Gritem bem alto!

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CENTRO DE ESTUDOS DO HUMANISMO CRÍTICO Portugal & América Latina

GRUPO DE DEBATES NOÉTICA Brasil

MANUEL REIS

GRITEM BEM ALTO! O PARADIGMA DA ESPÉCIE É: O ‘HOMO SAPIENS//SAPIENS’ (AD MANIFESTI MODUM)

inclui

Homenagem a Eduardo Lourenço

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Obs. Editorial | O texto não segue as regras do Acordo Ortográfico por decisão do Autor.

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QUESTÕES LITERÁRIAS, CULTURAIS E ESTÉTICAS

─ Exergos: a partir de guiões bibliográficos: • Ernst Bloch (1885-1977): a sua bandeira: ‘Geist der Utopie’ (1918); a sua obra mais célebre: ‘Das Prinzip Hoffnung’ (escrito entre 1938-1947 e revisto entre 1953-1959). Encontra-se repartido em 3 partes distintas: 1ª: Antecipações do que há-de vir; 2ª: A consciência do Ainda-Não; 3ª: A profundidade filosófica do Futuro. Estas 3 partes constituem o Leitmotiv filosófico da Vida do Autor. Contraste: os Frutos da Esperança, no horizonte humano, e os Dias que nos são dados a (sobre)viver (Pandemia, etc….)!… ─ “Se a Cultura consegue superar a Natureza, então também a Paz pode vencer a guerra. Enquanto o Homem for capaz de criar, será também capaz de promover a Paz” (José Mattoso). ─ “Educação sem Escola recusa a inclu são; Escola sem Educação despreza a condição humana” (Álvaro Laborinho Lúcio). ─ Irene Pimentel: ‘Holocausto’ (Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2020). ─ José Carlos Seabra Pereira: ‘As Literaturas em Língua Portuguesa (Das origens aos nossos dias)’. Instituto Politécnico de Macau / Gradiva, 2019). * ─ Exórdio: ‘Sob o Signo do padrão lexical do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ (de acordo, v.g., com dois modelos literários exemplares: ‘Milando’ de Paulo Salgado, Lêma d’Origem, 2018; ‘O Mapeador de Ausências’ de Mia Couto, Caminho, 2020. Aí, a noção de Cânone (com a sua ancestral semântica dogmática/dogmatista, própria do paradigma antropológico do ‘Homo Sapiens tout court’) é absurda e não faz qualquer sentido. É, pois, um conceito a erradicar e a esconjurar, definitivamente!... Não obstante, a referida noção até poderia ser, paradoxalmente, adoptada (em obra preparada para o efeito), na condição de simples guião psico-pedagógico e didáctico, rumo à criacão do Futuro, em ordem à edificação do Bio-Psico-Sócio-Ânthropos evolutivamente integral e completo, onde acabam por entrosar-se, harmoniosamente, a Natureza e a Cultura (sem haver aí confusões). (Como o C.E.H.C. sempre tem defendido e patrocinado). • Na Cultura Ocidental, são sobejamente conhecidos os 4 Sentidos hermenêuticos utilizados na interpretação completa dos textos bíblicos. José Mattoso (in ‘A Histtória Contemplativa’, Temas & Problemas / Círculo de Leitores, 2020, p.165) caracterizou-os com mestria: “O sentido literal ou histórico é de carácter informativo: diz o que aconteceu no passado, contém preceitos ou faz recomendações. O sentido moral ou tropológico mostra como é que o cristão se deve comportar para cumprir os preceitos divinos. O sentido alegórico ou simbólico estuda o significado profundo das 3


metáforas e comparações usadas pela Bíblia, quer nos livros poéticos, quer nos proféticos e sapienciais, e até nos históricos, pois a história do povo judaico é uma prefiguração da vida da Igreja, novo povo de Deus. Enfim, o sentido anagógico ou contemplativo introduz o leitor no êxtase da união com Deus”. Com alguma surpresa, J.M. deu o título ao seu livro citado: ‘A História Contemplativa’. Apesar de, para além do Ensaio inicial, todo o volume é constituído por uma colectânea de artigos em torno das origens históricas da fundação da Nação/Estado de Portugal, (desde 1996 a 2013), portanto, matéria dos chamados Estudos Medievalistas. Ora, o sintagma contemplativo tem um conteúdo semântico demasiado preciso, na Disciplina teológica da Mística cristã tradicional, polarizado na notio de êxtase!... Trata-se, por conseguinte, de um abuso linguístico. O Autor tenta explicar-se do modo seguinte (ibi, pp.41-42): “Por isso digo que a minha visão da História humana, da História-vivida é contemplativa. Sem dispensar nenhum dos recursos da investigação crítica, da heurística, da cronologia, da situação no espaço, da reconstituição dos factos, da percepção das ideias, da averiguação dos conjuntos humanos, do sentido dos mitos e dos rituais, procuro nela a trajectória temporal do Homem, que creio ter sido feito à imagem e semelhança de Deus. Procuro na relação do Homem ─ de qualquer homem e de qualquer mulher ─ com o Filho do Homem (Mt. 8,20; Mc. 8,31). Do Filho do Homem que é igualmente Filho de Deus vivo (Jo. 6,51). Não esqueçamos que a atitude contemplativa é da ordem da visão. Requer um olhar atento, global, pa cífico, não interventivo. Um olhar que capta as relações do pequeno com o grande, do singular com o plural, do diferente com o semelhante, do mesmo com o contrário. […]. “Pode-se comparar a contemplação do real com a visão de um filme ou com a leitura apaixonada de um romance, mas é preciso praticá-la [sem o querer, ele in voca, aqui, a visão marxiana/dinâmica e hodierna da História!...], para compreender a diferença entre uma e outra. Só a práxis, a consideração da totalidade, nos introduz na ‘espantosa realidade das coisas’. Por mais exaltante e dramático que seja o valor estético de uma ficção cinematográfica, ou a genialidade literária de um romance, só nos envolvem verdadeiramente quando os olhamos como representação da vida do Homem no Tempo. A qualidade artística introduz-nos na dimensão poética. É já da ordem da póiesis. Mas a visão contemplativa da História total faz da Arte um dos caminhos, que creio poderem conduzir ao Transcendente”. Só que este ‘Transcendente’ só se nos dá a ver, ontologicamente, no ‘Espaço/Tempo’ einsteiniano!... E sabermos (contraditoriamente) que este Senhor é tão afeiçoado e afecto à busca da Identidade (espácio-temporal) de um País!... (como Portugal). Eis por que os 4 sentidos hermenêuticos (de que se falou antes), para efeitos da hermenêutica bíblica, não passam, veramente, de uma dissimulação e um simulacro. O seu efeito primordial é conciliar, aparentemente, o uno e o múltiplo e sancionar o monismo ontológico. Pergunta-se: Como surge, em geral, a noção de Dogma?! A Igreja (como religião institucionalizada), mediante os seus chefes (Presbíteros, Bispos, Pontífices), assumese como a ‘Oficina’ da recta interpretação da ‘lectio divina’ das Escrituras Sagradas. É, assim, que ela se assume (de cima para baixo… nas hierarquias!...) e faz passar como a intérprete exclusiva da recta e justa interpretação da leitura da Bíblia. Quando a palavra divina é interpretada como poder mágico, ela condena o agente como herético, blasfemo, demoníaco!... • Κανẃν, em grego clássico, significa Régua, ou Regra; régua de carpinteiro. No Dicionário [HOUAISS] da Língua Portuguesa, pode ler-se, para a semântica da palavra Cânone: ‘Norma; princípio geral, do qual se inferem regras particulares’. 4


Lista; Catálogo; Colectânea; conjunto de Livros considerados como de inspiração divina. Desde que o Super-Apóstolo Paulo, inscreveu na sua Carta ‘ad Romanos’ (13,1): ‘Non est Potestas nisi a Deo’, o sentido e o conteúdo semântico do sintagma Cânone mudaram completamente. O Poder monolítico e hierárquico impôs-se e obstruiu toda a espécie de Democracia. Foi no Concílio Ecuménico de Éfeso/325, presidido pelo Imperador Constantino (ainda não baptizado), que a Palavra Cânone foi utilizada, com toda a força e rigor, não só contra os Arianos, mas, igualmente, para integrar no Cânone sagrado, o 4º evangelho canónico, o de João (o chamado discípulo amado). Em termos doutrinais, no Ocidente, a situação só mudou, no séc. XVI, pela mão do teólogo jesuíta Francisco Suarez; o qual veio a estabelecer e consagrar a fórmula: ‘Omnis Potestas a Deo per populum’: os Regimes democráticos já podiam sair à rua!!! Mas só, no séc. XVIII, com J.-J. Rousseau e Montesquieu, é que a Ordem societária foi, definitiva e doutrinalmente, invertida:Tudo tem de proceder de baixo para cima; não de cima para baixo. Em 2006, a UNESCO estabeleceu uma Lista do Património Mundial, que atinge o belo número de 628 lugares e monumentos, dispersos por vários Estados/Nações do Mundo. (Cf. J. Mattoso, op. cit., p. 244.). “O complexo de superioridade do roma no que despreza o bárbaro, porque o considera incapaz de criar obras de arte e realizações técnicas, impede-o de reconhecer os valores que ele também é capaz de produzir. O conceito de bárbaro introduz a consciência do Outro, o que é positivo, mas considera o Outro como inferior ─ o que é, obviamente, negativo. Aconteceu o mesmo nos sécs. XIX e XX com os senhores dos novos impérios coloniais, quando se difundia a ideia de cultura como expressão própria da superioridade técnica e artística da civilização europeia. Só ela poderia trazer o progresso” (idem, ibi, p.249). • António M. Feijó, João R. Figueiredo, Miguel Tamen (eds.): ‘O CÂNONE’. Edições Tinta-da-China, 2020. Terão estes ilustres académicos consciência da noção primigénia de Cânone?!... Ou estão já afinados pelo Diapasão da Propaganda populista e das ‘fake news’?... Como quem está habituado a atirar os sacos de lixo descartáveis para os oceanos?... • Génesis (1, 28-29): ‘Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra; submetei-a e exercei dominação sobre os peixes do mar, as aves do céu, e todos os seres vivos, que se movem sobre a terra.’ A Bíblia Vulgata latina (ou de S. Jerónimo) bem como a inglesa de King James, falam, aí, de Dominação dos Humanos sobre a Terra e todos os seres vivos, que a habitam. Ora, uma teóloga da Duke University, Ellen Davis, que escreveu um livro sobre as raízes agrárias das Escrituras, ao reflectir sobre este passo textual, procedeu a uma inquirição etimológica do vocábulo hebraico correspondente, e concluiu: “When we hear ‘dominion’, we think ‘domination’ ─ a heavy-handed, top-down imposition of power on the rest of the world”; [e indagou o significado etimológico real da palavra hebraica correspondente]: the Hebrew word Radah meant something very different. Of so, Western civilization is based in Part on a misunderstanding of one of its founding texts”. (In ‘National Geographic’, nº de Novembro de 2020, pp. 83-85). Radah, no hebraico, tem o significa do preciso de domínio = propriedade de um agricultor; não o significado de Dominação sobre povos.

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I A GLOBALIZAÇÃO ─ SEMPRE INACABADA: CARECEMOS DE UMA VERA ALTERMUNDIALIZAÇÃO

1. Tema: ‘Os Devolvidos’ (cf. ‘Exp. Rev.’, 17.10.2020, pp.33…) ‘Milhares de pessoas são devolvidas, todos os anos, aos locais de onde vieram, sem poderem pedir asilo ─ uma quebra da lei internacional. O Expresso analisou a maior base de dados da Europa sobre reenvios ilegais, com a ajuda de quem a construiu e de quem foi devolvido’. ─ Eis como a U.E. e a O.N.U. têm tratado os refugiados/asilados e emigrantes, forçados a expatriar-se, por causa das violências e das guerras regionais!... A proposta, séria e honesta, teria de começar pela O.N.U.. E por todo um conjunto de Ajudas Financeiras/Económicas aos Países pobres e em vias de Desenvolvimento. Contra este rumo assinalado, o que tem prevalecido, sistematicamente, é a Lógica (bastarda) do Nós contra Eles, a cartilha do Poder-Dominação d’abord. ‘O fenómeno é conhecido como push back, um muito literal ‘empurrar de volta’, na literatura sobre o tema. É na Grécia e na Croácia que a maioria dos casos se con-centra’ (ibi, pp.35…). ‘Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, garante ao Expresso que o tema das devoluções será uma das prioridades da agenda da presidência por-tuguesa da U.E.’. Promessa de cavalheiro honesto e sério ou mais uma enxurrada de balelas?!... Boas intenções que não se cumprem, mas são debitadas para iludir os povos (indígenas/naturais e imigrantes)!...

