Mundo Contemporâneo | 14ªTemporada | 1ª Edição

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S É R I E

N º 1

MUNDO CONTEMPORÂNEO

A SAÚDE MENTAL DURANTE E APÓS PANDEMIA

FINAL DA ELMS UCRÂNIA A LUTA PELA LIBERDADE: “EU ACREDITO, ACREDITAMOS TODOS!”

Open Studios ENTREVISTA EXCLUSIVA O OPEN STUDIOS É UM PROJETO DESENVOLVIDO POR DANIELA GARCIA EM CONJUNTO COM TOMA SVAZAITE, REALIZADO PELA PRIMEIRA VEZ EM 2019, COM O PROPÓSITO DE APROXIMAR VÁRIAS ARTES DISTINTAS E DAR A CONHECER A PANORÂMICA ARTÍSTICA DE FARO


Mundo Contemporâneo

EDITORIAL Com assuntos que podem interessar a todo o tipo de público, são vários os temas abordados nesta primeira edição da décima quarta série da revista Mundo Contemporâneo, na qual reafirmamos a imparcialidade, o rigor e a clareza que têm pautado os trabalhos jornalísticos da última década e meia desta revista. Num ano onde a seca e os problemas ambientais são, cada vez mais, alvo de discussão apresentamos um artigo que conta com a participação de vários agricultores tanto da zona algarvia como do Alentejo que, em tom de conversa, apresentam as principais dificuldades com que se têm deparado devido à escassez de água. Iremos divulgar a proposta de Orçamento de Estado num período que pode ser considerado de alguma incerteza, e ainda, numa abordagem mais política, o ponto de vista dos media relativamente aos primeiros seis meses do XXIII Governo de Portugal. Pegando num assunto de cariz estudantil, é discutido o apoio para alojamento aos estudantes do Ensino Superior. Na área do desporto é apresentado, diretamente do Autódromo Internacional do Algarve, um relato pormenorizado da final da EMLS. Pode-se também ler sobre o duelo Benfica-Porto, a final da Copa do Brasil de 2022, uma abordagem interessante sobre os quatro grandes clubes portugueses de futebol e, para completar esta secção, uma análise da temporada de NBA de 2022/2023.

Na cultura, estreamos com o filme Pinocchio, apresentamos o projeto “Open Studio”, que abre as portas à arte em Faro e finalizamos com uma inspiradora história do filme “The women King”. Tendo em conta o mundo globalizado em que vivemos, é de realçar a secção internacional onde encontramos uma entrevista que nos dá a conhecer, na primeira pessoa, a experiência de InterRail; um artigo sobre o movimento mais recente contra a abolição do direito ao abordo nos EUA; as tendências apresentadas na Fashion Week 2022; e, para encerrar, uma emocionante entrevista a um soldado ucraniano que nos relata um pouco do pesadelo que está a viver. Por último, temos um espaço dedicado à sociedade onde detalhamos o famoso overworking, uma reportagem com relatos de uma enfermeira de um hospital psiquiátrico sobre a saúde mental durante e pós pandemia, a desigualdade de género relativamente aos salários em Portugal e os protestos ocorridos no Irão. Concluímos com um agradecimento a toda a equipa que contribuiu e colaborou para a realização desta edição da revista Mundo Contemporâneo e um especial reconhecimento à professora Aurízia Anica que nos orientou ao longo deste projeto e que o torna possível.

Coordenação

Denise Rodrigues Diogo Santos

Design e paginação

Joana Rosado

Érica Silva

Inês Leonardo

Sara Nascimento

Ficha Técnica Política: Rafael Ramalho | João Vaz | Henriqueta Co | Luíza Zamparetti Economia: Suelem Carmo | Joaquim Camões Ambiente: Jéssica Sousa | Pedro Germano |Raquel Reis | Carolina Nunes | Inês Alvito | Joana Sousa Internacional: Joana Rego | Catarina Gabriel | Beatriz Santos | Margarida Leal | Mariana Correia | Margarida Barradas | Beatriz Martins | Kristina Iliuk 2


Mundo Contemporâneo POLÍTICA páginas 4-6 (Des)governo Apoio para (quase) todos ECONOMIA páginas 7-8 Proposta de Orçamento de Estado em tempo de incerteza e prudência AMBIENTE páginas 9-11 Agricultura e seca: há lugar para as duas? INTERNACIONAL páginas 12-18 Viagem pelos carris da Europa – A experiência InterRail Paris Fashion Week 2022 e as tendências que apresentou para 2023 My body, My choice A luta pela liberdade: “Eu acredito, acreditamos todos!” SOCIEDADE páginas 19-25 A saúde mental durante e após pandemia Morte de jovem de 22 anos na sequência de alegado uso indevido do hijab causa protestos por todo o Irão Desigualdade de género: a diferença salarial entre os trabalhadores portugueses “Entrar a horas e sair quando deus quiser” os jovens ainda pensam assim? CULTURA páginas 26-35 Arte de Faro de Portas Abertas The Woman King: uma inspiração para todas as mulheres Entender o Pinóquio DESPORTO páginas 36-43 4 horas de Portimão, o final excecional da ELMS Heróis do Mar Águias e dragões O Corinthians lutou até o fim, mas o Flamengo levou a melhor nos pênaltis e é campeão da Copa do Brasil de 2022 A Temporada da NBA 2022/2023

Sociedade: Rafaela Ferraz | Catarina Rodrigues | Maria Catarina | Filipe Vaz | Rosana de Sousa Cultura: Beatriz Morais | Clara Pires | Rafaela Pires | Maria Afonso | Mariana Martins | Beatriz Cabral | Tiago Sousa Desporto: Leandro Lopes | Francisco Salgueiro | Dinis Dias | Eduardo Martins | Carolina Araújo | Bruno Henriques | Daphny Lima | João Costa 3


Política

Henriqueta Có

João Vaz

Luiza Zamparetti

Fonte: Sol SAPO, João Girão

Completaram-se no passado dia 30 de setembro seis meses desde que o governo eleito nas legislativas antecipadas tomou posse. Trata-se, assim, de uma data redonda e merecedora do olhar atento dos meios de comunicação de todo o país que dedicaram artigos de opinião, notícias, reportagens, crónicas e até podcasts à avaliação do desempenho do governo ao longo deste primeiro semestre. A avaliação é negativa e transversal a todos os meios de comunicação, ainda que efetuada de um modo diferente por cada um deles. 4


Fonte: Público, Nuno Ferreira Santos O jornal "Público" dá voz a Aníbal Cavaco Silva num artigo de opinião, onde o antigo líder do partido da oposição define o executivo encabeçado por António Costa como “um conjunto desarticulado e desorientado de ministros desgastados, sem rumo, sem ambição e vontade reformista”. O ex-presidente da república mostra-se ainda preocupado com a credibilidade do parlamento devido a “comportamentos politicamente reprováveis de alguns membros do Governo”. O “Observador” recorreu a sondagens onde as opiniões positivas sobre António Costa são as menores dos últimos dois anos e meio. Nessas mesmas sondagens, a opinião da população sobre o governo decaiu rapidamente no primeiro semestre da nova gestão, passando de 65% de avaliações positivas em março, para apenas 42% em setembro. Neste mesmo tempo, as opiniões negativas aumentaram de 28% para 49%. Pela positiva os portugueses destacam o apoio de 125 euros, no entanto, dois terços dos entrevistados afirmam que estariam dispostos a trocar este apoio por uma redução das taxas de IVA e IRS.

Já a “SIC Notícias" e o “Eco” optaram por enumerar alguns casos que justificam a apreciação negativa que fazem do comportamento do governo neste período, tais como quando o Presidente da República afirma que teve conhecimento da constituição do governo primeiro pelos meios de comunicação e só depois pelo primeiro-ministro; o caso do acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal, onde a oposição acusou o Governo de usar a maioria absoluta para impedir que o caso fosse esclarecido no Parlamento; o caos nas urgências de ginecologia e obstetrícia (que levou mesmo uma mãe a perder o bebé) e que, em conjunto com uma má gestão da pandemia, levou à demissão da ministra da saúde Marta Temido. Adiantaram ainda o caso de Pedro Nuno Santos que se antecipou a tudo e todos e revelou que o Governo tinha decidido optar pela solução do aeroporto complementar do Montijo no imediato e, a prazo, com o novo aeroporto de Lisboa em Alcochete aparentemente sem informar António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa dessa iniciativa, sendo mais tarde obrigado a efetuar um pedido de desculpas para continuar no executivo; o primeiro ministro, que procurava remendar falhas de meios e de coordenação no combate aos incêndios, enquanto havia membros do Governo a dizer que quase 100 mil hectares de terreno ardido estava abaixo do previsto; e ainda o facto do ministro da Saúde ser hoje Manuel Pizarro, casado com a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, e colocando-se em causa um possível conflito de interesses. É desta maneira que alguns dos principais meios de comunicação nacionais olham para os primeiro semestre do XXIII Governo Constitucional da história do país: um governo pouco reformista; pouco credível; e com mais casos e polémicas do que qualquer outro, fazendo estes 6 meses parecerem 6 anos.

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Política

Rafael Ramalho

APOIO PARA (QUASE) TODOS Fonte: Reuteurs

A medida pedida por associações académicas há semanas faz parte do Orçamento de Estado de 2023 e prevê apoios ao alojamento para alunos do ensino superior não bolseiros.

Uma medida que já abrangia os alunos bolseiros que não conseguiam lugar numa residência estudantil passa agora a englobar uma pequena cota de alunos não bolseiros deslocados, sendo estimado que esta alcança cerca de 15 mil alunos. Para a escolha é tido em conta o concelho onde estes estudam e os rendimentos dos agregados familiares.

Para fazer face à queda de cerca de 80% dos quartos para estudantes por todo o país e ao aumento das rendas dos ainda resistentes, o governo português propôs, no novo Orçamento de Estado, alargar o complemento de alojamento para dar um apoio aos estudantes universitários não bolseiros do nosso país. Muitos deles têm dificuldades em suportar os custos, apesar de ainda não preencherem os requisitos para a atribuição de uma bolsa.

Os valores da ajuda vão rondar valores entre os 221€ e os 288€ mensais, dependendo este valor única e exclusivamente do concelho onde se encontra a instituição do ensino superior. O valor mais alto será atribuído a quem estude na zona de Lisboa ou Cascais. Esta medida abrange tanto alunos do ensino privado como do público. Esta é uma medida que se espera que seja posta em prática ainda este ano letivo e custará aos cofres do estado cerca de 43 milhões de euros.

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Economia

PROPOSTA DE ORÇAMENTO DE ESTADO EM TEMPO DE INCERTEZA E PRUDÊNCIA

Foi entregue no passado dia 10 de outubro na Assembleia da República a proposta de Orçamento do Estado para 2023. A proposta será debatida na generalidade nos dias 26 e 27 de outubro. A votação final global está marcada para 25 de novembro. Coube ao atual ministro das Finanças, Fernando Medina, fazer chegar ao Presidente da Assembleia da República, Artur Santos Silva, o documento onde o Governo apresenta as linhas de orientação financeira do país para o ano de 2023. Este orçamento de estado revela-se de particular importância, não só pela grave conjuntura mundial que enfrentamos, como também pela convulsão política provocada pelo chumbo do orçamento de estado do ano anterior.

