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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO UNINTER - ANO VIII- NÚMERO 56 – CURITIBA, DEZEMBRO DE 2017 CLáudia Freire

Jhonatan Giovanini

pág. 2

Professora aposentada conta sobre a experiência como aluna de Jornalismo

pág.4 Ivone Assis

Índios falam como é viver em uma aldeia em meio à metrópole

pág.10 pág. 3 Letícia Costa

Violência faz parte do cotidiano de quem trabalha nas estações-tubos

pág.5 Douglas Miranda

A rádionovela ainda vive nas ondas do rádio

O despertar do mercado da beleza negra págs.6, 7 e 8


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Número 56 – Dezembro de 2017

OPINIÃO Ao Leitor O jornal Marco Zero traz nessa edição a falta de segurança nas estações-tubo, mostrando o risco que os cobradores enfrentam todos os dias e relatos de sobreviventes em assaltos no transporte público. Como matéria especial, a revolução na indústria cosmética graças à voz do movimento negro. Na editoria Cultura, você vai ler uma matéria sobre as emissoras de Curitiba que ainda utilizam o formato de programa das radionovelas. E com muito sucesso! Estudante de jornalismo, de 60 anos de idade, realiza seu sonho de usar o conteúdo que está aprendendo na graduação em projetos sociais e deseja desenvolvê-los nas escolas públicas. Esse é o tema do Perfil dessa edição. Já na página 9, confira a matéria sobre uma tribo indígena no meio da cidade, que luta para manter as origens. E como ensaio fotográfico, os retratos de uma das cidades litorâneas paranaense, “Portas e janelas de Antonina”. Isso e mais nesta edição do Marco Zero. Boa leitura! Equipe Marco Zero

O Marco Zero

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Expediente

Na Praça Tiradentes, bem em frente à Catedral, está o Marco Zero de Curitiba, que oficialmente é tido como o local onde nasceu a cidade, além de ser o ponto de marcação de medidas de distâncias de Curitiba em relação a outros municípios. Ao jornal Marco Zero foi concedido este nome, por conter notícias e reportagens voltadas para o público da região central da capital paranaense.

1o lugar MAR CO ZERO

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Resgate de uma época lúdica

Roberto Oliveira

Primoroso registro de um período incendiário do Rock ‘N’ Roll, ao mesmo tempo em que narra a trajetória improvável, mas bem-sucedida de um adolescente aspirante a jornalista. Assim pode ser definido o filme Quase Famosos, lançado em 2000 pelo diretor Cameron Crowe que, nos anos 1970, começou a exercer, com apenas 16 anos, a função de correspondente (que mantém até hoje) para uma certa revista mensal que iniciou sua circulação em 1967 e que, com o passar dos anos, se tornou uma das mais prestigiadas do mundo quando o assunto é música, simplesmente a Rolling Stone. Em 1975, já com 18, Crowe via publicada na revista a longa entrevista que fez com o Led Zeppelin, fruto de duas semanas que passou com a banda, durante sua turnê pelos EUA. Para contar uma história inspirada na sua própria, Crowe criou um alter ego, o jovem William Miller (Patrick Fugit). De formação mais intelectualizada do que a média, e de aparência nem um pouco ‘cool’, ele inicialmente escreve artigos sobre música que são publicados no jornal da escola, e posteriormente também na revista Cream, onde trabalha o crítico musical Lester Bangs, um dos melhores profissionais do ramo (que realmente existiu, e no longa foi vivido pelo talentoso e saudoso Philip Seymour Hoffman, ganhador do Oscar de Melhor Ator em 2006 por Capote), com quem faz amizade. Por obra do acaso, Miller acaba conhecendo pessoalmen-

te também a banda em ascensão Stillwater (da qual já era fã), cujos integrantes imediatamente percebem o quanto o menino é mesmo entendido do assunto. O guitarrista do grupo, Russell Hammond (Billy Crudup, o Doutor Manhattan de Watchmen) acredita que seria bom tê-lo por perto escrevendo sobre eles, mesmo sendo um ‘inimigo’, fazendo alusão à eterna discórdia entre artistas e imprensa, e acaba convencendo os demais membros da banda a aceitá-lo. Nisso, os bons textos já escritos pelo garoto são lidos por um editor da Rolling Stone, que o convida para escrever para a revista. Então, mesmo com todas as ressalvas da mãe conservadora e ‘assustadora’ (Frances McDormand, oscarizada em 1996 por seu papel em Fargo) o pequeno William, com apenas 15 anos, mas fingindo ter 18, deixa San Diego e pega a estrada, a bordo do ônibus da banda Stillwater, para cobrir sua turnê pela América. Outra personagem fundamental dessa história é a groupie Penny Lane (Kate Hudson). O estilo de vida festivo da moça (que não revela seu verdadeiro nome a ninguém) é absurdamente oposto ao dele, mas desperta no adolescente sentimentos com os quais terá que saber lidar, enquanto desenvolvem uma inicialmente saudável amizade, durante os muitos dias que passam com a banda ‘quase famosa’ em seu ônibus, nos hotéis e, claro, nos shows. Entre as várias outras groupies, amigas de Penny Lane, uma delas desempenha um papel que, embora ocupe pouco tempo de tela, é de vital importância para o amadurecimento do jornalista precoce. Trata-se de Polexia, vivida por Anna Paquin que, em 1994, com apenas 11 anos de idade, ganhou

O jornal Marco Zero é uma publicação feita pelos alunos do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter Coordenadora do Curso de Jornalismo: Guilherme Carvalho Professores responsáveis: Alexsandro Ribeiro, Mauri Konig e Roberto Nicolato

Diagramação: Alunos - Quadrimestral Mídia Impressa Artur Neves Larissa Oliveira Aliana Macho Projeto Gráfico: Cíntia Silva e Letícia Ferreira

