DMB - Edição #10

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Carta do diretor Lucas Fernandes É impressionante como o tempo passa rápido. Já fazem dois anos do lançamento da nossa primeira edição. No começo de 2013 entrei em contato com Tiago Krusse, diretor da Design Magazine com sede em Portugal. Na época eu pensava apenas em fazer um trabalho acadêmico e não imaginava no que isso poderia se tornar. Em 15 de agosto de 2013 lançamos ao público nossa edição 00. O Tiago se mostrou não apenas um grande consultor para a DMB, como também um fundamental parceiro nessa empreitada que ainda está apenas no começo. Desde então a revista só cresceu, e sou grato a todos os envolvidos por isso. Tenho muito orgulho da equipe que faz da DMB o que ela é. Ah, e aqui nessa edição resolvemos voltar com o uso de infográficos, que não apareciam desde o número 00. Espero que consigamos manter isso. Essa é provavelmente uma das nossas edições mais “recheadas”. Ainda assim temos que trabalhar e ralar muito para trazer a vocês, nossos leitores, um conteúdo cada vez melhor. Ainda estamos aprendendo com nossos acertos e erros. Bem, para finalizar, vou me aproveitar de um slogan alheio. Estou me sentindo praticamente num comercial da cerveja Budweiser, pois prevejo que “Great times are coming”. 2 • Edição 10

Formado em design gráfico e atuando no mercado desde 2010. Atualmente focado em direção de projetos. Dentre eles a revista digital Design Magazine Brasil e o “coletivo criativo” Grupo I3C3.



Sumário

Paul Rand - Everything is Design

Fetiche Design Pág. 08

Como fazer uma apresentação

Pág. 14

Design de superfícies com Daniela Brum Pág. 22

Rio Academy

Entrevista com Gabriel Patrocinio Pág. 34

4 • Edição 10

Pág. 24

Pág. 44


Design Magazine Brasil

Agosto 2015 • 5


Créditos

Edição #10 Agosto/2015

Diretor Lucas Fernandes

Redatores Eduardo Madeiro Éllida Assis Lucas Fernandes Mayara Wal Pablo Cabistani Tiago Krusse

Fotografias André Reis Pablo Cabistani

Diagramação Douglas Silva Hebert Tomazine Leandro Siqueira Lucas Fernandes

Revisão Juliana Teixera Lourrane Alves

Idealizadores Diego Gomes Douglas Silva Gilberto Ferreira Leandro Siqueira Lucas Fernandes Projeto gráfico Douglas Silva Hebert Tomazine Leandro Siqueira Lucas Fernandes Thiago Seixas Vitor Cardoso

Ilustrações Gilberto Ferreira Wendel Fragoso

Capa Alvaro Victorio

Logotipo Elementos À Solta

Site designmagazine.com.br Redes Sociais facebook.com/revistadesignmagazine.br twitter.com/DMBr_Oficial Email lucas@designmagazinebrasil.com.br A Design Magazine Brasil é uma projeto de LucasFAdS e Grupo I3C3. O conteúdo textual e imagético da revista pertence aos seus respectívos autores e não pode ser reproduzido sem autorização prévia. 6 • Edição 10


Design Magazine Brasil

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Paul Rand - Everything is Design Arte da vitrine: Gilberto Ferreira. Fotos: Pablo Cabistani.

Pablo Cabistani

Designer gráfico gaúcho morando e trabalhando em São Paulo. Acredita que design, como parte da cultura de uma sociedade, deve sempre estar sendo propagado.

“A simplicidade não é a meta. É subproduto de uma boa ideia.”

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Design Magazine Brasil Paul Rand foi um icônico designer americano reconhecido principalmente por seu trabalho em identidade corporativa. Em sua trajetória desenhou alguns dos principais logos de algumas das maiores e mais conhecidas empresas norte-americanas, como a UPS (logo que durou décadas e foi redesenhado pela FutureBrand (http://www.futurebrand. com/studies/ups/ups), a IBM (logo que nunca foi mexido), a Enron (empresa que faliu) e a emissora ABC (logo que também permanece intocado). Recentemente aconteceu no Museu of the City of New York (um museu dedicado principalmente à cultura genuinamente nova-iorquina) uma exposição com uma seleção de trabalhos - muitos peças originais - do designer. “Everything is Design – The Work of Paul Rand” (“Tudo é projeto: o trabalho de Paul Rand”) apresentou no museu mais de 150 anúncios, cartazes, brochuras e livros corporativos.

Agosto 2015 • 9


Paul Rand - Everything is Design Nascido no Brooklyn, Rand, nos anos 30, começou trabalhando em capas de revista, principalmente capas para a Esquire e a Apparel Arts (a Apparel Arts foi o primeiro nome da Gentlemen’s Quarterly, a conhecida GQ, que tem também edição brasileira, representada e desenvolvida aqui no Brasil pela editora Globo). Nos anos 40, ele trabalhou como diretor de arte na agência Weintraub, na Madison Avenue (famosa avenida nova iorquina onde nasceram algumas das maiores agências de publicidade do mundo, incluindo as icônicas Doyle Dane Bernbach, a DDB, que hoje é sócia da brasileira DM9) dos comerciais do Fusca, a BDO (que depois virou BBDO, um grupo multinacional que é sócio da brasileira Almap) e a Young&Rubicam, que aqui no Brasil é parte do grupo do Roberto Justus. Em publicidade, ele revolucionou a direção de arte, saindo do modelo convencional de “foto e título” para

Capas de livros: sempre com estilo despojado que une cores fortes, ilustrações e diagramação com um toque construtivista. 10 • Edição 10


Design Magazine Brasil uma linguagem artística muito influenciada pelos movimentos cubistas e construtivistas que eram a vanguarda europeia na época. Desse período destacam-se anúncios para GlaxoSmithKline, para os charutos El Producto e para o conhaque Coronet. Cores fortes, tipografia destacada e ilustrações divertidas mesclam-se em anúncios que marcaram época num período da publicidade onde apenas os redatores eram as estrelas. Mais tarde – e até o final da vida – ele atuou como designer gráfico de algumas das principais e mais influentes empresas do período (IBM, ABC, UPS, e a NeXT do Steve Jobs), onde concebeu sistemas de identidade e “gerenciou” visualmente a linguagem visual de dezenas de empresas. Rand foi um dos pioneiros no desenvolvimento de trabalhos abrangentes de identidade visual, que vão desde embalagens até o desenvolvimento de sinalização.

O logo da Next tinha também versões bicolores, usando a paleta da identidade.

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Paul Rand - Everything is Design

Embalagens e brochuras bacanésimas para a IBM. E você aí reclamando que só dá pra fazer layout sem graça pro seu cliente corporativo.

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Design Magazine Brasil

Para a IBM, por exemplo, o designer tra-

Yale, onde influenciou uma geração de no-

balhou durante décadas. Além da marca da

vos profissionais. Sua linguagem visualmen-

empresa, Rand concebeu embalagens para

te estimulante, e sua incrível capacidade de

produtos como disquetes e fitas DAT e pos-

resolução de problemas de design, atraíram

ters e brochuras para divulgação de produ-

admiradores durante toda sua vida. E sua in-

tos promocionais. Os projetos do designer

fluência ainda hoje é presente no modo como

sempre basearam-se em logotipos coesos e

são construídas as identidades corporativas.

marcantes, muitos dos quais estão em uso

“A simplicidade não é a meta. É subpro-

até hoje. Foi também professor na Universidade

duto de uma boa ideia.” - Paul Rand, sobre criação de logos.

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Fetiche Design Fotos: Cortesia Fetiche Design.

Mayara Wal

Designer de produto de formação e metida a doceira nas horas vagas. Formada desde 2011, buscando sempre estar antenada e se atualizar na área, atualmente estuda Design de Serviços e Interação.

“Começamos meio perdidos, não sabíamos o que queríamos fazer, mas sabíamos o que não queríamos fazer.”

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Design Magazine Brasil O estúdio de design curitibano erradicado em São Paulo começou em 2008, formado pelos parceiros de trabalho e de vida Carolina Armellini e Paulo Biacchi. Com foco em desenvolvimento de produtos, como eles mesmos se definem, o estúdio de design sempre se preocupou em ter autonomia de criação e produção dos seus projetos. Podendo assim criar com mais liberdade, assinando seus projetos com um grande diferencial em termos de quali-

dade e criatividade. Tomo a liberdade de dizer que “alma” é a palavra que define seu trabalho, é como se cada criação tivesse vida própria, uma história. Fetiche não foi um nome casualmente escolhido, seu significado revela o que os criadores querem passar nas suas criações “Fetish sm. Animate or inanimate object, made by man or produced by nature, which is attributed to supernatural power and worships.” Agosto 2015 • 15


Fetiche Design Um estúdio que já tem certa caminhada, e muita história pra contar. Começou com uma loja+estúdio, teve um escritório compartilhado em uma casa antiga no centro de Curitiba e recentemente se mudou para São Paulo iniciando uma nova fase da marca. Suspeita para falar desse escritório que tenho grande admiração, deixo que eles falem sobre essa trajetória que agora tem no currículo uma parceria bacana com Rosenbaum. Como foi o início do escritório do Fetiche? Foi um momento de incertezas e ansiedade. Porém, com força de vontade e empolgação de sobra. Começamos meio perdidos, não sabíamos o que queríamos fazer, mas sabíamos o que não queríamos fazer. Foi um ano para encontrarmos o core business do FETICHE®, mas encontramos no nosso conceito o nosso diferencial e o nosso foco.