QUAIS SÃO OS PONTOS MAIS IMPORTANTES DESTE ORÇAMENTO? O eclodir da guerra entre a Rússia e a Ucrânia transformou os dias de hoje em períodos de incerteza e prudência. Se, do ponto de vista financeiro, este orçamento é prudente e positivo já em relação ao crescimento e à inflação revela-se muito arriscado. O Governo prevê um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,3% para o próximo ano. Segundo a proposta, o Governo tem uma previsão de crescimento do PIB de 6,5% em 2022. A previsão de crescimento do PIB para este ano representa uma melhoria face aos 4,9% projetados no Orçamento do Estado para 2022. No que toca à inflação, o Governo reviu — em alta de 3,4 pontos percentuais — a previsão da taxa de inflação deste ano para 7,4%, estimando uma descida para 4% em 2023, segundo o cenário macroeconómico da proposta de orçamento. Em relação aos escalões de IRS vão ser atualizados em 5,1% em 2023. Quem tem empréstimo à habitação pode pagar menos IRS mensalmente, ao passar para a taxa do escalão imediatamente inferior à correspondente à remuneração mensal e situação familiar aplicável ao titular de rendimentos, o que aumenta o rendimento disponível. A medida aplica-se a trabalhadores por conta de outrem (categoria A) que ganhem até 2700 euros mensais.

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Economia

O EMPREGO É TAMBÉM UM DOS PONTOS FORTES DESTE ORÇAMENTO

SAÚDE E EDUCAÇÃO Um dos setores que tem sofrido diversos contratempos é o da Saúde. O setor da Saúde vai ter mais 1.177 milhões de euros no próximo ano, um aumento de 10,5% em comparação com o orçamento inicial de 2022, de acordo com a proposta de Orçamento do Estado para 2023. É, de novo, um reforço significativo para um setor assolado por problemas crónicos de carência de recursos humanos, fechos intermitentes de serviços de urgência e o descontentamento generalizado dos profissionais, que reivindicam melhores salários e condições de trabalho. Quando se olha para as rubricas da proposta de OE para o sector, constatase, porém, que a despesa com o pessoal no sector da saúde cresce apenas 2,9%, subindo para um total de 5.474,7 milhões de euros, um aumento de 153,3 milhões de euros face à estimativa do Orçamento de Estado para 2022, de acordo com o documento. O setor da Cultura fica com 0,43% do Orçamento de Estado para 2023. Assim, no próximo ano cerca de 140,9 milhões de euros serão investidos no setor. Provavelmente são estes os setores em que o impacto do Orçamento mais se fará sentir. Estabilidade, confiança e compromisso é o lema da proposta do Orçamento do Estado para 2023, resta agora esperar pelos debates nas especialidades para percebermos as possíveis alterações. O Governo aponta para 2023 como um ano de crescimento económico e a proposta de Orçamento acompanha essa espectativa; foi feito sobre uma maioria parlamentar, o que por si só garante que o "vulcão” do Orçamento de 2022 não se repetirá.

O salário mínimo nacional deverá aumentar dos atuais 705 euros para 760 euros em janeiro de 2023, segundo o acordo de rendimentos e competitividade entre o Governo e os parceiros sociais. Os aumentos salariais na função pública assumem também um papel de relevo no orçamento de 2023. O Governo propôs aos sindicatos aumentos salariais para a função pública entre 2 e 8%, com garantia de um mínimo de cerca de 52 euros por ano até 2026. O Governo, ainda está a gerir os efeitos pós-pandemia, prevê que a taxa de desemprego estabilize nos 5,6% este ano e no próximo, caindo assim dos 6,6% registados em 2021. Está ainda prevista uma taxa de emprego de 1,9% este ano e de 0,4% em 2023.

PENSÕES E APOIOS SOCIAIS Um tema que já originou alguma polémica foi o aumento das pensões. Ao contrário de anos anteriores, o Governo anunciou logo no início de setembro os aumentos das pensões para o próximo ano. As pensões até 886 euros vão aumentar 4,43%. As que têm um valor entre os 886 e os 2.659 euros sobem 4,07%, enquanto as restantes (que estariam sujeitas a atualização tendo em conta a fórmula legal em vigor) aumentarão 3,53%. Em relação aos apoios sociais, o Indexante de Apoios Sociais (IAS) vai ser atualizado em 8%, para 478,7 euros, segundo a proposta do OE2023. O IAS é o valor de referência para o cálculo e determinação de diversos apoios sociais, tais como o abono de família, a prestação social para a inclusão, o Rendimento Social de Inserção (RSI), entre outros, e pode, segundo o Governo, ter impacto na vida de 1,6 milhões de beneficiários.

Pedro Camões

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Suelem Carmo


Ambiente

Agricultura e seca: há lugar para as duas? Os agricultores sentem de modo particular os efeitos da seca. As últimas duas décadas foram as mais secas de que há registo em Portugal: “Sem querer ser pessimista, não vai haver melhoras, mas sim tendência a piorar”, afirma Pedro Dias.

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Ambiente

A Mundo Contemporâneo esteve à conversa com diversos agricultores da zona do Algarve e alguns do Alentejo que afirmam estar a passar por uma fase complicada. “Desde sempre que trabalho por conta própria e, por isso, tem sido bastante difícil passar por esta escassez de água que se faz sentir no país, ainda para mais sem qualquer tipo de ajuda”, afirma Natália Palma, de 78 anos. Cerca de 95% do território português enfrenta seca grave ou extrema. Empresas como a Vitacress tiveram de parar algumas das suas produções. Humberto Dias, de 50 anos, trabalhador nesta empresa, explica que “a falta de água tem sido um grande problema, sobretudo porque, no Algarve, a produção é centrada no agrião, uma planta aquática. Por enquanto, paramos a produção nas quintas de Odemira devido à falta de água para regar, que era proveniente de uma barragem.” Os agricultores enfrentam um ano difícil. As maiores dificuldades que advêm desta seca têm-se feito sentir a nível de despesas e na qualidade e quantidade dos produtos. Humberto Dias afirma: “Tem havido enormes gastos financeiros em equipamento para a rega dos campos, nomeadamente em bombas de água e em adubos, que estão caríssimos.” “A produção tem diminuído e a qualidade acompanha-a.”, explica Marco Moreno, de 40 anos. “A qualidade dos produtos está menor. Os morangos parecem que nascem “secos” e as alfaces têm as folhas muito rijas, por exemplo.” Os agricultores não têm ajuda durante esta fase de escassez de água e pedem um seguro contra a seca que é recusado. Face à conjuntura atual, tanto a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) como a Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP) defendem ao ECO/Capital Verde que as perdas associadas à seca devem ser protegidas por seguros de modo a minimizar as perdas. 10


Vários têm sido os gastos na implementação de novas técnicas de rega e imensa é a água utilizada no setor da agricultura. De acordo com David Boyd, especialista da ONU, os agricultores têm de começar a apostar em tipos de culturas que requerem menos água para o seu desenvolvimento. Segundo ele, “precisamos de encontrar formas de utilizar a água de forma muito mais eficiente na agricultura e as suas soluções tecnológicas, como a irrigação gota a gota, que pode custar mais do que a irrigação convencional, mas que é muito mais amigável do ponto de vista da eficiência hídrica". De acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em junho, 67% do continente encontrava-se em estado de seca severa e 28% em situação de seca extrema — uma deterioração significativa quando comparado com maio, altura em que a seca severa assolava 97% do país e a seca extrema apenas 1,4%. A situação foi reconhecida pelo Governo e a 27 de junho, o Ministério da Agricultura alertou para “impactos negativos na atividade agrícola”.

Tornou-se necessário a adoção de medidas para contornar a situação da seca. Natália Palma e Pedro Dias afirmam ter reservatórios de água para evitar a sua insuficiência. Os restantes produtores apostam em sistemas de rega mais inteligentes, que são capazes de fazer um maior aproveitamento da água disponível. Pouca é a esperança depositada no futuro da agricultura. “As expectativas mesmo com as secas que se têm vindo a sentir não são todas negativas. Já há muitos anos que em Portugal, com o nosso clima mediterrâneo, se fazem sentir estas secas, mas uma coisa é certa, sem agricultura ninguém sobrevive, e o que se pode esperar do futuro é que esta atividade continue, com outros métodos que permitam que se desenvolva mesmo com a seca ou com outra qualquer adversidade.”, afirma Rúben Mateus.

Quanto às consequências diretas da seca na agricultura, Natália Palma sublinha a dificuldade em salvaguardar a segurança dos produtos, dado que, “no verão, o clima seco e quente não permite que muitos alimentos cresçam, especialmente as frutas e, no inverno, as geadas, especialmente, queimam as plantações e estas morrem.” Imagens: Joana Sousa

Pedro Dias, que tem uma empresa própria, frisa o facto de a seca comprometer a atividade agrícola, “pois além das plantas não se desenvolverem, as pragas e doenças propagam-se com maior facilidade e os produtos aplicados não têm os efeitos que se esperam”. Quanto às diferenças registadas relativamente aos anos anteriores, todos os agricultores concordam. Pedro Dias afirma que “com estas secas a produção diminui e se a produção diminui, consequentemente o meu lucro diminui, tudo funciona em cadeia. Antes desta seca as minhas produções eram muito melhores e retirava bons lucros essencialmente devido ao clima mais húmido e chuvoso”. 11

Carolina Nunes

Inês Alvito

Joana Sousa

Jessica Sousa

Pedro Germano

Raquel Reis


Internacional

Coragem, determinação e espírito aventureiro são alguns dos adjetivos que caracterizam as centenas de jovens e adultos que, todos os anos, decidem passar pela experiência do InterRail. Catarina Gabriel

O programa Interrail consiste num passe ferroviário, disponível para os residentes europeus, que permite viagens ilimitadas num período de até um mês, entre todos os países europeus participantes no programa.

Viagem carris da

A experiência

Daniela Berrincha, criadora do blog 100 Fronteiras, tinha 21 anos e a sua licenciatura a terminar quando decidiu fazer-se à estrada, ou como a mesma diz “fazerse aos carris”, e partir para a sua tão esperada experiência InterRail, partilhando connosco a história da sua viagem. P: Qual foi o passe que adquiriste e como funcionava? R: O meu passe era o de 22 dias contínuos. Há várias modalidades, eu optei por esta por ser aquela que permitia maior flexibilidade. Ser contínuo significa ter viagens ilimitadas durante o período de validade do bilhete (pode ser 7, 15, 22 ou 30 dias).

P: Como surgiu a ideia de fazeres um Interrail? R: Desde cedo que tinha ideia de fazer um InterRail. Antes de entrar na universidade era interessante, mas faltavam muitas coisas, nomeadamente dinheiro, a companhia certa e algum conhecimento geral sobre viajar. Sabia que não era a altura, mas defini que ia concretizar este sonho no final da licenciatura. E assim foi!

P: Quais os países que visitastes durante o Interrail? Qual foi o teu favorito? Qual dos países que visitaste te surpreendeu mais pela positiva ou pela negativa? R: Durante os 22 dias visitei 13 cidades em 10 países (Paris, Bruxelas, Bruges, Amesterdão, Berlim, Cracóvia (Auschwitz), Praga, Viena, Budapeste, Veneza, Roma, Vaticano e Florença). As cidades que mais gostei foram Bruges, Amesterdão e Florença, sem qualquer ordem de preferência. Cada uma tem o seu encanto específico! P: Em média quanto gastaste durante toda a viagem? R: O custo total desta aventura, contando com o próprio bilhete, extras das viagens de comboio, alojamento, alimentação, cultura e gastos pessoais, foram cerca de 1100€. Comecei a juntar dinheiro mais de um ano antes. Todos os dias colocava numa latinha 1€, o que dá 30€ por mês. Com o aproximar da data, aumentei para 45€ mensais. Óbvio que não era suficiente, mas foi uma grande ajuda. 12


m pelos a Europa

Na altura, existia roaming e não era muito estranho se os hotéis/hostels não tivessem wi-fi.