o Oscar de Atriz Coadjuvante por O Piano, e que o público mais recente conhece pelo papel da Vampira na primeira trilogia dos X-Men. Merecem menção ainda no ótimo elenco a irmã mais velha de Miller (Zooey Deschanel, sósia de Katy Perry) e o novo produtor da banda que promete alçá-los a vôos mais altos, literalmente (interpretado por Jimmy Fallon, atual apresentador de um famoso talk show da TV americana). Essa prazerosa empreitada cinematográfica, regada a pitadas de road movie, com personagens cativantes e situações que colocam o expectador no auge da efervescência setentista que define a tão famosa expressão “sexo, drogas e Rock ‘N’ Roll” não seria completa sem a autenticidade que foi dada ao grupo fictício criado especialmente para o filme. Inspirado por três bandas que marcaram a juventude do diretor, Allman Brothers, Lynyrd Skynyrd e Led Zeppelin, o Stillwater possui características, tanto pessoais quanto musicais, de cada uma delas. Quase Famosos ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original, que também é assinado por Crowe, cineasta que notoriamente possui uma identificação sensorial com a música, e ainda mais intimamente, com o Rock. Além das canções do Stillwater, a trilha sonora é toda composta por músicas da época, de Black Sabbath, Deep Purple, The Who e Led Zeppelin, passando por Simon & Garfunkel, Yes e David Bowie (que causa tumulto quando ‘é visto’ em um hotel), até as mais dóceis como “Tiny Dancer”, de Elton John e “My Cherrie Amour”, de Stevie Wonder, essas duas tocadas em momentos-chave do longa. Todas compõem o lúdico elemento melodioso que se faz presente em todo o tempo e ilustra tão bem a atmosfera nostálgica em que se dão os acontecimentos narrados na projeção. Este não é apenas um filme sobre um jovem de 15 anos precocemente contratado pela Rolling Stone para entrevistar uma banda de Rock em turnê. Trata-se de uma belíssima história de descobertas, de relacionamentos, de amizades, de amores, e preenchida por momentos alegres, divertidos e poéticos que tornam Quase Famosos quase uma fábula, ambientada longe do ‘mundo real’ do qual Penny Lane insiste em não querer fazer parte. Uninter - Campus Tiradentes Rua Saldanha Marinho 131 80410-150 |Centro- Curitiba PR E-mail comunicacaosocial@grupouninter.com.br

Telefones 2102-3377 e 2102-3380.

Arthur Neves

Qual sua opinião sobre a saúde pública na capital paranaense? “Eu só utilizo quando preciso muito, por que é demorado, e às vezes não compensa Cris Watkins, esperar tanto.” 22 anos Desempregado

”Já aconteceu de eu quebrar a costela num treino e por mais que eles tenham me Rodrigo atendido rápido, Oliveira, o raio-x demo26 anos rou mais de cinLutador co horas pra sair o resultado. Sendo que eu estava imóvel por todo esse tempo e sem um diagnóstico parcial.” “Graças a Deus, hoje tenho plano de saúde, mas às vezes que eu tive que usar a unidade básica, tive que esperar meses por uma consulta especializada.” Yuri Pauma, 28 anos Estudante

“Eu faço estágio na área da saúde e observo que principalmente em questão de atendimento, depende muito de qual profissional você vai ser atendido. Diego Santos, Tem uns que são 19 anos bem prestatiEstagiário vos, e outro que fazem o mínimo. Tem que ter sorte.” “A saúde pública é muito mal administrada tanto na esfera municipal como na federal. Tem lugar sobrando leito e outros faltando, além de o investimento Jhonatan de do estado não ser Paula, 29 anos proporcional a Segurança popuulação que utiliza o serviço. Sem falar nos casos de desvio de verba que agente acompanha nos jornais”.


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PERFIL

Caloura de Jornalismo inspira novas gerações Eva Bravo não se rende à acomodação e realiza sonho de usar o jornalismo em projetos sociais Jhonatan Giovanini

Jhonatan Giovanini

Eva Bravo é um exemplo de perseverança e é vista como uma excelente aluna por seus colégas e professores da Uninter

as práticas pedagógicas sociais de inclusão social”, explica Eva. Além de trazer as práticas de inclusão para o debate no jornalismo, ampliando seu projeto, Eva pretende usar o que aprender para mostrar também as boas práticas que são feitas por pessoas em situação de rua, contando o que elas têm feito de bom em meio às dificuldades. “A ideia é desenvolver projetos para as pessoas que vivem em situação de rua, identificando habilidades existentes nessa população, considerando as inteligências múltiplas”, completa. Uma das professoras de Eva, Daniela Neves, diz o quanto ela é

interessada e participativa durante as aulas. “Uma pessoa alegre, dedicada, que acompanha a leitura. Uma excelente aluna”, comenta. Alguns colegas de turma dizem o quanto gostam da companhia dela durante as aulas. “A dona Eva é uma aluna bastante aplicada, tenta se relacionar com todos da sala. Ela é bastante carinhosa com todo mundo. Ela questiona bastante durante as aulas e coloca alguns pontos na narrativa dos professores, trazendo coisas da sua própria experiência como professora”, diz Ariadne Körber. Até quem não é da mesma turma, mas que sempre

“Eu quero desenvolver projeto nas escolas públicas”

a vê pelos corredores, diz como é importante a presença dela para os demais. “Um exemplo de perseverança e determinação, uma referência”, comenta Douglas Miranda. Ajudar o próximo não é a única coisa que dá forças a Eva. Ela diz que esse era o sonho de

sua mãe para a filha, o que a fez abraçar essa causa com muito carinho e força de vontade para enfrentar todos os limites de uma nova graduação. Recebida de braços abertos, não só virou xodó da turma, mas também uma referência e exemplo a ser seguido. Jhonatan Giovanini

Não há limites para quem acredita e corre atrás dos sonhos. Foi assim para Eva de Fátima da Costa Bravo que, aos 60 anos, já aposentada, deu início ao curso de graduação em Jornalismo na Uninter. Sonhadora, Eva tem muita fé e não mede esforços para dar uma boa palavra para alegrar o coração de quem se aproxima. De uma forma amável, conversa com as pessoas e orienta cada um com seus conselhos. Nascida em 1957 na cidade de Lins, interior de São Paulo, com um ano de idade se mudou para a cidade de Ibaiti, no Paraná. Em 1966, a família parte para Curitiba, onde ela cresceu e vive até hoje. Seu primeiro trabalho foi ainda jovem, vendendo maçãs no centro da cidade. Em 1978 teve a sua primeira experiência com carteira assinada, trabalhando durante 14 anos no banco Bamerindus. Foi casada por oito anos com Aparecido Ferreira de Oliveira, com quem teve seu único filho, Rodrigo Willian Costa de Oliveira, nascido em 1982. Bacharel em Química com licenciatura para Ciências, além de ter duas especializações no currículo, quando ministrava aula Eva sempre usava notícias para contextualizar o assunto aplicado em sala. Dessa forma, uma aula de Ciências se transformava em uma reportagem contada pela professora. Buscando um caráter mais sério sobre os assuntos debatidos em aula, decidiu dar início a um novo curso para entender como funciona o jornalismo. Eva não parou por aí. Ainda tem o desejo de usar o jornalismo para mostrar as práticas de inclusão social com as crianças nas escolas, o que lhe proporcionaria uma inversão de papeis: trazer a sala de aula para debate no campo do jornalismo. “Eu quero desenvolver projeto nas escolas públicas, identificando

De professora em sala de aula para aluna de Jornalismo

Ela não para 1958

Seu nascimento em Lins - SP

1966 Vem embora para Curitiba

Mudou para Ibaiti -PR

1978

1982

1990

Nasce seu filho Willian Costa de Oliveira

Começou a tarbalhar no Banco Bamerindus

1992

1995

2000

2015

2017

Migra da educação Sua aposentadoria particular para como professora a pública Concluiu seu Iniciou o curso Concluiu sua especialização Magistério em Educação de Jornalismo em Química Experimental

