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www.arquidiocesedesaopaulo.org.br | 13 a 19 de maio de 2014

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1º Workshop sobre a Saúde dos Povos Indígenas A Universidade Federal de São Carlos promove o 1º Workshop sobre a Saúde dos Povos Indígenas, para discutir a assistência à saúde com foco na formação de profissionais e implementação do subsistema de saúde indígena no âmbito do SUS. O evento será no dia 24 de maio das 8h às 19h. www.workshopsaudedospovosindígenas.wordpress.com.

Quem é culpado do abuso sexual no metrô? Sergio Ricciuto Conte

Leonardo Faria, psicólogo criminal, analisou possíveis causas para os crimes de importunação ofensiva ao pudor Nayá Fernandes Redação

“Isso é safadeza”. Segundo o dicionário Aurélio da língua portuguesa, safadeza “é a qualidade ou procedimento de indivíduo safado ou dito pornográfico, imoral”. Essa foi a resposta mais repetida pelas pessoas abordadas pela reportagem sobre os casos de abuso sexual nos meios de transporte públicos em São Paulo. Só este ano, no metrô de São Paulo, foram registrados mais de 30 casos. Este crime, conhecido como “encoxada”, pode ser um distúrbio sexual, o “Frotteurismo”, que acontece quando as pessoas têm prazer em esfregar os genitais no corpo de outras pessoas completamente vestidas. Contudo, por ser considerado de matéria leve, os criminosos, na maioria das vezes, não permanecem presos e apenas devem cumprir penas comunitárias por importunação ofensiva ao pudor.

Ponto de vista

Quem é o abusador?

Na maioria dos casos de abuso sexual, a atenção está voltada para as vítimas, sem aprofundar o que leva um indivíduo a praticar esse crime. O SÃO PAULO entrevistou Leonardo Faria, professor, psicólogo criminal e neuropsicólogo, mestrando em Ciências Criminológicas para entender melhor o fenômeno.

O SÃO PAULO - Como você analisa a pessoa que comete um abuso sexual? Leonardo Faria - Ao analisar o comportamento de um indivíduo, é preciso verificar o que realmente estimula estas pessoas. Pode ser o fato de estar em público, apenas o contato corporal, ou ainda se é um padrão de vítima ao qual relaciona com algum tipo de fetiche e/ou fantasia. Em comum, o que pode ser aplicado como teoria interpretativa para uma análise nomotética (grupal), é que são pessoas que tem um desvio de sexualidade, ou melhor, comportamento parafílico sexual. Em geral, o prazer acometido pela excitação é vinculado a uma situação de risco, perigo e dominação. Em alguns casos, podemos ter algum transtorno mental associado, de nível mais grave, como os transtornos de espectro compulsivo, ansioso, ou ainda de personalidade do tipo antissocial (psicopático). A análise da “história de vida”, destes indivíduos é muito importante para entender a forma como estabeleceram os princípios de afetos, limites e sexualidade durante a infância. Experiências traumáticas ou inadequadas de contendo contato sexual podem

viante sexual, menos ainda. Em geral, são pessoas “normais”, ou seja, têm a plena capacidade de entender o que estão fazendo. Tem famílias, trabalham e estudam. Porém, o controle da vontade e de autodeterminar em contexto sexual podem se tornar deficitário por situações nas quais se sentem estimulados cognitivamente, afetivamente e até fisiologicamente. O SÃO PAULO - Quais são os ambientes que podem “estimular” este crime? Leonardo Faria - A característica deste comportamento desviante é justamente praticar o ato num contexto coletivo e, a partir disto, não ser visto ou descoberto. Importante ressaltar que ninguém se torna “encoxador” de uma hora para outra. Há um histórico que modela e estimula o indivíduo. Isto começa com atos masturbatórios, em que a “fantasia mental” vira realidade, e posteriormente, com pequenos contatos físicos (às vezes até com pessoas conhecidas, amigas e familiares), e posteriormente com pessoas desconhecidas.

contribuir para o desencadeamento de um comportamento deste tipo. O SÃO PAULO - Em sua opinião, a mídia contribui para que isto aconteça? Leonardo Faria - A mídia pode contribuir como qualquer outra situação que venha a provocar ou estimular contatos sexuais indevidos. O que é observado é que a mídia é apenas um meio que possa levar o sujeito a aprender condutas inadequadas, como qualquer outro meio de exposição. Filmes, novelas e músicas para isto quando vinculam sexualidade a um comporta-

mento que visa o prazer a qualquer custo, a dominação do homem perante a mulher. Ou seja, as pessoas deixam de ser o que são para se tornar objetos de manipulação perante outro sujeito. Não é isto que ocorre no “encoxamento”? O SÃO PAULO - Como uma pessoa pode verificar tendências de possível abusador? Leonardo Faria - Não há um método determinista para se auto-avaliar e a partir disto ter a percepção de que “sou ou não um abusador”. Falando de comportamentos com característica des-

Após o aumento dos casos de abusos, o metrô de São Paulo começou uma campanha para incentivar as vítimas a denunciar. A companhia também disponibiliza o serviço do SMS-Denúncia (97333-2252), ferramenta que promove o combate às práticas irregulares, infrações ou crimes. Percebo que há uma tendência da sociedade contemporânea de responsabilizar o indivíduo. Quando falta água, quem deve economizar é o cidadão. Quando há enchentes nas ruas, a culpa é de quem joga lixo. Ao aumentar o número de pessoas abusadas sexualmente no metrô, a denúncia individual é a solução. Porém, pouco se fala da responsabilidade dos poderes públicos. Houve acompanhamento e investimento nos sistemas de fornecimento de água ao longo dos anos? Existem ações efetivas para colocação de lixeiras e recolhimento do lixo urbano? Há medidas que podem ser tomadas para evitar a superlotação nos vagões de trens e metrôs? O metrô em São Paulo não têm apresentado projetos para diminuir a superlotação e deve faturar cifras altíssimas com isso. Não basta a conscientização dos indivíduos particularmente, que acaba por desviar o foco de sistemas públicos deficientes e mal administrados. A lotação é ambiente propício para um “encoxador”, que, provavelmente, torce para que o metrô tenha problemas ou para que aconteça greve de ônibus. Por Nayá Fernandes


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