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Fetiche Design Qual era o foco e o modo de trabalho no começo? Começamos a Fetiche como uma marca de produtos. Criação, desenvolvimento e produção de peças de mobiliário contemporâneo. Procurávamos a liberdade que não tínhamos trabalhando como empregados em escritórios de prestação de serviço. Na época, em 2008, queríamos colocar nossas apostas no mercado sem precisar convencer ninguém, e foi o que fizemos. Quais os momentos mais importantes e marcantes do Fetiche? O Banco R540 com certeza é uma criação marcante e um ícone do FETICHE® até hoje. Ele também foi protagonista no nosso caso com a Renault francesa, onde ele inspirou a criação do interior de um carro conceito da

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montadora. A coleção que lançamos na loja Micasa em 2012 também foi um momento importante, um pouco mais amargo, mais crítico, mas bem importante. Aproveitamo-nos de um momento difícil para nos reinventarmos e criarmos peças únicas em forma de manifesto. Como começou a parceria com Rosembaum? Fomos convidados pela Rosenbaum para participar do projeto, A Gente Transforma, em uma tribo indígena na floresta amazônica, Uma co-criação entre Fetiche, Marcelo Rosenbaum e o NadaSeLeva. A sinergia foi muito grande e quando voltamos já começamos a pensar em projetos juntos. Começamos a assinar a parceria como “Rosenbaum e o Fetiche”, e já criamos para a L’Occitane, Tidelli, LaLampe e em agosto teremos uma série de outros lançamentos. Agosto 2015 • 19


Fetiche Design

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Design Magazine Brasil Como foi a mudança para São Paulo e qual a diferença entre o escritório de hoje e o do início? O estúdio FETICHE está dentro do escritório da Rosenbaum e respondemos pelo departamento de design da organização. Estamos muito bem em SP, na verdade seguramos esta mudança por muito tempo, sabíamos que seria inevitável. Mas temos hoje a certeza que viemos no melhor momento. O FETICHE de hoje é muito mais maduro que o do início. Ainda sabemos o que não queremos e isso é muito importante, mas o principal é que agora sabemos o que queremos. Quais

os

planos

para

2015/2016?

Temos um grande lançamento para Agosto/ Setembro, muito mais do que uma coleção de móveis. Vamos lançar uma nova forma de parceria, voltada para o mercado de massa. Aguardem! Muito obrigada Paulo e Carol pela rápida “conversa”. Com certeza vamos aguardar ansiosos pelas novidades.

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Fazer uma apresentação nunca é tarefa fácil. Seja um trabalho acadêmico, um projeto para possíveis investidores ou uma palestra, você precisa saber como convencer as pessoas de que aquilo que está sendo mostrado é, de alguma forma, útil para elas. Não existe fórmula mágica, mas algumas dicas valiosas podem melhorar consideravelmente o resultado.

Vestimenta

Independente do tipo de apresentação que você esteja fazendo, não se descuide de sua aparência. Isso não quer dizer que você sempre deva usar paletó ou terno, mas evite shorts e bermudas, bonés e camisas de times de futebol. Sua imagem é a primeira coisa que todos perceberão.

Postura

Essa é uma das partes mais importantes da apresentação. Mantenha-se sempre em posição ereta, sem cruzar os braços, colocar as mãos no bolso, nem gesticular demais. Evite também visualizar o slide o tempo todo, só faça em caso de necessidade. Não encare uma única pessoa e nem fique olhando para o chão ou o teto. Olhar firme, sempre para frente, em direção ao público. Evite também o uso excessivo de gírias.

Slides

O apresentador é você. Os slides devem apenas servir como um gancho do que você fala. Evite textos e frases longas, tente resumir seus slides a frases curtas ou até palavras-chave. Ler textos diretamente dos slides mostra que você não domina o assunto. 22 • Edição 10


Design Magazine Brasil

Roteiro 1

Situação inicial De certo modo, toda apresentação é uma história. Você pode dar início a ela introduzindo ao público uma situação normal, com a qual eles se identifiquem ou consigam sentir o mínimo de empatia. Deve ser algo que desperte o interesse.

2

O problema Depois de estabelecer a condição normal, é preciso, então, expor nela um problema para ser solucionado ou uma questão a ser respondida. É você quem deverá resolver o impasse depois.

3

A solução Aqui é onde finalmente começa a parte principal da apresentação: você introduz à audiência o seu trabalho / produto / serviço (e o potencial para liquidar o problema) e como chegou até ele.

4

Benefícios Em seguida, você pode demonstrar como o que foi apresentado no item anterior pode beneficiar as pessoas. Quais as características mais marcantes do produto? O que ele tem de tão especial? No que exatamente ele supera a concorrência?

5

Ação Por último, você reforça um ou vários dos pontos da apresentação e leva o público a comprar sua ideia, esteja ela alavancando um trabalho, produto, serviço ou qualquer outro objeto.

Essas não são regras, mas apenas sugestões baseadas em exemplos que funcionaram e se mostraram eficientes. Você pode ainda pegar isso, adaptar e criar seu próprio estilo. Talvez você não vá se tornar um Steve Jobs do dia para a noite, mas seguindo as dicas aqui listadas, suas apresentações poderão ficar bem mais interessantes. Não se esqueça, e boa sorte! Agosto 2015 • 23


Design de superfícies com Daniela Brum Imagens: Cortesia Daniela Brum.

Eduardo Madeiro

Profissional formado em Moda e Figurino pelo Instituto Zuzu Angel, especializado em Visual Merchandising. Atualmente aluno de licenciatura em Artes Visuais pela Unigranrio.

“O mundo da moda tem um leque bem grande de profissões, que vai muito além de um estilista ou um produtor de moda”

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Design Magazine Brasil

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Design de superfícies com Daniela Brum O mundo da moda tem um leque bem grande de profissões, que vai muito além de um estilista ou um produtor de moda. Pensando nisso, a nossa entrevistada dessa edição, Daniela Brum, vai nos esquecer com informações sobre o que é um designer de superfície. Daniela, qual a sua origem profissional? Minha formação é em Publicidade, cursei no ISCIE, hoje Universidade Fernando Pessoa, no Porto, Portugal. Quando você começou a se interessar por Design? Sempre me interessei pelo mundo das artes, e vi no Design uma possibilidade de aliar a criação ao produto. Primeiro veio a intenção de trabalhar num departamento criativo de uma agência, mas assim que fui contratada num banco de imagens e aprendi a fazer manipulação de imagens no Photoshop, com ilustrações e fotos para produtos de papelaria, descobri que era exatamente disso que eu gostava. Que habilidades você acha importante ter para se trabalhar com estampa de moda? Para se trabalhar com estampas de um modo em geral, é necessário que você busque sempre se aprimorar em todas as técnicas de pintura, desenho e CAD. É imprescindível o compromisso com o seu trabalho e o que você propõe no mercado, e para isso você deve ter um trabalho original, criativo e autoral. Você vende o direito de uso de uma imagem/arte que você criou, e para se manter no mercado por tantos anos, é preciso criar com os seus cliente um relacionamento de confiança muito grande. Cursos, workshops de qualidade que envolvam artes, suas aplicações e experimentações são trabalho interessante e contemporâneo. 26 • Edição 10

Foto: Alexandre Souza

extremamente importantes para você manter seu


Design Magazine Brasil Que dicas você dá para quem deseja ser um Design de Superfície? Eu creio que eles devem começar com cursos de fundamentos das estampas/padronagens e que sigam seus instintos e necessidades, nunca esquecendo que o processo manual é de extrema importância, ainda que não o utilize diretamente no seu trabalho, é ele que vai permitir que você exprima intuitivamente o que você carrega na alma.

“Sou addict do processo criativo, adoro pesquisar, ler e conhecer novos processos, sejam eles sofisticados ou de uma ingenuidade infantil” Como você se inspira? Você acredita no acaso no processo de criação? Sou addict do processo criativo, adoro pesquisar, ler e conhecer novos processos, sejam eles sofisticados ou de uma ingenuidade infantil, constrangedora. Acredito que todos eles nos transportam para um mundo interior que não

Foto: Alexandre Souza

temos pleno conhecimento e principalmente controle. E é isso que o faz surpreendentemente, fantástico...a descoberta! Me inspiro em muitas coisas, frequento exposições, cinema, teatro, feirinhas, lojas como um elixir de conhecimentos múltiplos. Mas é a natureza e a história que mais tem a responsabilidade no meu trabalho. O poAgosto 2015 • 27


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Foto: Alexandre Souza


Design Magazine Brasil der de experimentar cores, formas e sensações

Quais softwares você mais usa?

através da natureza e de encontrar na história um

Photoshop até morrer!!! Illustrator tam-

conceito que se adeque as minhas experiências,

bém, mas o Photoshop me dá a possibilidade de

faz com que o meu trabalho ganhe um sentido,

trazer textura, tonalidades, imagens e nuances,

um lugar diferente.

que é o que mais acho importante no meu traba-

Como é a ligação entre os profissionais da área e as parcerias criadas, surgem amizades? Muitas! Eu sou uma pessoa que acredita muito em compartilhamento de conhecimento e portanto sou provinda e tento prover esse legado. Tenho muitas parcerias, que viram verdadei-

lho, o que cria a minha identidade, o meu traço, a minha mão. Quem são seus ídolos? William Morris, Sonia Delaunay, Raoul Dufy, GuntaStölzl , AthosBulcão, Renata Rubim. Você possui um estilo pessoal nos seus trabalhos? Se sim, como você o identifica?

ras famílias, uma amizade e um respeito mútuo.

Por ser designer e não uma artista, nunca

Acredito que se todos forem abertos, tiverem um

me preocupei muito em criar um identidade para

coração e alma limpas tudo se multiplica. Para

o meu trabalho. O meu trabalho estava para ser-

isso é preciso ser sincero e gentil.

vir ao meu cliente e não a mim. Hoje percebo que

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essa questão virou um obstáculo, às vezes, para

Como você se classifica profissionalmente?

algumas pessoas. O que tento é incentivar aos

Sou uma Designer de Superfície, tenho o

meus alunos a produzir, independente da “bus-

meu trabalho em diversas superfícies, produtos

ca para a identidade”, pois ao longo dos anos ela

e mercados.

acaba se definindo, ainda que você não a tenha

Que sugestões você pode indicar para

buscado, como é o meu caso. Acho que um de-

quem quer ser freelancer ou abrir seu próprio

signer deve ser eclético e deve desbravar diver-

negócio nessa área?

sas linguagens. Mas sobre sua pergunta, muitos

Que tenha disciplina, foco e rotina! Primeiro

clientes e colegas dizem que conseguem conhe-

você tem que estabelecer um horário de trabalho,

cer meu trabalho, minha identidade. Como eu o

depois você tem que dividir esse horário entre pes-

identifico? Como um trabalho de origem manual,

quisar, criar e vender. Esses 3 itens abrangem diver-

colorido, de cores vibrantes e alegres, e que traz

sos métodos e processos e você tem que se orga-

em si uma mistura de texturas e traços.

nizar para poder manter o foco e sobreviver. Tudo isso deve se relacionar a você e ao mercado ao qual

“Acho que trabalho tem muito, emprego não tanto”

você quer se inserir. É preciso identificar claramente seus objetivos para você poder estipular etapas.