Começou a ministrar na rede particular

Formou - se Bacharel em Química

1993

Jhonatan Giovanini

1957


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CIDADE

“Somos pais e mães de família cansados de sair de casa com medo de morrer”, desabafa Anderson Teixeira, do Sindimoc

Um assalto a cada 5 horas

Falta de segurança nas estações-tubo expõe cobradores a riscos Valéria Alves

Um assalto a cada cinco horas. De acordo com dados da Urbs (empresa responsável pelo transporte público na capital), foram quase 1,2 mil dessas ocorrências em estações-tubos e ônibus apenas entre janeiro e agosto de 2017. A média é de 4,89 por dia. Janeiro e fevereiro elevaram essa taxa, com 370 assaltos só nesses dois meses, com índice diário de 6,1. Este é um dos tipos de violência a que estão submetidos os cobradores destas estações em Curitiba. Apesar das ocorrências, 2016 teve o dobro do número de regis-

tros de 2017, chegando a quase 9 assaltos por dia. É comum ouvir dos cobradores que a falta de segurança virou uma rotina. “Isso é o que mais tem”, diz um cobrador, que não será identificado por motivos de segurança. “Difícil é encontrar alguém que ainda não foi assaltado”, lamenta outro. O assunto é tratado com naturalidade, pois os assaltos já fazem parte do cotidiano de quem trabalha nas ruas da capital paranaense. Uma cobradora de uma estações-tubo do centro de Curitiba, que não será identificada para não sofrer represálias, conta que foi abordada no primeiro mês de trabalho, mesmo com o ônibus parado no tubo e a Guarda Municipal do outro lado da

rua. “Era mais de 11 horas da noite e chegou um cara mostrando um cabo. Não deu pra ver se era faca ou não. Ele começou a pedir notas de dinheiro, e eu não reagi; então ele levou o que tinha e eu gritei para a guarda municipal. Os policiais foram até o tubo e eu descrevi como o assaltante estava, mas não o acharam e foram embora”, diz ela. Muitas vezes os cobradores precisam contar com Cobradora a sorte. Márcia (nome fictício), por exemplo, relata que certo dia um homem drogado e prestes a roubar o tubo em que ela trabalhava a reco-

nheceu e lembrou que ela sempre trocava moedas para ele e decidiu não assaltá-la. Havia mais um homem com ele e os dois estavam armados. No mesmo dia, assaltaram outra estação-tubo. “Conhecimento é bom nessas horas”, diz. Outro cobrador do Centro diz que já foi assaltado duas vezes e, segundo ele, há colegas de trabalho que contam com um número maior de abordagens. De acordo com a Urbs, as estações-tubo com maior ocorrência de assaltos na região central são a da

“Se não deixarmos eles venderem eles falam que vão matar a gente”. -

Praça Rui Barbosa (sentido Bairro Novo) e a da Carlos Gomes. A violência é apenas um reflexo da criminalidade na região central. De acordo com Mapa do Crime, que foi divulgado em maio pela Secretaria Municipal da Defesa Social e Trânsito, o centro de Curitiba é o bairro mais violento do ano. Apesar do grande número, assaltos não são o único risco que cobradores enfrentam. Já houve situações em que traficantes que rodeiam estações-tubo, deixavam suas bolsas para que a cobradora guardasse, mesmo ela dizendo que não podia por causa da grande chance de conter drogas. De acordo com ela, um cobrador já perdeu o emprego por esse motivo. O comércio irregular de passagens de cartões perto da catraca da estação-tubo também tem resultado em ameaças aos cobradores. “Eles ficam na entrada apontando o dedo, e se não deixarmos venderem falam que vão matar a gente. A Urbs quer que a gente não deixe porque a maioria desses cartões foi roubada das pessoas na rua, só que não tem nenhum fiscal que fica por aqui pra tirar o cartão deles”, queixa-se. “Uma vez, um cara veio vender o cartão e ficou me ameaçando. Na hora que ele saiu, liguei pra empresa. Tinha umas dez pessoas dentro do tubo e pedi pra que a empresa ligasse para a polícia pra não saberem que fui eu. Pedi pra mandarem a Guarda e descrevi a roupa dele. O assaltante foi pego, mas não ficou preso, e então ele voltou me cobrando. Eu disse que não tinha sido eu que havia ligado, e sim os passageiros que presenciaram o que aconteceu”. Ele acreditou na versão da cobradora.

Motoristas e cobradores pedem câmeras e PM nos ônibus

Instalação de câmeras de segurança 24 horas, uma delegacia especializada em crimes no trans-


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porte coletivo e o retorno da Grupo Tático Velado da Polícia Militar são três das reivindicações que buscam reduzir a violência nos ônibus de Curitiba. O Sindimoc (Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana), juntamente com os principais órgãos da área de transporte e da segurança pública de Curitiba e Região Metropolitana, criaram o Comitê de Segurança no Transporte Coletivo. Juntos estão trabalhando para mudar a situação dos trabalhadores do transporte e das estações-tubos, que diariamente passar por situações de risco, ameaçando também a segurança dos passageiros. Para os ônibus, o Sindimoc defende três pontos: De acordo com Anderson Teixeira, presidente do Sindimoc, as câmeras solicitadas pelos trabalhadores do transporte começaram a ser testadas no dia 15 de setembro em veículos da região metropolitana. Foram solicitadas quatro câmeras internas e seis nos veículos articulados, com visão noturna e alta definição, tendo como objetivo registrar imagens no interior dos ônibus a partir de pontos estratégicos: de cima do banco do motorista, entre o cobrador e a porta intermediária, nos fundos do veículo e outra voltada para a parte externa, localizada sob o para-brisa. As cidades que possuem sistema de monitoramento nos veículos, como Porto Alegre e Belo Horizonte, conseguiram diminuir arrastões de 80% a 90%. “Diariamente se lê e vê nos jornais a situação caótica que é trabalhar e ser usuário do transporte coletivo em Curitiba. Nós do Sindimoc defendemos nada além da segurança dos motoristas e cobradores, para que possam exercer seu trabalho com dignidade”, diz Anderson. “Somos pais e mães de família cansados de sair de casa com medo de morrer. Por isso, ao longo de todo o mês de setembro, o Sindimoc realizou a campanha Setembro de Luto, com diversas paralisações de 1 hora em terminais e principais pontos da cidade, além da utilização da camiseta preta pelos trabalhadores como forma de luto pela insegurança no transporte, para mostrar a sociedade que não aguentamos mais”.