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2. SOBRE A O.N.U. Ouviram e leram a notícia no Expresso de 24.10.2020? A opulenta Biblioteca de D. João V perdeu-se no Terramoto (conhecido em toda a Europa…) de 1755!... No caso em escrutínio, não foi obra de ‘queima de Livros’, operada pelos algozes da Inquisição… No começo do art., escreveu, em janela, o nosso Amigo Ramada Curto: ‘O Iluminismo europeu e cosmopolita, da primeira metade do século XVIII, ao surgir articulado com uma cultura cortesã, contrasta com a ideia de um Iluminismo emancipador e promotor de igualdades e liberdades, que levou à Revolução Francesa e à formação de regimes liberais’. Mas há memórias que não esquecem!... É, aqui, de recordar, a propósito do sismo de Lisboa, de 1755, que ele foi sentido e conhecido um pouco por toda a Europa ocidental. O grande teorizador e doutrinador iluminista francês, Voltaire (1694-1778) escreveu, sobre essa temática, um livro célebre, a que deu o título brejeiro: ‘Candide’. Diga-se, agora, entre parênteses, o que abastardou e frustrou, mais ou menos, todas as Revoluções identificadas de ‘liberais’, por todas as plagas do Planeta, foram, precisamente, a mistura e a confusão, no mesmo programa ou rol de objectivos, as duas grandes áreas da Economia e da Política. Apesar de acalentarem intentos e objectivos diferenciados, a Revolução de Alexandre Magno (356-323 a.E.c.), que instaurou o Helenismo na Grécia, no Egipto e no Médio Oriente; e as revoluções modernas como a Inglesa de 1688/9 e a Francesa de 1789-95 bem como a Americana de 1776, ─ todas elas cederam à mesma tentação. Por isso, todas elas acabaram por fracassar, pelo menos, parcialmente. A própria ‘Comuna revolucionária de Paris’, iniciada a 4 de Setem-bro de 1870, foi forçada a render-se e a fracassar, em 18 de Março de 1871, sob a pressão do exército prussiano, com a cumplicidade do presidente francês (recém-eleito) Thiers!... Das revoluções ditas ‘comunistas’ (v.g., o sovietismo, o comunismo maoísta ou o de Fidel Castro…) já não adianta tentar auscultar uma via diferente, depois do julgamento condenatório de John Kenneth Galbraith, em 1962, no seu famoso Livro ‘O Novo Estado Industrial’!... Mas estávamos nós a falar dos actuais processos de globalização ou mundialização, que, desde o términus da ‘Guerra Fria’ (em 1989) tem vindo a rasgar maus e desastrosos caminhos… E, entretanto, se a História é (deve ser) ‘mestra da vida’, não seria, precisamente, o Caso de advertir e estudar, na galáxia do Ocidente, o relativo bom sucesso, que obteve a ‘globalização’, desencadeada, nos sécs. IV/III a.E.c., pelo timoneiro que veio da Macedónia para a capital da Hélade, Atenas, o célebre Alexandre Magno, que, ao instaurar um Mundo helenizado, era isso mesmo que ele pretendia, bem no fundo?!... Filho do rei Filipe da Macedónia e da sua esposa Olímpia, bem cedo ele rumou para Atenas; aí, ele foi instruído e formado no Liceu de Aristóteles, dos 13 aos 16 anos. Aí foi descobrindo, em si, os belos ideais da magnanimidade e do autodomínio. Aos 16 7


anos, o rei Filipe II, seu pai, confiou-lhe uma missão militar arriscada. Dela se desenvencilhou esplendidamente, uma vez que os seus ícones eram Aquiles e Héracles. Aos 18 anos, vêmo-lo a combater contra o esquadrão sagrado dos Tebanos (oriundos do Império egípcio); e aos 20 anos, é solenemente proclamado rei, após a morte de seu pai. Conquistou, definitivamente, o Egipto e fundou, próximo do Cairo, no Mediterrâneo a sul, a grande Cidade portuária, designada por Alexandria (evocando, para sempre, o nome do Fundador). Conquistou, depois, a Babilónia, Persépolis e Susa. De seguida, fora nomeado Generalíssimo dos Helenos, contra os Persas. Morreu aos 33 anos, depois de ter percorrido meio mundo à frente dos seus exércitos!... Não esquecer que a Cidade (portuária) de Alexandria era, então, o centro do Mundo conhecido. O seu Farol (de 120 metros de altura) era o maior do Planeta conhecido. É neste ambiente, dinamizado pelo Iluminismo helenístico, que se dá início à Dinastia egípcia dos Ptolomeus, que muito contribuiu pela cultura e pela ciência da sua época, para uma Dimensão universalista da Cidade de Alexandria: geometria e cosmografia; os monumentais Porto e Farol; e uma tão ousada abertura ao Iluminismo helenístico, que foi, nessa Cidade Nova, que estiveram reunidos, nas suas celas e salas, ca. de quatro anos, os 72 sábios hebreus, destacados para traduzirem a Bíblia hebraica para uma língua mais conhecida e universalista, o Grego koinè diálektos. A importância da Cidade, instaurada por Alexandre, pode ainda concretizar-se e percepcionar-se, através de Monumentos célebres, tais como: ─ a Biblioteca (pública), inicialmente com mais de 700 pergaminhos; ─ o Museion, destinado às consultas e práticas dos eruditos e do povo; ─ e o Serapeion, onde eram apresentadas obras copiadas a partir da Biblioteca central. Era aí, no Serapeion, que mais facilmente poderiam ter acesso, às suas leituras predilectas, as classes populares e os trabalhadores. ● N.B.: Sobre as necessárias e indispensáveis funções de vigilância e articulação da O.N.U..

A Organização das Nações Unidas: a sua Carta entrou em vigor a 24 de Outubro de 1945, como fecho da abóbada de um Mundo Novo, uma vez terminada a crudelíssima e desumana IIª G.M.. As suas instituições, comités agregados e agências especializadas ─ tudo polarizado, democraticamente, na Assembleia Geral (que costuma reunir anualmente em Setembro) podem consultar-se no organigrama localizado na p.403, do nº 18 da ‘Encyclopedia International/Grolier’: New York, 1974. São 5 Instituições a orbitar a A.G., articuladas com 18 Comités; e 14 Agências Especializadas. Dir-se-á que o mapa global fora criteriosamente concebido e concretizado/organizado. Ora, depois das duas tentativas experienciadas (a de Alexandre Magno e do helenismo, bem como a que pôs termo à IIª G.M.) ─ a 1ª apenas conjecturada, a 2ª escrita em literatura jurídica apropriada e consensualizada ─, o que nos resta, após o fracasso das duas primeiras, é: 1º Tomar a sério a Carta das Nações Unidas de 24.10.1945, a começar pelos seus Delegados Responsáveis. 2º Extrair, dela, todas as consequências e efeitos, explícitos e implícitos.

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3º Aprofundar e alargar o seu âmbito (legislativo e executivo) às Áreas das Alterações Climáticas e a um ordenamento do Planeta por forma a impedir o iminente colapso da Vida (humana e não humana) nele. 4º A nova Carta da O.N.U. deve deter um vero estatuto jurídico de Coordenação entre todos os Estados/Nações (político, sócio-económico, cultural, administrativo e militar). Sempre que estejam em causa problemas ou situações de carácter universal, a soberania da O.N.U. deverá prevalecer sobre os Estados em conflito. Para nos darmos conta da toada séria e honesta, com que o texto da referida Carta foi concebido e estabelecido, vamos proceder à citação (ibi, p.407) do segmento concernente à Cooperação Económica e Social: “The Charter provisions for dealing with economic and social problems, al-though recognizing their importance, do not accord to the responsible organs powers of the nature given to the Security Council for keeping the peace. While members are committed to fairly specific objectives, they are left free to decide particular policies and programs. The General Assembly and the Economic and Social Council, the organs with chief responsibilities in this field, may inquire, study, publish, discuss, and re-commend. However, they cannot legislate, enforce, or provide financial support for programs (save to a limited extent) except on a voluntary basis. To assure members that their sovereignty would be respected the San Francisco Conference even approved a special statement that the Charter provisions involved no interference in essentially do-mestic matters. “Not only did the Charter provide that U.N. action in this field should take the form of voluntary co-operation. It also envisaged the possibility of achieving co-operation through a number of autonomous but complementary intergovernmental organizations, called ‘specialized agencies’, brought into formal relation with the United Nations. The U.N. system for co-operation in the economic and social field was therefore to be a loose, highly decentralized, and flexible one. It contained the possibility of adjusting commitments, organizational structures, and operational procedures to needs and circumstances as they might arise”. Não é, aqui e agora, o momento para desenvolver, exaustivamente, a gramática democrática (a vera e autêntica Democracia!) da convivência entre a cúpola globalizadora da O.N.U. e os diferentes Estados/Nações. Mas é disso mesmo que se trata e que a História da Guerra e da Paz já tem o direito de supor aprendida, de uma vez por todas!...

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II ATÉ QUANDO O CATECISMO DO DUALISMO METAFÍSICO-ONTOLÓGICO DE PLATÃO E PAULO, EM CONLUIO CÚMPLICE COM A CULTURA DO PODER-DOMINAÇÃO D’ABORD?!...

1. Filosofia criticista (humanística) no Centro regulador e balizador das modernas Ciências positivas e experimentais

N.B.: Advertência metodológica: cabeça fresca e espírito aberto e crítico.

Na galáxia da Cultura Ocidental, a chamada 3ª Idade ─ Idade Moderna ─ andou, comprovadamente, por vias erradas e auto-destrutivas. A 4ª Idade ─ a Con-temporânea ─ poucos ousaram falar dela, além das poucas excepções na História da Filosofia. Em termos estruturais, um Pensamento crítico e radical dir-nos-á que as origens dos maus caminhos andados surgiram porque as Escolas e as pragmáticas sócio-políticas e culturais assumiram René Descartes e o Cartesianismo (mecanicismo car-tesiano) como motor de fundação; em lugar de atribuir tal privilégio à Escola de Francis Bacon e William Shakespeare e suas Obras. Com efeito, fora F.B. o prota-gonista e o instaurador do vero e autêntico caminho da Modernidade ocidental, me-diante a criação das chamadas ciências positivas e experimentais (que já haviam dei-xado o seu legado na Antiguidade e na Idade Média e, muito especialmente, na prévia época gloriosa dos Descobrimentos oceânicos e do Renascimento (sécs. XV e XVI). Não esquecer que foi já o próprio F.B. que, com caracterização dos seus 4 idola, deixou os ‘novos’ cientistas de precaução, contra os possíveis desvios do ‘cientismo’!... Desta sorte, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) é o verdadeiro instaurador da Idade Contemporânea: estabeleceu a bissectriz entre as filosofias do Sensismo humeano e as filosofias ‘teológicas’ tradicionais padronizadas em Leibniz; instaurou, distintivamente, as 3 Críticas (da Razão Pura, da Razão Práctica e do Julgamento); adicionou, claramente, as noções criticistas de Práxis e de Paz Perpétua (que excluía a emergência da guerra); e, em conclusão, pôs-nos em guarda, contra as velhas ‘ilusões’ da Metafísica, mediante o seu Livro lúcido ‘Prolegómenos a toda a Metafísica Futura’. Dir-se-ia, em suma, que foi um filósofo orientado pela sua estrela, avant-lalêttre: o ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Para ele, a vera e autêntica ÉTICA humana está fundada no sacrossanto ‘Imperativo categórico’ (ética autonomista). Sem isto, os huma-nos 10


individuais-pessoais ficam reduzidos à condição de servos e escravos de outros (seus senhores omnipotentes/ditatoriais…). Há um livrinho ─ vademecum esplêndido! ─, capaz de nos introduzir seriamente no universo filosófico-cultural kantiano; dá pelo nome: ‘Kant:a revolução copernicana na filosofia’ e é sua autora Joan Solé (filósofa espanhola). (Edição Atlântico Press, 2015). Quando éramos Prof. de Hist. da Fil. no Seminário Maior de Coimbra, nós pró-prios elaborámos 1 dossiê inteiro (200 pp.) sobre este grande Filósofo, o qual, com mais 9, integrariam uma obra (a publicar no futuro) da História da Filosofia em 2 volumes. Com os empréstimos aos meus alunos foi mesmo esse dossier que se perdeu. Posterior-mente, não houve ainda tempo nem oportunidade para editar esta obra. Mas os escolhos procedentes da Tentação Metafísica, foram, finalmente, bem agarrados e resolvidos pelo filósofo argelino Jacques Derrida (nasc. em 1930) e sua Obra decisiva, dando, assim, continuidade e efectividade aos postulados estabelecidos por I. Kant. O que, agora, nos falta é atribuir à Filosofia (séria e honesta) a missão prínceps de bússola (crítica) orientadora da Práxis (kantiana e marxiana) societária, da Gramática das Ciências (positivas e experimentais), e das Artes (nas suas três moda-lidades de efectuação: a technè, a póiesis e a performance). É que, entre o Belo e o Sub-lime, em todas as espécies de Arte, as diferenças tornam-se patentes a uma Sensi-bilidade estética bem formada.