O que você acha do mercado em relação a oportunidades de trabalho? Acho que trabalho tem muito, emprego não tanto. Se você olhar um pouquinho à sua volta, vai enxergar estampas em quase tudo e em vários mercados. Basta querer se dedicar, treinar, se aperfeiçoar e trabalhar. Sua experiência profissional facilita no processo de criação em moda? Sem dúvida, a bagagem de mais de 15 anos da estamparia, o convívio com meus colegas e principalmente a troca com os alunos no Senai Cetiqt e na Stampa Studio me ajudam muito no processo de criação e renovação do meu trabalho para a moda. 30 • Edição 10

Images de Patricia Issler

me dedicando e estudando muito sobre o mundo


Design Magazine Brasil

Agosto 2015 • 31


Como você divulga seu trabalho?

é pelo contato telefônico ou pessoal. A re-

Divulgo no meu site www.danie-

lação que se estabelece através da estru-

labrum.com e também no da Stampa

tura de uma conversa, faz com que o clien-

Studio (www.stampastudio.com), além

te perceba a densidade e o compromisso

de alimentar sempre as mídias (Face -

do seu trabalho, e com isso fica muito mais

book e Instagram) com processos cria-

fácil de fidelizar e conhecer cada um deles.

tivos e novidades.

Você consegue viver da sua arte?

Como é feito o contato com os

Sim. Tenho uma empresa desde 2007,

clientes? Você é procurada por eles ou

chamada Stampa Studio, que começou

oferece o seu trabalho às marcas?

vendendo estampas e hoje é um estúdio criativo voltado para tudo o que pos -

por dia: criar e vender. E os faço de diver-

sa interessar a esse mundo. Temos aulas,

sas maneiras, e-mail, Face, Insta, etc, mas

workshops, encontros e claro, venda de

ao menor sinal de interesse, minha opção

estampas.

Imagen de Patricia Issler

Os dois. Tenho dois compromissos

32 • Edição 10


Design Magazine Brasil

Quais foram os seus principais trabalhos? Bom, todos são importantes para a construção do seu profissionalismo e progresso, mas sempre temos orgulho por alguns. Gosto muito da linha de papelaria Botanical, que fiz para a Ótima, ela inclusive ganhou o 1º lugar no prêmio Fernando Pini em 2013, também gosto muito da coleção de palhas, raízes e grades cariocas, que fiz para os tecidos de decoração e bolsas da Patricia Issler. Gosto muito do trabalho que fiz também para moda Praia da Jangada. Você se sente realizada com a sua profissão? Muito! A possibilidade de todos os dias poder ter um desafio criativo, seja ele de ordem técnica, lúdica ou processual é renovador.. Agosto 2015 • 33


Rio Academy Fotos por André Reis.

Éllida Assis

Estudante de Arquitetura e Urbanismo. Curte andar de long board e ler livros de arquitetura, ir a museus e tudo ligado a arte, além do contato com a natureza.

“Os participantes tiveram a grande chance de estar em contato direto com grandes mestres da Arquitetura e do Urbanismo”

34 • Edição 10


Design Magazine Brasil

O MAM (Museu de Arte Moderna do Rio de

um só lugar, com o propósito de discutir soluções

Janeiro), uma das mais importantes instituições

arquitetônicas e urbanísticas para as metrópoles de

culturais do Brasil, projetado pelo arquiteto cario-

países emergentes.

ca Affonso Reidy, foi o local escolhido para o Rio

O tema central do evento foi O Futuro das

Academy 2015 estrear com o Fórum Internacional

grandes cidades em Países emergentes. Inserindo

de Arquitetura e Urbanismo, entre os dias 20 e 26

o Brasil ao tema, propondo mudanças nas constru-

de Julho.

ções futuras.

O evento proporcionou o encontro de estu-

Os participantes tiveram a grande chance

dantes e profissionais do mundo inteiro da área de

de estar em contato direto com grandes mestres

Arquitetura e Urbanismo.

da Arquitetura e do Urbanismo, recebendo conse-

Recebeu grandes nomes da arquitetura em

lhos, dicas, soluções para seus projetos, adquirinAgosto 2015 • 35


Rio Academy do conhecimento a cada dia que estiveram por lá, fazendo com que a mente dos participantes “saíssem da caixinha”. As Conferências que aconteceram nos dias 20 e 21 de Julho abriram o evento trazendo ideias, inovações e inspirações. O evento conseguiu tirar os participantes de suas zonas de conforto, fazendo com que eles se questionassem a buscar novas soluções para os problemas arquitetônicos e urbanísticos da cidade. Paulo Mendes, Kay-Uwe Bergmann (Big), Carolina Bueno e Grégory Bousquet (Triptyque Architecture), Alejandro Aravena, Jaime Lerner, Giancarlo Mazzanti, Reinier de Graaf (OMA), Elizabeth de Portzamparc e Christian de Portzamparc, foram os grandes mestres que os participantes tiveram a oportunidade de conhecer melhor nos primeiros dias.

“Com os Workshops e talkers os participantes tiveram inspiração para o desenvolvimento de seus projetos” Com os Workshops e talkers os participantes tiveram inspiração para o desenvolvimento de seus projetos, podendo se reunir em equipes de até cinco integrantes, ou individualmente para a elaboração destes. Washington Fajardo, RUA Arquitetos, Jorge Jáuregui, Clovis Cunha, Studio Schwitalla, Marcello Dantas, Fleshbeck Crew, Renata M. Strengerowski 36 • Edição 10


Design Magazine Brasil

foram os convidados a compartilhar suas experiências profissionais com os participantes. Os melhores projetos foram oferecidos à cidade do Rio de janeiro, pelos seus 450 anos. Técnicos e arquitetos da Prefeitura do Rio de Janeiro analisaram as propostas de cada equipe.

Urbanismo Espontâneo, Coordenado por Igor de Vetyemy, Coordenador Geral do Curso de Arquitetura e Urbanismo e do Departamento da Indústria Criativa da Universidade Estácio de Sá. Mobilidade Urbana e Desigualdade Social, Coordenado por Sylvia Meimaridou Rola, Diretora

Os participantes tiveram q escolher um dos

Adjunto de Extensão da Faculdade de Arquitetura

cinco subtemas para a elaboração de seus projetos.

e Urbanismo da UFRJ, e Humberto Kzure-Cerque-

Os Subtemas foram:

ra, Doutor em Urbanismo pelo PROURB/UFRJ e

Patrimônio Arquitetônico, Coordenado por Andréa de Lacerda Pessôa Borde, Doutora em Urbanismo pela UFRJ.

Bauhaus Universität Weimar. Os participantes tiveram até as 20:00 horas do dia 25 de Julho para a entrega de seus projetos.

Soluções Efêmeras, Coordenado por Pedro

No dia 26 de Julho, pela manhã, os projetos

Rivera e Pedro Évora, do escritório carioca RUA

foram analisados pelo júri, e com antecedência de

Arquitetos.

uma hora, começando às 17:00 horas a anunciação Agosto 2015 • 37


Rio Academy dos vencedores, que foram:

ção de um espaço para o treinamento de arco e fle-

A área de Desigualdade Social teve em pri-

cha na Cinelândia. O subtema Patrimônio Arquite-

meiro lugar o trabalho Providência em tempos de

tônico teve em primeiro lugar o trabalho Revelando

Pipa, que propõe uma reconstrução da comunida-

o Parque do Flamengo, proposta de revitalização do

de da Providência, promovendo uma maior inte-

parque através de ativação de seus equipamentos e

gração entre favela e asfalto. No tema Urbanismo

suas áreas de entorno. Já em Mobilidade Urbana, o

Espontâneo, o vencedor foi o projeto Transbordar,

vencedor foi o projeto Varandas Bairro, que traba-

que utiliza as ruas do Rio de Janeiro como um gran-

lhou a mobilidade em várias esferas, como mobili-

de circuito de brincadeiras pela cidade, incluindo

dade do lixo, locomoção e conexão da comunidade

comunidades.

com a cidade.

Na área de Soluções Efêmeras, o primeiro lu-

Resumo de algumas conferências:

gar foi de Arena Olímpica de Rua: Mind the Arrow,

“Sempre é a política que move o homem

projeto produzido por franceses que sugere a cria-

para construir as cidades”, frase de Paulo Men-

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Design Magazine Brasil

Agosto 2015 • 39


Rio Academy des da Rocha que disse também que temos que

Tietê (1980), e seu projeto para a Baía de Monte-

entender que essa política colonizadora não é

vidéu, de 1998.

ideal para começar a pensar em uma urbaniza-

Kai-Uwe Bergmann é um dos sócios do es-

ção moderna com relação à união das políticas

critório dinamarquês BIG. Apresentou projetos

americanas. A politica de cada país tem que se

que fizeram ao redor do mundo, defendendo o

associar para que isso aconteça! Apresentou al-

conceito do escritório de desenvolver arquitetu-

guns de seus projetos que repensavam as cida-

ras específicas para cada lugar. O grupo encon-

des, como o projeto para o Porto Fluvial do Rio

tra métodos de produção que melhor atenda as formas de vida contemporâneas.

O grupo encontra métodos de produção que melhor atenda as formas de vida contemporâneas.