Joana Rego

a InterRail P: De todos os objetos que levaste na viagem, quais consideraste mais necessários? R: Tudo o que é roupa e produtos de higiene são fundamentais, isso é inquestionável. No entanto, o objeto que levei que foi mais importante, foi sem dúvida alguma o "saco da comida", um saco térmico! Tornou-se um melhor amigo e andei todos os dias com ele! Neste tipo de viagens é fundamental ter sempre comida e bebida. P: Como funcionou toda a logística de pensares onde dormir e onde comer? Foi planeado? Tentavas encontrar sítios para dormir e comer o mais em conta possível? R: Foi muito difícil planear esta viagem. Só passaram oito anos, mas houve muitas mudanças significativas, entretanto! Não havia muita informação sobre nada e o que havia muitas vezes era confuso. Só conhecia duas pessoas que já tinham feito InterRail e também não me deram grande informação. Atualmente há imensos blogs com partilhas de dicas e experiências que acabam por facilitar muito o trabalho. Outra coisa que atualmente é uma não questão é o acesso à internet.

Imagens: Daniela Berrincha

Levei a viagem toda planeada de antemão, ao pormenor, mas com consciência de que imprevistos iam acontecer, e claro que aconteceram. Tinha tudo anotado num caderno, que hoje é um bonito diário de memórias, desde as horas dos comboios, às ligações que tinha de fazer, as estações... Assim como os principais sítios a visitar. Quando chegava a uma nova cidade pegava num mapa de papel e delineava a rota. A única coisa que deixava em aberto eram os alojamentos, só reservava quando tinha a certeza que ia chegar ao destino. Levei uma lista de opções e marcava no dia anterior ou no próprio dia. Além das noites em comboio noturno, que é uma ótima forma de economizar tempo e dinheiro, 90% das outras noites fiquei em camaratas em hostel. Para poupar dinheiro a minha alimentação era muito à base de comida de rua, fast food e comida de supermercado. Como costumo dizer, o InterRail deume a base da viajante “low cost” que hoje sou. Aprendi que é possível fazer tudo, desde que se façam as escolhas certas. P: Se pudesses repetirias a experiência de Interrail? R: Repetia já hoje, sem qualquer dúvida! Felizmente tenho viajado bastante, mas esta será sempre uma das melhores viagens da minha vida. Deu-me muito! Também como costumo dizer que "trouxe uma bagagem maior do que a mochila que levei".

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"Recomendo a toda a gente que tenha esta experiência pelo menos uma vez na vida! "


Internacional

s i r a P Fashion Week 2022 e as tendências que apresentou para 2023

A Paris Fashion Week 2022 ditou algumas das principais tendências para 2023, como a cintura baixa, peças feitas à mão, volume, cores vibrantes, entre outros.

A fashion week é um evento anual internacional que combina desfiles e apresentações de coleções de moda das mais variadas marcas apreciadas em todo o mundo. Repleto de celebridades, influencers e pessoas do mundo da moda, este evento é conhecido pela criatividade e extravagância dos envolvidos. Sendo Paris uma das cidades mais famosas do mundo e uma das maiores em termos de moda e, visto que é o lar de alguns dos maiores nomes da história da moda bem como inspiração para muitos deles, era impensável o evento não se realizar na mesma.

Fonte: design_moves 1. Cintura baixa Começando com umas das tendências mais controversas, a cintura baixa esteve em alta nos anos 2000, voltou em 2021 e permanecerá até, pelo menos, 2023. Embora ainda cause dúvida entre muitas consumidoras, marcas como a Givenchy, a Miu Miu e a Coperni asseguram esta tendência para o próximo ano. 2. Minissaias Assim como a cintura baixa, as minissaias são também uma tendência que retornou dos anos 60 para 2022 e 2023. A Ferragamo e a Ludovic de Saint Sernin são dois exemplos de desfiles que apresentaram esta tendência.

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3. Volume O volume está ligado à extravagância e, por isso, há que ter cuidado na sua utilização para não causar um efeito negativo na silhueta. Está presente em blazers, saias, mangas, entre outros, assim como foi demonstrado nas apresentações de Stella McCartney, Saint Laurent e Rick Owens.

7. Utilitarismo Uma das tendências mais casuais apresentadas para 2023 foi o utilitarismo. Tons terrosos, verde militar e peças como calças cargo, casacos aviador e trench coats são evidenciados nos desfiles da Givenchy, Stella McCartney e Sacai. São peças versáteis e intemporais que podem ser utilizadas de diferentes formas, desde um estilo mais desportivo a um estilo mais elegante.

4. Recortes estratégicos A Coperni, a Acne Studios, a Botter e a Yohji Yamamoto apostaram na sensualidade através de recortes estratégicos evidenciando a pele de forma ousada, mas também subtil, dependendo do recorte.

8. Conjuntos Inspirados nos anos 80, os conjuntos voltaram para marcar 2023. São uma grande adição pois são versáteis, otimizando o guarda-roupa por terem a possibilidade de serem utilizados separadamente. As principais marcas que apresentaram esta tendência foram a Chanel, a Balenciaga e a Valentino.

5. Peças feitas à mão As peças feitas à mão têm vindo a marcar cada vez mais a sua presença no mundo da moda, especialmente na moda de luxo. Quer sejam em croché, renda artesanal ou bordadas, estas têm valor especial por serem únicas e originais. Estão incorporadas nas novas coleções da Dior, Balmain, Chloè e Eliee Saab.

9. Cores Vibrantes As cores vibrantes vêm representar a alegria e extravagância que foi ofuscada pela pandemia. A Balenciaga, a Valentino e a Louis Vuitton vieram exprimir a sua alegria nas suas apresentações.

6. Lingerie A lingerie é cada vez mais utilizada enquanto peça de vestuário num look casual, elegante, entre outros, e não só como roupa interior. A Dior, a Aurela Hoxha e a ETAM apresentaram lingerie como a peça chave em looks ousados e casuais.

Depois desta edição ficámos com algumas ideias para apimentar o nosso estilo, sendo muitas delas, tendências passadas adaptadas à atualidade e perfeitas para quem quer ser mais arrojado no próximo ano.

Beatriz Santos Margarida Leal

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Fonte :Pexels


Internacional

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Imagem: Timothy A. Clary / AFP / Getty


My body, my choice Fonte: GETTY IMAGES No ano de 1973, aconteceu o famoso caso Roe vs Wade, onde a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a Constituição deveria proteger o direito total da mulher a fazer um aborto nos primeiros três meses de gravidez sem qualquer restrição governamental, impondo algumas restrições no segundo trimestre e proibindo-o no terceiro. Passados quase cinquenta anos, esta situação voltou a ter uma mudança inesperada, o Supremo Tribunal tomou a decisão de que todos os estados dos EUA poderiam autorizar ou proibir o aborto. A decisão do Supremo Tribunal só poderia ter sido anulada se o mesmo tomasse uma nova decisão que viesse anular a decisão anterior, se o presidente dos EUA desse ordens executivas, indo contra a decisão do tribunal, ou por emenda constitucional, que para acontecer seria necessário que tivesse dois terços de votos no Congresso. Esta decisão não tornou as interrupções de gravidez ilegais, mas deu autoridade aos estados para poderem livremente autorizar ou proibir interrupções voluntárias de gravidez, ou seja, o país voltou à situação que existia antes de 1973. Atualmente, após várias lutas judiciais americanas, o aborto tornou-se ilegal em nove estados, pelo Estado do Alabama, Arkansas, Mississípi, Missouri, Dakota do Sul, Oklahoma, Texas, Wisconsin e Virgínia do Norte, que baniram o aborto em todas as situações. No entanto, Oklahoma abriu uma exceção, apenas aprovando o aborto em caso de violação ou incesto. Porém, existem, neste momento, várias ações judiciais em tribunal que pretendem banir o aborto em outros Estados americanos. Não obstante, a sociedade, e mais precisamente os cidadãos do sexo feminino, não ficaram radiantes com as decisões tomadas. O descontentamento gerou inúmeras manifestações em todo o país e não só, tendo chocado internacionalmente a comunidade. A decisão da mulher em interromper ou não a gravidez continua a ser um tema bastante polémico e discutido a nível mundial.

Os protestos foram particularmente significativos nas principais cidades norte-americanas, como foi o caso de Nova Iorque, onde em Washington Square Park se reuniram milhares de pessoas para se manifestarem contra a ilegalização do aborto nos EUA. Já no Texas, os manifestantes protestaram em frente ao tribunal federal. Na Califórnia, bloquearam o trânsito no centro da cidade e na Pensilvânia reuniram-se em frente à Câmara Municipal. Já na Europa, França foi também um dos vários países que realizou manifestações como forma de apoio às mulheres americanas. Alguns dos protestos foram organizados por grupos, como é o caso do grupo Planned Parenthood, uma organização sem fins lucrativos que fornece cuidados de saúde reprodutiva nos Estados Unidos e em todo o mundo, estando sediada em Nova Iorque. O epicentro das manifestações aconteceu em frente ao Supremo Tribunal, onde os manifestantes diziam repetidamente várias frases de protesto, uma delas: “My body, my choice” (o meu corpo, a minha decisão). Tornou-se um slogan feminista que passou a ser traduzido em várias línguas e utilizado como forma de protesto.

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Beatriz Martins

Mariana Correia


Internacional

A Luta pela Liberdade «Eu acredito. Acreditamos todos!» 24 de fevereiro de 2022, pelas 10 da manhã, começa a luta pela liberdade do povo ucraniano. Vitaliy K. V. é um dos soldados ucranianos que, com o seu heroísmo, patriotismo e esperança, decidiu lutar pela sua pátria, a sua família e a sua liberdade. Apercebendo-se que vai lutar com a sua própria vida, Vitaliy — cujo último nome não revelou — deu-nos a honra de contar a história destes trágicos momentos pelos quais está a passar, tendo como objetivo descobrir a verdade atrás das notícias, o significado da palavra “Herói” e o amor pela pátria. MUNDO CONTEMPORÂENEO: No meio de uma guerra tão mediática para o mundo, mas tão distante, qual a verdadeira sensação para quem a vive tão de perto?

Kristina Ilyuk

R: A minha responsabilidade como soldado é impedir que o inimigo venha para minha casa e afastá-lo o mais longe possível da terra ucraniana para sempre. Ser soldado significa não separar a dignidade pessoal da dignidade do país. Significa respeitar e amar não apenas o que está em ti e só em ti, mas também tudo o que está ao teu redor, o teu país e o teu berço. Esta é a responsabilidade. Aprender a lutar não é fácil. No entanto, ser soldado é ter espírito de soldado. Um soldado sem alma é um assassino. Um soldado com alma é guerreiro.

VITALIY: A maioria das pessoas sente resiliência e coragem nos últimos tempos. Quando tudo começou havia muito medo e pânico, parecia o fim do mundo, do nosso pequeno mundo. O momento mais doloroso pelo qual passaram e estão a passar várias famílias é a dor, a morte, a perda. É um dos dias dos nove meses que ficará marcado para sempre.