2. Sobre a Noção de CÂNONE O sintagma Cânone (que procede, etimologicamente, do Grego clássico Κανẃν) é uma palavra prenhe e bem pesada de semântica: na sua antiga usança clássica, o significado e o sentido encontravam-se polarizados nos vocábulos de Regra, Régua de carpinteiro, metro, bitola, no quadro semântico da busca da exactidão e do rigor. Era, pois, uma palavra habitualmente pronunciada pelo Mestre dos ofícios, e envolvia exigências de Autoridade e Poder. É neste horizonte que, v.g. no Epílogo de um Livro ou de uma Peça teatral, o Mestre transmite um juízo/testamento, aos actores, em jeito de derradeiro julgamento da Obra produzida ou encenada, perante os rostos poliédricos dos actores, personagens, protagonistas inclusive. Nada é mais ilustrativo do que tomar do universo da Economia política situações/tipo, para explicar as consequências e os efeitos das más soluções engendradas… Martin Wolf, discípulo de Friedman, desiludiu-se com o antigo mestre!... Colunista no ‘Financial Times’, começou a dar-se conta de que há uma linha directa que vai de Friedman para o ainda actual presidente dos U.S.A., Donald Trump. Escreve, neste contexto, Francisco Louçã (in ‘Exp.’, 2º Cad., 10.10.20, p.5): “Argumenta Wolf que, se 11


o mundo fosse unicamente um conjunto de empresas a lutar pelo seu lucro, teríamos um problema ─ não haveria outra regra que não a destruição social. Em contrapartida, escreve ele, num mundo em que houvesse regras do jogo, ‘as empresas não promoveriam ciência lixo sobre o clima’; não matariam centenas de milhares de pessoas promovendo a adição a opiáceos; não fariam pressão para sistemas fiscais que lhes permitam esconder boa parte dos seus lucros em paraísos fiscais; o sector financeiro não promoveria capitalização desadequada que causa graves crises”. ─ Como está cheio de sabedoria o velho axioma romano e já helénico/aristotélico: o princípio do ‘mesótès’: ‘in medio virtus’!... Recordam-se bem?! O linguista jubilado da Univ. de Yale (U.S.A.), Harold Bloom escreveu um Livro famoso, titulado ‘O Cânone Ocidental’, que, em 2010, fora editado pela Gradiva (na secção Temas & Debates). É, indiscutivelmente, uma obra pioneira sobre esta problemática, bem pensada e com algumas evocações pertinentes de Autores literários ocidentais e anglófonos, designadamente, referências a Shakespeare. Mas ─ seja aqui proclamado solenemente ─ em nenhuma parte dessa Obra emergiu a tentação de propor ou elaborar um catálogo ou Cânone de Autores, que tenham de ser seguidos e respeitados nas escolas e na Society, elaborado e imposto, autoritariamente, de cima para baixo, e, naturalmente, com a exclusão de mutos outros escritores, que teriam igualmente o direito de aí figurar. Vem tudo isto a propósito da obra ‘O Cânone’ (editada em 2020, por Tinta-da-China e Fundação Cupertino de Miranda, sob a responsabilidade dos três académicos: António M. Feijó, João R. Figueiredo e Miguel Tamen). Glosando o Camões crítico, diríamos: ‘Oh vã glória e cobiça de mandar’!... Que saibamos, até ao presente, nenhum país ocidental alimentou tanto a ousadia de elaborar, explicitamente, um ‘Cânone’, à boa maneira eclesiástica!... E nós a pensarmos que já éramos uma Sociedade civil, laica e adulta!... Ora, capturar a palavra ‘cânone’ em título capital de uma Obra, sem acautelar devidamente a sua semântica substantiva, é engrenar numa falha semelhante à denunciada pelo célebre compositor norte-americano John Cage, que respondia aos seus ‘acusadores’ das suas peças musicais: ‘Silent Prayer’ e ‘4’33’’ ‘do seguinte modo: ‘A música é inútil, a menos que desenvolva a nossa capacidade de escrita. O silêncio não é acústico, é uma mudança de mentalidade’. Em entrevista sobre a façanhuda Obra, com o ‘pontífice’ A. Feijó (in ‘JL’, 215.12.2020, p.14), o entrevistador, Luís Ricardo Duarte, resume, assim, a Obra, na natecâmara da entrevista: “São conhecidas no campo da Literatura, as famosas discussões em torno da forma e do conteúdo. Em alguns casos, é na tensão entre essas duas uni-dades que melhor se expressa a genialidade de um autor. […] Por dentro, é um projecto de crítica literária, com ensaios sobre meia centena de autores centrais (apenas os já falecidos) da literatura portuguesa, dos seus alvores ao séc. XX. Por fora, apresenta-se com um título bombástico: O Cânone. Nunca saberemos, nem os organizadores […] alguma vez o confessarão, se essa escolha foi apenas uma boa estratégia de marketing ou o culminar de uma reflexão teórica. Certo é que o debate está lançado. Começou com a polémica esperada em torno dos nomes seleccionados, com várias personalidades a notarem a ausência de Sophia, Cardoso Pires ou Vergílio Ferreira. Para esse ‘jogo mais 12


social’, os curadores deste projecto esperam que se abra um debate de ideias e argumentos”. O nosso caro Amigo Ramada Curto (no seu artigo sobre a matéria, no ‘Exp./ /Rev.’ de 7.11.2020, pp.60-61) escreve em título: ‘O retrocesso do cânone’, e na sua explicitação: ‘Este livro constitui a marcação de um território, feito de escolhas individuais, e pouco ou nada avança em relação às anteriores explicações de conjunto sobre a literatura portuguesa’. Não obstante, ele consegue, pelo menos, avançar uma ideia feliz: propor e inventariar autores esquecidos que, pela 1ª vez, poderiam entrar no cânone!... Contudo, esta ideia de cânone não lhe sai da mente; apesar da sua conclusão se orientar noutra linha: “Uma vez que, no seu todo, pouco inova, representa mesmo um retrocesso. Por isso, no seu esforço de síntese de há muitas décadas, António José Saraiva e Óscar Lopes, autores da fundamental ‘História da Literatura Portuguesa’, com as suas interpretações de conjunto, têm razões para se continuarem a rir lá no outro mundo, onde os Ciclopes não existem” (ibi, p.61). ─ Outro tema, relacionado embora com toda esta problemática: o Prof. José Carlos Seabra Pereira (do Instituto Politécnico de Macau) publicou, na Edit. Gradiva, em 2019, uma Obra de tomo (são 791 pp.), com o título (diferenciado das Histórias, habituais, da Literatura Portuguesa): ‘As Literaturas em Língua Portuguesa (Das origens aos nossos dias)’. Demo-nos ao trabalho de ler de fio a pavio toda esta Obra, nas férias passadas de Verão. Eis por que não vamos falar de cór!... Aproxima-se mais de uma Enciclopédia de Escritores, muito parca em texto classificador para cada nome ou entrada. Mas é, perante as conhecidas ‘Histórias da Literatura Portuguesa’, uma vera Inovação. Só que a este respeito errou o alvo!... Entendeu configurar, na base, a ‘uni-versalidade’ da Língua Portuguesa; e, como expoente, alguns nacos de referências literárias aos Escritores, que o Autor melhor conhecerá… Para sinalizar períodos e épocas!... Na 1ª p., com a chancela da Gradiva à dta., nós ─ como leitores críticos ─ deixámos anotado o seguinte: “N.B.: ‘Um belo e rico/abundante Almanaque das his-tórias da Literatura em Língua Portuguesa’ ”. ‘Desígnio da Obra: Associar e unir, na Aprendizagem pedagógico-didáctica, os 3 elementos estruturadores: A) Língua Portuguesa; B) Literaturas cultivadas nos horizontes da diferenciação dos falares da Língua e da imitação dos falares da Língua matricial; C) Como resultado, o que, naturalmente, sobressai é a emergência e configuração de culturas diferenciadas e autónomas, ─ com lexemas, que nem no mais rico Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa encontraram acolhimento’ (= 6 vols. com pp. do formato A4). Diríamos, em resumo, que é um empreendimento sensato; mas o pé não chega à pegada!... Em resumo: Diremos dos 3 Acontecimentos (linguísticos e literários) mais recentes (das últimas três décadas), o seguinte: Todos acabaram, em maior ou menor grau, por errar o alvo almejado!... Os três mosqueteiros e o seu ‘O Cânone’; J.C. Seabra Pereira e a sua proeza monumental; e o novo ‘Acordo’ linguístico da Língua Portuguesa, onde foi salientada, no Rio de Janeiro e em Portugal, essa figura sonâm-bula, que dá pelo nome de Malaca Casteleiro. Em 1990, quando o Debate no Rio se acendia, publicava o Autor destas linhas o Livrinho (criticista) ‘Sobre o Acordo Ortográfico do Rio’ (ed. da Estante de Aveiro). O Livro foi bem divulgado e objecto de uma conferência, dada por mim, na Sociedade 13


Martins Sarmento (em Guimarães), a um salão a abarrotar de gente, e numa sessão presidida pelo seu Presidente Santos Simões, assessorado pelo Prof. Óscar Lopes. No fim, os dois vieram dar-me um grande Abraço de parabéns.

As duas teses centrais, que eu aí defendia, eram A) Numa língua viva, não se pode nem deve separar (tratar em separado!) a grafemática e a ortoépia (a pronúncia correcta). B) O critério estrutural/estruturante (em matéria desta natureza) deve ser sempre o adoptado pelo próprio Povo, que fala, activamente, a sua Língua. Era isto mesmo que o historiador e linguista latino Marco Terêncio Varrão (116-27 a.E.c.) argumentava, ao apostrofar: ‘Lingua… apud quem (populum) est ratio et jus lo-quendi’.

3. ● Abrir a Casa Humana ao Pensamento Criticista de Kant, ─ a base e o fundamento da necessária e indispensável Distinção entre o ‘Homo Sapiens tout court’ e o ‘Homo Sapiens//Sapiens’: a sua Obra constitui a 1ª Fundação do ‘Homem Novo’! Não foi Aristóteles que inventou a palavra Metafísica. Este vocábulo foi inventado e aplicado por Aristarco de Samos (séc. I a.E.c.), quando procedia à arrumação diferenciada dos Livros do Mestre na sua Biblioteca. O lexema tinha, então, o significado simples e singelo (topográfico) dos livros arrolados, nas estantes, a seguir à biologia e à física. 14


Em bom rigor, a religião não tem aí lugar cativo… Uma vez que o primado absoluto do Saber (crítico) humano/antropológico não o consente. O Estagirita instaurou o que Kant e, depois, Marx vieram a designar por Práxis (= pensar reflexivo e crítico), sempre virado para o futuro, e não para o passado. Há dois axiomas em Kant, que fundam directamente a Práxis: a) o chamado ‘imperativo categórico’ kantiano, que pode ser expresso da seguinte forma: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (cf. ‘Kant’, op. cit., p.19). Aqui, o primado absoluto foi atribuído à Ética/Moral; e não a qualquer metafísica religiosa. b) O Dever é constituído a priori; o Direito é constituído a posteriori (cf. ibi, p.97). Escreve Joan Solé (op. cit., pp.78-79): “Já sabemos que ‘metafísica’ (vocábulo que A. não utilizava…) tem para Kant dois significados: por um lado, pseudociência referida a entidades supra-sensíveis; por outro, exame do conhecimento a priori, isto é, criticismo transcendental. A secção intitulada ‘Dialéctica transcendental’ derruba todas as pretensões ilegítimas, que a metafísica dogmática tinha de ser um conhecimento sólido. No prefácio da 2ª edição da Crítica da Razão Pura, Kant escreve: “Tive de su-primir o saber, para encontrar lugar para a crença”; isto significa que Kant desengana quem aspira a demonstrar as grandes questões da metafísica, mas insta a pensar e a acreditar nestas a partir de outra perspectiva, a da moralidade e da religião. Não é ilegítimo apresentar-se estas questões. Na verdade, é inevitável, pelo modo como está configurada a razão: o que é ilegítimo é pretender dar-lhe uma explicação teórica com a razão especulativa, que, como sabemos, só pode actuar em contacto com as percepções sensíveis”. ─ Aqui, vê-se que K. se situa, ainda, na órbita do ‘Homo Sapiens tout court’, que era o paradigma então vigente!... Mas logo ele mesmo descola deste paradigma, ao estabelecer o primado absoluto da ÉTICA e ao formular o seu imperativo categórico, como chave da humana actuação moral. Na nota em pé de página (p.78), Joan Solé até parece pretender suavizar o passo assombroso de Kant, ao escrever: “[O criticismo transcendental] tem um terceiro semtido, que diz respeito às questões últimas supra-sensíveis: Deus, imortalidade da alma, liberdade moral. Depois de demonstrar que estas questões não podem ser tratadas pela razão teórica especulativa, Kant mostra que não é por isso que o espírito humano deixa de equacioná-las com a maior intensidade. Esta constatação assinalará a passagem da teoria do conhecimento (científico ou técnico) para a ética”. Mas a posição da filósofa espanhola é clara e não é de ficar a meio da ponte, quando escreve na introdução ao cap. central em torno do Conhecimento teórico (p. 49): “Kant defende que apenas o conhecimento ordinário de objectos e o conhecimento científico são fiáveis, porque neles se combinam a acção dos sentidos específicos do ser racional (espaço e tempo) e a do seu entendimento, que aplica conceitos às percepções sensíveis. O ser racional cria activamente (não recebe passivamente) o conhecimento mediante esta acção combinada da sensibilidade (sentidos) e do entendimento (concei tos). Por outro lado, as especulações metafísicas da razão abstracta (acerca da existência de Deus, da imortalidade da alma e da liberdade humana) não podem ser demonstradas e carecem de validade teórica”. 15