40 • Edição 10

Carolina Bueno e Grégory Bousquet representaram o escritório Triptyque Architecture, agência sediada em São Paulo e Paris. Reconhecida mundialmente por sua obra contemporânea, a agência ainda explicou como funciona seu trabalho de reconquista da natureza em locais urbanos.“A Triptyque reaproveita e insere a natureza para dentro da arquitetura, como se


Design Magazine Brasil ela fosse um material de construção”, conta a arquiteta Carolina Bueno. “Quanto mais complexo o problema, maior a necessidade da simplicidade”, foi assim que Alejandro Aravena, conhecido por seus projetos de habitação social e intervenções em zonas de desastre ambiental, apresentou três casos onde tentaram aplicar o poder da síntese do Design. O primeiro caso foi sobre o desafio global do Design urbano, o segundo caso foi como o Design pode contribuir para a sustentabilidade, e o terceiro caso, como o Design pode fornecer respostas mais abrangentes contra desastres naturais. A cada ano as pessoas estão preferindo morar nas cidades, fazendo com que seu crescimento seja acelerado, desordenado e escasso, como consequência muitas pessoas estão sem moradias e esse problema cresce cada vez mais. Um dos fatores que mais traz problemas aos países emergentes é a desigualdade social. Alejandro complementou dizendo que das três bilhões de pessoas que vivem nas cidades hoje, um bilhão está abaixo da linha da pobreza, e isso crescerá ainda mais durante os anos seguintes. Essas pessoas viverão nas favelas e em assentamentos ilegais. Como no Brasil muitas pessoas já vivem em favelas, a tendência é aumentar ainda mais, se não fizermos algo. Mas o que poderíamos fazer? Ele citou, como exemplo, seu projeto de construção de moradias populares pela metade. Há 10 anos Alejandro foi convidado a alojar cem famílias que estavam ocupando ilegalmente meio hectare no centro da cidade de Iquique, norte do Chile. Agosto 2015 • 41


E o que estava disponível no mercado eram casas separadas e casas geminadas, que não atendiam a todos. A única maneira de acomodar todas as famílias seria construindo em altura, e isso eles não aceitavam, ameaçando até uma greve de fome se construíssem dessa forma, pois assim eles não conseguiriam expandir esses apartamentos minúsculos. Então a solução veio das próprias famílias: ter uma casa que pudesse expandir para os lados. Mas quando não se tem dinheiro para construir uma moradia de 80 m², o mercado a reduz para 40 m²,e a leva para longe dos centros. A solução foi projetar metade de uma boa casa, e a outra metade seria construída pelas próprias famílias da maneira que preferissem, assim continuariam morando em lugares próximos aos grandes centros. Com o dinheiro público, seria feita a metade que as famílias não seriam capazes de fazer individualmente. Como o projeto foi bem localizado, as famílias mantiveram seus empregos, sua rede social e suas moradias foram valorizadas. O governo, por sua vez, investiu o mesmo que investiria para construir uma pequena casa em um terreno distante. Esse foi um dos projetos que Alejandro apresentou no Rio Academy. O evento foi muito interessante, questões políticas, sociais, geográficas, econômicas, sustentáveis, urbanísticas e arquitetônicas foram abordadas. O que nos fez perceber que o tempo de hoje nos permite veicular ideias rapidamente. O lado triste, é que uma oportunidade tão rica de trocas de conhecimento como esta, estava longe das condições financeiras de muitos, pois o evento não contou com a ajuda do governo ou 42 • Edição 10


Design Magazine Brasil de outras entidades, fazendo com que se tornasse caro. Porém, a ideia dos organizadores do Rio Academy é tornar esse evento acessível a todos. Os produtores e participantes entrevistados concordaram que o evento superou todas as suas expectativas, e devido ao grande sucesso desse ano, podemos contar com muitas outras novidades para o ano que vem.

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Entrevista com Gabriel Patrocinio Foto da vitrine: Bomin Kim. Todas as imagens: Cortesia Gabriel Patrocinio.

Tiago Krusse

Fundador e diretor da DESIGN MAGAZINE. Jornalista profissional há mais de 20 anos. Sempre se dedicando à produção de informação sobre design, arquitetura e arte por esse mundo afora.

“O design é cada vez mais percebido como instrumento para abordar problemas complexos.”

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Design Magazine Brasil Designer qualificado, experiente e apaixonado, Gabriel Patrocinio é também professor, pesquisador e um acadêmico reputado, respeitado e reconhecido no país e no estrangeiro. O seu percurso em torno de uma profissão pela qual não deixa de lutar é vincado por uma paixão e uma entrega

A década de 60 foi a continuação de um período conturbado da história do Brasil nos seus mais distintos aspectos. Como foi nascer e crescer no turbilhão político da época?

na demonstração consistente de que o design é de

Nasci em 1960 no Rio de Janeiro, que dei-

crucial importância para o progresso e desenvolvi-

xava de ser capital com a inauguração de Brasília.

mento das sociedades. Nesta grande entrevista que

Tinha menos de 4 anos de idade quando houve

nos concede traça um quadro de fatos que dão um

o golpe militar que derrubou o governo e lançou

panorama bem detalhado sobre a realidade brasi-

o país em 20 anos de ditadura. Apesar da tenra

leira, não deixando de expressar convicções e opi-

idade, tenho ‘flashes’ de memória de soldados

niões sobre equívocos ou ideias pré-concebidas.

armados e veículos militares na rua onde eu mo-

Num momento de grande trabalho e num período

rava, que ficava a poucas quadras do palácio do

em que prepara o lançamento de um importante

governo estadual. Mais tarde, acredito que em

livro sobre design e desenvolvimento com um gran-

1968, me lembro do meu pai chegando em casa

de valor sentimental, deixa-nos um quadro realista

passando mal com os efeitos das bombas de gás

e sem fantasias.

lançadas para reprimir as manifestações - e a extrema preocupação dos meus pais com as minhas irmãs mais velhas. Um amigo de uma delas era colega de colégio do Edson, estudante secundarista assassinado durante a invasão pela polícia de um restaurante estudantil - fato que deflagrou as maiores manifestações contra a ditadura, e o subsequente endurecimento do regime. Durante o ginásio, éramos proibidos de nos reunir em grupos maiores - os militares tinham medo de reuniões de crianças de 13, 14 anos. Nosso cineclube só funcionava graças à cumplicidade dos padres, que entendiam serem aquelas ‘manifestações’ apenas o despertar dos interesses culturais - necessários ao próprio processo educacional. O grêmio esportivo estava proibido de funcionar, e os professores e inspetores organizavam os torneios em lugar dos próprios estudantes. Agosto 2015 • 45


Entrevista com Gabriel Patrocinio

Quais os fatores sociais, culturais e políticos que mais marcaram a sua adolescência? Ambientes protegidos, isolados dos acontecimentos, quase numa redoma, cercado num ambiente religioso protestante no qual cresci e fui educado (estudei em colégio católico no ginásio e adventista no ensino médio). Foi a maneira que meus pais encontraram de proteger os filhos naquele momento difícil que o país atravessava. Coincidia esta postura com a fé que eles professavam, o que nos fez crescer num ambiente de paz e harmonia familiar e social, isolados dos acontecimentos por assim dizer. No pior período da repressão, eu estudava num colégio interno adventista na periferia de São Paulo, num clima quase de fazenda, cercado de amigos e de atividades físicas e culturais. Outro fato marcante foi que meu pai nos incentivava, desde bem novos, a trabalhar durante as férias de verão. Trabalhei entre os 12 e os 15 anos como auxiliar de escritório, como mensageiro (office-boy), e quando manifestei interesse em design, como auxiliar de serviços gerais numa gráfica. Ao final do ensino médio, já manifestando interesse e habilidade para o design gráfico, estagiei numa editora e depois passei um ano morando em São Paulo e trabalhando como assistente de um amigo, que atuava como designer, ilustrador, e fotógrafo. Foi um período de muito aprendizado, que me preparou para a universidade com a visão da prática profissional.

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Design Magazine Brasil

A atmosfera em que o Rio de Janeiro viveu nesses anos teve os seus lados negativos, mas por outro lado deu força a uma esperança que começava a apostar na evolução e no progresso da sociedade brasileira como um todo. Nessa época os ideais dos jovens cariocas assentavam em que valores e ações?

ESDI - Carmen Portinho, uma mulher com uma tra-

Voltei para o Rio de Janeiro em 1979, ano

rigosíssimos com enorme potencial de provocar

em que ingressei na Escola Superior de Desenho

agitação popular. Tinha um gosto de proibido, de

Industrial da UERJ, a ESDI, escola aonde fiz minha

clandestino, embora os tempos já fossem de aber-

graduação. A ditadura militar iniciava um período

tura política. Nada disso trazia nenhum risco sig-

de distensão, no governo do General Figueiredo. A

nificativo se comparado com a militância política

Lei da Anistia foi sancionada em agosto de 1979,

dos anos 60 e início de 70 - já vivíamos o período

mas ainda estávamos no governo do ‘prendo e ar-

do início da abertura política - mas não podemos

rebento’ - expressão usada pelo Presidente, o Ge-

esquecer que a extrema direita ainda explodia

neral Figueiredo, para esclarecer como ele trataria

bombas, matava pessoas, e tramava para retornar

aqueles que se opusessem à abertura política. A

ao período duro da repressão.

jetória e atuação extraordinária - atendeu o telefonema do delegado e esclareceu que aquele pacato estudante estava apenas fazendo um trabalho para a disciplina de fotografia... Lembro-me também de ajudar um colega do centro acadêmico a imprimir, no mimeógrafo de uma igreja em Copacabana, um jornalzinho estudantil - que não tinha nada de mais, mas jornais estudantis eram considerados instrumentos pe-

frase apresenta uma natural incoerência, mas a história mostrou que o recado era para alguns de seus próprios colegas militares, que junto com a extrema direita tramavam atentados que ainda tirariam vidas naqueles anos em que se caminhava lentamente para a redemocratização. Me lembro de uma pixação de rua que dizia, em 1979: ‘quem tem c* tem medo - viva Figueiredo!’. Ainda havia prisões de opositores - tive um colega de faculdade preso algumas vezes por vender em praça pública um jornal marxista (a Tribuna Operária, se não me engano), e eu mesmo fui ‘convidado’ por um policial a ‘acompanha-lo’ à delegacia instalada na estação da Rede Ferroviária para esclarecer os motivos pelos quais estava fotografando aquele local ‘estratégico’. Para minha sorte a diretora da Agosto 2015 • 47


