabiyu, na rota continental das riquezas e da expansão colonial. A proibição do governador Souza fica no ar como o sinal que abre as porteiras para o mundo maravilhoso das descobertas que o padre Nóbrega já havia vislumbrado em Maniçoba. A arquitetura de um outro Portugal na imensa hiléia da Insulla Brasil [até meados do Séc. XVI, o Brasil é ainda a ´ilha´] passa pela desconstrução do habitat nativo americano, a sua colonização através da missionação [a Capela católica como marco zero em cada ex-Aldeia] e o assentamento da urbanidade ibérica. Tudo isto pode ser lido nos relatos de Staden, Schmidel e nos testamentos de Sardinha e Pompeu de Almeida, etc. Mas, também, na releitura de Susumo Harada acerca da Questão Maniçoba. João Barcellos Nos Campi d´Oeste de Piratinin


Caminho d´Itu & 4 Encruzilhadas Via ´itapevis´

A história geossocial de um ´sítio´ passa sempre, ou quase sempre, quando o ´mapa´ tem origem nos ´sertõens y mattos´, pelas bacias, ou olhos d´água, que sustentam fauna e flora e gentes. Dois grandes rios fazem a história da Sam Paolo dos Campi de Piratininga: o Anhamby (´tietê´) e o Jeribatyba (´pinheiros´). Mas, a navegar os dois adentrase o sertão para a Carapochuyba de cujo cais se alcança na outra margem a Sant´Anna de Parnahyba; entretanto, e além do rio d´Acutia, da aldeia guarani vizinha ao cais carapochuybano, passa-se pela região das ´itapevis´ [do guarani ´pedras chatas´] para vivenciar as belezas no entorno do córrego Sapiantã, meio caminho andado para a Floresta de Morro Grande, via Pau Furado e rotas da Quatro Encruzilhadas, ou via Maracanduba (também: via de fuga para ouro contrabandeado da mina de ouro dos arassariz, no Ibituruna), sentido também para atingir o entroncamento do Piabiyu (rota guarani) que sinaliza o Ribeirão da Vargem Grande, o sertão d´águas dito d´Ibiuna e a região das Cangueras e retornar aos alagados anhambyanos na Rota d´Itu. Entretanto, se se avançar das ´itapevis´ para o cerro d´Ibituruna, como fizeram o jesuíta Manoel da Nóbrega e depois o engº-militar José Custódio de Sá e Faria, pode-se alcançar diretamente a rota d´Itu.


Dito isto, quero dizer – e o fiz solitário e também em várias conversas e caminhadas de estudo com o professor Aziz Ab´Sáber e o jornalista W. Paioli –, que as naturais fronteiras ribeirinhas determinaram o viver nativo das gentes que os portugueses alcançaram na sua odisseia de colonização luso-católica, logo, a determinarem também o assentamento colonial com a ocupação territorial de aldeias e gente nativa. Do ´sítio rural ao urbano´, como costuma dizer Ab´Sáber, ocorreu a destruição do todo florestal pela sobrevivência de ´um sítio além-mar a gerar outro Portugal´ [in Conversas na redação do jornal ´Treze Listras’ e ´Biblioteca Baptista Cepellos´ / Cotia, 1990]. O que se operou no assentamento colonial? O cruzamento do tupi e do guarani com a língua portuguesa e, paralelamente, a evangelização forçada das gentes nativas. Assim, o que era localização logística para a gente nativa tornou-se, por ex., ´Encruzilhada das Cruzes´, como foi/é o caso das ´Quatro Encruzilhadas´ em meio às rotas nativas do córrego Sapiantã... Daí, todo o ritual social e místico que envolve a região da bacia ribeirinha de Sapiantã – o ritual simbólico da gente colonizadora que, em cerca de dois séculos, alterou a paisagem hidro-florestal dos ´sertõens y mattos´ a oeste dos rios Anhamby e Jeribatyba. Da alteração na paisagem resultou o assentamento de fazendas para abastecimento à Sam Paolo dos Campi de Piratininga e à Coroa (sediada em Portugal) a par da mineração. Muitas das fazendas, ao tempo do governadorgeneral Luís António de Sousa Botelho e Mourão (o 4º Morgado de Matheus), de quem foi subordinado o engº-militar Sá e Faria, foram transformadas em pequenas vilas no primeiro grande esforço urbanístico brasileiro, a partir da Capitania paulista. Desse esforço, após a separação de Portugal, o Império brasileiro e a primeira República, tais vilas viraram cidades com ação imobiliária desastrosa e políticas públicas a visarem o lucro privado. Resultado? Uma urbanidade sem cidadania. “O sítio urbano tornou-se o sítio do nada e do medo em meio a floresta que se quer como uma dúzia de árvores no cimo da colina...” [Ab´Sáber – in ´Acerca da Nova Lei Florestal´, conversa na casa do professor, pouco antes de falecer, início de 2012, quando lhe levei o meu livro ´Do Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial´], e é este ´sítio´ que persiste entre as políticas públicas inadequadas que vêm a incentivar movimentos locais de emancipação geossocial em prol de uma política cidadã e humanista. João Barcellos Entre Dizeres Populares & Historiografia | anotações