● Kant ─ como já foi dito ─ foi o Filósofo inaugurador da Idade Contempo-rânea, ─ que deveria ter iniciado a Nova Era da Humanidade, com a emergência do ‘Homem Novo’, na plenitude de todas as suas capacidades e aspirações. Em vez disso, as Sociedades Humanas ─ a partir de ca. de 1720/1750, com o advento da ‘Revolução Industrial’ ─ deram início a um Processo civilizatório crescente em ruína e degradação da Terra e dos Climas; gradualmente, substituíram a escravatura e a servidão dos trabalhadores pelo sistema colonial/ista, como era requerido pelo motor económico/político do Capitalismo. A Terra ─ a Casa comum dos Humanos ─ foi transformada em pura matéria-prima a explorar ad infinitum!... A Sociedade achava-se dividida em 1/3 que mandava e exercia o Poder; e 2/3 que obedeciam servilmente e executavam fielmente toda a casta de mesteres!... A Liberdade era realidade desconhecida, visto que só se conhecia e experienciava o ‘livre arbítrio’. Neste contexto (oceanos convertidos em lixeiras; poluição universal da Atmosfera terrestre; os glaciares a desfazerem-se; as alterações climáticas a expandirem-se; o buraco do ozono a alargar-se…), ─ os confrontos bélicos entre os Estados/Nações era o quinhão repartido por todos; e até parece que a Humanidade pouco aprendera com as duas Guerras mundiais (a 1ª, de 1914 a 1918, a 2ª, de 1939 a 1945). Nesta rota, a situação de Guerra é raínha; e a situação de paz é um interregno passa-geiro. Por isso, a cartilha tradicional só nos tem ensinado a ‘paz de armistício’. O que tem, afinal, vigorado, dovunque é a Cultura da Potestas/Dominação d’abord. Não se dá conta de que o confronto original e decisivo é entre o paradigma do ‘Homo Sapiens tout court’ (que tem prevalecido até ao presente) e o paradigma vero e autêntico da Espécie Humana, que é o do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Foi, efectivamente, durante os ‘trinta gloriosos’ (1945-1975), sobremaneira na década de ’60 do séc. XX, que as ciências páleo-antropológicas chegaram a conclusões definitivas sobre a distinção clara e indiscutível entre os dois ‘ancêtre’ principais da Espécie Humana: a) o mais antigo: ‘o Homem de Neanderthal’, cuja data de emergência se fixara em 300.000 ou 400.000 anos; b) e o mais recente: ‘o Homem de Cro-Ma-gnon’, cuja origem se apontara para 70.000 ou 60.000 anos antes da Era comum. Es-tudava-se e sabia-se, então, a anatomia, a fisiologia e a psicologia desses nossos na-cestrais, seus usos e costumes. Até se sabia que o modelo mais recente era detentor de um crâneo mais bem modelado e possuía, a mais que o anterior, ca. de 450 a 500 cm cúbicos de massa encefálica, o que lhe permitia exercer funções antropológicas supe-riores ao modelo de Neanderthal. Por volta de 30.000 anos a.E.c., os neanderthalenses extinguiram-se, e a Espécie Humana continuou a sua Viagem, histórica e cósmica, a partir do seu padrão definitivo e último, na Evolução bio-psico-sociológica e cultural, que é o ‘Sapiens//Sapiens’ = o ‘Homem de Cro-Magnon’. A extinção do ‘Neanderthal’ era atribuída às dificuldades de adaptação, às glaciações ou aos degelos, até a sismos ou tsunamis. Não houve, como se ensinava, na década de ’60, misturas de ADN ou de partes dos diferentes genomas, com carácter sistémico. Na década de ’60, emergiu, em 1968 (a começar em Paris) a chamada ‘revolução estudantil/operária’, que acabou por fracassar… Alguns houve que a compararam à 16


chamada ‘revolução dos povos’ de 1848, para a qual Marx e Engels elaboraram, em jeito de celebração, o ‘Manifesto Comunista’. 1989/1991: a 1ª data assinala o fim da ‘Guerra Fria’; a 2ª, o Colapso da U.R.S.S.. Estávamos, todos, à espera de Novos Tempos. Já chegava de derivas e de vias erradas… Não obstante, do mal evoluiu-se para pior!... Com os seus donaires de dissimulação, surgiu essa estranha Idade do ‘Neoliberalismo’, como se a ‘salvação’ só do Capital e do Lucro desigual pudesse advir!... Não se tem, realmente, aprendido nada com a História. Não dizia, em 1962, no seu Livro ‘O Novo Estado Industrial’ (caracterizando a U.R.S.S. de então) John Kenneth Galbraith que o Sovietismo não era outra coisa senão ‘Capitalismo monopolista de Estado’?!... Mas as vias erradas não se ficam por aí. Agora, procuram atingir e alterar os tópoi das origens da Espécie humana. As ‘oficinas’ (um pouco pelos cinco continentes…) de descoberta e de reconstituição dos primeiros exemplares humanos são processualmente fragmentárias e, mesmo assim, os oficiantes cientistas mostram-se deslumbrados com os seus achados arqueológicos. Dir-se-á que, entre a década de ’60 e a época de hoje, houve um hiato, um corte abissal, que não deixa espaço a qualquer convergência crítica. Por exemplo, Yuval Noah Harari (com 3 best-sellers publicados) só conhece, seca e pecamente, o ‘Homo Sapiens’, sem mais… Até se terá de concluir que, hoje em dia, (quase) ninguém, mesmo, já conhece o nosso avatar, que se chamava ‘Homo Sapiens//Sapiens’. O que, resumindo, acaba por deixar nas trevas mais espessas as duas mensagens gémeas de SÓCRATES e de JESUS!... ● Os Juízos criticistas e, por vezes, radicais do C.E.H.C. não são exclusiva-mente património seu. São partilhados por muitos outros intelectuais, que não esque-ceram as Lições célebres do Personalismo de Emmanuel Mounier, nos anos ’20 do séc. XX e da Revista Esprit. Também, no Novo Mundo, houve intelectuais com espírito crítico notável. Estamos a lembrar-nos de Allen Bloom, por exemplo. Professor e ensa-ísta norte-americano (Indianapolis: 1930; Chicago: 1992). Doutorado em Filosofia. Como nós, também ele ficou triste e desapontado com os movimentos culturais juvenis da década de ’60 do séc. passado. Fizeram a gestação (como numa ‘barriga de aluguer’) de uma atmosfera ideológica, que parecia prometer esperança, mas sem pingos de filo-sofia, na sua base de sustentação. Irritado seriamente com o curso superficial das coisas, nos U.S.A., virou-se para o seu vizinho Canadá (Univ. de Toronto). O pilar central da sua filosofia levava-o a polarizar-se no aprofundamento da Mensagem Socrática, evocando o papel central, de carácter não só intelectual, mas também, e sobretudo, social, que Sócrates havia dessempenhado na Cultura helénica clássica. A. Bloom argumentava como segue: “Numa sociedade, onde se perdeu o sentido do Valor, e onde os valores deixaram de fazer semtido, sobretudo devido ao relativismo cultural, que as chamadas ciências humanas instalaram, e à verdadeira e inelutável tirania, exercida pela opinião pública, não resta mais do que deixar ‘falar por si’, os grandes textos da Filosofia ocidental”. A partir deste mantra, ele entregou-se à faina das traduções dos clássicos: Platão (‘A República’), Rousseau (‘Émile’). De regresso aos U.S.A., ele escreveu, ainda, um livro com muito sucesso: ‘The Closing of the American Mind’ (tradução em português 17


com o título ‘A Cultura Inculta’). A sua postura criticista até parece pretender combater a cultura light de hoje, nas suas mais funestas modalidades populistas e das ‘redes sociais’. Em tom de alarme, necessário e indispensável, escreve Boaventura Sousa Santos (in ‘JL’, 21.10 – 3.11.2020, p.31): “num novo activismo rebelde de artistas plásticos, poetas, grupos do teatro, rappers, sobretudo na periferia das grandes cidades, um conjunto vasto, a que podemos dar o nome de activismo. Esta é a posição que vê na pandemia o sinal de que o modelo civilizacional, que domina o mundo desde o séc. XVI, chegou ao fim e que é necessário iniciar uma transição para outro ou outros modelos civilizacionais”. J. Carlos de Vasconcelos escreve (ibi, p.3), recordando a Enc. ‘Fratelli tutti’: “O mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade. As diferenças de cor, religião, capacidade, local de nascimento, lugar de residência e muitas outras não podem antepor-se nem ser usadas para justificar privilégios de alguns em detrimento dos direitos de todos. Por conseguinte, como comunidade, temos o dever de garantir que cada pessoa viva com dignidade e disponha de adequadas oportunidades para o seu desenvolvimento integral”.

● ‘ ‘Sexto Livro da ‘Árvore do Conhecimento’ ’ ─ escrevemos nós na 1ª p. em branco do novo Livro do famoso neurocientista e filósofo humanista António Damásio, titulado: ‘Sentir & Saber/A Caminho da Consciência’ (Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2020). O Livro do nosso Autor, que havia anteprecedido este, chamava-se, simplesmente, ‘O Livro da Consciência’ (sempre, primacialmente, no horizonte das novas Neurociências, que são a especialidade predilecta do Autor. Em várias das nossas obras anteriores, já procedemos ao balanço crítico deste Livro anterior. Em termos bio-psico-antropológicos, este Livro, agora saído a público, é, incontestavelmente, o melhor e mais esclarecedor, sobre esta problemática, de todos quantos A.D. tenha escrito sobre a matéria. Seja, aqui, dito, de uma vez por todas, que António Damásio, tanto em termos anatómicos como fisiológicos, se configura e situa, neste Livro, em pleno horizonte do nosso C.E.H.C.. Se, nos aspectos mais diáfanos de ordem psico-cultural, o Autor ainda não converge totalmente connosco, ─ nas perspectivas antropológicas e na galáxia da Evolução do Bio-Psico-Sócio-Ânthropos, ele encontra-se plenamente na nossa Companhia, que é, na sua base, a do paradigma da Espécie Humana, a saber: o do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, que exprime e difunde a Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial (contra a tradicional Cultura da Potestas/Dominação d’abord). Um resumo ordenado da nossa Crítica pode formular-se como segue: A) É, sem dúvida, uma obra muito mais amadurecida e explícita e esclarecedora, em confronto com a sua obra anterior sobre ‘O Livro da Consciência’. B) O Dualismo Epistémico do C.E.H.C. (aristotélico), contra o tradicional Dualismo Ontológico (de Platão e Paulo), surge bem patente, ao longo de toda a Obra, ao longo de todo o Processo Evolucionário da Vida que, desde os seres unicelulares e eucariotas, como as bactérias e as amibas, às miríadas de seres multicelulares, vai fa18


zendo o seu Caminho ascendente, através do acompanhamento, na história da Vida, de formas inferiores de Inteligência (vislumbres!...), até às mais desenvolvidas e superiores, capazes de produzirem uma Consciência formalizada, i.e., reflexiva e crítica. C) De acordo com o Sumário, o Livro acha-se bem escandido: cap. I: Ser, onde se antecipa que o Verbo não se encontra nos inícios; cap. II: Representar: a missão de representar começa com as imagens, primeiro, sem mente; depois, na mente, onde são convertidas em ideias. Há já alguma espécie de ‘mente’, nas próprias plantas; cap. III: Sentir, onde se configuram os Sentimentos e os Afectos, e onde se dá conta de que os Sentimentos homeostáticos vão actuar, depois, como precursores do Ambiente cultural, já próprio dos Seres humanos; cap. IV: Saber, onde, a par de uma Inteligência muito mais rica e desenvolvida desabrocha a Consciência, primeiro, natural, e depois cultural. É importante advertir, aqui, que mente e consciência não são sinónimos! (p.191…). O nó-górdio de toda esta problemática é enunciado pelo Autor, como segue: “Como é que o cérebro constrói experiências mentais, que associamos inequívocamente ao nosso ser, a nós próprios?” Eis, aqui, precisamente, a chave do Fenómeno Humano da CONSCIÊNCIA! Na base de uma Estrutura dual, há o universo do nosso mundo interior, onde, através a) da articulação do cérebro e do corpo dotado do Aparelho sensorial, b) e de um Sistema Nervoso central e periférico, e o universo do nosso mundo exterior dos objectos e coisas, ─ tudo acaba por ser reconduzido à âncora ou ao timão da nossa Identidade mental e consciente! D) Não obstante, há, a nosso ver, algumas dimensões estruturais/estruturantes, que parecem ficar no rol das matérias esquecidas. 1) Saúda-se, como dado positivo, o descartamento daquela tradicional aura de ‘mistério’, que era, historicamente, atribuída a noção de Consciência, na galáxia ideológica do Dualismo platónico-paulino (que é de ordem ontológica, como é sobejamente sabido). 2) Mas, em lugar do Hilemorfismo aristotélico, parece recair-se numa sorte de monismo bizarro (quiçá ao gosto de B. Espinosa): a) ao admitir a redução de todas as acções e comportamentos neurofisiológicos aos sentimentos homeostáticos (no quadro de um automático ‘mecanicismo cartesiano’). b) Não discernir, substantivamente, a dualidade epistemológica entre Natureza e Cultura. E) Um último reparo da nossa parte: Depois da efectiva e transacta Evolução natural (bio-psico-antropológica) até chegarmos ao patamar da Cultura (onde começa a existir a História, sabida e consciente, propriamente dita), não se vê emergir a chamada Evolução Cultural, com os protagonistas descendentes do padrão do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. É que a Evolução Cultural (a existir…), não deixa de ser um Factum a ser registado pela própria História: ela deveria ser o vero e autêntico nome da História!... Como nada disto acontece, está aí mais um Adamastor (na Viagem da Espécie humana ao longo do Espaço/Tempo) a reclamar-nos que a Viagem se tem de operar segundo o catecismo do ‘Homo Sapiens tout court’ e da sua Cultura do Poder-Dominação d’abord. 19


Eis por que nos continuam a ser matraqueados os velhos mantras, tais como: “Se ignoras a História, ou não a apreendeste devidamente, estás condenado a repeti-la, toda a tua vida” (Marquês de Santillana). “É preciso mudar alguma coisa, para que todo o processo possa ficar na mesma” (Príncipe de Lampedusa). E o princípio fatídico do ‘eterno retorno’ nietzscheano terá de continuar hasteado como bandeira rota, para cumprir a triste e trágica sorte desta desgraçada Humanidade. Ora, em termos de Evolução Cultural (a vera e autêntica História!), dever-se-ia trazer-se à colação as categorias sócio-históricas de Bem e de Mal, justamente em virtude dos ‘imperativos categóricos’ kantianos, que emanam da Consciência moral, enquanto esta se configura segundo a gramática, que é própria do paradigma do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Na Pedagogia e na Educação, no Ensino (familiar e escolar) em geral, que são próprios dos oriundos do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, as Questões de Ética e Moral não podem ser esquecidas, nem relegadas para segundo plano. Elas fazem parte, como estruturas determinantes, da vera e sábia dinâmica progressista, que é postulada pela própria Evolução Cultural! Ora, a Responsabilidade moral (que decorre do Libertas do ‘Homo Sapiens// //Sapiens’) constitui mesmo uma actuação própria e típica da Cultura, não da Natureza, qua tal. Assim, na plataforma da Evolução Cultural, a Consciência humana apresenta duas categorias/funções (estruturais-estruturantes) que é mister serem cumpridas: a) a cultura religiosa (criticamente actualizada, na linha do C.E.H.C.); b) e uma cultura política global, criticamente orientada rumo ao Futuro, edificado sempre in melius, qualitativa e quantitativamente.