Entrevista com Gabriel Patrocinio

Como avalia a qualidade do ensino que teve até se decidir ingressar na universidade? O ensino era alvo de muita cautela por parte do governo. Fazer as pessoas pensarem e questionarem não fazia bem para o regime. Foram impostas disciplinas que estimulavam ideias nacionalistas e patrióticas - que não eram necessariamente ruins em si, mas que visavam essencialmente defender o status quo. O ensino no colégio católico aonde fiz o ginásio no Rio de Janeiro era mais aberto e avançado, enquanto no colégio adventista, na periferia de São Paulo, era mais cautelosamente conservador, eu diria assim. Mas este último não me preparava para enfrentar os exames para ingressar na universidade, e tive que fazer um cursinho preparatório, ainda em São Paulo e já trabalhando em tempo integral, mas que me garantiu a aprovação nas duas melhores escolas de design do Rio, na época - a ESDI e a UFRJ, ambas públicas e gratuitas (havia também a Universidade Católica, a também excelente PUC-Rio, mas esta era cara e acima das minhas possibilidades). 48 • Edição 10


Design Magazine Brasil

A iliteracia foi sempre um aspecto pior do Brasil. De que forma isso se sentia no quotidiano e de que forma esse fator foi prejudicial numa fase em que a sociedade exigia mais harmonia e equilíbrio? O analfabetismo era uma mácula social, que vinha junto com a miséria e a fome, formadas em décadas de desmandos políticos, corrupção, concentração de renda e muitas outras mazelas sociais. Heranças havia - e ainda persistem até hoje - da escravidão, das guerras e rebeliões do final do século 19 e início do século 20. Até mesmo reflexos das guerras napoleônicas - que levaram por exemplo a um domínio britânico na exploração da infra-estrutura de serviços básicos (geração e

O que o leva a interessar-se pelo design?

fornecimento de luz, gás, ferrovias, transpor-

O interesse e habilidade para o desenho e

tes urbanos - até os anos noventa) e da mi-

a fotografia. De fato desejava estudar fotografia,

neração de metais nobres e pedras preciosas

mas como não havia na época curso superior de

que persiste até hoje.

fotografia no país, acabei descobrindo o design

O governo militar mantinha alguns pro-

aos 15 anos de idade e me encantando pela idéia

gramas assistencialistas - mas de pouca efeti-

de dar forma aos mais diversos produtos. E a ex-

vidade. Na educação havia talvez mais avan-

periência que mencionei anteriormente de traba-

ços, com a disseminação do pensamento de

lhar com design gráfico em São Paulo nos anos

Paulo Freire e influência da igreja católica. Al-

setenta, antes de entrar na ESDI, foi certamente

fabetização era uma urgência quase tão gran-

uma influência definitiva. Mas este (em SP) era

de quanto a fome. O Mobral (Movimento Brasi-

um trabalho que juntava design e fotografia - e

leiro de Alfabetização), foi criado em 1967 com

esse dualismo me acompanhou por muitos anos:

o objetivo de alfabetizar adultos, e tornou-se

designer e fotógrafo. Cheguei a trabalhar como

um campo fértil para o desenvolvimento de

fotojornalista, e ter o meu pequeno estúdio per-

estudos e da aplicação de experimentos es-

to da ESDI, aonde também lecionei fotografia por

pecíficos de pedagogia - e como uma válvula

mais de duas décadas. Saí da faculdade como

de escape para a juventude universitária, no

designer em 1982 e retornei para ensinar em 1983

exercício da cidadania de outra maneira proi-

(inicialmente no laboratório de fotografia), com

bida, contribuir para a evolução da sociedade.

apenas 22 anos de idade. Agosto 2015 • 49


Entrevista com Gabriel Patrocinio

Como caracteriza o ambiente e toda a estrutura que encontrou na Universidade do Rio De Janeiro e sobretudo na Escola Superior de Design Industrial?

Nesta mesma época ajudei a conceber, organizar e montar uma exposição com trabalhos de biônica (ou biomimética, como se diz hoje), entitulada ‘Da Natureza ao Produto’. Para esta exposição reunimos trabalhos de duas das três escolas de design

Não vou fantasiar ou idealizar dizendo que

que existiam então no Rio de Janeiro: ESDI e a Uni-

foi extraordinária - até porque não foi mesmo. O

versidade Federal (UFRJ), e numa continuação le-

país tentava reformar o pacto social, sair de uma

vamos a exposição para a Escola de Artes Visuais do

longa e sofrida ditadura, entrava em recessão eco-

Parque Laje, integrando também trabalhos dos alu-

nômica - não era um panorama fácil. A universida-

nos de design da PUC, sob o nome ‘Da Natureza ao

de pública, como até hoje, sofria com uma falta

Produto - do Produto à Natureza’ (esta com um ca-

aguda de recursos que causariam vergonha àque-

ráter maior de contracultura - menos ‘design’ - con-

les que idealizaram a ESDI como uma via de desen-

dizente com o Parque Laje e seus frequentadores).

volvimento para a indústria do país no início dos

Inclusive os cartazes e convites de ambas as mos-

anos sessenta. Cheguei a conviver, já nos anos oi-

tras eram de minha autoria. Reunir as três escolas

tenta, com um prédio de aulas destelhado, dentro

de design em algum tipo de atividade era para mim

do qual crescia a vegetação, enquanto aguardava

a coisa lógica a ser feita. Não éramos competidores,

alguma providência que só chegou anos mais tar-

e devíamos trabalhar juntos para o crescimento da

de. Pequena (em número de alunos) e isolada do

profissão. Há pouco tempo achei no arquivo da re-

campus principal da universidade, a escola ficava

vista Veja um curto depoimento meu sobre estas

abandonada à sua própria sorte. Isto, por outro

ideias. Obviamente me envolvi com outras ativida-

lado associado à fama que a história concedera

des semelhantes: tínhamos um grupo de estudos

à ESDI, nos dava autonomia para experimentar e

com alunos das três escolas que se reunia na PUC, e

errar à vontade - embora com frequência mais er-

depois me envolvi com a APDINS-RJ, nossa associa-

rando do que experimentando!

ção profissional da época.

Por outro lado, a universidade me trouxe as primeiras oportunidades de pensar e agir sobre o que eu veria, muitos anos depois, como sendo diretamente relacionado às políticas públicas de design. Ao final do meu primeiro ano, em 1979, aconteceu no campus principal da UERJ (universidade à qual a ESDI pertencia desde 1975) o 1° ENDI - Encontro Nacional de Desenho Industrial, no qual participei de grupos de discussão sobre o primeiro projeto de regulamentação da profissão de designer e de outras discussões sobre políticas públicas. 50 • Edição 10


Design Magazine Brasil

Aos 19 anos, posando sentado sobre um protรณtipo de cadeira desenhado em seu 2ยบ ano de curso.

Agosto 2015 โ ข 51


Foto: Fatima Rocha

Entrevista com Gabriel Patrocinio

Que círculo de amigos criou na universidade e que pessoas marcaram e continuam a marcar a sua memória? Entrei na universidade como estudante aos 18 anos e praticamente nunca mais saí (exceto pelos dois ou três meses de intervalo até ser contratado em 1983). Estudei, trabalhei, namorei, ensinei, projetei, pensei, discuti, administrei, aprendi muito, tudo isso a partir da perspectiva da ESDI. Aos 27 anos, jovem professor da ESDI.

Já se vai hoje pela metade a quarta década de permanência na mesma universidade. Portanto os amigos e influências foram muitos - vários já se foram, mas o que me mantém entusiasmado é a renovação constante de pessoas, de ideias, de discussões, realimentação o espírito. Há casos curiosos, como o Freddy Van Camp, com quem tive problemas quando era meu professor, e que é hoje um dos meus melhores amigos, com quem trabalhei e aprendi muito. Ou do Pedro Luís (o ‘Pedrão’ como é conhecido), que reconheceu em mim a motivação para avançar ensinando e pensando design, me atribuindo responsabilidades importantes quando eu ainda estava começando - e por quem tenho uma enorme admiração. Ou o Cunha Lima, que como organizador e coordenador do programa de pós-graduação da escola teve comigo (eu era então diretor da ESDI) antagonismos e discussões antológicas - e que depois foi meu grande incentivados no doutorado e continua sendo um muito bom amigo. E muitos outros amigos entre professores, funcionários, ex-alunos - que prazer é ver um ex-aluno crescer profissional e intelectualmente e nos superar! E ainda foi o reencontro há pouco tempo com uma ex-aluna que me levou a construir uma nova história de vida.

52 • Edição 10


Design Magazine Brasil Para além dos muros protetores da ESDI, minhas boas relações dentro da Universidade me permitiram alçar outros voos quando retornei do meu doutorado: saí da ESDI em 2014 e hoje leciono design para estudantes de outros cursos e encaro novos desafios, como a criação do Laboratório de Políticas de Design, DPLab.