Tiros na estação No dia 26 de setembro um cobrador levou dois tiros ao tentar impedir que um grupo furasse a catraca. O caso aconteceu na estação-tubo Antônio Cavalheiros, no bairro Cabral. O rapaz, de 23 anos, foi levado para o hospital em estado grave, mas se recuperou. A prefeitura informou na época que a Guarda Municipal não foi acionada para atender essa ocorrência.

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“O dia em que fui assaltado” Relatos de sobrevivência no transporte público

“Cheguei a ficar 30 minutos ligando para a polícia”, afirma um motorista sobre a demora no atendimento

Ana Oliveira

Ter uma arma apontada para a cabeça e sofrer humilhação de bandido são situações rotineiras para motoristas e cobradores do transporte coletivo de Curitiba e região metropolitana. Quando não presenciam a morte de colegas, passam por circunstâncias que deixam lembranças de extremo desgaste emocional. Um motorista que preferiu não se identificar levou um tiro durante um assalto no ônibus que dirigia e ficou internado por 90 dias. “Lembro de não ter reagido quando ele entrou no ônibus e pediu todo dinheiro ao cobrador. Assim que ele desceu, me deu um tiro. Acordei 60 dias depois”, recorda. Assim como ele, outros trabalhadores já sofreram com esse tipo de violência e

tiveram de se ausentar do trabalho devido ao medo, ferimentos ou distúrbios psicológicos. Uma cobradora diz que os bandidos fazem teste psicológicos com eles. Chegam a simular acidente para assaltá-los. Ela diz que às vezes é possível perceber quando serão assaltados, mas é preciso pensar duas vezes antes de reagir. “Mês passado, no trevo do Atuba, o motorista viu dois homens suspeitos no ponto de ônibus e chegou a dizer que eles iam assaltar. Quando ele parou no ponto e eu me levantei do banco, eles já encostaram a faca na minha barriga e anunciaram o assalto”. O motorista Celso de Oliveira é mais uma das vítimas da violência no transporte público. Ele tem 23 anos de empresa e foi assaltado três vezes. Nunca foi agredido nem saiu ferido em um assalto, mas não escapou do trauma de vivenciar esse tipo de situação desde a época em que era cobrador. “Eu estava fazendo a linha

“Lembro de não ter reagido quando ele entrou no ônibus e pediu todo dinheiro ao cobrador. Assim que ele desceu, me deu um tiro. Acordei 60 dias depois”, recorda

da Vila Suíça e no ponto de ônibus entraram dois indivíduos armados com pistola. Um deles foi no motorista e o outro em mim, colocando a arma na minha cabeça. Foi o meu primeiro assalto”. Outro motorista, que prefere não se identificar, sofreu o seu primeiro assalto neste ano. Ele conta que ao entrar no ônibus para substituir um colega já viu dois rapazes parados no ponto de ônibus. Chegou a desconfiar deles. “Assim que assumi a direção e fui fechar a porta, eles correram e entraram no ônibus, chamando a gente de vagabundo. Um pediu dinheiro para o cobrador e o outro pulou a catraca e foi pegando o celular dos passageiros. Continuei dirigindo, eles foram descer quatro pontos depois que entraram”, relata.

Quando a Polícia demora

Depender da Polícia tem sido uma das maiores dificuldades para os trabalhadores do transporte público. Muitos relatam terem esperado durante horas até a viatura chegar ao local em que foram assaltados. “Eu não ligo mais para o 190. Durante um assalto próximo ao Shopping Curitiba, cheguei a ficar 30 minutos ligando para a polícia”, afirma um motorista. Algumas ações têm sido to-

madas para diminuir o número de assaltos nos ônibus, a exemplo dos botões de pânico e câmeras de segurança instaladas nesses veículos e que são monitoradas por um departamento específico da Polícia Civil. Porém, alguns motoristas e cobradores dizem que esse botão vai aumentar mais os riscos nos ônibus, no caso de os assaltantes desconfiarem que o motorista o acionou para chamar a polícia.

Morte ao volante

O motorista Edmilton José de Melo morreu no dia 22 de julho de 2017 após ser baleado durante um assalto na linha em que trabalhava. Ele trabalhava na linha Curitiba-Jardim Paulista e parou em um ponto na BR-116, na Vila Zumbi dos Palmares. Quatro pessoas embarcaram e anunciaram o assalto. Eles fizeram um arrastão e, na saída, atiraram contra o motorista. O Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc) organizou protestos no centro de Curitiba pedindo mais segurança no transporte coletivo. “As pessoas devem se preocupar mais umas com as outras, devem valorizar mais o nosso trabalho. Isso tem que ter uma solução”, diz um colega de Edmilton.


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ESPECIAL Foto:Cláudia Freire

O despertar do mercado da beleza negra O movimento que ganhou força na internet e está revolucionando a indústria cosmética brasileira

Bárbara Nunes

Cláudia Freire

Elas querem assumir o que são naturalmente, então se criou um novo mercado.

as meninas não querem mais fazer mudanças químicas nos cabelos. Elas querem assumir o que elas são naturalmente, então se criou um mercado completamente novo. Um movimento que veio da internet”, diz a cabelereira. A trancista Débora Caroline Pereira, proprietária do salão

Deby Tranças, também acredita que se deu na internet essa revolução no mundo da estética que vem gerando esse boom de produtos para mulheres negras. “Isso só está acontecendo porque as redes sociais gritam. Quando uma mulher preta coloca em um texto que ela foi preterida numa propagan-

Foto:Bárabar

Mais da metade da população brasileira (54%) é composta por pretos e pardos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar de a miscigenação ser tão presente no país, e as estatísticas mostrarem que a cada dez pessoas três são mulheres negras, o mercado da beleza não se preocupava com a produção de maquiagens e produtos para cabelo voltados para esse público. Até que ele foi se fazendo notar por meio de uma grande aliada: a internet. Em agosto, o Google BrandLab revelou um crescimento de 232% na busca online por cabelos cacheados, ultrapassando pela primeira

vez as pesquisas na internet por ca- as maquiagens para seus tons de belos lisos. A procura por transição pele eram caras e sem variedade. capilar também aumentou, chegan- É o que relata a cabelereira, mado a 55% nos últimos dois anos. As quiadora e influenciadora digital buscas no meio digital revelam as Josiane Helena Souza, de 36 anos. mudanças na vida real. “Em relação ao cabelo, De acordo com essa re- sempre senti dificuldade de enconcente pesquis a , trar profissionais que soubessem que levanta lidar realdados apenas mente com sobre cabelo ele, que cocacheado, foi pernhecessem cebido que três em e se preocucada cinco mulheres passem em que possuem cachos estudar isso. usam o Youtube para Quando aprender a cuidar de uma mulher seus cabelos e que Josiane Helena Souza negra entra uma em cada três usa em um salão a plataforma como ‘normal’, a forma das buscas relacionadas a primeira coisa que o profissional cabelo. Diante dessa realidade, oferece é o alisamento”, diz Jopode-se observar a força que a in- siane. ternet possui nessa revolução. Com experiência de 11 anos Houve um tempo em que as na área da beleza, ela conta que mulheres negras não se sentiam produtos para cabelo e pele de à vontade para procurar salões mulheres negras surgiram sode beleza, os produtos próprios mente há 3 anos. “Viram que para seus cabelos não existiam e esse mercado é gigantesco e que

Débora Caroline em seu Salão Deby Tranças, localizado em Curitiba


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Reprodução

Rihanna no lançamento da própria marca Fenty Beauty

da ou em um espaço, aparecerão milhares falando a mesma coisa”. E completa: “A indústria e o comércio buscam vender, então eles pensam ‘essas mulheres estão reclamando, elas vão comprar’”.