P: Como são as condições com as quais se confrontam no dia a dia? Quão próximas ou distantes são daquelas que são básicas para a vida? R: As condições estão longe das que eu costumava ter, e nem sequer sei como compreender as condições que existiam antes. Neste momento está o valor da vida, e se falarmos em condições, com todo o desejo, estas podem ser criadas, e até melhores do que eram. O que nos preocupa é sobreviver, e nunca algum valor material estará em primeiro lugar.

P: Quão perto da realidade está a realidade da guerra no terreno comparado ao que os meios de comunicação passam para o mundo? R: A minha resposta para essa pergunta é mesmo simples. Os meios de comunicação estão muito longe da realidade do que realmente está a acontecer na Ucrânia e do que os ucranianos sentem. P: Como é que se vive com o medo diário, a dúvida, o não saber o dia de amanhã e a ver o perigo a que a família está exposta? R: Aqui não há dúvidas sobre o que vai acontecer amanhã, cada um tem o seu próprio medo e todos percebemos que pode não haver um amanhã, mas ainda assim as pessoas entendem que a vida não vai acabar aí, sempre haverá perigo, está em todo lado. O que nos resta é lutar, e acreditar que um dia venceremos e seremos livres. P: Que responsabilidade sente em desempenhar o papel de soldado?

Margarida Barradas

P: Como é que a vossa esperança e determinação se têm alterado à medida que os dias passam? R: Esperança há e haverá sempre. Para nós e para um povo inteiro é a vitória na guerra. Para nós é uma honra participar com este fato, de poder ajudar no campo de batalha a expulsar o inimigo de nossa terra e mostrar o amor pela nossa pátria. Juntos vamos vencer. Eu acredito. Acreditamos todos! 18


Sociedade

Catarina Rodrigues Catarina Lança

A SAÚDE MENTAL DURANTE E APÓS PANDEMIA NO PERÍODO DO CONFINAMENTO, PESSOAS DE TODAS AS IDADES SOFRERAM A PRESSÃO DO ISOLAMENTO SOCIAL. AS CONSEQUÊNCIAS DISTO PODEM SER VISÍVEIS A LONGO PRAZO.

A situação pandémica da COVID-19 afetou toda a população mundial de iguais e diferentes maneiras. Em Portugal, durante este período, falou-se bastante sobre a influência que o isolamento iria provocar em diferentes níveis, tanto nos profissionais de saúde, como nos alunos de diferentes faixas etárias, nos idosos, etc. Aquilo de que nós, portugueses, não temos conhecimento, é do abalo inesperado que este fenómeno provocou na nossa população. A realidade vivida nos hospitais, ao contrário do que podia ser relatado na televisão, podia levar-nos a ter uma compreensão errada sobre a situação. No entanto, vimos muitas vezes as ocorrências afluentes à porta dos hospitais e as mortes diárias cada vez mais elevadas pela falta de resposta do Serviço Nacional de Saúde. Tivemos a oportunidade de conversar com uma profissional de saúde que disponibilizou o seu tempo para responder a algumas questões. Joana Espinho é uma enfermeira no serviço de Psiquiatria do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental de Beja (Alentejo), que se manteve na linha da frente perante a COVID-19. Após o diálogo com Joana Espinho chegámos à conclusão de que as informações e realidades relatadas pelos meios de comunicação social foram apenas “a ponta do iceberg”. Foi desta forma que Joana iniciou a descrição da primeira reação à pandemia no serviço de Psiquiatria onde trabalha. Para Joana, a ciência tinha “armas” e a medicina era “suficientemente avançada”: a maior batalha foi travada contra um inimigo desconhecido e invisível.

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Imagem: Gonçalo Fernandes


Sociedade

Imagem: Cortesia de Joana Espinho

“Nenhum serviço hospitalar estava preparado para travar esta batalha.” Joana relatou que o primeiro passo tomado pelo serviço de Psiquiatria foi a criação de protocolos, normas, trajetos, divisão por áreas eventualmente contaminadas e limpas e implementaram-se circuitos: “criaram-se todas as condições para agir perante o eventual aparecimento de casos positivos”.

É difícil fazer omeletes sem ovos e numa altura em que surgem muitas doenças fruto da época sazonal, numa altura em que profissionais foram deslocados para ajudar nos serviços mais críticos, numa altura em que muitos de nós adoeceram também, foi muito cansativo e desgastante física e emocionalmente.”.

As dúvidas sobre o que seria mais acertado fazer perante o novo contexto eram cada vez mais emergentes e foram exigidas muitas horas de trabalho e esforço por parte dos profissionais. “Depois, a colaboração com os serviços de medicina interna, em que precisámos de fornecer camas de serviço específico — como um internamento psiquiátrico — à Medicina Interna, para que nesses serviços ficassem os doentes Covid.

Joana conta-nos que sentia o medo constante entre todos: o medo dos profissionais, dos doentes, do desconhecido; e revela que existiu uma grande dificuldade em cuidar dos doentes mentais numa altura em que tudo se tornou confuso. A tensão sentiase permanentemente e a carga de trabalho era cada vez maior. Contou-nos tudo isto angustiada, explicando os detalhes assustadores da sua realidade.

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"AS DOENÇAS ORGÂNICAS JUNTARAM-SE COM AS DOENÇAS DA MENTE" Segundo Joana e os seus colegas, os confinamentos obrigatórios, isolamentos, o medo e a diminuição do número de consultas e acompanhamento à distância foram fatores que levaram a que muitos doentes, que já necessitavam de acompanhamento psiquiátrico, sofressem uma descompensação da sua doença de base e a que outras pessoas desenvolvessem algum tipo de perturbação ou distúrbio. “A ansiedade esteve muito presente nessa fase e as pessoas mais vulneráveis ressentiram-se”. No entanto, é apontado um aumento dos pedidos de ajuda, sendo este um sinal de que as pessoas estão mais despertas para os problemas de saúde mental e à importância de pedir ajuda.

vacinação, entre outros, significando que esta situação impactou a saúde mental da população em geral. Na opinião pessoal e profissional da enfermeira Joana, o vírus “deixará marcas difíceis de curar em algumas pessoas, mas (…) tudo se tornará mais ligeiro.”. Os órgãos de comunicação reduziram a transmissão de conteúdos que alarmariam a população, sendo esse fator crucial para acalmar as suas preocupações e medos. No entanto, há feridas que a pandemia abriu e que serão difíceis de cicatrizar: perdas irreparáveis, despedidas que ficaram por fazer, processos de luto dolorosos que deixam sequelas psicológicas em milhares de famílias.

Os profissionais de saúde relembram as pessoas para o facto de que também eles são seres humanos. Ao contrair a COVID-19, os profissionais ficavam claramente debilitados. A privação de ver as suas famílias, a angústia de utilizar fatos completamente isolados e de não poder contactar nem os próprios colegas de trabalho, foi “tremendamente doloroso”.

“O problema ainda não terminou, está longe disso, e as feridas ainda são muito recentes. Foram-nos roubados alguns anos de uma vida plena, livre, e isso é antinatura. É impossível esquecer ou ignorar. O tempo não volta atrás nem traz quem ou aquilo que a doença nos roubou”, explica Joana Espinho.

De acordo com os profissionais do departamento de Psiquiatria, têm vindo a surgir casos em que doentes com problemas psiquiátricos referem vários tópicos relacionados com a pandemia,

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Socciedade

No passado dia 13 de setembro, Mahsa Amini foi detida pela polícia de moralidade iraniana por, alegadamente, usar o hijab incorretamente. Após a sua detenção, a jovem de 22 anos foi espancada e veio a falecer três dias depois. Rafaela Ferraz

Milhares de pessoas têm saído à rua para manifestar o seu desagrado com as regras do Estado sobre a modéstia e, consequentemente, para lutar pelos direitos das mulheres. Como forma de protesto, é possível observar, através de diversas publicações nas redes sociais, dezenas de mulheres a queimar o hijab e a cortar o cabelo. Fazeh Hashemi, filha do ex-presidente do Irão Akbar Hashemi Rafsanjani, foi detida em Teerão no dia 27 de setembro por, alegadamente, ter encorajado o povo iraniano a participar em manifestações. Segundo o porta-voz das autoridades judiciais Massoud Setayeshi, Faezeh “foi acusada de conluio, perturbação da ordem pública e propaganda contra a república islâmica”. As forças de segurança invadiram uma escola exclusiva para raparigas na cidade de Ardebili no dia 12 de outubro com o intuito de restringir manifestações e ordenar que um grupo de alunas cantasse um hino no qual se elogia o atual líder supremo do Irão Ali Khamenei. Contudo, após as estudantes se terem negado a cantar, foram espancadas pelas forças de segurança. Algumas tiveram de ser hospitalizadas e outras foram presas. Entre as meninas que foram levadas para o hospital estava Asra Panahi de 16 anos, que acabou por morrer devido aos ferimentos dois dias mais tarde. Elnaz Rekabi, atleta iraniana de 33 anos, competiu sem hijab na final do campeonato asiático de escalada que decorreu na Coreia do Sul, onde obteve a medalha de bronze. Este gesto tem sido visto como uma demonstração de apoio às mulheres iranianas que desde o mês passado saem à rua para protestar contra a obrigatoriedade do hijab. Segundo o relatório da ONG Iran Human Rights de 17 de outubro, pelo menos 215 pessoas, incluindo 27 crianças, morreram na sequência dos protestos realizados pelo país inteiro. 22


Socciedade

Filipe Vaz

DESIGUALDADE DE GÉNERO: A DIFERENÇA SALARIAL ENTRE OS TRABALHADORES PORTUGUESES

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A desigualdade de género é visível nas mais variadas áreas, sendo a da desigualdade salarial uma das que tem vindo a ser abordada cada vez mais no mundo atual. É de notar que Portugal regista uma taxa de atividade feminina comparativamente elevada no contexto europeu, sendo este um país no qual a participação das mulheres no mercado de trabalho é relativamente igualitária. No entanto, quer do ponto de vista das oportunidades, quer das remunerações, o mercado de trabalho em Portugal é ainda dominado por desigualdades entre homens e mulheres. Segundo o projeto “Gender Pay Gap-E”, a diferença na remuneração base situava-se, em 2019, último ano com dados estatísticos disponíveis, nos 14,1%, enquanto essa discrepância aumenta para os 17,2% se for considerado o salário base mais os prémios e subsídios regulares por trabalho suplementar. Em 2020, os ganhos brutos por hora das mulheres eram, em média, 13% inferiores aos dos homens na UE. Num período de oito anos, a diferença salarial entre homens e mulheres no mundo do trabalho europeu reduziu-se de 16,4% em 2012, para 13% em 2020. No entanto, o rumo da redução que havia desde 2015 – ano com um fosso salarial de 15% – alterou-se após 2018, ano registado com uma desigualdade salarial de cerca de 8,9%. É de notar que a escolaridade das mulheres empregadas é superior à dos homens empregados, mas as mulheres estão sobre-representadas nos ramos de atividade económica e nas profissões menos valorizadas e remuneradas. A situação é a inversa em cargos de gestão de topo. Quando são avaliados os ganhos de homens e mulheres com atributos semelhantes em termos de capital humano, fatores como a idade, escolaridade ou experiência, o diferencial é mais elevado do que quando esses elementos não são calculados, sobretudo nos casos de trabalhadores a tempo inteiro. Estima-se que em 2157 – apenas daqui a 135 anos – o problema da desigualdade salarial chegará finalmente ao fim, revelam os dados da World Economic Forum no “Global Gender Gap Report 2021”. 23


Socciedade

Rosana Sousa

“Entrar a horas e sair quando Deus quiser”: os jovens ainda pensam assim?