Antes de 1500... o Ramalho, o Bacharel e João II. Isto mesmo: antes de 1500... Em carta de fevereiro de 1343 ao papa Clemente VI, o rei luso Afonso IV anunciava a descoberta, em 1342, de uma ilha grande por Sancho Brandão, capitão da Marinha Mercante, e a essa ilha deu ele o nome Ilha do Brasil, por causa da grande quantidade de toras de pau-brasil desembarcadas na maravilhada Lisboa. No âmbito do Plano da Índia, gizado pelo rei João II, um século depois, sabiase mais do que foi registrado nos arquivos do Estado monárquico. A saber: dando continuidade à odisseia atlântica do avô Pedro, duque de Coimbra e Regente, João II permitiu que cristãos-novos deixassem o reino para fazerem pesquisas em terra d´além-mar, entre eles, um João Ramalho, de Vouzela (região de Vizeu), e um castelhano dito Cosme Fernandes, bacharel de Salamanca e ouvidor na Feitoria da Mina, no golfo guineense. Ramalho e Fernandes seguiram para além de Cabo Verde, em datas diferentes, mas o primeiro se fez ao largo da Linha tordesilhana e, logo, serr´acima para adentrar os ´certõens y mattos´ de Piratininga [do tupi-guarani, q.s., peixe para secar], enquanto o segundo ficou como pé-de-serra na Maratayama (do guarani: entre a terra e o mar] para logo levar os guaranis mais para o norte e erguer a aldeia Gohayó [do hebraico: ponto de abastecimento] e o Porto das Naus.

João II, Ramalho e Fernandes

Ambos receberam carta reinol de ´privilégio´, i.e., permissão para representar el-rei João II nas terras descobertas e a descobrir. Ramalho recebeu a sua em 3 de abril de 1487, o que fundamenta a minha defesa historiográfica: “[...] os portugueses, depois do acaso de 1342, estão no Brasil desde cerca de 1490, no ponto sul da Linha de Tordesilhas”. A ´carta de privilégio´ assinada por um monarca nomeia a pessoa agraciada como cavaleiro do reino, e é o que consta da história de João Ramalho registrada em Vouzela, sua terra natal. Já o Fernandes castelhano e judeu, seguiu para a


