As trancinhas de mama Paula de Angola

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www.arquidiocesedesaopaulo.org.br | 6 a 12 de maio de 2014

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Museu da Imigração de SP será reaberto no dia 31 de maio O Museu da Imigração do Estado de São Paulo está com reabertura marcada para 31 de maio, a partir das 10h. Na programação haverá a inauguração da exposição “Migrar: Experiências, Memórias e Identidades”, apresentações de grupos folclóricos e um show com Arnaldo Antunes. Confira a programação completa em www.migramundo.com.

As trancinhas da mama Paula de Angola Fotos: Nayá Fernandes/O SÃO PAULO

A jovem mãe africana veio para o Brasil com a família em busca de uma vida melhor para as filhas

Carregar Aisla Gisele Vicente Garcia, 4 anos, no colo, da rua do Glicério até a estação Sé foi uma experiência que não dá pra esquecer. Icha, como é chamada pela mãe, é angolana e se hospedou com os pais e as duas irmãs, por cerca de um ano (em 2013), na ‘Casa do Migrante’, instituição da Missão Paz que hospeda e auxilia imigrantes que chegam a São Paulo. Foi ali que conheci Paulina João Vicente, a mama Paula. Aquele dia foi programado pelo mediador cultural para visitar a Pinacoteca de São Paulo com outras crianças Nayá Fernandes da ‘Casa do Migrante’, boliviaRedação nas, iraquianas, chilenas. Rosa Vicente Garcia, a Rose, é entre as irmãs, a mais engraçada e ativa, enquanto Gabriela Vicente Garcia, a Gabi, estranhou a correria do metrô e perguntou: “Por que as pessoas correm? Elas estão com medo da polícia?”. Icha, Rose e Gabi são as três filhas da mama Paula, 30, angolana, que veio com o marido e as filhas para o Brasil em busca de trabalho e mais oportunidades de estudo. A mãe, mesmo com todas as dificuldades de viver em uma casa com pessoas de todo o mundo, a maioria homens, não perdeu as características próprias de uma mulher jovem africana. A cena mais comum na chegada à ‘Casa do Migrante’ era a da mama Paula arrumando os cabelos das filhas. As trancinhas, nos mais diferentes formatos e tamanhos, são sempre o penteado mais apreciado pelas africanas. Sempre alegre a participativa, Paula foi muito presente também com acolhida materna na vida de três meninas bolivianas que se hospedaram na ‘Casa do Migrante’ contemporaneamente às angolanas. Um dia, Evely Rodriguez, 9, boliviana, começou a chorar sem parar, porque não gostou de uma determinada atitude de uma outra criança. “Ei, vem cá!” – e abraçou-a com força – “Você precisa ser forte. Não pode chorar assim. Tem que ser forte!”. A mãe da Evely faleceu em um acidente de carro na Bolívia e as três filhas ficaram órfãs de mãe e vieram com o pai para o Brasil. Assim, mesmo sendo um desafio criar os próprios filhos, é com os filhos dos outros que a maternidade brilha.

Mama Paula participa do projeto “Brinquedoteca” junto às filhas Rose e Icha na ‘Casa do Migrante’; Gabi, a primeira das irmãs angolanas, com as amigas bolivianas Evely e Kelly; Rose brinca com tinta e faz arte após a escola; Icha, 4 anos, num momento de questionamento infantil pergunta: “Quando vamos apagar a tinta da parede para começar tudo de novo?”

Parto nas ruas de Luanda Da reportagem

Mama Paula estudou durante o ano que esteve na ‘Casa do Migrante’. Determinada, ela insistia com as filhas para se esforçarem na escola e participar das demais atividades propostas pela Casa. “A Icha eu tive sozinha”,

contou-me em outra ocasião, enquanto fazia trancinhas no meu cabelo com grande agilidade. “Como assim?”, perguntei – conhecendo já um pouco melhor a mãe, que não é de multiplicar palavras. “Quando senti as dores, estava sozinha. E saí para tentar achar alguém que pudesse me

levar ao hospital. Mas, a Icha foi apressada e quando vieram me socorrer, já estava deitada, na rua. Ela nasceu assim, nas ruas de Luanda. Quando chegamos ao hospital, já estava com ela nos braços”, contou a mãe com um grande sorriso no rosto, de quem sabe-se forte o suficiente para cruzar o oceano

com três filhas pequenas por acreditar no futuro delas. Angola se tornou independente de Portugal em 1975 e depois disso viveu uma guerra interna que só terminou em 2002. A capital, Luanda, tem hoje cerca de 4 milhões de habitantes e grandes problemas sociais como a falta de emprego.

Mama Paula deixou a ‘Casa do Migrante’ depois de um ano e alugou com o marido e as filhas uma casinha na Favela do Sapo, zona oeste de São Paulo. “Ela foi corajosa e saiu sem nada daqui. Agora está bem, começando a vida mais uma vez”, comentaram os funcionários da Casa.


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