Quando decidiu e chegou à conclusão que o design e todos os assuntos a ele ligados iriam fazer parte da sua vida? Como disse, ainda na adolescência já havia encontrado a vontade, e depois encontrei a vocação - sempre disputada entre a fotografia e o design - mas este último acabou prevalecendo. Descobri mais recentemente que a vocação para a política de design veio também lá do início da minha formação em design, alimentada ainda pelo prazer de pensar as coisas sob seus diversos aspectos, a curiosidade e capacidade de observação, que me foram instiladas pelos meus pais. Agosto 2015 • 53


Entrevista com Gabriel Patrocinio

54 • Edição 10


Design Magazine Brasil

Após a universidade quais foram os projetos que abraçou e em que circunstâncias sociais, culturais, políticas e ecônomicas eles se desenvolveram?

cos que assolaram o Brasil na época nos fizeram desistir. Nossos economistas do governo também pareciam estar experimentando e errando - mais errando do que outra coisa. Inflação incontrolável, burocracia idem, até que chegamos ao chamado

Ainda durante a faculdade eu já trabalhava

Plano Collor, que confiscou poupanças, restringiu

profissionalmente com design gráfico em especial,

radicalmente a disponibilidade de saques bancá-

e depois também com fotografia. Estava, se bem

rios, e finalmente inviabilizou manter o estúdio

me lembro, no último ano do curso quando eu e

aberto. Um grande cliente na época tomou uma

alguns colegas da ESDI e da PUC ganhamos um

decisão que me salvou financeiramente: eles esta-

contrato para fazer a sinalização do Shopping Cen-

vam investindo numa rede de pequenos shoppin-

ter da Gávea, no Rio de Janeiro. Mantivemos a par-

gs no interior do país, e com a crise, resolveram

ceria por pouco tempo fazendo outros trabalhos,

suspender as obras e implantações, mas prosse-

mas logo cada um seguiu o seu caminho. Quatro

guir com as equipes dos projetos.

anos depois de formado criei, com a minha cole-

A fase seguinte, trabalhando em casa (e

ga de turma Isabella Perrotta, a Alquimia Criação

ainda para o mesmo cliente, que apoiou a de-

Visual. Ali fizemos diversos projetos de identidade

cisão de fechar a empresa e continuar a prestar

visual, design editorial, projetos culturais, sinaliza-

serviços como autônomo), me permitiu fazer

ção, e até um pouco de design industrial - pouco

parcerias com diversos colegas em projetos di-

acessível para um estúdio pequeno e novo como o

ferentes, o que foi muito rico como experiência

nosso na época. A sequência de planos econômi-

e como resultados. Agosto 2015 • 55


Olhando para mais de 3 décadas como professor universitário que tipo de transformações e evoluções sentiu não só ao nível do ensino e do acesso ao conhecimento, mas também no que às qualidades e defeitos das novas gerações diz respeito?

Foto: divulgação Bienal

Entrevista com Gabriel Patrocinio

Qualidades e defeitos há em todas as gerações, e muito semelhantes. Costumo dizer que, com o ingresso na universidade ainda muito jovens, os alunos têm questões hormonais que provocam dispersão e ao mesmo tempo paixões por determinados assuntos - e por festas! Quando chegam aos vinte anos, ‘a ficha cai’ e começam a

Como avalia o ensino do design no ram de absorver conteúdos importantes para sua Brasil? perceber que perderam tempo precioso e deixaformação. Para mim isso explica muito da superva-

Apesar de haver exemplos contrários - estu-

lorização pela qual passaram (e ainda passam em

dantes que se destacam em diversas regiões do país

muitos lugares) os mestrados profissionais. Estes

- ainda falta uma qualidade mais consistente, ainda

oferecem uma ‘segunda chance’ para os estudan-

faltam investimentos de grande monta em novas

tes se aprofundarem em questões que foram trata-

tecnologias, por exemplo. Tenho acompanhado

das superficialmente muitas vezes por sua própria

um pouco à distância o trabalho excelente que a

imaturidade para entendê-las.

PUC-Rio vem fazendo na área de modelagem e pro-

Pelo nosso lado, nós professores passamos

totipagem rápida, fruto principalmente do trabalho

(ou ainda estamos passando) por uma verdadeira

de um professor, o Jorge Lopes, que doutorou-se no

mudança de paradigmas no ensino em geral, e no

Royal College of Art em Londres pesquisando esse

ensino do design particularmente. As ferramentas

tema. Seu entusiasmo e dedicação - e certamente

mudaram radicalmente em pouquíssimo tempo

o apoio que tem recebido da instituição - tem tido

depois de muitas décadas de continuidade. E mui-

resultados muito bons. O que vemos no entanto é

tos resistiram e ainda resistem à essas mudanças.

que esta não é a regra, mas a exceção. Faltam estí-

Este ano comecei a dar aulas semi-presenciais na

mulo, falta investimento, e como consequência fal-

universidade, o que foi um desafio extraordinário

ta também o entusiasmo e a dedicação que levam

para mim, mas ao mesmo tempo muito estimulan-

aos resultados de excelência.

te. Compreender e conseguir lidar com as novas ferramentas é um desafio contínuo. 56 • Edição 10

Além desta questão das novas tecnologias de prototipagem e fabricação, que exigem inves-


Design Magazine Brasil

Há um investimento seu e um cuidado no percurso e progresso no campo do design, uma entrega pessoal, mas pensando no coletivo dos designers brasileiros qualificados que se acentua nos últimos anos. Que missões foram planejadas e que objetivos têm sido atingidos até o momento? Ao terminar o meu doutorado, estabeleci algumas metas individuais - atividades e contatos Durante a BBD 2015, junto com o co-organizador Daniel Kraichete

que gostaria de estabelecer no meu primeiro ano de volta. Todas foram alcançadas, embora não necessariamente tenham gerado os frutos que eu esperava. Mas aos poucos estes estão surgindo. A premia-

timentos significativos, alguns outros temas têm

ção da minha tese pelo Museu da Casa Brasileira

sido igualmente pouco abordados nas escolas de

no ano passado (1° lugar como pesquisa inédita no

design do país: gestão de design, design estratégi-

28º Prêmio de Design do MCB) foi um grande reco-

co, e design de serviços são alguns desses temas

nhecimento e incentivo, que tem me impulsionado

que fazem muita falta no mercado, em especial

para outras frentes - na organização e participação

para o setor público.

de eventos, ao produzir textos e artigos diversos,

Outro tema é o design thinking, frequente-

dar entrevistas e depoimentos para publicações

mente rejeitado (equivocadamente) nas escolas

nacionais e internacionais, ao poder compartilhar

de design, e que tornou-se tema frequente nas es-

o conhecimento adquirido com estudantes de mes-

colas de negócios. Abordado e ensinado na maio-

trado e doutorado que tenho orientado no Brasil,

ria das vezes por administradores e engenheiros

no México e em Portugal. Mas considero isto ape-

- profissionais cuja forma de estruturar o pensa-

nas um (re)começo - muita coisa ainda está por vir.

mento sabidamente difere dos designers - este

E nada me dá mais prazer do que os novos desafios

é frequentemente reduzido a fórmulas prontas.

e o compartilhamento de ideias.

Com isso gera uma ilusão de que se está projetando, fazendo design, quando na verdade o design thinking é apenas uma ferramenta de geração de ideias, muitas vezes inconsequentes, inviáveis, que seriam rejeitadas dentro de um processo completo de projeto de design, com todos os conhecimentos e profissionais envolvidos. Agosto 2015 • 57


Entrevista com Gabriel Patrocinio

O Brasil dá mostras, uma vez mais, de pioneirismo no que aos assuntos do design diz respeito e apresenta-se na linha da frente mundial relativa ao reconhecimento e enquadramento legal dos profissionais da disciplina. Após anos de trabalho árduo e de se ter conseguido reunir diferentes grupos de trabalho, os governantes continuam a não alcançar a importância deste assunto e alguns indivíduos detêm o poder para bloquear toda e qualquer resolução. Que prognósticos podem ser feitos nesta matéria?

Bem, aqui eu devo discordar sobre o ‘pioneirismo’ e sobre o Brasil estar na ‘linha de frente mundial’ em assuntos de design, especialmente ligados à esfera pública. O reconhecimento profissional ao qual você se refere diz respeito à nossa luta (de mais de 35 anos) por tratamento isonômico da nossa profissão com relação à diversas outras profissões liberais que no Brasil são reguladas pelo governo federal. Há interpretações conflitantes sobre a necessidade de haver esta regulamentação por lei, mas diante do quadro existente no nosso país, isto se tornou uma necessidade. Existem impedimentos legais para a atuação de profissionais de profissões não-regulamentadas. E existem privilégios dados a profissões regulamentadas que não podem ser estendidos, por lei, para outros profissionais. Quando confrontado em algumas ocasiões com argumentos contrários à regulamentação (por lei federal) da profissão de designer, respondi que em princípio sou contra, mas diante da situação existente sou totalmente a favor e defendo ardorosamente. Como não se pode mudar o sistema por completo, é necessário que sejamos integrados à ele. Muitos argumentos contrários à regulamentação foram por terra quando o conselho profissional de arquitetos e urbanistas editou uma resolução (que tem força de lei) impedindo que diversas áreas de atuação do design fossem exercidas por profissionais sem formação em arquitetura - como projetos de sinalização ou de mobiliário urbano, por exemplo. Nos comentários à resolução, o conselho reconhece que há pontos ‘cinzentos’ de eventual superposição com outras atividades consagradas, e se propõe a discutir e negociar - apenas com outros conselhos de profissões regulamentadas. Ou seja, estamos a um passo de ter empresas de design

58 • Edição 10


Design Magazine Brasil Foto: arquivo ESDI

Em 2004, como diretor da ESDI. Agosto 2015 • 59


Entrevista com Gabriel Patrocinio impedidas legalmente de exercer suas ativi-

2014. Entusiasmado com o evento histórico, que

dades - para as quais os cursos de arquitetura não

pude testemunhar em Brasilia (35 anos depois de

oferecem formação ampla e específica como nos

ter participado do encontro de design que elaborou

cursos de design - pelo simples fato de não termos a

o primeiro ante-projeto de lei com esse objetivo),

nossa atividade profissional reconhecida dentro do

propus o dístico para a nossa campanha pela apro-

emaranhado legal brasileiro. Entendam-me bem,

vação presidencial: ‘Este é o design que queremos

não estou de maneira alguma falando mal de arqui-

para o Brasil. Este é o Brasil que queremos: com

tetos ou insinuando que estes fazem qualquer tipo

design.’ Mas para surpresa de todos (inclusive do

de lobby contra designers - arquitetura e design são

senador que presidia a comissão e sua assessoria),

ambas importantes atividades projetuais absoluta-

o projeto que, considerado aprovado pelo Senado,

mente necessárias para o desenvolvimento do país,

deveria ir direto à sanção presidencial, foi impedido

e que trabalham frequentemente em harmonia e

de seguir seu caminho por um recurso interposto

complementaridade. Espero apenas que o seu con-

por um dos senadores para voltar a discuti-lo no

selho profissional perceba o erro e a injustiça brutal

plenário do Senado Federal, por absurdo que isso

que está cometendo e que pode levar à um anta-

possa parecer. E este senador se recusa desde en-

gonismo absurdo, contraproducente e anacrônico

tão a nos receber para esclarecer os seus motivos

entre o design e a arquitetura.

e intenções - o que leva a uma série de conjecturas

O atual projeto de regulamentação profissional foi encaminhado à Camara dos Deputados em

sombrias e pessimistas, após termos sido vitoriosos em tantos passos do caminho.