Casa da Mina. Como foi? Ou foi indicado pela Ordem de Cristo, ou o donatário [Álvaro de Caminha] o era –, mas, não existem evidências quanto a isto. Já no caso da feitoria de São Jorge da Mina, a região e a cidadela estão sob a jurisdição da Ordem [templária] de Cristo, entre 1482 e 1514, logo, o ilustrado Cosme Fernandes é designado sob os bons ofícios templários. Como judeu apostasiado e degredado, Cosme Fernandes não pode ter poderes de decisão nem ocupar o cargo de Ouvidor, mas ele é um ilustre bacharel e o reinado joanino não despreza mão-de-obra especializada, muito menos os feitores originários daquela instituição: e foi por vontade própria, segundo documentos da feitoria, que Fernandes deixou o golfo guineense e se deslocou para o sul da Linha tordesilhana acompanhado de um punhado de marujos lusos. jb


Poemas De Campanha Por Entre Itapevis

1 valos e planícies povoadas de nada e pedras muitas e muitas pedras trilha velha de velhas caminhadas longas conversas caça e pesca e tudo e incertezas o que me dizem estas pedras é o falar de humanas encruzilhadas

2 por aqui e entre a jandira e a cutauna se diz de caciques guaranis entre as fortalezas d´itapevis sob almas na canguera em reza una do sapiantã aos sertões d´água d´ibiuna ou na outra banda o ouro do arassarys


3 o jesuíta nóbrega veio da piratininga fez do ybitátá uma parada avançou pelo piabiyu no rio d´acutia matou sede e viu que na pedra alongada uma senha esculpida era seta para toda a tropa toda a tropa vai e vem entre itapevis e nelas a guarida e o encontro de jornada levar o cristo e a fé à gente nativa o fez erguer a aldeia maniçoba no sertão que alma livre cativa nem toda a tropa se fez à una fé cristã na guarani trilha e nóbrega retornou em desalma

4 súbito escutam-se cânticos florestais e ribeirinhas linguagens é assim mesmo sapiantã dizem nativos como brisa entre itapevis já o capitão sardinha sabe dos arassarys o ouro a buscar com escravos nativos já ele sabe do ferro d´ybiraçoiaba nas paragens d´além maniçoba e vai por outros cânticos fornos da catalunha abrem miragens entre itapevis e cangueras surgem reinóis cânticos na colônia em assentamento são balsâmicos e tupis e guaranis e outros cessam seus cânticos


das florestais e ribeirinhas linguagens emerge um sapiantã rumor de ferozes cânticos outras linguagens

5 não sei o que vi mas escuto de ab´saber o mesmo de susumo que repete donato neste ´sertam de mattos y minnas´ entre cutauna e itapevi porque o piabiyu guarani foi do capitão sardinha e do vaz-guassu já ali no ybitátá e n´acutia o pão e a marmelada e o vinho diziam d´outro portugal além da jandira farta e perto dali um outro portugal que virou um brasil sem tupi nem guarani


6 para cá da sant´anna de parnahyba o cais da carapochuyba leva à trilha d´itapevis e passa por uma ´senhora´ catalã n´acutia jesuítas tudo querem mas nada percebem n´acutia logram sinais de riqueza além das itapevis e surge a mameluca suzana a fazer a poderosa parnahyba na trilha d´itapevis nóbrega vislumbra teocrático poder e quer piratininga longe está a papal roma e perto o ouro dos arassarys e se até lisboa é longe poder eis outros políticos perfis a fé é dourada e prateada na hileia perdida ora achada em fazendas que jesuítas cercam além das itapevis a senhora do monte serrat tem altar n´acutia e a uma milha e tanto os povos se cruzam na trilha d´itapevis mas o brasil do cristo se faz na sant´anna de parnahyba

7

havia nada por ali nada mesmo porque gente ao deus-dará não é nem aldeia a velha e guarani parada era terra dos senhores d´acutia e aquelas gentes formaram uma jornada não quiseram ficar ao deus-dará e se ergueram como gente que se fez ali autonomista ideia sob o vigoroso sapiantã eis que a gente-nada é agora gente d´itapevi

[dos cadernos de campanha historiográfica de João Barcellos em busca do Piabiyu, com Aziz Ab´Sáber, Susumo Harada, Hernâni Donato e W. Paioli, de 1991 a 2011]


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