Pioneira no mercado

O Instituto Embelleze foi a primeira empresa a oferecer curso profissional de cachos no Brasil e tem oferecido também o workshop DNA do Cacho, que carrega o mesmo nome da linha para cabelos lançada recentemente. “Tanto o workshop como o curso oferecido para aprender enrolamento e definição de cachos foram criados para especializar profissionais que ainda têm esse déficit quando o assunto é cuidar de cabelos que não sejam o liso. O mercado já está procurando Foto:Bárbara Nunes

Josiane Helena de Souza

quem saiba cuidar desses cabelos. Teve bastante gente interessada no workshop. O primeiro [no dia 5 de agosto] bombou, não tinha nem mais vaga no dia”, diz a coordenadora pedagógica do Instituto Embelleze, Dayane Lacerda. A ideia de lançar os produtos DNA dos Cachos vem da percepção de uma nova realidade social. “Com essa questão do empoderamento das mulheres, que já não querem mais usar química nos fios, mas sim manter eles naturais, a Embelleze resolveu lançar essa linha vegana livre de químicas encontradas em produtos que são oferecidos pelo restante do mercado, da indústria”, comenta.

Da cozinha para a penteadeira

Foi nesse grande período da ausência de produtos para seus cabelos que mulheres cacheadas, onduladas e crespas foram ressuscitando misturas caseiras no decorrer do tempo, como aquelas que as avós e mães inventavam já que não possuíam muita variedade para hidratar, nutrir e restaurar os fios. A partir disso, elas foram utilizando as antigas e criando suas próprias receitas. Além de maquiadora e cabelereira, Josiane Helena Souza é youtuber e vê como mulheres ajudam umas às outras compartilhando seus conhecimentos em blogs e canais no meio virtual. Ela acredita que o único problema ainda existente é a falta de conteúdo voltado para mulheres que têm fios crespos, por ser um tipo cabelo deixado de lado e confundido com o cacheado. Para ela, foram as crespas que impulsionaram esse movimento de pesquisar formas de cuidar dos cabelos, de experimentar e de criar aquilo que o mercado não oferecia para elas. “Essas meninas começaram a misturar de tudo e viram o que resolvia no cabelo”, diz. Ela critica a

indústria da beleza por ter comercializado essas receitas. “Pegaram o que a gente já fazia por não oferecerem produtos para nós e cobram dez vezes mais pela mesma coisa. Isso é subestimar a inteligência dessas mulheres, porque na maioria das vezes esses produtos prejudicam a saúde com componentes que lá na receitinha caseira não tem. Além de elas serem mais baratas e mais limpas que produtos industrializados”, pontua

Atualmente, ao entrar em qualquer loja de cosmético você logo encontra prateleiras cheias de imitações das combinações que nasceram na cozinha de casa. Chega a causar surpresa se deparar com produtos a base de gelatina, maisena, café, margarina, óleo de coco, entre outros, para serem utilizados no cabelo. Surpresa apenas para quem nunca precisou utilizar o que tem nos armários para tratar das madeixas.

Falta de maquiagem leva cantora a criar linha

A produção de maquiagens para negras nunca conseguiu ser páreo para a de mulheres brancas, apesar de isso estar mudando aos poucos. A trancista Débora Caroline Pereira relata sua experiência com essa situação. “Conheci tarde a maquiagem para pele negra. Somente há seis anos fui conhecer marcas de base para meu tom de pele e ainda de uma marca de fora, porque aqui no Brasil só tinha três tons. Sendo que somos de tons vari ados”. Pensando na representação de todos os tons de pele, a cantora Rihanna lançou a sua própria linha de maquiagem, a Fenty Beauty, com 40 tonalidades de coloração. A marca vem sendo considerada revolucionária, já que dificilmente se pensa em abranger essa diversidade. “A maior lacuna que eu encontrei nos cosméticos está nos tons de base. É uma das coisas mais importantes para mim: garantir que todas as pessoas se sintam in-

cluídas”, disse a cantora para a revista ELLE Magazine. Josiane Helena Souza lembra que antes de ser maquiadora especializada em pele negra optava por não procurar profissionais para trabalhar com sua tonalidade por saber que não seriam capacitados. “A desculpa que eu sempre ouvia de maquiadores é que não tinha produto para a gente, que eles eram muito caros por serem importados e isso dificultava. Mas na verdade sabíamos que era uma desculpa mesmo, porque os mesmos produtos caros e importados eles compravam para fazer a pele branca”, diz.

Exclusão também nos concursos de miss

Letícia Costa é a Miss Curitiba Universo 2017. Ao se inscrever para o concurso, ficou sabendo que era a segunda negra a participar, tendo um grande intervalo de tempo entre uma e outra. Foi muito questionada sobre o porquê de não abrir mão de seu Black Power para competir. “Da parte dos coordenadores, missólogos e maquiadores, ouvi várias vezes que deveria alisar meu cabelo”, lembra Letícia, que venceu mantendo seu cabelo natural. Ela também passou por situações embaraçosas


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Conheça o seu tipo de cabelo

As pessoas tendem a acreditar que só existem dois tipos de cabelo: o liso e o cacheado. Mas na verdade, existem outros também, que acabam sendo classificados entre eles, por terem certa semelhança. A curvatura, que é a forma e a espessura que o fio do cabelo tem, é classificada como: liso, ondulado, cacheado e crespo. A revolução que se deu na internet de uns anos para cá em relação aos cabelos tem trazido visibilidade para essa especificação devido ao grande número de mulheres que buscam descobrir como são seus cabelos. Estudos foram feitos sobre as formas que cada um possui. Veja quais são:

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Foto:Bárbara Nunes

em relação à maquiagem. “Teve uma atividade, uma prova, digamos assim, que a gente recebeu um kit de maquiagem e tinha que maquiar outra candidata. O kit tinha vários produtos e a base só tinha variedades para pele branca, nenhuma de tom para a pele negra. Enquanto as outras meninas trocavam base entre si, eu e mais duas candidatas negras tivemos que ir para o quarto buscar nossa própria base”, relata. “Existem tons variados, existem candidatas negras, a atual Miss Brasil é negra e num concurso de miss não tinha nenhuma, nenhuma tonalidade para nossa pele”. A Miss Curitiba conta um pouco de como é levar representatividade para outras mulheres negras, vencendo um concurso de beleza dessa importância. “Eu percebi que pude representar meninas que mesmo tendo uma Miss Brasil negra não se sentiam representadas”. Essa falta de representação se dá também em outros países. Em 2015 a modelo sudanesa Nykhon Paul fez um desabafo em sua conta no Instagram, lamentando a falta de preparo dos maquiadores com peles negras, apesar de já ter desfilado por diversas vezes. “Queridas pessoas brancas do mundo da moda! Por favor, não me levem a mal, mas está na hora de vocês entenderem de uma vez como lidar com nossa pele! Por que eu tenho que trazer minha própria maquiagem para um desfile profissional quando todas as outras garotas brancas não precisam fazer nada além de aparecer? Não tente fazer com que eu me sinta mal porque eu sou azul de tão negra”, escreveu a modelo. Tratando-se de estética negra, ainda há muito espaço a ser conquistado. Porém, o tanto que se conseguiu até aqui já fez grande diferença na realidade de quem sempre teve de improvisar para se cuidar. Sendo maioria no país, as mulheres negras deveriam estar na lista de consumidores que são prioridades para as marcas e profissionais que lidam com a beleza, e não o contrário.

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Letícia Costa Miss Universo 2017

LISO Tipo 1: Totalmente liso e sem ondas

ainda não chega a ter formato em espiral

ONDULADOS Tipo 2A: Possui ondas bem largas e pode facilmente ser confundido com o liso Tipo 2B: A raiz é lisa, mas o comprimento tem ondas mais definidas do que no 2A Tipo 2C: As ondas passam a se parecer mais com cachos, mas

CACHEADOS Tipo 3A: Forma um cacho mais largo e mais hidratado. Sua raiz pode ter aspecto liso Tipo 3B: A raiz passa a ser ondulada e os cachos possuem maior definição, sendo mais fechados do que o tipo anterior Tipo 3C: Cachos bem definidos e volu-

mosos. Tem mais facilidade em ter frizz CRESPOS Tipo 4A: A raiz é enrolada, assim como o seu comprimento. Sua espessura é maior Tipo 4B: O que diferencia do 4A é o cacho ser um pouco mais fechado; Tipo 4C: Esse tipo não forma cacho, são os Black Power. A estrutura dele é frizada em formato de Z. É o mais frágil, assim requerendo mais cuida-

do ao ser tratado. Assim ficou mais fácil identificar em qual tipo cada cabelo se encaixa. Na internet mesmo, essa classificação é usada para indicar tratamentos, cortes que ficam bons e facilita a compra de produtos específicos. Algumas marcas colocam nos rótulos de suas embalagens essa classificação, exemplificando para que cada mulher compre produtos visando a forma do seu fio.


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CIDADE

Quando o meio urbano invade a aldeia indígena grande, mas com o diploma na mão tudo vai ficar mais fácil”, desabafa Carlos. Os cursos escolhidos são os mais variados, como letras, auxiliar de enfermagem, contabilidade, pedagogia. Os poucos que ainda vivem de artesanato vendem o que produzem nas feiras no centro da cidade. Também há os que estão desempregados, pois na aldeia são mais de 18 pessoas na lista do desemprego. “Muitos não conseguem emprego por serem índios, e por isso alguns não querem revelar a verdadeira origem de imediato, mas não adianta, está no nosso registro e no nosso sangue”, diz o cacique. Aos poucos outros costumes também são deixados de lado. Em vez do uso de plantas medicinais para a cura de doenças, agora eles frequentam os postos de saúde da cidade. “Graças a Deus esses postos atendem a gente também. Nós temos cadastros, cartões de saúde e eles atendem os indígenas de forma normal ”, diz Belarmina. No local há um carro da saúde para a locomoção das famílias para as consultas em hospitais da região. Embora a convivência com “o homem branco” seja necessária, os índios adultos de Kakané Porã lutam para que a cultura indígena não acabe e fique restrita aos livros de história, apesar de saberem que será difícil manter as tradições com as crianças que já nasceram e irão nascer no meio urbano. Mas a cultura indígena persiste e a verdadeira raiz brasileira insiste em se manter viva.

“Não tem mais como viver como antigamente”, diz cacique Kajer

Um novo lar dentro da cidade

A aldeia Kakané Porã foi entregue há oito anos para 35 famílias das etnias Xetá, Guarani e Caingangue. Algumas dessas famílias foram transferidas do Parque Cambuí, localizado próximo a São José dos Pinhais. Antes, os indígenas pagavam aluguéis e viviam em condições precárias. Muitos dividiam o mesmo espaço porque não tinham uma moradia para cada família. O local insalubre fez com que alguns desses moradores morressem. Agora na Aldeia Kakané Porã se sentem um pouco mais seguros nas

casas que medem 43 metros quadrados com dois quartos e só pagam luz e água. Atualmente moram 39 famílias. Na aldeia já se pode encontrar outros aspectos do meio urbano, como salão de beleza, aviário, entre outros. Em Kakané Porã o portão fica aberto o dia todo. O primeiro a sair às 5h30 abre o portão, e às 22h é fechado. As casas foram construídas em círculos sem muros. “Gostamos de nos sentir livres mesmo vivendo na cidade”, diz o cacique Carlos.

Aldeia Kakané Porã, primeira aldeia urbana do Sul do país fica localizada no campo de Santana em Curitiba. No local vivem 39 famílias de três etnias: Caingangue, Xetá e Guarani