Brasilia no ano de 2011, e seguiu tramite normal

Por isso nos encontramos novamente mo-

sendo aprovado em todas as subcomissões neces-

bilizados para tentar vencer mais este obstáculo

sárias. Com isto foi encaminhado ao Senado para

em uma luta de quatro décadas pelo reconheci-

apreciação especial, por se tratar de assunto pre-

mento da importância da nossa atividade para

viamente aprovado na Camara, sendo submetido

o país. Minha natureza não me permite ser pes-

apenas a uma subcomissão específica, na qual foi

simista, mas reconheço que o caminho a trilhar

aprovado por unanimidade em 12 de novembro de

ainda traz dificuldades.

60 • Edição 10


Foto: Fatima Rocha

Design Magazine Brasil

Quais têm sido os principais fatores de convergência sobre o tema design e que intervenientes têm mostrado de fato empenhado e interessante na clarificação legítima dos direitos e deveres dos designers brasileiros? As associações profissionais perceberam que precisavam mobilizar-se para viabilizar seus interesses comuns - foi isto que possibilitou que nosso projeto de lei de regulamentação profissional fosse tão longe. Esta união me permite enxergar com algum otimismo o futuro. Reconhecidos como profissionais diante da lei, poderemos trabalhar mais próximos ao governo, em todas as suas instâncias, para usar o design como ferramenta de transformação econômica e social. É incrível que, sem este reconhecimento legal, designers não podem ser diretamente contratados como tal em nenhuma instância de governo! Concorrências, licitações e outras formas de contratação não podem ser dirigidas especifica e exclusivamente a profissionais formados em design - devem ser abertas a profissionais de diversas áreas, pois não se trata de profissão regulamentada. E com a resolução do conselho de arquitetos e urbanistas, designers poderão até mesmo ser impedidos de participar de contratações governamentais para realização de alguns projetos de design, pois estes seriam de atribuição exclusiva de arquitetos. Agosto 2015 • 61


Entrevista com Gabriel Patrocinio

Há lobby contra os designers brasileiros? Em sua opinião quais são os fatores que impedem o progresso e resolução de um assunto tão importante para a economia do país? Não sei se existe explicitamente um lobby contrário, mas certamente existe incompreensão e ignorância sobre a área em muitas esferas governamentais - que ainda confundem design com a concepção exclusiva dos atributos estéticos de um projeto. E há certamente outros interesses e disputas que procuram perpetuar privilégios e impedir que incompetências sejam colocadas à mostra.

62 • Edição 10


Design Magazine Brasil

Têm dedicado também parte do seu tempo em pesquisa, desenvolvimento, planejamento e pensamento nos diversos campos e realidades do design. Quais as contribuições que julga terem sido as mais relevantes? Tenho postado algumas das minhas principais atividades (embora não com tanta frequência) no meu blog - www. politicasdedesign.com - aonde podem se encontrar links para publicações, apresentações, e inclusive para a minha tese de doutorado. Como já disse, sou movido a desafios, e portanto a próxima atividade sempre parece ser ainda mais relevante que as anteriores! Agosto 2015 • 63


Entrevista com Gabriel Patrocinio

Está a preparar uma publicação que terá para si uma importância não só pessoal, mas também pública. Quer falar-nos dela? Falando em atividades relevantes, este é um projeto do qual muito me orgulho, e que tem sua história ligada a um economista e professor de design britânico que conheci no início de 2011, e de quem me tornei amigo e grande admirador, John Heskett (que infelizmente nos deixou no início de 2014). Entre nossos contatos, ele me pediu que escrevesse sobre um tema relacionado à minha pesquisa em políticas de design, para um capítulo de um livro que estava organizando para uma grande editora acadêmica. Propus escrever sobre a dialética entre o ‘design for need’ e o ‘design for development’ nos anos setenta, com foco nas obras de Victor Papanek e Gui Bonsiepe, respectivamente. Com o capítulo já em andamento e sua estrutura básica aprovada, o professor Heskett foi forçado pelo agravamento da sua doença a interromper o projeto do livro. No início deste ano, lancei-me ao desafio de reunir um grupo bastante seleto de pensadores (designers, economistas, especialistas em consumo) do Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, China, Turquia, India, e África do Sul para escrevermos sobre design e desenvolvimento nos últimos quarenta anos. O referencial de data (1975-2015) diz respeito a um documento da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, ONUDI, sobre políticas de design para países periféricos. Este documento baseia-se num relatório apresentado à ONUDI em 1973 pelo professor Gui Bonsiepe, a pedido do ICSID, que procurava estabelecer as ba64 • Edição 10


Design Magazine Brasil

ses para a utilização do design como ferramenta

igualmente alguns atores e pensamentos recentes

de desenvolvimento em países da periferia. Dois

no Norte - em especial da Europa.

documentos de suma importância aos quais tive

Se os nossos planos se concretizarem, o livro

acesso privilegiado através do professor Bonsiepe,

deverá ser lançado também em Portugal no início

mas que por estarem classificados como ‘reserva-

de dezembro deste ano (temos um convite para fa-

dos’ pela ONUDI, não eram considerados pelos his-

zê-lo em Lisboa que está em negociações). Dentro

toriadores para compreender aquele período das

desta mesma perspectiva de estender o lançamen-

políticas do design. Consegui autorização da ONU-

to do livro à Portugal, há também uma tentativa de

DI para reeditar ambos os documentos, junto com

levar para Lisboa a mostra de cinema e design que

textos que discorrem sobre o tema ‘Design e Desen-

organizei e produzo no Brasil - a Mostra CineDesign

volvimento: 40 Anos Depois’, e vamos lançá-lo em

(www.cinedesign.com.br), com diversos documen-

novembro deste ano pela Editora Blücher. Autores

tários sobre diversas áreas do design, com uma

como Victor Margolin, o próprio Gui Bonsiepe, e

curadoria que busca trazer diferentes experiências

Mugendi M’Rithaa (presidente eleito do ICSID para

e períodos do design contemporâneo para agradar

o mandato 2015-2017) juntaram-se a nós e produzi-

ao público de designers, estudantes de design, mas

ram um livro que, segundo este último, trata-se da

também ao público em geral. A mostra foi concebi-

mais importante obra de referência produzida nos

da originalmente para o Museu de Arte Moderna do

últimos dez anos nesta área, dando voz a importan-

Rio de Janeiro em 2014, mas já teve este ano duas

tes atores mundiais, e alimentando especialmente

edições especiais durante a Bienal Brasileira de De-

um diálogo Sul-Sul que se estende e procura incluir

sign em Florianópolis. Agosto 2015 • 65


Entrevista com Gabriel Patrocinio

66 • Edição 10


Design Magazine Brasil

Agosto 2015 • 67


Entrevista com Gabriel Patrocinio

Que perpcepções trouxe do meio britânico, não só nos aspectos acadêmicos, mas também nos de caráter cultural e social? Como lições diria que trouxe a observação do exercício da cidadania e coletividade - coisa do que nos afastamos bastante no Brasil, talvez pelo nosso passado de governos autoritários e ditatoriais. Não idealizo nenhum povo ou sociedade, valorizo bastante a experiência que vivi, e relativizo alguns problemas que experimentei, típicos da inadaptação de um estrangeiro que já não é tão jovem para se submeter a qualquer situação. E a mudança de uma cidade como o Rio de Janeiro (6.5 milhões de habitantes) para uma vila rural no interior da Inglaterra, com uma população inferior a 5 mil habitantes, é por si só um choque cultural enorme. Em termos acadêmicos é importante constatar que, sendo o conhecimento uma das principais

O que mais lhe marcou na sua aventura acadêmica na Universidade de Cranfield, no Reino Unido?

mercadorias que os britânicos oferecem hoje ao mundo, há uma preocupação contínua com o estudante estrangeiro - em suma, procura-se prestar um bom serviço pelas (altas) anuidades que paga-

A experiência de voltar a ser estudante aos

mos. Sentir-se valorizado faz bem à sua estima e

50 anos é muito estimulante! Poder dedicar tempo

consequentemente lhe predispõe a produzir me-

a pesquisar, a pensar, a processar ideias e tentar dar uma contribuição efetiva para o campo da sua pesquisa é uma experiência de rejuvenescimento pelo menos intelectual! Mas a experiência de morar fora do seu país, de sair da zona de conforto, de se afastar da família e dos amigos, foi especialmente marcante e muda nossa perspectiva de vida. Enxergar o seu país de fora é quase que necessário para fazer uma pesquisa como a minha, sobre políticas públicas. 68 • Edição 10


Design Magazine Brasil lhor, retroalimentando a fama das universidades britânicas. As parcerias com as indústrias são efetivas e produzem resultados palpáveis. Qualidade gera qualidade. Mas também encontrei problemas na universidade que meus colegas brasileiros custaram a acreditar que existissem no ‘primeiro mundo’. Obviamente existem falhas, pois afinal somos todos humanos, mas encontrei também boa vontade em corrigi-las, no que muitas vezes me lembrava o proverbial ‘jeitinho brasileiro’, um subterfúgio para corrigir o sistema quando este falha. Acima de tudo uma grande vontade de inovar também na universidade, de fugir das fórmulas desgastadas. Tive aulas de redação científica em que o professor, ele próprio cientista-biólogo, nos estimulava a introduzir uma linguagem mais informal nos textos acadêmicos, menos impregnada de jargão e de ‘cientifiquês’. Minha revisão de literatura, usando um método visual de tratar a informação, era vista

Como os ingleses encaram o papel do design?

com curiosidade e admiração pela especialista em

Para mim o que melhor responde a essa

informação que nos assessorava na biblioteca da

pergunta é a experiência da criação do Council

universidade - esta por sinal projetada por Sir Nor-

of Industrial Design (atualmente Design Council).

man Foster, que assim como o meu departamen-

Com o país em guerra, bombardeado, com enor-

to, projetado por uma dupla premiada de jovens

mes esforços para conseguir manter-se à tona em

arquitetos, demonstrava o quanto a qualidade do

situação tão adversa, o governo do Primeiro minis-

espaço é agradecida à universidade britânica.

tro Churchill decide criar, em 1944 - um ano antes do fim da guerra - uma agência que cuidasse do planejamento de políticas de design. A guerra iria terminar, e a indústria teria que voltar a crescer e a se dedicar à tarefas de tempos de paz. Os lares bombardeados precisariam ser reconstruídos, e mobiliados, e aparelhados. Os jovens soldados voltando do front iriam constituir novas famílias. E o design teria uma grande importância neste contexto. Esta visão projetiva diz tudo sobre o que pensam os britânicos sobre o design. Agosto 2015 • 69


Foto: divulgação Bienal

Entrevista com Gabriel Patrocinio

Durante a Bienal de Floripa 2015, como mediador do Seminário Internacional.