Esboço arquitectónico do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ A) Sujeito (Cérebro articulado com todo o Organismo vivo e sua aparelhagem completa e em bom estado de saúde. Mente entrosada com a Consciência. Nesta ‘casa’, os conhecimentos são facultados mediante os sentimentos do mundo interior, através do Sistema nervoso central e periférico. ‘Yo soy yo e mi circunstância’ (O.y G’). B) Objectos: as percepções dos objectos sobre o ambiente e o mundo exterior começam a sua tramitação, a partir do Sensorium hobbesiano e através do Sistema nervoso periférico. N.B.: Mesmo na galáxia do Hilemorfismo aristotélico, não se deve olvidar que o Diálogo socrático entra em função, desde logo, para a identificação e o balizamento dos conceitos, e mesmo dos sentimentos, ─ o que deverá ser exercido de modo crítico, no espaço do Mundo da Objectividade e do Meio-Ambiente. Enquanto os sentimentos são 20


do mundo interior, as emoções são objectivas e do mundo exterior. Eis por que as ideias (que procedem das imagens e são viabilizadas pelos sentimentos) precisam ser dialogadas, em busca da objectividade, entre sujeitos falantes e conscientes. Porquanto, ‘o que sentimos corresponde ao estado do nosso mundo interior’ (A.D., op. cit., p.108). Há, ainda, o tipo dos sentimentos emotivos, como uma bela paisagem ou a cadeira confortável em que me assento!.... Como surgem os Sentimentos? A resposta de A.D. é a seguinte: “Os sentimentos devem a sua existência ao facto de o sistema nervoso estar em contacto directo com o nosso mundo interior e vice-versa” (ibi, p.109). Entre a exterioridade do mundo, que nos rodeia, e a interocepção, há a própriocepção, que se refere ao sistema músculoesquelético (ibi, p.109), a qual se distingue, ainda, da exterocepção. A experiência do sentimento não carece da mediação das palavras, para a sentir; só precisamos delas, para a comunicar objectivamente aos outros, v.g., uma situação dolorosa, que precisa de cura (ibi, p.110). “Os sentimentos são percepções interactivas. Quando comparados com as percepções visuais ─ o exemplo canónico da percepção ─ os sentimentos não são de todo convencionais. Os sentimentos recolhem as suas mensagens ‘dentro do interior do organismo’ e mesmo ‘dentro dos objectos situados nesse interior’. Não se limitam ao que os rodeia. Os sentimentos representam acções que ocorrem no nosso interior, bem como as suas consequências; os sentimentos permitem-nos vislumbrar as vísceras envolvidas nessas acções. Não admira que os sentimentos exerçam um poder muito especial sobre nós” (ibi, pp.111-112). Neste Livro, A.D. alarga, justificadamente, o universo antropológico das emoções (em livros anteriores, o Autor configurava as emoções no universo exterior) ao nosso mundo interior, pela via dos afectos. Escreve ele (ibi, pp.114-115): “Seja qual for o conteúdo exacto da sua mente ─ as paisagens, os sons, as ideias ─ ele é necessáriamente experienciado na companhia dos afectos […]. O universo mental composto por objectos, acções e pelas suas abstracções, todos estes diferentes fenómenos e processos podem gerar reacções afectivas enquanto se desenrolam. Devemos pensar no afecto como o universo das nossas ideias traduzidas em sentimentos. Podemos também conceber os sentimentos em termos musicais. Os sentimentos constróiem uma partitura musical, que acompanha os pensamentos e as acções”. Desta sorte, estamos muito mais próximos do Hilemorfismo aristotélico, da Dualidade epistemológica (cruzada), bem como da metodologia do Diálogo socrático, para engendrar as veras ideias/conceitos; e, implicadamente, edificar todo um Mundo Humano, harmonioso e pacífico. A ‘Paz perpétua’ kantiana tem, deveras, o seu fundamento no autêntico Bio-Psico-Sócio-Ânthropos. Como é que a Consciência entra, formalmente, no Palco dos nossos Pensa-mentos e Acções?! (Estamos a falar deste fenómeno, nas suas duas dimensões/funções, distintas (em princípio): a) a psicológica; b) e a moral. Escreve (ibi, p.118) o nosso A: “Ora, a entrada em cena da consciência acontece pela mão dos sentimentos. Todos os sentimentos são conscientes por definição, e enquanto os sentimentos desagradáveis assinalam o impedimento da vida, os agradáveis anunciam o seu florescimento”. 21


Com uma solenidade q.b., A.D. proclama (ibi, p.119): “O contrato da homeostasia com a eficiência e com o bem-estar foi assinado nos céus, lavrado na língua dos sentimentos e popularizado pela selecção natural. Os sistemas nervosos presidiram aos trabalhos”. ─ Podemos, aqui, assinalar, perfeitamente, sciente/insciente, a presença fundadora do ‘Homo Sapiens//Sapiens’! Neste horizonte, os Humanos ‘viatores’ não podem deixar de viver (no seu estatuto de Existência autêntica o único Projecto digno deles: o Projecto dinâmico do Futuro!... Eis por que as três Virtudes jesuânicas: Fé/Esperança/Caridade, constituem as veras colunas de Hércules em toda um Mundo harmonioso, onde o Progresso das Sociedades humanas é verdadeiramente real e não ilusório! Na raiz, o Diálogo socrático (cumprindo os desígnios da Fé) na construção do Conhecimento e da Ciência; o Projecto de Futuro sempre melhor, sustentado e alimentado pela Esperança; e o Ambiente de Paz, na boa Harmonia societária, alimentado pelo Amor autêntico. Este é o ideário da chamada ‘Paz perpétua’ kantiana. Um tal Projecto, que tem de começar e ser expandido, nos Programas do Si-tema Educativo e nas Escolas, é mister que seja enquadrado e orientado em dois patamares distintos: A) Face às religiões institucionalizadas, é preciso avançar com esclarecimentos críticos em ordem à sua demolição, mediante a sua substituição por ‘Trabalho Social’, em regime de voluntariado. Nos debates doutrinais sobre a Teologia e as crenças, é preciso ter sempre presente, a obra inigualável de I. Kant, em especial, ‘A Religião dentro dos limites da Razão natural’. B) O Criticismo kantiano deverá constituir a atmosfera geral de todas as Disciplinas ensinadas nos curricula. Contudo, uma aula semanal de Boa Educação Cívica, em espírito crítico, e incluindo a discussão personalizada das questões da religião (como nós já fazíamos, nos anos ’50-’60 do séc. XX…), não será nada de mais, para operar a mudança substancial de Eixo cultural, nas décadas que se avizinham!... Prosseguindo a glosar alguns passos do Mestre. Ao perscrutar as raízes neurofisiológicas da consciência (cf. pp.243-246), damos-nos conta, desde logo, dos córtices sensoriais posteriores, e dos córtices da ínsula que se encontram na profundidade de cada hemisfério cerebral. É nesta óptica, que se pode advertir no seguinte: “O principal mecanismo para a atribuição da posse das imagens é a presença de sentimentos homeostáticos, mas esta presença não depende dos córtices posteriores. Tal como vimos, os sentimentos são processos híbridos, cujas imagens representam interacções entre o sistema nervoso interoceptivo e as vísceras do nosso interior” (ibi, p.244). O Autor fala de um equívoco envolvido nos sentimentos como avatares evolutivos da Inteligência desenvolvida. Eis: “O universo dos afectos ─ as experiências de sentimentos resultantes das pulsões, das motivações, dos ajustes homeostáticos e das emoções ─ foram uma manifestação histórica anterior de inteligência, extremamente adaptativa e eficiente, crucial para o aparecimento e para o desenvolvimento da criatividade. O universo dos afectos colocou-se do ponto de vista evolutivo vários níveis acima das competências ocultas e cegas das bactérias, por exemplo, mas ainda bem distintas da inteligência humana plena. Com efeito, o universo dos afectos constitui o 22


alicerce para essa inteligência mais elevada, que as mentes conscientes vieram gradualmente a desenvolver, a expandir e a impor” (ibi, p.253). Na verdade, quanto a nós, esse ‘equívoco’ evolutivo não passa de um falso problema, se pensarmos na gradualidade dos diferentes passos evolucionários, na Grande Árvore da Evolução. A capacidade de o processo Evolutivo ter chegado à dita ‘I.A.’ robótica não deverá surpreender-nos tanto, de modo a pôr entre parênteses as diferenças abissais entre a IA e a IN!... De resto, é o próprio A.D. que, logo a seguir (p.254) se apronta a clarificar a sua (e nossa) tese: “É tempo de reconhecer estes factos e de abrir um novo caminho, na história da IA e da robótica. Torna-se óbvio que podemos criar máquinas, que funcionem de acordo com os ‘sentimentos homeostáticos’. Para isso, temos de dar aos robôs um ‘corpo’, que precise de regulações e de ajustes, de modo a poder persistir”!... Com os saberes surpreendentes e admiráveis, que a Humanidade e as Sociedades Humanas incorporaram, na sua História Evolutiva, já é tempo de distinguir e não confundir os dois horizontes: Natureza//Cultura; simultaneamente, é já maduro o Tempo ─ dois séculos volvidos ─ para assumir a Cultura como prosseguimento da Natureza evolutiva, num novo e diferente patamar, com a sua Gramática própria. A.D. aproxima-se desta nossa visão simbiótica de Natureza e Cultura, ao escrever o seguinte: “Não podemos deixar de admirar os feitos únicos da mente consciente humana e toda a novidade espantosa por ela criada, que se sobrepõe às soluções já desenvolvidas pela natureza. Mas é preciso encontrar um equilíbrio para a narrativa de como os seres humanos chegaram ao presente e reconhecer que os artifícios fundamentais, de que nos servimos, consistem em transformações e melhorias dos artifícios que antes haviam sido usados por outras formas de vida, durante uma longa história de êxitos individuais e sociais. Devemos respeitar a inteligência, fenomenal e ainda incompreendida da natureza” (ibi, pp.267-268). Esperamos, em nome da distinção substantiva entre Natureza e Cultura, que o nosso estimado Autor não ignore os três princípios de Isaac Azimov, no concernente ao confronto entre Robôs e Humanos!... A gramática, aí esboçada e anunciada, faz parte da problemática e das orientações da Evolução cósmica; e não rebaixa, antes pelo contrário, o padrão humano do Psico-Sócio-Ânthropos, próprio e específico do ‘Homo Sapiens//Sapiens’.

* ● Imaginação//Memória: Escrita Literária. N.B.: A gramática (evolutiva) desta galáxia é complexa, se e enquanto os Humanos, em vez de se situarem na sua ‘Oficina’ (psico-sócio-antropológica) de rosto e cérebro e mente orientados para a frente, para o Futuro, teimarem em utilizar a sua ‘Aparelhagem’ sensória e mental, orientada para o Passado; ─ assim, descartaram a História e a sua própria Experiência; e, como resultado: não aprenderam nada com elas; permaneceram submetidos à Cultura do ‘Homo Sapiens tout court’, servos e escravos dos Poderes Estabelecidos!... Por esta via, a gramática é complexa… Se, de facto, se comportarem de 23