Foto: Ivone Assis

falam a língua corretamente. “Já faz uns seis anos que uma professora do Ivone estado dá aula aqui, mas nenhuma Assis das crianças que frequentam as aulas falam caingangue”, revela Belarmina Quatro crianças pulam e gritam Luiz Paraná, 63, da etnia Xetá. As crianças da aldeia estudam em sem parar em uma cama elástica enquanto na rua de asfalto meninos escolas públicas da cidade. Nos dias correm um atrás do outro. Um garo- de aula, um ônibus do governo estinho anda de bicicleta em frente a tadual busca e as leva de volta para uma casa de alvenaria. Na residên- casa. Quase nenhuma delas pratica a cia ao lado, dois pequenos assistem língua nativa. Na escola, os que vieà televisão, enquanto o vizinho lava ram de aldeia tradicionais e falavam a calçada. Sons de música da moda a língua caingangue sofriam preconquebram a monotonia do local. Ali ceito, e aos poucos foram aprendendo a língua portuguesa, deixando de acontece uma festa de aniversário. Seria um cenário comum de um lado o idioma de origem. A cultura indígena se tornou uma bairro de uma cidade qualquer, se o local descrito não se tratasse de uma forma de sustento para alguns moaldeia indígena. A placa na frente radores da aldeia. As danças, roupas faz a aldeia não passar despercebi- típicas e instrumentos musicais são da. Fora isso, o lugar pouco lembra apresentados em palestras nas escouma comunidade indígena. Não há las e faculdades em troca de cachê. roupas típicas, não tem oca, quase Na aldeia, são recebidos alunos de escolas de fora da comunidade, para mais ninguém fabrica visitas. “Eles têm artesanato. “Aqui curiosidade de a maioria trabalha “Muitos ver por achar que fora fazendo outras o índio mora em coisas. São poucos não conseguem os que ainda vivem emprego por serem oca e anda pelado”, brinca Moide artesanato”, diz índios, e por isso ses da Silva, ajuo cacique Carlos dante do cacique. Luiz dos Santos, não revelam sua Os outros hacaingangue vindo origem”. bitantes da aldeia de Mangueirinha, trabalham na cidade nas mais variano Sudoeste do Estado. Essa é a realidade da primeira al- das áreas. Os jovens estão cada vez deia urbana do Sul do país, que foi mais se inserindo em faculdades e construída em 2008 no bairro Campo cursos profissionalizantes em busca de Santana, em Curitiba, por meio de de um diploma profissional para facium acordo entre Funai, Cohab, prefei- litar a busca por empregos melhores. tura e Secretaria Municipal do Meio “O preconceito com a gente ainda é Ambiente. O local conta com 44 mil metros quadrados e foi batizado de Kakané Porã, que significa “fruto bom da terra”. No local vivem três etnias: Caingangue, Guarani e Xetá. No meio do conjunto habitacional há uma escola no formato de uma oca, a última esperança dos nativos para manter a cultura que está se perdendo no meio urbano. Mas pouco ajuda, pois são dois encontros por semana e são poucas as crianças que frequentam as aulas de caingangue e

Foto: Ivone Assis

Mesmo vivendo na cidade de Curitiba, tribo luta para manter as origens


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CULTURA Foto: Douglas Miranda

Funcionários da emissora curitibana Rádio Banda B interpretam os personagens da radionovela no quadro “A marca de uma história”

A RADIONOVELA NÃO MORREU E FAZ SUCESSO Emissora de Curitiba ainda utiliza o formato de programa que é campeão de audiência

minutos, dependendo do roteiro. E ser redigida para que entre no dia os personagens que atuam são os seguinte, enquanto a que já está Douglas funcionários da rádio. pronta recebe os últimos retoques Miranda Para que não caia na mesmice para ir ao ar, como trilhas e revisão e que haja audiência do material. E a emissora Banda com histórias miraB quer ir “Senhoras e senhoritas, o famoso bolantes, Amauri cria mais lonO resultado e formidável sabonete Cheiro Bom os próprios contos, ge: levar a desse trabalho radionoveapresenta o primeiro capítulo da em- pelo menos duas ou polgante novela de Leôncio Miran- três vezes por semana, é o retorno dos la para o dês: A procura do verdadeiro amor”. com temas polêmicos ouvintes, com cartas teatro com Com trilha sonora de violinos, essa como racismo, precona mesma poderia ser a abertura de uma radio- ceito e milagres. Mas, sendo enviadas para p r o p o s t a , novela dos anos 1940 no Brasil. Era diferente da radionove- a rádio. contando a “febre” do momento e que deixou la, “A marca de uma hisAmauri Soares h i s t ó r i a s senhoras e senhores ligados no rá- tória” tem a sonoplastia reais. dio, reunindo famílias na sala de jan- feita eletronicamente e Isso era tar, vizinhas ensandecidas na beira os atores atuam em horários separa- feito em Curitiba nos anos 1950, das janelas e até barbearias lotadas, dos e, no final da produção, é feita a quando a antiga Rádio B2 (RB2), cheias de desocupados fazendo o seu edição, juntando todas as vozes. que ficava na Rua Barão do Rio “tricô de cada dia”, a cada capítulo O resultado desse trabalho é o Branco, no centro de Curitiba, novo das radionovelas. retorno dos ouvintes, com cartas era referência nacional em produPode até parecer coisa do passa- sendo enviadas para a rádio, pois ções de radionovelas e radioteatro, do, mas ainda existem radionovelas muitos fãs se identificam com as chegando a bater algumas vezes sendo produzidas no país, inclusive histórias que são contadas e re- a audiência da Rádio Nacional, a em Curitiba. Há 15 anos a Rádio tornam com seus relatos de vida. pioneira do Brasil, que ficava no Banda B conta histórias fictícias “Teve um caso de uma das histó- Rio de Janeiro, também campeã e reais, produrias dramáticas em produzir as melhores radionozidas pelo ravida real, de velas. E a emissora da dialista Amauri uma jovem que Engana-se quem pensa que Banda B quer passava necessi- o modelo está perto de acabar, Soares. “A marca de uma históir mais longe, dades financeiras pois assim como outros tipos de ria”, como é cha- levar a radionovela para e morava em Fa- entretenimento, a radionovela se mado o quadro Rio Gran- reinventa e essa cultura de se ligar o teatro com a mesma zenda que sempre vai de. Muitas pes- no rádio para saber da nova hisproposta, contando soas que ouviram tória que vai ao ar, passa de geraao ar de segunda a sexta-feira histórias reais. se mobilizaram e ção para geração. “Há um tempo, ao meio-dia, é ajudaram a pobre pensávamos que o público-alvo narrado pelo radialista Rosalmo moça com alimentos, móveis e permaneceria as mulheres acimas Vargas. São roteiros enviados pelos eletrodomésticos”, conta Amauri. dos 35 anos. Hoje vemos muitos próprios ouvintes, contando suas Fazer radionovela se trata de homens e adolescentes de ambos histórias do dia a dia. Cada narra- um árduo trabalho que se inicia os sexos interessados na Marca de tiva tem uma duração de 30 a 50 às 6 da manhã. A novela começa a uma História”, afirma Amauri.

