Marco Zero 72

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ANO XII - NÚMERO 72 - MAR.ABR DE 2023

LEIA NESTA EDIÇÃO

As famílias brasileiras estão cada vez mais endividadas. Por quê? - Página 3

Sonho do Oscar ainda parece distante para o cinema brasileiro - Página 4

O que esperar das políticas ambientais do novo governo? - Página 5

Desafios da empregabilidade de mulheres trans

Profissionais

relatam as barreiras que as distanciam do mercado de trabalho

Jornal
Laboratório - Curso de jornalismo do Centro Uninter
Foto: Larissa Drabeski

Ao Leitor

O jornal que nasceu com foco no centro de Curitiba agora ganha os centros urbanos de Norte a Sul do Brasil. Quando surgiu, há mais de dez anos, o Marco Zero tinha o propósito de retratar o centro de Curitiba em suas páginas. Com o passar dos anos, alunos de diferentes regiões do país ampliaram sua participação neste projeto, trazendo suas contribuições para todas as editorias. Assim, com visões que vêm de distintas regiões do país, esta edição retrata alguns dos desafios que atingem todo o Brasil. A reportagem de capa aborda a hostilidade da sociedade contra mulheres trans ,no país que se destaca como o mais violento do mundo para esse público. Os depoimentos de diversas profissionais exemplificam algumas das dificuldades encontradas na busca para ingressar no mercado de trabalho e para se inserir socialmente. Esta edição também apresenta outros desafios que os brasileiros enfrentam, como o endividamento, que cada vez mais atinge as famílias brasileiras, e os desafios que o cenário de crise ambiental reserva para o país. E ainda, considerando os problemas que a desinformação traz à sociedade, o Tá na Web apresenta dicas de aplicativos de checagem que podem ajudar você a ficar longe das Fake News. As páginas do MZ também reservam espaço para a cena cultural, com destaque para o cinema nacional e o seu jejum da premiação mais reconhecida da indústria cinematográfica. Pelas nossas lentes fotográficas, a edição fecha de modo festivo, com registros da retomada do carnaval após o hiato devido à pandemia. Uma edição que mostra várias faces do mesmo Brasil. Boa leitura!

EXPEDIENTE

O jornal Marco Zero

é uma publicação feita pelos alunos do Curso de Jornalismo do Centro Universitário

Internacional Uninter

Coordenador do Curso:

Guilherme Carvalho

Professor responsável:

Larissa Drabeski

Diagramação:

Equipe Marco Zero

Projeto Gráfico:

Equipe Marco Zero

Uninter - Campus Tiradentes

Rua Saldanha Marinho 131, CEP 80410-150 |Centro- Curitiba PR

E-mail - larissa.d@uninter.com

Telefones 2102-3377 e 2102-3380.

Não há crise, não há inflação, não há pandemia e nem mesmo uma falência envolta em escândalos e prisões que seja capaz de levar o poderoso mercado do luxo à bancarrota.

A imponente venda da marca Daslu, suas submarcas e domínios, no ano passado, nos fez observar a resiliência desse mercado que se expande mesmo em meio à crises. O maior ativo da marca foi vendido por 10 milhões, inicialmente oferecido por 1,4 milhões. O que revela como o mercado do luxo é o mercado da hipervalorização.

Vivemos um momento de intensas mudanças dos meios de comunicação e, consequentemente, na forma de nos comunicarmos. E, claro, isso também transforma os comunicadores. Os precursores da comunicação de massa - jornal impresso e rádio - ainda estão vivos na sociedade, mas já mudaram muito e, ao que tudo indica, seguirão em transformações para manter seus ouvintes e leitores. Acontece que a internet facilitou processos de comunicação, mas isso trouxe também dificuldades aos meios tradicionais.

O jornal impresso, como surgiu, ainda mantém leitores. Mas, já conta com sua versão online, onde pode apresentar as notícias de última hora, além da possibilidade de ser editada e atualizada durante o dia, o que não acontece na edição impressa.

O rádio e a televisão também se adaptam ao novo tempo. Os serviços de streaming chegaram com tudo e descentralizaram totalmente a mídia no mundo. O rádio tradicional agora tem imagem: além de ouvir suas músicas e notícias naquele velho radinho de pilha, pode-se através da internet ver o locutor no estúdio, falando no microfone da rádio. Isso já é comum na maioria das emissoras de rádio. Você ainda consegue ouvir um programa que perdeu através de serviços como Spotify. Nos streamings de áudio, é possível ouvir músicas a qualquer hora e editar sua própria

Venda milionária da marca Daslu revela força do luxo

A Daslu foi um marco do luxo no Brasil, isso não se pode negar. Trazendo de forma pioneira marcas de grandes grifes ao país, como a Chanel, por exemplo, a empresária Eliana Tranchesi transformou a empresa familiar na meca do luxo e ostentação do Brasil, ocupando um edifício digno das grandes realezas. Ali a subjetividade do conceito de luxo inexistia, o luxo tinha forma, marcas, clientes e vendedoras com nomes estrelados percorrendo seus corredores luxuosos.