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Todos nós estamos inseridos numa dinâmica capitalista. Uns trabalhadores, outros futuros, como é o caso dos estudantes. Esta dinâmica incute-nos constantemente que a nossa validade enquanto seres humanos está baseada no nosso trabalho, onde um dos critérios para distinguir um bom de um mau trabalhador é, sem dúvida, o número de horas que trabalha. O overworking (expressão inglesa mais utilizada para designar “trabalhar demais”) foi, deste modo, sempre encarado e incutido pela sociedade e pelas empresas como uma mais-valia. Um bom e humilde trabalhador é aquele que veste a camisola pela empresa e “entra a horas e sai quando Deus quiser”, mesmo que isso implique trabalhar 12 horas por dia e chegar a casa quando os filhos já estão a dormir. A pandemia trouxe o trabalho remoto, o que proporcionou a muitas pessoas a possibilidade de trabalhar as horas que quisessem. A distinção entre casa e trabalho esbateu-se, o que levou as pessoas a trabalharem ainda mais. O mundo frenético, tecnológico e de multitasking em que vivemos contribui brutalmente para esse estilo de vida. Enquanto antes o computador da empresa estava apenas no escritório da mesma, agora vive com os trabalhadores. Ao mesmo tempo que vivemos num mundo mais acelerado que o dos nossos pais ou avós, os jovens estão gradualmente a começar a desvalorizar o excesso de trabalho e a recusar trabalhar horas a mais. O recente movimento de “quiet quitting” consiste numa mudança na forma como as pessoas encaram o trabalho, na medida em que estas limitam-se a fazer apenas o essencial. Na minha perspetiva, isto surge de três aspetos: da reação à precariedade laboral e de uma maior valorização não só da saúde mental, mas de um estilo de vida que não se resume a trabalhar, comer e dormir. O primeiro é, sem dúvida, o motivo mais marcante. Em Portugal, os jovens (principalmente os recémlicenciados) lidam com salários baixíssimos para os anos que passaram a investir na sua formação.

Fonte: StartupStockPhotos Comprar uma habitação está mais caro que nunca, para não falar do custo de vida, o que leva alguns jovens a limitarem-se a entrar e a sair do trabalho ao minuto que está estipulado no seu contrato. Diria que é mesmo uma questão de desmotivação: não só ganham pouco, como o que ganham nem sequer permite flexibilidade para grandes investimentos. Além disto, a importância da saúde mental tem sido um aspeto cada vez mais valorizado pelos jovens, pelo que estes desejam um equilíbrio saudável entre o trabalho e a sua vida pessoal. Apreciam outro tipo de coisas que, dada a fraca produtividade dos tempos dos seus avós, estes não puderam usufruir, tais como o lazer, as viagens ou a cultura. Apesar deste movimento, os jovens continuam a trabalhar demais, chegando muitas vezes ao ponto de burnout. Parece-me que esta realidade pode ser uma tentativa de escapar à precariedade laboral que os jovens enfrentam, dado que, segundo a meritocracia (bastante discutível), mais esforço acarreta mais sucesso. O quiet quitting não é um movimento de preguiça, mas uma recusa de que o nosso valor é unicamente determinado pelo nosso sacrifício pessoal em prol do trabalho. É também necessário desfrutar da vida em todas as suas vertentes, de modo a manter o equilíbrio enquanto seres humanos.

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Cultura

ARTE DE FARO DE PORTAS ABERTAS O Open Studios é um projeto desenvolvido por Daniela Garcia em conjunto com Toma Svazaite, realizado pela primeira vez em 2019, com o propósito de aproximar várias artes distintas e dar a conhecer a panorâmica artística de Faro. Consiste na angariação de artistas para o evento a realizar, onde depois se dá a abertura dos espaços ou estúdios de trabalho desses mesmos artistas ao público. De 21 a 23 de outubro de 2022 o projeto volta a invadir a cidade de Faro em três dias repletos de talento e das mais diversas artes. Os visitantes são convidados a participar do circuito, que ocorre num raio de 5 quilômetros do centro da cidade, das 10h às 13h e das 14h às 18h. Este programa disponibiliza workshops para todas as idades e até mesmo no contexto de estratégias de promoção para artistas. Por outro lado, também privilegia momentos de lazer e diversão, exposições e até mesmo debates.

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Entrevista com a coordenadora da Open Studio, Daniela Garcia MUNDO CONTEMPORÂNEO: Como surgiu a Open?

DANIELA GARCIA: Os Open Studios são um evento que surgiu há quatro anos, esta é a quarta edição, e na altura foi organizado pela Toma Svazaite e, neste momento, somos três pessoas. Sou eu, a Toma e o Miguel [Neto]. Em 2019 nós começamos a pensar em fazer um evento deste formato, que já existe em muitas capitais mundiais, nomeadamente em Portugal, no entanto não existia nada deste formato em Faro. É um evento que tem um formato peculiar, porque acaba por trazer o público das artes para dentro das casas das pessoas, e as pessoas estão pouco preparadas para isso, pouco disponíveis, principalmente no Algarve, onde dizem no geral que as pessoas “comem na gaveta.” Nós achámos que, justamente por isso, era pertinente, porque, ao ser um evento assim, ele acaba por democratizar mais o fenómeno artístico. Vocês podem ver arte nestes 17 espaços e a maior parte deles não são galerias, nem estúdios, nem lugares convencionais onde se vê arte, são as casas das pessoas. A primeira edição, que ocorreu em 2019, para o qual não tivemos apoios financeiros, organizámos tudo e, de seguida, já tivemos uma ajuda fundamental da designer que trabalhou connosco no pro bono, que produziu um trabalho de comunicação impecável, e que, acabado o evento, fez-nos um dossiê de projeto. A partir daí dirigimo-nos às entidades para solicitar o financiamento para a edição do ano seguinte e contamos com o apoio ao associativismo da Câmara Municipal de Faro e da Direção Regional da Cultura. P: Como é o processo de reunir todos os artistas? Como é a organização? R: Foi um trabalho de mapeamento, de apalpar o terreno e ir falar com as pessoas, propor esta ideia e ver qual era a recetividade, e depois criarmos uma lista de artistas. Achámos que, para além dessa seleção, era uma boa ideia organizar também uma “open call ”, ou seja, uma abertura à comunidade para que haja a possibilidade das pessoas virem ter connosco e também proporem-se a participar.

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Cultura

“A Arte é um Processo Inerente à Vida.”

Há uma mensagem que não é propriamente um slogan, mas que nos move a fazer o que fazemos, que a arte é um processo inerente à vida. Nem todos fazemos arte, mas todos temos competências expressivas e criativas, e se isso for desenvolvido tudo vai ser melhor na nossa vida [...] E então através desta democratização do fenómeno artístico, esta coisa de procurar espaços não convencionais, abrir a toda a gente, pôr em contacto o Nem todos fazemos arte, mas todos temos competências expressivas e criativas, e se isso for desenvolvido tudo vai ser melhor na nossa vida [...] E então através desta democratização do fenómeno artístico, esta coisa de procurar espaços não convencionais, abrir a toda a gente, pôr em contacto o artista e o público, até porque essas são esferas que normalmente não estão em contacto. O público contacta com a obra de arte sem aceder à instância do artista, que é o criador. Então, ao contactar com o criador vai desconstruir uma série de ideias, porque afinal o artista nem é assim aquela personalidade estranha e esquisita, são pessoas acessíveis e isso acaba por lá estar. Desmistificar e democratizar o fenómeno artístico, acho que a mensagem é essa.

P: Vocês têm um tema ou algo específico que pretendem mostrar em cada edição juntamente com os artistas? R: Mais do que um tema, nós temos ideias em mente que queremos realizar e, de seguida, vemos se há algum denominador comum ou não. No passado tentamos trabalhar a inclusão e uma das coisas que fizemos foi uma residência artística com o ilustrador Tiago Galo que, com a participação da comunidade da AAPACDM, que é a Associação Algarvia de Pais e Amigos de Crianças Diminuídas Mentais, criou e pintou o mural que está na Rua do Compromisso. Portanto, o tema que nos guiou foi a inclusão. Neste ano vamos também fazer uma atividade que procura incluir e explorar a questão da saúde mental. E basicamente sim e não: temos um tema, mas no fundo nós temos mesmo coisas que queremos fazer e elas nem sempre ficam debaixo desse guarda-chuva do tema. P: Acredita que o objetivo de crescimento/conhecimento dos artistas locais está a ser alcançado? R: Eu acredito que sim, mas é complicado, porque estas coisas de dinâmicas de criação de público demoram muito tempo, não têm resultados imediatos. Qualquer coisa que se queira fazer a nível social tem um tempo longo de implementação. Estamos a falar da quarta edição e na minha perspetiva individual de trabalho e de investimento pessoal é muito, mas do ponto de vista social e cultural é pouco. Então, eu acredito que sim, mas são processos subtis.

P: O que podemos esperar para a edição da Open Studio 2023? R: Eu não posso falar por nós todos, mas eu acho que de facto 2023 está em aberto porque um evento desta natureza é um evento que tem de ser sempre reconfigurado, repensado, revisto, não queremos que caia no erro de ser mais do mesmo sempre. Neste momento ainda estamos à espera de olhar para trás, ver como é que correu o evento de 2022, observarmos as dinâmicas, o crescimento dos números ao longo dos quatro anos, vermos qual é a recetividade que vai ter este novo evento que estamos a fazer este ano, que é um leilão de arte de solidário, ver qual é a chegada aos públicos e depois de olhar para trás e analisar isso tudo, ver então como é que vamos desenhar o projeto de 2023.

P: Qual é a principal mensagem que pretendem transmitir com a realização do vosso projeto? R: A mensagem dos Open Studios é uma mensagem de abertura, como o próprio nome indica, é um pouco desta ideia.

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Entrevista com a artista e tatuadora, Sara da Uraeus Estúdio A aclamada artista Sara, formada em Ciências da Comunicação na Universidade do Algarve e em Arte Contemporânea e Curadoria, é a fundadora do projeto Uraeus Estúdio e vai estar presente pelo segundo ano consecutivo no Open Studios Faro. Tivemos a oportunidade de conversar um pouco sobre o que envolvia o seu trabalho e arranque do “Open Studios Faro” no dia 21 de outubro de 2022. O Uraeus Estúdio é feito a pensar em pessoas que apreciam arte, boa música e que procuram um ambiente íntimo, casual e relaxado. O estúdio funciona à porta fechada de forma a existir privacidade e total atenção ao projeto de cada pessoa.

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Cultura

MUNDO CONTEMPORÂNEO: O que te fez tornar tatuadora? SARA: Surgiu ao acaso. Apostei nas tatuagens durante a pandemia. Se não fosse o COVID muito provavelmente eu estava a trabalhar para uma empresa, mais de 8 horas por dia e infeliz. Deu-me uma perspetiva completamente diferente sobre o que realmente queria atingir. Foi muito à base da experiência e pesquisa. De ir ao encontro dos objetivos pessoais e profissionais. Eu não estava contente e achei que seria uma excelente oportunidade para investir em algo que me deixasse feliz. Eu gosto de desenhar, sempre gostei e por acaso até foi na universidade que comecei a olhar para o desenho e para a arte com mais curiosidade e afinco. É a minha meditação, então achei que poderia trabalhar em algo mais relacionado com a área artística. Por isso, com as minhas últimas poupanças, mandei vir uma máquina de aprendiz e experimentei. E pronto, coloquei as mãos na “massa”. Comecei a tatuar em fruta e apaixonei-me pelo processo, pela arte em si e aqui estou.