costas para o Futuro, aí, a sua gramática é complexa: não lhes resta outra má-sorte senão o truão do ‘eterno retorno’, e, no fim, o Apocalipse da Humanidade e do Planeta Terra… Ora, na ‘Oficina’, onde se pratica a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, dotado de uma vera e autêntica Liberdade Responsável, todas as dinâmicas do Sistema Nervoso e da Mente//Cérebro são orientadas, por definição, para o Presente e para o Futuro e, cumulativamente, na linha horizontal para a Terra como ‘Casa Comum’ e para todas as Sociedades Humanas, que nela habitam! Decisivo é sustentar e alimentar a linha vertical/ascendente, porquanto, só por essa via se pratica a Evolução real no universo da Cultura, e ao assumir a Responsabilidade das nossas acções e comportamentos, impomos, eticamente, a mudança de eixo da Potestas d’abord para o eixo da Democracia participativa, na organização dos Grupos sociais e das Sociedades huma-nas nacionais! A imaginação e a Memória são duas faculdades mentais reciprocamente complementares. Elas entre-ajudam-se mutuamente, e ambas precisam de ser pedagógica e psicologicamente bem formadas e educadas. A Imaginação é a fonte da ‘engenharia’ cultural/mental; a Memória é uma espécie de ‘armazém’, onde o Indivíduo-Pessoa/Cidadão arruma e enceleira as suas descobertas e achados, no processo de Ensino/Aprendizagem, ao longo de toda a sua Experiência da vida. ‘Le style c’est l’homme’ ─ recitava o escritor francês Boileau. Quer isto dizer que a boa formação e educação, tanto da Imaginação como da Memória, são decisivas, para formarem harmoniosamente os Humanos, na plenitude da sua existência comportamental em Sociedades democráticas (a Democracia, séria e honesta, constitui o único Regime político digno dos Humanos, qua tais, e em vias de Evolução cultural. No universo literário, e no seu processo de Aprendizagem, os Humanos responsáveis sabem que terão de lidar com três leques de questões principais (além das respectivas gramáticas das línguas, em que se preparam para escrever): a) as questões que tangem as técnicas literárias; b) as questões da poética aristotélica (o fenómeno completo da ‘póiesis’); c) e as diferentes modalidades das performances estilísticas. Em tudo, porém, se requer honestidade e procura sincera da verdade e da justiça, sobremaneira nos tempos que correm, quando a verdade se tornou tão frágil, por causa, quer da propaganda, quer das ‘redes sociais’ quer das cascatas das ‘fake news’. (Cf. o art. de Viriato Soromenho Marques, in ‘JL’, 2-15.Dez. de 2020, p.29). Tirando partido do livro célebre de Edward L. Bernays, editado nos USA, em 1928, sob o título ‘A Propaganda’, que V.S.M. considera ‘um livro fundamental para perceber como funciona a formação da opinião pública, na sociedade de massas’, o nosso Autor escreveu, com a necessária acribia crítica: “A Propaganda ‘clássica’ não deixa de ser uma forma de manipulação. Uma estratégia para influenciar e dirigir as mentes e os actos. Contudo, ao contrário das Redes, a Propaganda, (pelo menos, em sociedades democráticas, não estou a pensar no inferno concentracionário do nazismo ou do estalinismo), ainda tem algumas janelas para o mundo, para a realidade objectiva. É isso que vemos hoje, quando, apesar de todas as travagens e maquilhagens efectuadas pelos interesses instalados, os grandes problemas do ambiente e do clima já fazem parte da agenda noticiosa de primeira linha. “Em contrapartida, o negacionismo alucinado da verdade factual, prospera nas Redes, e entra no mundo da grande política através de criaturas como Trump ou Bolso24


naro. O seu desaparecimento da cena política não significa, contudo, que a lógica de loucura colectiva e de guerra civil, transportada pelo horror das Redes à verdade objectiva, não continue a ser um obstáculo maior no caminho da cooperação global. O mesmo é dizer, na possibilidade da sobrevivência de uma humanidade civilizada”. Mas o período actual, dito ‘pós-moderno’ e ‘pós-verdade’ e de cariz neoliberalóide, tem forçado, até à exaustão, a mentalidade reinante, que, apesar da pandemia do Covid-19 (que, em vez de humanizar, tem antes, agravado a desumanização), até as relações entre a Imaginação e a Memória têm vindo a ser degradadas, no plano da Literatura. Não é, pois, sem razão, que o escritor António Mega Ferreira adverte, justamente, para a boa hermenêutica que o género literário Romance deve conservar (e está, infelizmente, a perder…). Escreve ele, com todo o acerto: “A ‘novidade’ do romance deixou de residir na originalidade do enredo, para passar a evidenciar-se na sua capacidade para interrogar o mundo, para levantar questões, para fazer pensar” (in art. ‘Em defesa do Romance’, ‘JL’ cit., p.32). Contudo, já não é só o abastardamento dos géneros literários, como o Romance, que está em causa; é, acima de tudo, o problema da busca honesta e sincera da verdade integral, entre os Indivíduos/Cidadãos, entre o Mestre e seus discípulos!... Essa Verdade integral não é só intelectual/notável, é também vital A célebre pianista lusa Maria João Pires, numa entrevista notável, dada a Luciana Leiderfarb, ensina-nos muito… que a geringonça mecanicística do funcionamento do Sistema Educativo, na Lusolândia, já perdeu há décadas!... (Cf. ‘Exp./Rev.’, 4.12.2020, pp.50-54). “P.: Distingue ensino de transmissão, e diz que pratica a segunda. Pode explicar? R. → ‘O ensino pode fazer-se de uma forma completamente técnica. Se estou em poder de uma série de conhecimentos, que posso comunicar de uma forma técnica e organizada, e que por sua vez pode ser escrita e ficar nos livros, isso é ensino. O ensino pode comportar ou não a transmissão ─ há bons e maus professores. A transmissão inclui tudo o que é criativo, o que está a acontecer no momento. No fundo, é o modo como estou a processar aquilo que me foi ensinado para o transmitir a outras pessoas. Ao fazê-lo, crio coisas novas, faço uma nova experiência. É muito difícil explicar a diferença, mas, nas artes, a transmissão é essencial. O ensino não. Podemos sempre escrever um livro extraordinário sobre análise musical e pô-lo à venda nas livrarias, e quem o ler aprenderá alguma coisa. Mas a experiência viva e individual não se compara com isto. Um médico não vai aprender medicina só nos livros, tem de experimentar ao vivo’ (p.53). “P.: É transformar o conhecimento técnico numa voz própria? R. → ‘E acrescentá-lo. Ao transformar-se numa voz, passa a ser um conhecimento experimentado. Vemos isso constantemente na cozinha. Mesmo que tenhamos um livro maravilhoso, quando se experimenta uma receita, há sempre qualquer coisa, por mínimo que seja, que nós acrescentamos, que modificamos. O que se passa se puser menos açúcar, ou mais sal? E se eu puser esta erva, qual o sabor que fica? Essa experiência, ao comunicá-la, é transmissão’. “P.: O ensino da música está muito formatado? R. → ‘Sim, extremamente. Para ser sincera, não sei se ainda existe ensino da música. Existem teorias que se seguem. Mas aquilo que no meu tempo se chamava o ensino da música, hoje foi transformado no ensino 25


de como fazer uma carreira e como ganhar concursos. Transformou-se num objectivo comercial e competitivo ─ não há um sem o outro. Aquelas que estão dentro dessa tempestade do novo ensino, e que são músicos, são automaticamente destruídos. Ficam sem possibilidades, sem armas, desarmados’ (pp.53-54). “P.: E podem juntar-se arte e entretenimento? R.: ‘Não digo que alguém que entretenha um público não tenha dignidade. Mas separar isso da arte é muito importante. Não podemos sempre misturar tudo. Misturar tudo tira-nos a credibilidade como humanos. Estamos a entrar numa era em que deixamos de ser credíveis. Fazemos o contrário do que gostaríamos de ter. Vivemos numa dualidade ridícula, [esquizofrenia], tão ridícula que até os chefes de Estado deste mundo dizem coisas sem o mínimo de inteligência ou de capacidade de discernimento’.” (p.54). Onde se cumpre, aí, o celebérrimo adágio popular luso (que até foi bem parafraseado por Camões, no seu Poema épico)?!... Onde se pratica o vero casamento identitário espiritual entre o Sujeito (aprendente) e o seu processus de aprendizagem gozosa?!... Onde se mostra e evidencia ‘o saber de Experiência feito’?!

4 Criticismo Literário: Dois modelos distintos:

A) Paulo Salgado: ‘Milando’; Edit. Lema d’Origem; Carviçais, 2018. (Modelo ensaístico) B) Mia Couto: ‘O Mapeador de Ausências’; Ed. Caminho; Alfragide, 2020. (Modelo romanesco).

Intróito N.B.: É sabido que a Faculdade mental da Imaginação e a Faculdade/Armazém da Memória, sendo embora funções/operações distintas, o Psico-Sócio-Ânthropos da tra-dicional Cultura da Potestas/Dominação d’abord tem-nas separado, a tal ponto que sempre acabam por estabelecer um muro deferenciador entre a escrita própria do género literário Ensaio (mais referenciado à Memória e à Cultura substantiva) e a outra escrita que é convencional no género literário do Romance (mais referenciado à Imaginação, ou seja, um mundo inventado para entretenimento). O que é mais difícil a fazer na vida são as distinções certas, que vêm a corresponder à realidade!... Contrario senso, o que resulta mais fácil, são as sempiternas confusões!...

E, no confronto entre os dois casos (A) e B)), a que se faz referência no título, as possíveis confusões ainda se avolumam, porque em B), Mia Couto, nos inícios dos capítulos, até se reporta a anteriores documentos ou textos de depoimento em determinadas situações. No atinente a A), não há razões para duvidar do seu carácter de Ensaio: 1º, devido ao estilo da escrita objectivo-objectual do Autor; 2º, porque, a pp.196197, apresenta ─ como bom jurista ─ um rol alargado de diplomas jurídicos concernentes 26


às Colónias (ou Províncias Ultramarinas, segundo o novo jargão marcelista…); 3º, porque, nas pp.198-199, conjuntou um elenco de 24 Obras Consultadas.

─A─ N.B.: Uma nótula breve sobre o Colonialismo, desencadeado pelos Estados/Nações Ocidentais.

O papa Paulo VI (1897-1978), que veio de Milão (zona operária!...) e que sucedeu a João XXIII, em 1963 (a meio do Concílio Vaticano II) recebeu, no Vaticano, no termo desse Concílio, uma Turma do P.A.I.G.C., comandada pelo seu Chefe ilustre Amilcar Cabral. O Papa disse-lhes, em suma, que estava com eles e aprovava a sua Luta! Em vez de outorgar a Autonomia e a Independência às Colónias, o Governo de Salazar desencadeou uma Guerra trágica, sem sentido nem proveito!... Os marinheiros lusos foram os pioneiros na Saga dos Descobrimentos transoceânicos e subsequentes presúrias e colonizações, nos sécs. XV e XVI. Seguiram-se 4 séculos de colonialismo desenfreado. Tudo se iniciou sob as duas bandeiras: expansão geográfica e difusão do espírito missionário cristão/católico. Houve historiadores que ao sublinharem o esprito missionário católico, até engendraram, cinicamente, o argumento da Contra-Reforma protestante, que estava esvaziando o alforge do catolicismo!... 1º: Foram os portugueses (África e Índia); 2º: os espanhóis (América central e do sul); 3º: G.B.: everywhere; 4º: França; 5º: Países Baixos; 6º: Bélgica; ─ no séc. XVIII, a G.B. é a principal potência colonialista; 7º: Alemanha; 8º: U.R.S.S.. Entretanto, duas Guerras Mundiais (1914-1918), (1939-1945) impuseram a mudança atmosférico-cultural sobre toda a sorte de colonialismos. Depois da Índia de Gandhi (em 1949), veio a Argélia, que estava, ainda, sob a pata da Metrópole Francesa. Em 1954, uma vez formados o Movimento Nacional Argelino e a Frente de Libertação Nacional, foi dado o início à luta pela independência da Argélia. Por parte da França, metrópole colonizadora, foi criada a OAS (Organisation de l’Armée Secrète), um grupo terrorista destinado a dar combate à FNL e ao MNA. Em 1958, deu-se o levantamento do Grupo do G. De Gaule, que logo se mostrou a favor da Independência da Argélia, anunciada para Novembro de 1960. Em Fevereiro de 1962, nos chamados Acordos de Évian, ficou estabelecido que os franceses, que habitam na Argélia, regressariam à Metrópole; e, ao mesmo tempo, foi proclamada a Independência nacional da Argélia, com o Presidente socialista Ben Bella à frente de todo o processus. Por que é que o ‘Estado Novo’ de Salazar e Marcelo Caetano não aprendeu a Lição, ensinada pela História?!... Foi de 1961 atè à Rev. do 25 de Abril de 1974: ‘P’ra Angola… e em Força’!... ● ‘MILANDO ou Andanças por África’ de Paulo Cordeiro Salgado. Livro notável e cheio de características positivas e a funcionar no novo eixo da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial! O Autor teve a amabilidade de ‘traduzir’ algumas expressões idiomáticas (cf. ibi, pp.191-195), tais como esta que irrompe logo no título da Obra: “Milando: sarilho, confusão, com preocupações sociais” 27