A Daslu faliu em meio a processos, acusações de sonegação

de impostos e prisões de seus proprietários. Mas a imponência da marca, os pilares do luxo, mantiveram o alto valor do ativo Daslu. Sua marca, que nada mais é do que as iniciais de suas fundadoras e que teve sua logo desenhada à mão pela arrojada Eliana Tranchesi, carrega todo o DNA que uma marca de luxo deve possuir. Tradição, história, imponência, rebeldia e audácia. O luxo, como sempre, atemporal, perene, único.

Os escândalos e problemas fiscais e financeiros podem até

ter levado a Daslu à falência, mas a imponência do luxo que a marca carrega se mantém firme e forte, o que mostra a resiliência e perenidade desse mercado, bem como a forte construção de marca trabalhada ao longo dos anos por Eliana. O império do luxo sempre se mantém, se renova, se reinventa é bem verdade, mas mantém e eleva seu valor. Luxo é superlativo mesmo em sua derrocada. Ao apagar das luzes - mais uma vez - a Daslu nos fez relembrar e reviver um pouco de todo o seu esplendor e sua grandeza dos bons tempos.

Evoluções transformam a nossa comunicação

lista musical. Um concorrente e tanto às rádios com foco musical.

Em se tratando de televisão, como se já não bastasse o Youtube, maior site de vídeos na internet, vieram os streamings de filmes, séries e de programação das próprias emissoras de TV. São tantas opções que um mesmo grupo de comunicação chega a ter mais de uma plataforma de streaming.

Os serviços sob demanda concorrem com as mídias tradicionais, mas também as

complementam. A verdade é que pra ser um comunicador com alcance nos dias atuais, além de credibilidade e conteúdo de qualidade, é necessário estar atento às mudanças da mídia. Jornal, rádio e televisão não deixarão de existir, evoluirão como tudo no mundo. Cabe a nós comunicadores nos colocarmos nos novos mercados e nos mantermos nos tradicionais. Basta ver que, cada vez mais, os comunicadores possuem perfis nas redes sociais e geram seus conteúdos nelas, inclusive com

monetização. Acontece que quem assiste muita televisão, talvez, acompanhe menos conteúdo na internet, e, quem lê jornal todos os dias pode não ouvir o rádio diariamente. Por isso, o jornalista que já entendeu esse momento de convergência midiática escreve seu texto e faz sua matéria sabendo que seu trabalho pode ser veiculado em diferentes plataformas. Isso o deixa mais acessível, uma vez que é lido, ouvido, assistido e deve ser compreendido pelos consumidores de todos os meios.

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Opinião
Imagem: Paul Keller/Flickr
Thiago DIAS Imagem: Pexels

Endividamento bate recorde

Cartão de crédito é o principal vilão

Cada vez mais, famílias se endividam para manter itens básicos de consumo

Oendividamento das famílias bateu recorde em 2022, com parcela de 77,9% de famílias se declarando endividadas, de acordo com a pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) anual divulgada em janeiro de 2023 pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Esse levantamento não é o único a alertar sobre o número de inadimplentes no Brasil.

Segundo a pesquisa realizada pela Serasa Experian, cerca de 66,6 milhões de pessoas estavam em situação de inadimplência em julho de 2022. Além disso, o levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) apontou que 39,71% (64,2 milhões de pessoas) dos brasileiros estavam negativados em setembro de 2022.

têm dificultado a vida daqueles que buscam quitar essas dívidas.

Nesse cenário, completa a receita para o endividamento um vilão já bastante conhecido, o cartão de crédito. O Banco Central divulgou levantamento que aponta que o cartão de crédito representa 30% das dívidas de pessoa física junto às instituições financeiras. O alto índice de endividamento atribuído aos cartões de crédito vem carregando uma nova denominação criada por especialistas da área, a creditocracia.

Segundo a economista e Doutora em Políticas Públicas Pollyanna Rodrigues, o fenômeno conhecido como creditocracia ocorre quando a população precisa pegar recursos emprestados para fazer frente às suas necessidades básicas.

Significa que a população perdeu poder de compra e não consegue comprar o mínimo para sua sobrevivência com o salário que possui. Deste modo, recorre a empréstimos e financiamentos.