P: Quais são os teus objetivos na produção de tatuagens de cada cliente que recebes? R: Eu sempre quis ter um espaço que fosse mais íntimo. Gosto muito de criar uma ligação com a pessoa e quero toda a minha atenção focada nela. Quero ter tudo programado de maneira que, assim que a pessoa chegue, se sinta confortável, segura, tranquila e feliz com o resultado. O meu objetivo aqui, para além do trabalho final, é contribuir para uma experiência positiva não só para mim como para o cliente. P: Com que propósito aderiste ao "Open Studios"? R: Participei no ano passado e fazendo parte da Galeria Gama Rama automaticamente integro-me neste projeto, que tem sido incrível e onde acabo por ter contacto com inúmeros artistas e os seus trabalhos. P: Qual é a tua opinião sobre o desenvolvimento da cultura e arte na cidade de Faro? R: Desde que vim para Faro, sinto que ao longo deste tempo têm apostado mais na parte cultural. Cada país/cidade tem a sua identidade e estarmos a apostar na nossa arte local acaba por ser uma mais valia. É assim que somos reconhecidos lá fora, em diversas áreas. O facto de ainda existir espaço para crescimento, permite a cada um de nós ter a oportunidade de participar no desenvolvimento da cultura na cidade de Faro. Várias entidades têm contribuído para este desenvolvimento como por exemplo a Gama Rama que tem dinamizado muito a arte e eventos culturais. Têm apostado bastante na ligação com os artistas e realizado atividades como workshops para adultos e crianças de música, pintura, cerâmica, joalharia e muito mais. A Associação Recreativa e Cultural de Músicos é mais um grande exemplo, entre outros, na aposta nas artes e cultura em Faro.

P: Optaste pelo uso das tintas vegan. Como foi feita a escolha e o que procuras transmitir para os clientes? R: Acho que atualmente a maioria dos tatuadores utiliza a tinta vegana. Desde que soube que queria tatuar e que queria abrir o meu próprio estúdio, fazer disso a minha vida profissional, sabia que esta área teria muito desperdício. Estamos a trabalhar com sangue, logo é importante ter um local que cumpra com a higiene e segurança. São produtos/materiais contaminados, portanto a maior parte do material que utilizo não é reutilizável. Ainda assim, hoje em dia, já há algumas opções de produtos biodegradáveis. Acima de tudo quero dar segurança e utilizar bons produtos com os meus clientes.

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“O FACTO DE AINDA EXISTIR ESPAÇO PARA CRESCIMENTO, PERMITE A CADA UM DE NÓS TER A OPORTUNIDADE DE PARTICIPAR NO DESENVOLVIMENTO DA CULTURA NA CIDADE DE FARO.” P: Qual é a maior dificuldade que vês no P: Qual é que foi o momento que te marcou mercado de tatuagens, ou arte no geral, em mais aqui no teu estúdio? Portugal? R: Eu não me recordo de um específico porque R: Eu acho que não só em Portugal, mas como há sempre imensas coisas a acontecer. Em em todo o mundo, as tatuagens têm vindo a ter, fevereiro, o estúdio vai fazer dois anos e é ótimo ao longo do tempo, outro reconhecimento o que já ter clientes que vêm fazer orçamentos, que não é mau de todo. As pessoas acabam por querem especificamente o meu trabalho e que ultrapassar aquele preconceito que existia com muitos deles no final acabo por criar uma antigamente e a ficar muito mais à vontade com amizade. Para mim, cada um desses momentos a ideia da tatuagem e a querer marcar algo na são gratificantes. pele. O Uraeus Estúdio é um projeto que criei e que Tem existido mais apostas no que toca à arte da tenho vindo a desenvolver com o apoio de tatuagem. Muitos estúdios, mais tatuadores e amigos e do meu namorado. Desde o ínicio que isso resulta numa grande oferta. No entanto, o todos os momentos têm sido marcantes de facto de isso acontecer, requer também uma alguma forma. O mais importante é saber que os maior pesquisa por parte do cliente para garantir clientes saem do estúdio felizes com o resultado que vão ao sítio certo. e com a memória e uma experiência que ficará Cada tatuador tem a sua característica e estilo de para a vida. trabalho (tradicional, microrealismo, realismo,etc). É importante entender se o estilo do tatuador se encaixa com o desenho/ideia do cliente. Imagens: Beatriz Morais

Beatriz Morais

Rafaella Pires

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Clara Pires

Maria Afonso


Cultura

Beatriz Cabral Mariana Martins

THE WOM UMA INSP PARA TO MULH

The Woman King retrata a história de Nanisca, uma comandante África nos séculos XVIII e XIX.

Este filme é uma história memorável das Agojie, uma unidade de guerreiras que combate o reino africano de Daomé. Este grupo, composto apenas por mulheres, foi criado devid do sexo masculino como troca de mercadorias. O principal objetivo de Nanisca é conven O protagonismo, neste enredo, pertence a Viola Davis que faz o papel de Nanisca. Partil mas, por ser considerada rebelde e não se querer casar, é entregue pelo pai ao rei. Durante o enredo é notória a vasta descrição dos sacrifícios que aquelas mulheres pa mulheres atravessavam a dureza dos treinos e das provas, a rejeição de um relacionamen rei. Um dos grandes focos deste enredo é o feminismo. A persistência das mulheres na vonta o seu destino é notória. Este é um filme que exibe o empoderamento das mulheres, fazen capazes de superar os seus piores medos. É uma narrativa protagonizada por mulheres, feita por mulheres e especialmente para as É uma narrativa protagonizada por mulheres, feita por mulheres e especialmente para as mulheres. Não existe o herói branco nem o homem que as salva num momento crítico. A personagem Nanisca, ao revelar uma história traumatizante do seu passado, mostrou ao espectador um lado mais frágil da mulher. História essa que foi, e continua a ser, uma realidade vivida por muitas mulheres. O abuso sexual era algo bastante comum naquela época, as mulheres eram vistas como submissas e um alvo fácil. Muitos homens acreditavam que a recorrência à violência era algo necessário. Esta longa metragem é inspirada numa história verídica, baseada em acontecimentos que se passaram no século XVIII e XIX, no reino de Daomé, na África Ocidental. A líder do grupo é uma personagem fictícia. No entanto, as Agojie existiram realmente e eram guerreiras que formavam um dos regimentos militares do Reino do Daomé, onde se situa o atual Benim. Eram chamadas amazonas por ocidentais e historiadores, devido à semelhança com as míticas guerreiras da antiga Anatólia e do Mar Negro. Algo bastante interessante no filme são as tradições e costumes da população africana.

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MAN KING: PIRAÇÃO ODAS AS HERES do exército do Reino de Daomé, um dos locais mais poderosos da

eu contra todos aqueles que tentaram escravizar o seu povo, lutando assim, para proteger do ao enfraquecimento da população masculina. O reino viu-se obrigado a usar escravos ncer o rei a acabar com o tráfico humano e a fazer uma reconversão económica do país. lha o palco com Thuso Mbedu, que interpreta Nawi, uma jovem que mora com a família

assaram para pertencer àquele grupo restrito de heroínas. Para pertencer às Agojie, as nto com o sexo oposto, a abdicação da maternidade e eram treinadas para dar a vida pelo

ade de se libertarem do poder masculino e a necessidade de serem elas próprias a definir ndo ver ao espectador que estas são seres fortes e lutadores, que não desistem e que são mulheres. Não existe o herói branco nem o homem que as salva num momento crítico. As vestes das guerreiras, elaboradas com a preocupação de que estas se conseguissem movimentar sem qualquer problema, foram concebidas através do uso de técnicas africanas. Os acessórios e penteados utilizados pelas personagens dão vida à cultura africana. As armas manuseadas pelas guerreiras nos momentos de combate enfatizam o poder destas mulheres, pois fazem-nos ver que apenas com lanças, cordas, objetos cortantes e até as suas próprias unhas estas conseguem sair vitoriosas de batalhas contra exércitos masculinos armados. Apesar da pobreza vivida pela maior parte da população devido ao comércio negreiro, África é um continente rico em matérias-primas. No filme é destacado como exemplo o óleo de palma, matéria-prima bastante rentável. As canções e danças visíveis em algumas cenas revelam que a arte era muito presente no quotidiano, tanto em momentos de alegria, como em momentos mais difíceis, utilizada, por exemplo, como forma de incentivo. Humanizar as personagens foi um dos grandes objetivos e preocupações do elenco, procurando levar representatividade, visibilidade e protagonismo a quem normalmente não o tem. Esta obra cinematográfica procura transmitir uma reflexão sobre muitas situações recorrentes no nosso dia a dia, apesar de ter um enredo baseado em acontecimentos do passado.

Imagem: Dionn Reneé

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Cultura

Tiago

Entender o Pinóquio

Não vou mentir, a escolha do tema para este texto deume bastantes dores de cabeça. Talvez por não me identificar com a maioríssima parte dos eventos culturais que decorrem neste momento. Eis que, numa tarde frustrante, surge uma luz. Uma luz, uma câmara e uma ação, ou várias ações, que culminaram no filme Pinocchio. Dia 15 de outubro deste ano estreou mundialmente o filme Pinocchio, realizado por Guillermo del Toro e Mark Gustafson. Apesar de já todos conhecermos a história do menino de madeira, del Toro argumenta em várias entrevistas que a sua adaptação se distancia das obras já existentes, na medida em que tem um cariz mais pesado, começando mesmo pela época histórica em que se enquadra: o período fascista italiano com Mussolini no poder.

Del Toro diz que no seu filme, ao contrário do seu homólogo, tornar-se humano não significa mudar-se ou mudar o outro, mas sim entender. E é aqui que quero chegar. Nos últimos anos temos visto movimentos que têm posto em causa este valor básico do ser humano, seja em manifestações políticas ou sociais (ou neste caso, antissociais), seja na Internet ou em tantas outras formas e feitios. A palavra a realçar é mesmo ENTENDER, algo que se tem perdido. No ano de 2016, a esfera política foi revolucionada. Chegou ao poder não uma pessoa, não uma vaga de ideias, mas sim uma ideologia, escoltada de um culto de personalidade assente no preconceito e na descriminação. Por palavras que se enquadram neste tema: Rejeição do entendimento.

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Sousa

Del Toro também menciona os conceitos de ideia e ideologia, diferenciando-os: uma ideia é construída através da experiência, compaixão e entendimento; enquanto que uma ideologia é algo dado ao indivíduo a deverá obedecer cegamente. Seis anos depois, num mundo que agora sabe como é viver num capítulo de um livro de História, apesar de já não estar a tal ideologia em vigor, a mesma deixou manchado o mundo. Em pleno século XXI, a falta de entendimento caracterizada pela apatia é algo que paira sobre a sociedade. Mas, voltando ao comentário de Del Toro, a desobediência permite a evasão a esta quebra de humanidade, daí o realce da sua importância. A escolha de um filme de animação é uma maneira brilhante para transmitir uma mensagem positiva, sobretudo aos mais novos, cujas palavras que lhes chegam ainda não os atingem da mesma forma do que a alguém com mais tempo de vida. É fácil ⁠— recordando alguns filmes de animação mais antigos, no entanto.. ainda atuais e que fizeram Imagens: Netflix parte da nossa infância ⁠— compreender e seguir a sua mensagem: a Cinderela ensina-nos a ver uma pessoa para além da sua aparência e do seu estatuto; o Rei Leão, ensina-nos acerca da responsabilidade e da passagem de sabedoria dos mais velhos para os mais novos, assim como a velha lição de que o mal nunca vence; Peter Pan ensina-nos a nunca deixar de sonhar e acreditar; a Mulan ensina-nos que independentemente de quem somos, com esforço e dedicação é possível superar as dificuldades e alcançar todos os nossos objetivos. Isto referindo-me à versão animada dos filmes mencionados, não às versões lançadas recentemente em live-action, que isso dá pano para mangas e é conversa para outro dia. Outro aspeto que gostaria de realçar é que, tanto com os filmes do Rei Leão como com o do Pinóquio, é possível sentir empatia (e consequentemente entendimento) por animais ou bonecos de madeira fictícios. Portanto, antes de sumariar os meus pensamentos, gostaria de perguntar a todos: se é possível ter empatia por um ser inexistente, como uma personagem animada de um filme, porque é que não se a há-de ter por outro ser humano? O filme de animação da Disney foi lançado em 1940. Com o tema do entendimento em falta nos dias de hoje, a meu ver, é uma sorte estrear-se o Pinocchio.