De engraxate a galã das multidões Sinval Martins nasceu na cidade mineira de Mar de Espanha, a aproximadamente 70 km de Juiz de Fora, mas veio cedo com a família, com 3 anos, para Santo Antônio da Platina (PR). Na infância, trabalhou como vendedor de frutas e verduras que seus pais plantavam em um sítio. Quando jovem, fazendo o seu curso primário, atuou por dois anos como engraxate no centro da cidade. Foi em Curitiba nos anos 1940 que Sinval se descobriu no rádio. Como estudante do colégio estadual do Paraná, começou sua carreira no teatro, através de um convite do colega de sala. Tendo tudo para iniciar uma car-

reira artística, Sinval Martins entrou na faculdade nos anos 1950 no curso de Direito da PUC-PR. Tudo para satisfazer um antigo sonho de seu pai. “Um dia meu pai estava no Madalosso quando fazia fortes críticas por eu ser artista. Quando lhe perguntaram ‘quem é seu filho?’, ele respondeu: ‘Sinval Martins’. Na hora, uma mulher pediu autógrafo do pai do seu ídolo”, conta Sinval. Nesse momento o pai passou a apoiá-lo. Nem o jantar ele precisou pagar, pois a dona do restaurante não permitiu. Mesmo com o Direito, nunca abandonou o seu lado artístico. Conciliava os estudos com as atuações nas radionovelas que faziam muito sucesso na rádio RB2. Foi assim até 1970, quando as radionovelas ainda tinham força. Com a chegada das telenovelas, Sinval Martins virou Garoto Propaganda e nos 1990 se aposentou da vida artística.

Foto: Douglas Miranda - Personagem mais famoso feito pelo ator Sinval Martins. “Muitos me chamavam por Barnabino e não pelo meu nome”, diz Sinval


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Foto: Divulgação

CRÍTICA

@TÁ NA WEB Aliana Machado

A síndrome do “Extraordinário” Pedro Almodóvar e o poder de nos emocionar

“A pele que habito” é um filme de 2011, dirigido pelo diretor espanhol Pedro Almodóvar. O melodrama relata a história de Robert Ledgar (Antonio Banderas). Ledgard é um renomado cirurgião plástico, ele mora com a filha Norma (Bianca Suárez). Norma é uma garota fragilizada e traumatizada pela morte da mãe que, após sofrer um acidente de carro e ter o corpo totalmente queimado, cometeu suicídio jogando-se de uma janela. Este enredo já é capaz de nos deixar aflitos, mas o diretor vai além. Após a morte da mãe de Norma, o médico da família aconselha Ledgard a levar a filha para passear, ver pessoas e tentar se divertir, no entanto, ocorre algo que muda toda a trama. O cirurgião acredita que a filha foi estuprada em uma das festas que ele a levou, ao desconfiar que encontrou quem estuprou Norma. Assim, Robert elabora um plano de vingança contra o suposto estuprador. Este acontecimento é um dos pontos de virada da película. Nos vemos imersos em um mundo de dualismos. Há momentos em que nos questionamos sobre até que ponto o ser humano pode chegar, seja por amor, seja por ódio ou vingança. O melodrama é um dos gêneros mais populares do cinema e busca através da indução de sentimentos, como piedade ou tristeza, fazer o espectador chorar. A narração é simples, o que de certo modo faz com que o melodrama seja reconhecido como algo produzido para “massas”. Sentimentalismo e moralismo são fortes características do gênero. Pedro Almodóvar é conhecido por explorar a sexualidade em seus filmes, e em “A pele que habito”

é construído por um jogo de espaço/ tempo que faz com que o espectador acompanhe e interprete de inúmeras maneiras o desfecho do filme. A

subversão faz o filme “soar” como irônico e até como uma paródia. Mas ao analisar os conflitos familiares, a simplificação de questões sociais, dualidade entre o certo e o errado – novamente parece “cair” no melodrama. Almodóvar brinca com nossas percepções, com nossa moralidade. Sentimos o peso das emoções de cada personagem, a obsessão em fazer a pele perfeita, o desejo de fugir e se reencontrar. Notamos a

vontade de ser feliz e esquecer os traumas do passado, e isso parece jogar com a sanidade não apenas dos que estão na tela, mas de nós que estamos acompanhando as tragédias ali expostas. Não há dúvidas que o filme é inteligente e crítica (de forma exagerada) a modernidade e o hedonismo presentes na sociedade. A película faz com que o espectador mergulhe em reflexões sobre a própria pele que eles habitam, sobre nossas essências. A bagagem de cada indivíduo faz ele interpretar a obra de forma singular. É difícil escapar do

sentimentalismo presentes em “A pele que habito”, porém não há como colocar o filme em um “único extremo”. Este filme será capaz de mexer com suas emoções e seus mais variados sentimentos.

Divulgação

Black Mirror e sua 4ª temporada A série britânica de ficção científica, “Black Mirror”, criada por Charlie Brooker, é focada em temas obscuros relacionada à sociedade moderna, principalmente no que se trata às novas tecnologias. Ela foi transmitida pela primeira vez em 2011. O criador da série disse que a 4ª temporada se tornou “mais esperançosa” e a culpa é do mundo real que piorou e está ficando cada vez mais sombrio e bizarro. A 4ª temporada será lançada no dia 29 de dezembro, o momento perfeito para uma maratona. Serão seis episódios com histórias na qual a tecnologia se apoderou da sociedade de um jeito assustador.

A melhor música de 2017 Pabllo Vittar levou o prêmio de música do ano do “Melhores do Ano” no programa do Faustão, com o kit “K.O”, desbancando Anitta e Ana Vilela. A drag queen mais famosa do país falou sobre a importância desse prêmio: “Esse troféu tem o peso da diversidade”. Essa premiação é a maior da televisão para os grandes talentos entre atores, cantores, jornalistas e humoristas. A indicação é por meio dos funcionários da Globo e dos telespectadores.

Foto: Divulgação

Larissa Oliveira

ele explora a loucura, a fúria e as nuances da personalidade de cada personagem. “A pele que habito” traz uma separação dos elementos do filme espanhol. A película de Pedro Almodóvar é densa, enigmática e trabalha com elementos ambíguos, como por exemplo bem e mal ou certo e errado. O filme busca ser subversivo, ou seja, tenta quebrar as amarras do gênero melodrama. A obra é cheia de conflitos e, por mais que tenha elementos que compõem o melodrama, parece satirizar o gênero. O roteiro

Divulgação

A essência sob a pele que habitamos

O filme, que ganhou uma vasta notoriedade, retrata uma síndrome rara, a Treacher Collins, uma condição genética que afeta um a cada 50 mil bebês. É uma má formação congênita que achata os ossos da fase, deixa o queixo pequeno, as pálpebras caídas e a ausência ou a malformação das orelhas. Apesar de algumas crianças apresentarem sinais menos profundos e desenvolvidos, essa doença pode causar dificuldade para se alimentar, ouvir e respirar. O diagnóstico só é definido após o nascimento do bebê.


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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Portas e janelas de

ANTONINA

Fotos: Aliana Machado Texto: Larissa Oliveira

Antonina é uma pequena cidade paranaense, com 302 anos de história. A nomenclatura é uma homenagem ao Príncipe da Beira, Dom Antonio de Portugal. Mais de três séculos de “vida” fazem com que as ruínas se revelem delicadamente a seus 20 mil habitantes e turistas curiosos. O olhar rapidamente deleita-se com as diversas cores que compõem as fachadas das casas.

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