(ibi, p.193). Trata-se de palavra usada no léxico banto, comum a várias regiões dentro e fora de Moçambique. Quando pegamos num Livro pela 1ª vez, o instinto da curiosidade chama-nos logo para o que é dito na ‘embalagem’. Seja, então, meu caríssimo AMIGO, e mãos à obra: “Paulo Cordeiro Salgado nasceu em Torre de Moncorvo em 1946 [tinha eu 10 anos]. Foi oficial miliciano na guerra colonial, na Guiné em 1970. É licenciado em Direito e Mestre em Gestão e Administração Hospitalar. Trabalhou em diversos hospitais portugueses. Foi cooperante na Guiné-Bissau durante cerca de 7 anos e em Angola durante cerca de 6 anos na área da saúde. É autor de diversos textos das áreas da sua actividade, publicados em livros, revistas e jornais, bem como de textos ficcionais. Escreveu o livro ‘Guiné ─ Crónicas de Guerra e Amor’. ─ Os livros dele, como, aliás, os de Mia Couto, estão num outro ‘Cânone’ (elaborado a posteriori, e não por pontífices de turno) e que, por isso, não chega, por ora, a existir!... Na badana esquerda da embalagem, pode ler-se o processus de como a obra viu a luz do dia: “A presente obra é o resultado de diversos contactos nas suas andanças por África. E também um regresso às origens [princípio de Identidade + espírito universalista]. “Diversas andanças se cruzam neste livro: o jovem professor de Trás-os-Montes, a quem um forte apelo o chama para um mundo diferente, e que quer ser professor nu-ma aldeia perto de Gorongosa, em Moçambique, nos meados da década de sessenta, e ali priva com as gentes locais; o médico português, miliciano no norte de Angola, em tempo de guerra colonial, onde estreita relações com um grande fazendeiro, que lhe narra a sua presença na Primeira Grande Guerra (14-18) e que pretende que a sua neta seja herdeira da fazenda que foi construindo; o guerrilheiro do PAIGC, que se tornou médico na exURSS, cruzando-se com cooperantes portugueses no País agora independente, contando mil peripécias da sua vida; o pedreiro de uma aldeia de Trás-os-Montes, o resistente de uma vida muito sofrida, grande contador de histórias, que combateu no norte de Moçambique na Primeira Grande Guerra (14-18). “Todas estas personagens têm como pano de fundo o desassossego e a ânsia de viver”. Na contracapa (que é extraída do Prefácio (p.17) de Rogério Rodrigues, pode lerse: “O humanismo vence o materialismo [ como já nos ensinaram Aristóteles e Sócrates], no espaço do fascínio do Autor, África (Moçambique, Angola, Guiné-Bissau).” O resto do texto da contracapa pode ler-se, por inteiro no Prefácio de R.R. (p.17): “O que neste livro tresanda ─ e tem muito a ver com o percurso do seu Autor ─ é o humanismo, em que o Homem se reconhece no Outro, reconhecimento que ajuda ao conhe-cimento de si mesmo. A Primeira Grande Guerra, de que se recordam este ano, 2018, os 100 anos, é contada por dois sobreviventes, como coro de tragédia grega, que sustenta a memória dos mortos e nos conduz à memória recente de outras guerras, em que a geração de Paulo Salgado esteve envolvido”. Há, na mundividência da escrita esmerada e verista desta Obra do nosso caríssimo AMIGO Paulo Salgado, duas características notáveis, que é mister assinalar: A) A noção (bem assimilada) expressa do vero e autêntico Paradigma da Espécie Humana: o ‘Homo Sapiens//Sapiens’, que começou a habitar o Planeta Terra há ca. de 60.000 anos, 28


uma vez extinto o seu avatar evolutivo, o chamado ‘Homem de Neanderthal’, que deu origem ao caminho transviado do ‘Homo Sapiens tout court’, em cujas Sociedades nós ainda vivemos. O ‘Homo Sapiens tout court’ mistura a paz e a guerra; e esta, por isso, não passa de uma ‘paz de armistício’!... No esclarecimento sobre as Expressões Utilizadas na Presente Obra, (pp.191 e ss.), o Autor sobre o assunto em causa escreveu, positivamente, o seguinte (p.192): “Homo sapiens sapiens ─ é o ‘homem que sabe o que sabe’. A taxinomia identifica o homo sapiens sapiens como a espécie mais evoluída do homo sapiens. No estado actual da espécie humana, homo sapiens é um conceito redutor, do ponto de vista antropológico”. Assim falou o nosso Caro Amigo Paulo Salgado, que, por tais argumentos e razões, nós enquadramos, de pleno direito, no grémio do ‘Centro de Estudos do Humanismo Crítico’ (C.E.H.C.). Isto mesmo ─ esta nova galáxia da reconhecida Evolução da Espécie Humana ─ é tão importante e decisivo, que, perante o ‘Apocalipse’ geoquímico e geo-societário, que se aproxima sobre o Planeta Terra, a nossa ‘Casa Comum’, se houver salvação para a Vida na Terra, é só por essa Via larga que se pode agarrar e prolongar!... Isto mesmo foi explicado no nosso último livro: ‘MUDAR AS CULTURAS E O MUNDO’/Livro 2. (Edicon, São Paulo, 2020). B) A tópica, aqui, é a das situações típicas, em que tropas adversárias/inimigas têm a ‘sorte’ de se encontrarem no mesmo espaço comum, onde, por definição, a amizade entre Amigos ou Irmãos sobressai e salta para 1º plano. O próprio Prefaciador se deu conta disso (p.18), ao escrever, um pouco incrédulo: “Não deixa, por isso, de ser uma ficção de intervenção social, algo subversiva, quando aceita que a amizade entre opostos, seja superior à ideologia de cada um. Para o autor, a amizade é o espaço único e intransmissível, libertador, intenso na acção e na solidariedade”. Como se diz na Física: ‘os extremos tocam-se’!... (Cf. et. p.187; p.189). É o ideário da ‘Paz Perpétua’ de Immanuel Kant! (Cf. et. pp.147-148; p.150; pp.162-163; (p.187; p.189). Advertindo bem nos processos, todas essas posições podem ser bem caucionadas na famosa Doutrina aristotélica do Mesótès (= meio-termo). Na verdade, como tudo evolui, tudo vem a depender da contradição flagrante, entre a stase societária (que está pôdre e marcada por doença mortal, dum lado, e do outro, a Esperança/Projecto/Movimento jovem, com uma dinâmica capaz de gerar um Futuro antecipado e independente, perante as submissões mortíferas e as escravizações colonialistas!... Só 3 nacos de texto, (independentes das personagens), para verificarmos como as personagens são capazes de falar: • “─ Sr. Professor, não estamos habituados a tratar os pretos dessa maneira, por ‘senhor’. ─ grande fanfarrão; isso não é maneira de lidar com as pessoas; ah, meu pai, como tinhas razão… aqui, há homens que não se comportam devidamente, que se julgam superiores… mas é preciso ver com atenção, é preciso presenciar as relações entre portugueses brancos e portugueses negros…!” (ibi, p.40).

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• “─ Para mim, são as acções carregadas de valores e de princípios universais que podem vingar, em qualquer parte do mundo, seja qual for o deus que ilumina os homens, filosofou” (ibi, p.41). • “ ─ Todos os povos têm os seus heróis, a sua elite, santos, mártires, soldados, políticos; mas há um aspecto que deve ser evidenciado ─ o povo é quem constrói, é que trabalha a terra e quem produz nas fábricas. Certamente que os caminhos-de-ferro desta província existem porque os homens anónimos muito sofreram, sendo eles próprios mártires e heróis” (ibi, p.46).

─B─ N.B.: Que nos diz e recomenda o mantra tradicional? Que a História real é a História feita pelos vencedores de guerras e batalhas. ‘Vae victis!...’ Ai dos vencidos!... Já recitava o refrão latino bem conhecido. A História real é comandada e registada pelos Dominadores societários e seus lacaios, ─ como já chegara a esta conclusão o célebre investigador alemão, em Sociologia, Max Weber, no seu Livro póstumo ‘La Domi-nation’. A razão derradeira por que os acontecimentos e as situações obedecem, inexoravelmente, a esta ‘lex’ draconeana é simples: o que vige e impera (ainda hoje!...) é a sempiterna Cultura da Potestas/Dominação d’abord, baseada no Padrão da Espécie humana que dá pelo nome de ‘Homo Sapiens tout court’.

O escritor moçambicano é, habitualmente, um Escritor que trabalha no fio da navalha: Mia Couto, neste seu livro (a que chamou ‘romance’, inadvertidamente), ‘O Mapeador de Ausências’, situa-se, porventura, sem o saber declaradamente, no nosso universo da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, que segue a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, ─ a vera e autêntica alternativa à cartilha tradicional do ‘Homo Sapiens tout court’!... Com efeito, Recuperar as Ausências é um modo metafórico de reescrever a vera História, segundo a nova Gramática responsavelmente libertadora! Episódios, movimentos, situações desencastradas, ─ tudo tem a ver, ainda, com a Guerra ultramarina e o projecto dinâmico da independência e autonomia de Moçambique, como um novo Estado/Nação. Na badana esquerda da capa, o A. procede a uma tessitura resumida do seu livro, que fala como segue: “Diogo Santiago é um prestigiado e respeitado intelectual moçambicano. Professor universitário em Maputo, poeta, desloca-se pela primeira vez em muitos anos à sua terra natal, a cidade da Beira, nas vésperas do ciclone que a arrasou em 2019, para receber uma homenagem, que os seus concidadãos lhe querem prestar. “Mas o regresso à Beira é também, e talvez para ele seja sobretudo, o regresso a um passado longínquo, à sua infância e juventude, quando, ainda Moçambique era uma colónia portuguesa. Menino branco é filho de um pai jornalista e sobretudo poeta, e de uma mãe toda sentido prático e completamente terra-a-terra. Do pai recorda o que viveu com ele: duas viagens ao local de terríveis massacres cometidos pela tropa colonial, a sua perseguição e prisão pela PIDE, mas, sobretudo, e em tudo isto, o seu amor pela poesia. Mas recorda também, entre os vivos, o criado Benedito (agora dirigente da FRELIMO) e o seu irmão Jerónimo Fungai, morto a tiro nos braços da sua amada, a bela e infeliz Mariana Sarmento, o farmacêutico Natalino Fernandes, o inspector da PIDE Óscar Campos, a tenaz e poderosa Maniara, e muitos outros; e de entre os mortos sobressaem o régulo Capitine, que vê uma mulher a voar, o soldado Sandro, que nasceu antes do seu 30


século, e, acima de todos, Ermelinda, também conhecida por Almalinda, por quem tem dificuldades com os erres e com os eles. “Paralelamente, na actualidade, uma história de amor, que talvez não tenha chegado a sê-lo. Depende do ponto de vista”. Tudo se passa no período pré- e pós-independência. Daí, os encontros e desencontros, ─ esperados uns, inesperados outros. O grande Problema é, naturalmente: Quem é quem nesse período partido a meio, no tempo antes e no tempo após a independência. A questão central, que ao A. se põe, é precisamente a reconfiguração e o Reconhecimento das Identidades dos indivíduos ‘esquecidos’!... É oportuníssimo o esclarecimento levado a cabo pelo próprio A., na sua Nota de Autor. Ei-la (p.9): “Esta é a história de um jornalista e poeta português, um homem ingénuo, a quem entregam provas de um massacre cometido pelas tropas portuguesas em Moçambique, no ano de 1973. Esse homem bom e ingénuo era o meu pai. Nessa altura, a guerra de libertação nacional tinha chegado às portas da nossa cidade, a Beira. A loucura foi a resposta em alguns dos bairros brancos. Aprendi, então, que a doença é, por vezes, o único remédio. Para alguns, era preciso esquecer o que se passava, para que houvesse futuro”!... O fenómeno da guerra, onde, pelos grupos, são tersadas armas de um lado e do outro, sempre de modo unicórneo, constituem-se, inevitavelmente, sob uma moral colectivista, pelos dois lados da refrega… Por isso, ela despersonaliza e assassina, de um só golpe, as consciências individuais-pessoais. Eis por que ela é o pior dos males, como já nos dizia o nosso Pe António Vieira!... E quando ela, a partir do arsenal bélico à disposição, se pretende configurar como instrumento de pacificação, ─ ela mesma nunca passará de uma ‘paz de armistício’!... Agora, só mais 4 pequenos excerptos da escrita real desta Obra. 1. ─ “─ Se você é um escritor deve saber que aquilo não foi um tempo, foi uma vida, uma outra vida ─ afirma o velho Natalino (médico)” (p.190). 2. ─ No cap. 12 (titulado, com acribia, ‘Se os mortos não morrem quem é o dono do passado?' Com referência a ‘Os papéis da pide-61’) (p.213). Logo no início, há um dueto em exergo de Jorge Luís Borges, que diz o seguinte: ‘O que é o céu senão um suborno?/O que é o Inferno senão uma ameaça?’ ─ Cinismo ou a Verdade nua e crúa?!... Esse distinguo lexemático de Borges só poderá surpreender os crentes infantilizados ou fanáticos… Ele constitui a fonte crítica da outra fonte bíblica que postula: a) a Cultura do Poder/Dominação d’abord; b) a admissão legítima da guerra, supostamente para carrear a paz; c) o juízo/julgamento extrínseco dos Indivíduos Humanos, para sancionar as suas acções e conduta. Trata-se, aqui, como é óbvio, de uma Ética/Moral externalista e extrinsecista, que reduz os humanos, inexoravelmente, à condição de servos e escravos… Exactamente, o contrário da Ética/Moral de I. Kant! 3. ─ Na p. 345, onde se recupera o PAPEL 32: O inspector Óscar Campos escreve ao prisioneiro Adriano Santiago: 26 de Abril de 1973. “Caro poeta: Deve ter reparado que os meus superiores enviaram de Lourenço Marques um quadro superior para me acompanhar nos interrogatórios. Sabe o que quer 31


dizer esta nova presença? Quer dizer que me vão retirar deste caso. A razão é simples: Almalinda é minha filha. Só agora, depois de ela morrer, é que soube que ela servia como agente da PIDE. Não sabia disso, não sabia que ela estava em Moçambique, não sabia que ela fazia de conta que era prostituta. “Mas é assim que procedemos com agentes nossas infiltradas nos antros da má via. E não somos originais nessa artimanha: no calor dos prostíbulos as mulheres ganham a confiança dos nossos inimigos. Mesmo os mais calados acabam por falar. Quanto menos roupa, mais os homens dão com a língua nos dentes. As mulheres sabem disso. E nós também. Aplicamos esse princípio aqui nas nossas rotinas. É por isso que despimos os suspeitos antes de os torturarmos. Está provado: a roupa atrapalha a sinceridade”. 4. ─ O poeta Adriano Santiago [que também estava na prisão] precisava de ficar doente… (pp.372-373): “Um escritor, defendia Adriano Santiago, precisa de uma doença, de preferência uma que não seja possível diagnosticar. Segundo ele, havia dois inimigos da inspiração poética: o primeiro era ser saudável num mundo tão doente; o segundo era ser feliz num mundo tão injusto”. Todas estas e outras milhentas contradições são típicas e próprias deste mundo humano/desumano em que sobrevivemos, ─ um mundo modelado e pautado pela sempiterna Cultura do Poder/Dominação d’abord, cujo paradigma (errado…) prossegue sendo o que, hoje, todos os eruditos repetem: ‘Homo Sapiens’. Ora, é mesmo esta noção/definição que está histórica e evolucionariamente errada; a noção/definição que corresponde àquela Cultura é a do ‘Homo Sapiens tout court’ que, na mesma embalagem, faz o ‘imbroglio’ dos dois universos opostos: o do Poder (ditatorial) e o da Liberdade (dita do cidadão), mas é tão só o ‘livre arbítrio’/ lei do pêndulo, ─ a lei dos servos e escravos!... *