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Desporto

4 HORAS DE PORTIMÃO, O FINAL EXCECIONAL DA ELMS

PELO SEXTO ANO CONSECUTIVO O AUTÓDROMO INTERNACIONAL DO ALGARVE RECEBEU A ÚLTIMA RONDA DO EUROPEAN LE MANS SERIES (ELMS), UMA CORRIDA REPLETA DE AÇÃO QUE FINALIZOU AS CONTAS DO CAMPEONATO. FOI A PREMA RACING QUE SAIU VITORIOSA APÓS UMA CORRIDA DOMINANTE QUE CONSAGROU JUAN MANUEL CORREA, LOUIS DELÉTRAZ E FERDINAND HABSBURG CAMPEÕES DA CLASSE PRINCIPAL. Após as cinco primeiras corridas do campeonato foi a vez do Autódromo Internacional do Algarve receber a última ronda da competição europeia, onde ainda estava tudo por decidir. A corrida foi repleta de ação e emoção, dadas as condições climatéricas instáveis que permitiram à criatividade e poder estratégico das equipas brilhar.

A equipa entrou nesta última ronda como grande favorita ao título dada a sua vantagem de 24 pontos para o segundo classificado, precisando apenas de um ponto para se estabelecer como campeã. Ainda assim, a Prema Racing demonstrou um grande desempenho durante todo o fim de semana. Qualificaram-se em segundo lugar no sábado e ganharam a corrida no domingo com uma estratégia eficaz e várias trocas de posição.

Os pilotos por sua vez também demonstraram o seu talento. A maior parte da corrida efetuou-se com o céu nublado e momentos recorrentes de chuva. Foi já com o sol a brilhar na pista que Louis Delétraz, ao volante do carro 9 da Prema Racing, atravessou a linha da meta para ganhar a corrida e o campeonato da classe principal (LMP2).

Na subclasse da LMP2 Pro-Am foi a Racing Team Turkey a ganhar com o carro 34 conduzido por Jack Aitken — que fez a volta mais rápida na qualificação — Salih Yoluc e Charlie Eastwood. Com esta vitória os mesmos consagraram-se campeões. 36


Na classe LMP3, foi o número 17 da Cool Racing, guiado por Mike Benham, Maurice Smith e Malthe Jakobsen que levou a melhor no campeonato. A vitória foi possibilitada pelas complicações que Guilherme Oliveira, desta categoria, teve na sequência de um acidente em pista, fazendo assim com que o carro 13 da Inter Europol Racing ficasse fora da corrida e do campeonato nos últimos 12 minutos da corrida.

A Algarve Pro Racing, equipa portuguesa que participa na categoria LMP2 há 9 anos, acabou a corrida com o primeiro carro na 5ª posição e o segundo carro, que fazia parte da categoria Pro-AM, a desistir devido a um acidente que os fez retirar-se da prova. O campeonato de 2023 da ELMS começa dia 23 de abril com as 4 Horas de Barcelona e volta a Portimão novamente como última ronda da competição a 22 de outubro.

Já na classe GTE, experienciou-se um momento histórico na competição com a vitória do carro 83 da Iron Lynx (“Iron Dames”). Doriane Pin, Michelle Gatting e Sarah Bovy tornaram-se na primeira tripla de pilotos totalmente feminina a ganhar uma corrida na ELMS. Nesta classe foi o Porsche Nº 77 da Proton Competition a conquistar o campeonato com os pilotos Gianmaria Bruni, Lorenzo Ferrari e Christian Ried, que acabaram em 5º lugar, não tendo a oportunidade de subir ao pódio. Nesta corrida participaram também os portugueses Henrique Chaves e Miguel Cristóvão. Miguel Cristóvão correu na mesma categoria de Guilherme Oliveira (LMP3). O piloto da Eurointernational acabou na 9ª posição com o seu companheiro de equipa Xavier Lloveras. O par começou a corrida em 7º lugar, subindo logo a posição de pódio nas primeiras voltas da corrida, mas acabou por cair várias posições devido a incidências ao longo da prova. Henrique Chaves, por sua vez, arrancou de penúltimo lugar com o Aston Martin da TF Sport acompanhado de Jonathan Adam e John Hartshorne, que não tiveram uma corrida brilhante, acabando com uma desistência após uma colisão com o carro de Guilherme Oliveira nos últimos momentos da competição.

Imagens: Dinis Dias

Francisco Salgueiro Dinis Dias

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Desporcto

Heróis d

Heróis do Mar, nobre povo. Com pouco fazemos muito, e surpreendemos quem menos esper feroz Adam Nação valente e imortal. O sucesso constrói-se a partir dos fracassos, e há qu Quatro forças foram escolhidas para levar o nosso bom nome a todo o planeta. Neste exércit Dragões e Guerre Mal sabe o mundo que, dentro de casa, estes quatro são como irmãos cuja relação se baseia verdade é que nestes últimos anos tem sido uma corrida a

AS ÁGUIAS

OS LEÕES

As asas pareciam semifechadas e o voo de baixa altitude, quando chegou o fim da temporada, e nada fazia esperar o excelente arranque nesta nova fase. São mais de 20 voos e nem uma única queda. No território onde habitam, são elas quem lidera o topo da tabela. E na Europa, alcançam até o pico mais alto e mais difícil (PSG e Juve), mostrando que apesar de terem terminado os anos anteriores de forma mais discreta, não dão pena, abrindo as asas e espalhando felicidade a quem sofre com as suas derrotas, e a quem chora de alegria com as suas conquistas. Mas cuidado, pois quanto maior o voo, maior é a queda. Há que manter as garras bem assentes na terra, e não deixar que o furacão da vaidade e do deslumbramento as leve para o abismo que culmina no desleixo, e que as fará voltar para onde já foram infelizes.

O Rei da Selva, o mais deslumbrante e vistoso animal que se desloca pelos caminhos incertos da savana. Faminto de títulos, vem determinado a caçar as suas presas, uma a uma. Mas, infelizmente para este leão, satisfazer a sua fome não está a ser assim tão fácil. As presas mostram-se cada vez mais fortes e mais resistentes. É como se o seu rugido já não surtisse efeito naqueles que se atravessam no seu caminho. Fora de portas, reinou assim que chegou. Com as suas exibições fez chegar o brilho, a majestosidade, e a suavidade do balançar da sua bela e sedosa juba a todos aqueles que, atentamente, observavam os seus confrontos. Mas esse brilho rapidamente desvaneceu. As suas grandes vitórias depressa foram esquecidas, e paira agora na atmosfera uma neblina, à espera de ser desfeita pelo rugido feroz e raivoso, que ainda há de voltar.

Dentro de quatro paredes, concorrem braviamente por um lugar de destaque, onde todos se possam para defender e levar o nome da famí Heróis do mar, nobre povo, que dentro do mesmo território caminham em correntes desencontr Portu 38


do Mar

ra pelo nosso sucesso. Não deixamos de acreditar, ainda que do outro lado esteja o temível e mastor. ue saber que temos de nos erguer cada vez que enfrentamos uma derrota. to, congregam-se poderes provenientes de mundos completamente distintos. Águias, Leões, eiros do Minho. numa disputa constante. Todos querem ser os melhores. Todos querem ser os maiores. E a acesa que nem sempre termina com o mesmo vencedor.

OS DRAGÕES

OS GUERREIROS DO MINHO

Animal fantástico, presente na mitologia chinesa, grega e nórdica. Uma serpente que altivamente se desloca em direção ao seu destino, amedrontando quem se intromete e tenta desviar o seu rumo. As suas sublimes e monumentais asas não só protegem as mais recentes conquistas como também lhe permitem almejar voos de maior dimensão. O bater veloz destas membranas atordoa quem debaixo do remoinho, por elas causado, se deixa ficar. E num mundo onde tudo é possível, misturamos realidade e fantasia, para dar ênfase a esta corrida apaixonante entre Águias e Dragões, que fazem do céu palco e centro desta grande rivalidade. Mas quem viaja para outros mundos corre o risco de ficar completamente fora do seu habitat natural. E não foi diferente para este gigante da mitologia. Dos seus primeiros confrontos saiu destroçado, mas não foi isso que deitou por terra a esperança e convicção de que melhores prestações estariam por vir. Com gana, expeliu uma extraordinária nuvem de fogo, anunciando — em grande estilo — o seu regresso e deixando em estado de alerta todos aqueles que um dia pensaram que este estupendo animal estaria arruinado.

Simples indivíduos. Sozinhos são vulneráveis, impotentes, um alvo fácil de abater. Porém, juntos, fazem da sua força conjunta uma mais-valia. Enfrentam diariamente várias batalhas. Muitas vezes, injustas. Vêm-se obrigados a ter de confrontar animais mitológicos, leões, e ainda as águias. E isto tudo com uma simples espada, que no meio de tantos outros poderes acaba por se tornar banal. Mas o que faz do ser humano uma espécie especial e distinta de todas as outras é a sua fácil adaptabilidade, e não é por acaso que com o passar dos anos se tem debatido — cada vez mais — olhos nos olhos com estas três grandes espécies. Mas tal como os outros seres, também o Guerreiro tem a vontade de explorar novos territórios, e a verdade é que os triunfos, aos poucos, vão surgindo. E com eles, a confiança e a crença de que se calhar, com o trabalho contínuo e com a dedicação certa, é possível chegar mais longe.

m curvar a seus pés. Mas fora de casa, travam complexas batalhas e percorrem caminhos adversos ília até aos quatro cantos do mundo. radas. Nação valente e imortal, que remas no mesmo sentido para levar a bom porto o nome de ugal. 39

Eduardo Martins


Desporto

ÁGUIAS E DRAGÕES

Imagens: Twitter/ FC Porto ESTA RIVALIDADE JÁ REMONTA AOS PRIMÓRDIOS DO FUTEBOL PORTUGUÊS. OS JOGOS ENTRE AS ÁGUIAS E OS DRAGÕES TÊM UM SIGNIFICADO PARA ALÉM DA PARTIDA DE FUTEBOL EM SI: SÃO UMA FORMA DE MEDIR A FORÇA ENTRE O NORTE E O CENTRO, QUASE COMO UM GRITO DE REVOLTA DOS RESIDENTES DO PORTO CONTRA OS DE LISBOA, AS DUAS CIDADES MAIS INFLUENTES DO PAÍS.