70 • Edição 10


Design Magazine Brasil

Quais são os principais atores interessados e obstinadamente interessados na justiça e no progresso do design no Brasil? As associações profissionais; As estruturas montadas ao redor da realização das bienais, que vêm alimentando as diferentes regiões por onde passaram nos últimos anos - Curitiba, Belo Horizonte, agora Florianópolis e em 2017 Recife; as diversas

O Brasil e os seus designers são cada vez mais reconhecidos dentro e fora de fronteiras. As consecutivas bienais brasileiras de design têm demonstrado não só capacidade de organização, mas, sobretudo a efetiva importância da ligação entre profissionais e indústrias. O que falta ainda para reforçar estas pontes e projetar, para um futuro próximo, novos desenvolvimentos e progressos?

iniciativas regionais de formular políticas e fomentar eventos locais - como tem acontecido com destaque no Rio de Janeiro e São Paulo nos últimos anos. A boa qualidade dos eventos e o seu caráter internacional é importante para divulgar o crescimento do design e da industrial brasileira, como você bem sabe. Iniciativas como a Semana Design Rio, promovida pelo jornal O Globo, tem atraído multidões de visitantes para conhecer as últimas novidades da área. Há esforços na área acadêmica, mas esta em geral se mantém demasiado afastada do setor produtivo e do governo. Merece destaque o CBD, Centro Brasil Design,

Falta muito… Eu diria que o projeto das

no Paraná (www.cbd.org.br), por sua atuação con-

bienais persiste apesar das adversidades, e tem

tinuada desde os anos noventa e pelo desenvolvi-

aproveitado muito pouco o seu enorme poten-

mento de uma metodologia para oferecer suporte

cial didático e promocional do design. As mostras

de design às pequenas e médias empresas que eu

das bienais deveriam itinerar, ser utilizadas para

considero uma das melhores e mais eficientes do

mostrar aos brasileiros (e também em mostras

mundo, com um belo portfólio de casos de sucesso.

internacionais) a nossa capacidade de projetar, a

O CBD desenvolveu para o Ministério do Desenvolvi-

capacidade da nossa indústria - especialmente a

mento, Indústria e Comércio Exterior, o Diagnóstico

pequenas e médias indústrias, quando estas acre-

do Design Brasileiro. Lançado em 2014 em edições

ditam no design como ferramenta não apenas de

em português e inglês, o diagnóstico oferece um pa-

produção, inovação e competitividade, mas prin-

norama bastante completo do setor de design no

cipalmente no seu papel na visão estratégica de

país. São ainda os coordenadores do Portal Design

gestão. Falta principalmente o governo acreditar

Brasil (www.designbrasil.org.br), iniciativa também

efetivamente no que muitas vezes é parte apenas

do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Co-

de discursos.

mércio Exterior. Agosto 2015 • 71


Foto: Luke Garcia

Entrevista com Gabriel Patrocinio

Os políticos e os gestores brasileiros compreendem a complexa problemática das questões do ambiente, indústria, consumo e economia relacionados diretamente com o design? Resposta simples, não. Ou pelo menos não relacionam estes assuntos ao design. Podem haver excessões, mas se existem são tão raras que não chegam a se destacar. 72 • Edição 10

Num evento no Centro Carioca de Design.


Design Magazine Brasil

Que avaliação faz à passada Bienal Brasileira de Design realizada em Floripa? Quais foram os aspectos que mais o surpreenderam e que legado a edição deixará para a próxima bienal em Recife?

ensino de design, e dos competentes profissionais locais, que tiveram o trabalho exposto e tão valorizado durante o evento. Só lamento não ter conseguido realizar a exposição sobre políticas de design para o que fui convidado ainda em 2013. Cheguei a conceituar e desenvol-

Conhecendo-se as muitas dificuldades enfren-

ver a ideia, mas que acabou submergindo aos muitos

tadas para a sua realização, foi espantoso conferir

cortes de recursos que houveram. É triste ver um

o quanto se conseguiu alcançar, e especialmente a

evento de tal magnitude e com tamanho potencial

quantidade espantosa de eventos paralelos que fo-

como a Bienal Brasileira de Design ser realizado com

ram realizados na cidade ao longo dos dois meses

tamanha dificuldade e dependendo do empenho

de permanência da Bienal - cerca de 150 eventos! O

pessoal de muitos participantes para poder aconte-

legado maior é certamente o fato de ter sido realizado

cer, enquanto eventos de muito menos valor aconte-

em Florianópolis uma cidade que era considerada à

cem com orçamento públicos bem mais generosos.

margem do circuito nacional do design, apesar de ter

Ainda assim Recife recebe um padrão elevado

abrigado o histórico Laboratório Brasileiro de Design

de realização, que espero ainda ser superado, e que

Industrial - este também apresentado em uma das

especialmente sejam superadas as dificuldades en-

mostras principais da Bienal 2015. Me parece que, no

contradas este ano e se produza uma Bienal 2017

segmento do design, a cidade sai bastante fortalecida

com a presença expressiva do Nordeste e Norte brasi-

do evento. Espero que o governo local e a Federação

leiros - Recife fica na região nordeste do país, sempre

das Indústrias (FIESC), que tanto apoiaram a realiza-

sub-representada no mapa do design brasileiro, mas

ção da Bienal, continuem estabelecendo laços fortes

que tem uma riquíssima tradição cultural e material

com o design local, através das muitas instituições de

que alimentam a produção local e regional.

Agosto 2015 • 73


Entrevista com Gabriel Patrocinio

Com uma vasta experiência e presença em fóruns nacionais e estrangeiros focados no design, o que lhe parecem constituir as preocupações e os desejos compartilhados por toda uma classe profissional? Existe uma preocupação permanente em se fazer entender como profissão e como pro-

ção, etc. Nada tenho contra esta abordagem, mas às vezes me pergunto porque algumas pessoas não se identificam como artistas-designers, ou artesãos, ou artífices, se o sentido original destas palavras conferiria o prestígio da extrema habilidade na arte de fazer alguma coisa. Me parece conferir mais prestígio ao profissional, pois exalta as suas qualidades – além de contribuir para evitar a frequente confusão entre design e arte.

fissionais. ‘O que é design?’ ainda é uma ques-

Outra questão é o grande equívoco que às

tão que exige ser respondida continuamente e

vezes me parece bastante intencional no senti-

para a qual eu tenho adotado e recomendado a

do de desqualificar a profissão entre o verbo in-

adoção da definição do ICSID, por ser uma de-

glês to design e o substantivo design. O cultuado

finição internacionalmente construída e aceita.

designer e autor Victor Papanek estimulou esta

Do contrário, quanto mais definições houver

confusão ao dizer “All men are designers. All that

tanto mais confuso será. Poderia acrescentar

we do, almost all the time, is design, for design is

ainda que o efetivo entendimento do que é o

basic to all human activity.” Esta é uma afirmação

design pressupõe igualmente entender a sua

falaciosa em inglês, que se torna extremamente

importância estratégica.

grave ao ser traduzida ao português. Adotamos

Mas parte desta confusão é de responsabili-

na nossa língua o substantivo design, para iden-

dade dos próprios designers (embora não todos),

tificar uma atividade profissional, mas nunca o

que insistem em compartilhar visões equivocadas

verbo ‘to design’ como usa Papanek para cons-

da atividade profissional. Há os que trabalham o

truir sua afirmação falaciosa acima. Em sua frase

design como arte (o que alguns chamam desig-

ele confunde intencionalmente verbo e substan-

n-arte), produzindo peças únicas ou limitadas

tivo, com habilidades de ilusionista, para induzir

para mercados de alto luxo, tal e qual um artista,

o erro. Eu escrevo bastante, mas não sou um es-

ou então desenvolvendo produtos cujo fator es-

critor. Eu gosto de cozinhar e o faço razoavelmen-

tético é preponderante, deixando para segundo

te bem, mas não sou um cozinheiro. Esta constru-

plano (ou ignorando) questões relativas ao uso,

ção é um dos grandes vilões na desvalorização da

produção, sustentabilidade, materiais, manuten-

nossa profissão.

74 • Edição 10


Design Magazine Brasil

O que vê para o futuro do design a nível mundial? Seja a elaboração de um produto, um serviço, ou de políticas públicas. Precisamos retomar uma formação mais sólida dos novos designers em metodologias que deem conta desta demanda. Tivemos a partir dos anos noventa um decréscimo na problematização da metodologia do design e uma sobrevalorização do processo quase instintivo, perceptual, contrário ao racionalismo das décadas anteriores. Os designers precisam hoje (re)aprender a exercitar a empatia, ao se colocarem no lugar (e ao lado) dos usuários, mas ao mesmo tempo também (re)aprender a utilizar ferramentas que lhes permitam controlar rigidamente todo o processo do projeto. Desta forma o design estará aparelhado para

Foto: divulgação Bienal

melhor enfrentar os seus desafios futuros.

Para si o que significa Bom Design? Adquiri um hábito durante minha pesquisa de doutorado, de não procurar criar novas definições para aquilo que já está bem definido. Para mim, o ‘decálogo do bom design’ do Dieter Rams é definitivo. Como dizer isso de forma melhor? Ponto para a clareza da sistematização germânica! Agosto 2015 • 75


76 • Edição 10


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