• Uma rapariga, sueca, de 16 anos, tomou a iniciativa do dar a volta ao Mundo, promovendo e protagonizando esse Movimento contra as Alterações Climáticas e Ecológicas, em suma, para recuperar uma Terra salubre e habitável, para todas as espécies de Vida (botânica e zoológica). Greta já doou meio milhão, do valor dos prémios recebidos pela sua Coragem. (Gulbenkian, incluída). (Cf. notícias in ‘Exp.’, 1º Cad., 11.12.2020, p.25). “As mudanças só acontecem se continuarmos a pressionar, se continuamos a ser muito, muito chatos e a repetir as coisas vezes e vezes sem conta”. ─ A frase foi escrita pela jovem activista Greta Thunberg, esta semana, no Twitter. Sempre atenta e a lembrar que ‘a mudança de sistema e a mudança de comportamentos são duas faces da mesma moeda’ ”. A substância (geminada) da Mensagem de Greta corresponde, a 100% a todas as matérias desenvolvidas no nosso Livro: ‘Mudar as Culturas e o Mundo/Livro 2’. (Edicon e C.E.H.C., São Paulo, 2020). Mas é preciso, igualmente, que as Sociedades Humanas mudem de rumo e de rota, no seu modus e toxnus de organização societária. Por 32


isso, no nosso Livro, propomos duas Revoluções geminadas numa só Via Larga! Inspirado em Franz Fanon e James Baldwin, Mamadou Ba proclama a Tese certeira, para a defesa do Regime Democrático: “O Antirracismo intransigente é o único antídoto democrático contra o veneno do desejo do Fascismo que paira no ar” (In ‘Exp.’, 1º Cad., 18.12.2020, p.5). As Alterações e as Desgraças, que têm acontecido ao Planeta Azul, pelo menos, desde a época dos Descobrimentos transoceânicos (sécs. XV/XVI) (não apenas desde os inícios da 1ª Revolução Industrial), dada a sua abrangência, só se poderão contar numa Grande Enciclopédia especializada. Advirta-se que, já desde os anos ’30 do séc. XX, alguns cientistas, mais atentos aos fenómenos, ao referirem-se ao elenco das Idades geológicas da Terra, atribuíam, surpreendentemente, à Idade actual, o trágico nome de ‘Antropoceno’: Quer isto dizer, por outras palavras, que a Dominação do Homem fez da Terra, apenas, um Alforge de ‘matérias primas’!... Desta triste sorte apocalíptica, o ‘Anthropoceno’, enquanto nova ‘idade geológica’ da Terra só pode ostentar um significado negativo: as Sociedades humanas alteraram as condições físico-químicas, biológicas, psicológicas e mentais do planeta Terra. Outrora ‘senhores de Tudo’, viram-se transformados em servos e escravos, ao tentarem erguer toda uma Civilização/Cultura letal, mortífera de tudo quanto alimenta um sopro de vida!... Chegámos a um estádio, onde recuperamos e consertamos Tudo ou nada será possível!... Temos, assim, todos e todas de começarmos a aprender que os processos vitalizadores/salvadores terão de passar pela clara e firme assumpção do vero e autêntico paradigma da Espécie: o do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, capaz (só ele) de edificar a Cultura (substantiva) da Liberdade Responsável primacial e primordial! Na 1ª metade do séc. XX, vieram, sobremaneira, dois grandes Sociólogos alemães, alertando-nos para um conjunto de problemas sérios, que as Sociedades humanas ainda não tinham resolvido. Marx e Engels estavam já a ser menosprezados, em virtude dos péssimos e falsos sistemas socialistas/comunistas, que foram engendrados em seu nome!... Estamos, aqui, a exaltar e a enobrecer as obras de Max Weber e de Ulrich Beck. O primeiro a capturar criticamente a problemática da Dominação (absolutizante), como Aparelho de Organização de Sociedades desigualitárias; o segundo, a pôr-nos de préaviso diante dos processos embusteiros da globalização. Aforisma que este sociólogo gostava de repisar: ‘as sociedades em que vivemos são sociedades globais de risco’!...

Em jeito de Epílogo ● Desde Michel de Montaigne (1533-1592), o chamado Ensaio (em Literatura), ao estabelecer uma espécie de bissectriz, na mente do Escritor, entre os dois mundos (o da objectividade e o da subjectividade), configurou-se como um trabalho de indagação, segundo as duas vetustas ordens distintas (a objectiva/objectual e a subjectiva/afectiva), mas sempre conjugadas e bem articuladas. Numa palavra, o ensaísmo respondeu ao enigma da Literatura, oferecendo o seu próprio enigma como género literário autónomo. 33


Meio envergonhada com a ‘novidade’, a velha Literatura como que o pôs fora da sua casa e mandou-o ‘enjeitado’ para as áreas das mordernas ciências positivas e experimentais à Francis Bacon!... O que, entretanto, se tem perdido, nestes 5 séculos de Modernidade descabeçada e embrutecida!... Há 100 anos, António Sérgio (1883-1969) começou porfiando na sua dedicação a esse enigmático género de Ensaio, que o levou, inclusive, a inventar o modelo do Socialismo cooperativista (baseado, organicamente, em cooperativas associadas, que, em vez da competição d’abord, apostavam no Diálogo e na Cooperação social entre todos. Não lhe interessava a ‘Cátedra’; porque temia as hierarquias e a fácil domesticação do seu Pensamento. Entretanto, foi ensaísta exímio, crítico, pedagogo, historiador, político, sociólogo e filósofo. Foi um vero e sábio mestre dos sete ofícios!... Foi co-fundador (com Jaime Cortesão e Teixeira de Pascoaes) da Renascença Portuguesa, cujo jornal, A Águia, veiculava as suas ideias e ideais. A Revista Pela Grei foi fundada, em 1918, e por ele dirigida. Depois de abandonar a Renascença, fundou a Seara Nova, em 1921 (que representava o grupo dito dos ‘homens livres’) e a Lusitânea (que representava o ‘grupo da Biblioteca Nacional’). Seu tema principal de toda uma vida: a ‘reforma da mentalidade’. A.S., já no fim da vida, reuniu e publicou ca. de 8 Livros grandes, onde juntara a maior parte dos sem ensaios, ─ que constituem a parte maior e emblemática de toda a sua Obra. Wladimir Illich Ullianov (Lénine) criticava, como é sabido, no seu tempo, o chamado empíreo-criticismo. Mas ele próprio foi vítima dessa enfermidade, nos 24 vols. da sua Obra. O que ele ergueu, através do processo revolucionário bolchevista, não foi outra coisa senão ‘Capitalismo monopolista de Estado’ (John Kenneth Galbraith dixit!, em 1962). Foi no artigo ‘O Mestre sem cátedra’ que o nosso Amigo António Valdemar (in ‘Exp./Rev.’ de 11.12.2020, pp.58-59) melhor resumiu, criticamente, a vida, a obra e a doutrina de A.S.. A Tese principal, que ele aí estabelece é a seguinte: ‘Uma sociedade democrática, para Sérgio, deveria alicerçar-se num sistema económico, com um circuito produtivo assente numa estrutura cooperativa’ (ibi, p.59). O autor concluiu o seu certeiro artigo, como segue (ibidem): “Os adversários não ignoravam que António Sérgio elegera como norma de conduta ─ ele próprio o declarou ─ ‘soltar amarras para singrar no oceano da procura livre, com horizonte limpo a todos os rumos e aberto à audácia da investigação’. A rejeição do pensamento único em todos os domínios. A defesa do pluralismo de opinião. Tinha orgulho na sua independência. Pronunciava-se com frontalidade. Daí a influência que exerceu na sua geração, na geração anterior à sua e nas gerações que lhe sucederam. Sejam quais forem as objecções, muitas propostas que avançou ainda não foram concluídas. E muitas polémicas que travou ainda não se encontram encerradas”. O padrão, próprio dos Ensaios, não é outro senão o da vera e autêntica Sabedoria, poliabrangente e criticista, aberto e dinamicamente orientado para os Projectos psico-sociais, com futuro certeiro. Emergiram, como pródromos, já neste horizonte, no séc. XVI, Obras como ‘O Elogio da Loucura’ de Erasmo de Roterdão; e ‘A Utopia’ de Thomas Morus! O que, maximamente lhes importava, era a edificação, esforçada e crítica, do FUTURO!!! Um Futuro melhor para a Humandiade. 34


Ca. de 90% dos nossos Livros e Enciclopédias de História (com predominância social e sociológica e económica) são concebidos e construídos sobre o PASSADO já obviamente passado, por vezes, há muito tempo; de tal sorte que proceder à sua articulação e enquadramento fecundos, com o Objectivo de orquestrar um Projecto dinâmico de Futuro, para as Sociedades Humanas, torna-se tarefa árdua e, alfim, absolutamente impossível!... Nem restará gente interessada nisso!... Eis por que o que singra e impera, em toda esta densa floresta de Problemas, é a via estúpida e servil do Objectivo-Objectualismo materialístico e puramente tecnológico!... Via sempre monística e unicórnea.

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Post-Scriptum Em homenagem ao Escritor sábio e exímio, de pendor ensaístico,

Eduardo Lourenço

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Situando-se para além de F. Nietzsche (que não se cansava de arguir: ‘Gott ist getot’!...), ou de J.-P. Sartre (que chegava à mesma conclusão, ancorado no dilema trágico: ‘Se eu sou livre, Deus não existe’!...), Eduardo Lourenço permanece, até à morte, um espírito religioso (católico), mas que, no entanto, firmara a raiz do seu Pensar na ideia célebre das ‘Heterodoxias’, ─ tudo em defesa integérrima da Identidade Pessoal (primacial e universal). Isto mesmo permitiu-lhe virar do avesso toda a Weltanschauung do Mundo! Com tal posição, ele abriu a Janela da Casa do Mundo e da Terra, para a axiomática bio-psicoantropológica, que importa, para evitar o ‘Apocalipse’!... Apostou, entretanto, em ‘um mundo sem Deus, enquanto força exógena que condiciona as nossas acções’. Ao mesmo tempo, convenceu-se de que não havia substitutos (Ersatzen) para o fenómeno da ‘morte de Deus’!... Este seu legado era o postulado do ca-rácter trágico do Pensamento Humano, honesto e sério. Viriato Soromenho Marques (o filósofo ecologista luso por excelência) assevera que ‘esse seu legado pessoal, esta lucidez e honestidade, mesmo que ser lúcido e honesto seja um peso e um desapontamento’ é importante e decisivo! 36


Mas é, nesse patamar, que Eduardo Lourenço ‘recusa recusar a grandeza do passado, para lobrigar o presente’, e, assim, construir o futuro. Ora, também a noção de Deus evoluiu, no quadro da Evolução darwiniana e na galáxia einsteiniana do Espaço/Tempo, onde a própria vetusta aeternitas divina se tem de pensar!... Por isso, o C.E.H.C. terá de desmontar o legado teológico de E.L. e, no horizonte bio-psico-antropológico, ele já descobriu, na Humana Consciência Ternária, o pilar da jesuânica presença divina, em cada Ser Humano, oriundo da Espécie ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Por conseguinte, os Humanos (filhos de Homem e Mulher) não ficaram órfãos… Pudemos, desta sorte, dar um passo evolutivo em frente, em termos filosófico-culturais e civilizatórios: do ‘Homo Sapiens tout court’ démos o salto para o patamar do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Em 1 de Dezembro de 2020, faleceu o insigne Filósofo e Pensador Eduardo Lourenço. Andou bem o Jornal/Revista ‘JL’, nº de 16-29.12.2020, ao dedicar-lhe um número quinzenal (monotemático) ao ‘Poeta do Pensamento’ (como lhe chamava, carinhosamente, a grande escritora/romancista Lídia Jorge. E.L. foi um Grande Pensador, de dimensão polifacetada, comparável a Antero, Pessoa e Camões, digno de fazer companhia, aos seus Pares, no Panteão nacional! ─ N.B.:

A Evolução cósmica, na Terra, Deu aos Humanos faculdades especiais, Próprias e específicas: assim, A Linguagem articulada e o Discurso. 1º Para que eles possam comunicar Uns com os Outros; 2º Edificarem novo patamar Mental e Espiritual, e aí: na Cultura, Poderem ser sinceros e verdadeiros! Autonomia e Responsabilidade adquiridas!

─ N.B.:

A Linguagem e a Discussão Foram trabalhadas: 1º Para eles escolherem rumo e rota; 2º Para eles não deturparem nem se desviarem, para eles não se enganarem no Caminho: (‘Caminero no hay camino; se hace camino al andar’: A. Machado)

─ N.B.:

Linguagem e Debate Foram dados aos Humanos: 1º Para eles não se enganarem, nem a si, nem aos outros. 2º Para não caírem na tentação de subornar os Seus ou os Outros!... 37


Por isso, há matérias… Que nem sequer deveriam Passar pelas falas e conversas De Uns ou de Outros: ex.g., as das religiões institucionalizadas!... O seu Tempo histórico finou-se A sua Didáctica, outrora com sentido… Esgotou-o completamente: elas estão a mais!... Eis por que houve, aí, Deturpação Desvio do Caminho traçado pela Evolução cósmica.

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GuimarĂŁes/Portugal, 20 de Dezembro de 2020. Manuel Reis: Fundador e Presidente do C.E.H.C.: Autoria. Lillian Reis: SecretĂĄria.

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