Estes duelos são sempre rodeados de muito mediatismo e de muita polémica dentro e fora das quatro linhas, pois mexem com as duas bases de adeptos mais afetas, por isso certamente haverá tumultos. No jogo marcado para dia 21 de outubro, em caso de vitória benfiquista, este isolar-se-á na primeira posição do campeonato, algo necessário para a conquista do título da primeira liga que foge das mãos dos jogadores encarnados desde a época 2018-2019. Todos os clássicos são importantes, mas este tem um toque especial pois pode aumentar significativamente a distância entre os clubes na classificação, deixando o Benfica a 6 pontos dos rivais. Já os azuis e brancos procuram aproximar-se do primeiro lugar para revalidar o campeonato da época passada. Ambos os clubes perderam jogadores importantes na última janela de transferências.

Uns foram iluminar as estrelas que muitas vezes ficam apagadas, e outros foram para a Premier League, a melhor liga do mundo. Esperemos que vença a verdade desportiva, o que por vezes é difícil em Portugal. Independentemente do resultado que o placar marcar, será um bom espetáculo com os melhores jogadores da liga. O lado azul conta com nomes bem conhecidos, desde Mehdi Taremi, o avançado mergulhador, a Diogo Costa, o guardião da Seleção das Quinas, até ao mais novo jogador da Seleção, Otávio. Já do lado vermelho temos craques como Rafa Silva, o olhanense Gonçalo Ramos e ainda João Mário. Águias e dragões aproximam-se mais uma vez de um confronto. Mais uma época, mais dois clássicos para medir egos entre dois gigantes do futebol nacional e europeu.

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Leandro Lopes


Desporto

Com o Flamengo avassalador nos primeiros momentos, após assistência magistral de Everton Ribeiro, Pedro coloca o time carioca na frente com um toque por baixo do histórico guarda-redes corinthiano, Cássio. No começo da partida o Flamengo obteve 82% de posse de bola contra 18% do Corinthians, no entanto a primeira metade terminou com os times empatados nesse quesito. Por conta deste aumento da posse de bola ficou explícito uma melhora de desempenho do time paulista, que comandara as ações para a sequência do jogo. Na segunda metade, o técnico português excampeão nacional com o Porto, Vítor Pereira, preparou uma mudança tática. A troca do defesa esquerda Lucas Piton pelo extremo direito Adson mudava o esquema do Corinthians do 5-3-2 para o 4-3-3 com mais presença de área e extremos abertos que espaçavam a última linha defensiva flamenguista. Com os gaviões pressionando o Flamengo contra o seu campo de defesa e finalizando mais que o adversário, era só uma questão de tempo até o empate. Este veio aos 82 minutos após cruzamento de Mateus Vital e toque magnífico de Fábio Santos com o calcanhar, a bola se apresentou radiante para Giuliano recolocar o Corinthians no jogo. O Corinthians seguiu em busca do gol da vitória, mas a 34° final da Copa do Brasil merecia um desfecho ainda mais emocionante, disputa de penáltis. Logo na primeira cobrança, o gigante Cássio defendeu o chute de Filipe Luís e encheu de esperança os 30 milhões de adeptos corinthianos devotos de São Jorge. Mas o enredo dessa final reservava uma última reviravolta. Os alvinegros Fagner e Mateus Vital desperdiçariam suas cobranças, dando a Rodinei a bola do jogo. O defesa direito rubro negro, extremamente criticado pelos adeptos por marcar um auto golo em partida disputada pelo campeonato brasileiro contra esse mesmo adversário, não titubeou e colocou a bola no fundo das redes, dando aos 45 milhões de adeptos rubro-negros devotos de São Judas Tadeu, o santo das causas impossíveis, mais um milagre para comemorar. E para a felicidade da nação eles podem gritar, é campeão.

O CORINTHIANS LUTOU ATÉ O FIM, MAS O FLAMENGO LEVOU A MELHOR NOS PENALTIS E É CAMPEÃO DA COPA DO BRASIL DE 2022 Uma final moldada pelas duas maiores torcidas do Brasil, uma final das duas cidades com maior visibilidade da terra canarinha, a decisão entre Corinthians e Flamengo foi uma história contada em 180 minutos de jogo e mais 14 cobranças de pênaltis que resultaram no rubro-negro carioca como o campeão. Para contar esse enredo, é preciso voltar para o dia 2 de agosto de 2022, o primeiro duelo decisivo entre as duas equipes que foi pela Libertadores da América. Nesses confrontos pela Libertadores, o Flamengo saiu vitorioso, venceu com propriedade os dois jogos e não levou um gol sequer da equipe alvinegra. Passando para o dia 15 de setembro, quando o Corinthians confirmou a vaga para a final da Copa do Brasil, o adversário seria o seu algoz da Libertadores. Um sentimento de revanche era visível no ar. Um possível adeus de Vítor Pereira, treinador do alvinegro, também era uma possibilidade, enquanto do lado rubro-negro o clima era de tranquilidade e estabilidade com Dorival Jr: o único problema era a pubalgia de Giorgian De Arrascaeta. Esse confronto, segundo o site GOAL, já ocorreu 147 vezes na história (contando os dois jogos da Copa do Brasil deste ano), com 61 vitórias do Flamengo, 32 empates e 54 vitórias do Corinthians. No jogo da Neo Química Arena, que ficou 0-0 com polémicas de arbitragem, os corinthianos reclamaram de um penálti não ter sido dado em um toque de mão do atleta Léo Pereira. Do lado flamenguista, a reclamação foi a perda do atleta João Gomes, por ter tomado o terceiro cartão amarelo em um lance questionável, ficando de fora do jogo decisivo no Maracanã. A decisão do dia 19 de outubro foi extremamente disputada e de alternância no domínio do jogo. 41

Nota: Texto redigido em português do Brasil

Bruno Henriques

Daphny Lima


Desporto

A TEMPORADA DA NBA 2022/2023 A TEMPORADA DE 2022/2023 DA MAIOR LIGA DE BASQUETEBOL DO MUNDO COMEÇOU NA MADRUGADA DE 19 DE OUTUBRO E JÁ EXISTEM PREVISÕES PARA AS EQUIPAS QUE INTEGRAM OS MELHORES JOGADORES DO PLANETA. A NBA (National Basketball Association) é, sem dúvida, a principal competição de basquetebol masculino do mundo. O basquetebol é um dos desportos mais vistos nos Estados Unidos da América, juntamente com o futebol americano e o basebol. A liga conta com 30 equipas que lançaram nomes como Kobe Bryant, LeBron James e Michael Jordan que até aos dias de hoje continuam a inspirar milhões de pessoas. Fundada a 6 de junho de 1946, a organização forma jovens que têm o sonho de um dia serem tão conhecidos pelas suas habilidades como os seus ídolos. A pré-época da melhor liga do mundo começou na madrugada do dia 30 de setembro. Os treinadores puderam colocar em prática os seus jogadores, prontos para mais uma temporada em jogos de preparação. Esta foi também mais uma oportunidade para observar os novos novatos que começam a sua jornada na NBA. O jogo inaugural entre os Golden State Warriors e os Washington Wizards realizou-se em Saitama, no Japão.

Na tão esperada noite de abertura da NBA, os campeões Warriors venceram os Lakers por 123-109 no Chase Center, em São Francisco. Os heróis de Golden State arrancaram a defesa do título depois de receberem os seus anéis e apresentarem ao mundo do basquetebol a típica faixa de campeões da época de 2021/2022. Na mesma noite, os Celtics derrotaram os Sixers por 126117, em Boston. Neemias Queta, que colocou o nome de Portugal na história da NBA, esteve presente nos primeiros testes do plantel dos Sacramento Kings. O jogador mais querido dos portugueses esteve presente nos 4 jogos dos Kings na pré-época e somou minutos à sua carreira. Com vitórias sobre os Lakers, Trail Blazers e Suns, o rendimento foi positivo e existe esperança para uma boa classificação. Apesar de ter vários outros jogadores na posição de poste, o atleta luso procura ganhar mais espaço na equipa e somar pontos. A equipa de Sacramento procura afirmarse na liga e alcançar uma oportunidade de chegar aos playoffs. Só uma coisa é certa, Portugal vai estar colado ao ecrã para ver as prestações do menino de ouro.

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Imagem: Joe Robbins

Carolina Araújo

João Costa


Previsões No que toca às equipas favoritas, os Golden State Warriors, que depois de terem conquistado o título que lhes escapava há três épocas, procuram erguer novamente o troféu Larry O’ Brien. Apesar de terem perdido peças importantes tais como Otto Porter e Gary Payton II, os Warriors reforçaram-se com Donte DiVicenzo dos Sacramento Kings, e obviamente continuam com o rei do lançamento de 3 pontos e atual MVP das finais — Stephen Curry. Já a época de 2021/2022 dos Boston Celtics acabou em desilusão com a derrota frente aos Golden State Warriors nas finais por 4-2. Tendo o melhor conjunto de jogadores jovens da liga em Jayson Tatum, Jaylen Brown, Marcus Smart e Robert Williams III, a equipa de Boston acrescentou Blake Griffin e promete um futuro brilhante, mas sabem que voltar às finais será muito difícil. Liderados por Giannis Antetokounmpo, Khris Middleton e Jrue Holiday, os Bucks estão sedentos de vingança depois de falharem o objetivo da época transata que era a revalidação do título conquistado em 2021. No entanto, por terem o “Greek Freak” Giannis no seu plantel, serão sempre considerados para a corrida ao título. Após 16 meses de recuperação de lesão, Kawhi Leonard volta ao campo para juntar-se a Paul George, colocando de novo os Los Angeles Clippers no centro das atenções. Na conferência Oeste, os Los Angeles Lakers de LeBron James vêm da época mais desapontante da história da franquia; Os Dallas Mavericks, do principal candidato a MVP Luka Dončić, procuram chegar às finais depois de terem caído aos pés dos eventuais campeões de 2022 Golden State Warriors. Entre outras equipas desta conferência, existem algumas expectativas para os Phoenix Suns, Denver Nuggets, Memphis Grizzlies e os Minnesota Timberwolves que prometem lutar pelos primeiros lugares na classificação. Quanto à conferência Este, os Brooklyn Nets de Kevin Durant e Kyrie Irving foram eliminados por 4-0 na primeira ronda dos playoffs da temporada anterior e contam, finalmente, com Ben Simmons. Os Philadelphia 76ers, de Joel Embiid -- que também foi considerado para MVP -- e James Harden, apesar de terem um dos melhores plantéis da liga, têm visto desilusão época após época; Os Miami Heat, que procuram conquistar o título que lhes escapa desde 2013, foram finalistas da conferência na temporada passada. Os Cleveland Cavaliers, New York Knicks de Derrick Rose, Chicago Bulls, Atlanta Hawks de Trae Young e a equipa canadiana Toronto Raptors pretendem disputar um lugar nos playoffs. As equipas que têm menos chances de ir aos playoffs incluem os Houston Rockets, os Oklahoma City Thunder, os San Antonio Spurs, os Portland Trail Blazers de Damian Lillard, os Utah Jazz, os Charlotte Hornets, os Indiana Pacers, os Detroit Pistons, os Orlando Magic e finalmente os Washington Wizards. A recompensa para estas equipas no final da época poderá ser a escolha número 1 do Draft de 2023, o poste francês Victor Wembanyama, considerado o melhor jovem a chegar à liga desde LeBron James em 2003. Os jogos desta temporada vão ser transmitidos em direto na SPORT TV, durante a madrugada devido ao fuso horário. A SPORT TV está disponível nas posições 20 à 26 da NOS e na 21 à 27 da MEO.

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Curso de Ciências da Comunicação, 2º Ano


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