O aumento do endividamento e da inadimplência para garantir as necessidades básicas se intensificou devido à queda do poder de compra da população ocasionado pelo aumento da inflação.

“Acredito que esse fenômeno deve ser olhado de perto, principalmente pelas políticas públicas. Se os preços estão subindo e os salários não estão acompanhando, a população precisa se endividar para fazer frente a necessidades básicas”, diz.

Na visão da especialista, a resolução de questões relacionados a crédito e ao endividamento da população são de responsabilidade do estado. A atuação do governo é de grande relevância para que não haja um desequilíbrio econômico.

“No Brasil, faltam mecanismos de educação financeira para a população. As pessoas não têm noção de matemática financeira básica, de como funciona a taxa de juros no Brasil, riscos do crédito”.

Além disso, ela destaca que é

importante também disciplinar a oferta do crédito com o objetivo de evitar que parte da população agrave ainda mais sua situação financeira.

que levam os consumidores a uma interpretação errada em relação ao crédito”, explica.

Tanto as instituições de financiamento públicas quanto as privadas podem atuar na renegociação das dívidas, de forma não abusiva, com taxas menores, e com valores que caibam dentro do orçamento.

Entre as razões para os altos números estão a crise política e econômica que perdura no Brasil há anos, juntamente com os problemas econômicos frutos da pandemia, que em todo o mundo

Pollyanna comenta que o endividamento em si não seria um problema de primeira magnitude, visto que quando compramos algo parcelado com o cartão de crédito, estamos nos tornando “endividados”. O real problema é quando não se consegue cumprir o compromisso com essa dívida, alcançando o caráter de inadimplente, o que leva à desestruturação da organização financeira.

“Quando digo isso, não quero dizer limitar, mas fiscalizar as ofertas de crédito abusivas

A perspectiva é que neste ano a economia apresente dificuldades. Como explica Pollyanna Rodrigues, se as famílias estão endividadas, elas terão dificuldade de comprar novos itens, inclusive, para a alimentação básica. “Com restrição de demanda, caso os produtores continuem a produzir normalmente, haverá excesso de oferta. Então, os produtores devem diminuir a produção, desacelerando a economia” alerta.

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Economia
“Se os preços estão subindo e os salários não estão acompanhando, a população precisa se endividar para fazer frente a necessidades básicas”
Foto: Douglas Dobby Percentual
Fonte: Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)
“No Brasil, faltam mecanismos de educação financeira para a população. As pessoas não têm noção de matemática financeira básica.”
de famílias endividadas aumenta ano a ano
Leonardo TULIO

Filme escolhido para representar o Brasil, Marte Um ficou fora da disputa

Por mais um ano, o Brasil ficou de fora na corrida pelo Oscar. O filme Marte Um, de Gabriel Martins, foi o indicado brasileiro na tentativa de chegar ao prêmio mais cobiçado do cinema, mas não foi o escolhido. A Academia preferiu, como representante sulamericano, os vizinhos argentinos pelo filme Argentina, 1985.

Mesmo fora da lista do Oscar, a produção do cineasta mineiro teve grande repercussão em território nacional. Escolhido como melhor longa-metragem em 2022, pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), Marte Um conta a história de uma família negra que vive na periferia de Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte, após um presidente de extrema-direita ser eleito no país.

A não escolha do longa pela Academia não choca quem conhece o histórico do cinema brasileiro na premiação internacional. Desde sua primeira indicação em 1963, com O Pagador de Promessas, escrito e dirigido por Anselmo Duarte, o Brasil fez aparições diretas e indiretas no Oscar. Nos anos 90, o cinema nacional retornou ao prêmio após o filme de Duarte, e levou três indicações na categoria de melhor filme internacional com O Quatrilho, de Fábio Barreto (1996), O Que

É Isso, Companheiro?, de Bruno Barreto (1998), e Central do Brasil, de Walter Salles (1999).

internacional. O filme que mesmo ante à polêmicas de bastidores, retrata vidas negras periféricas e explora a violência das comunidades, foi recebido com olhares diferentes antes e depois de fazer sucesso nos EUA. Como comenta o cineasta Aleques Eiterer, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestrando na mesma área pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina

Universidade de São Paulo (PROLAM-USP): “A questão Oscar não é tão importante quanto já foi, mas ainda acredito na benção do colonizador.”

As escolhas de indicações do Oscar são feitas pelo comitê da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que de alguns anos para cá vêm passando por uma reformulação. Por muito tempo, a bancada do Oscar foi composta

majoritariamente por homens brancos estadunidenses, isso claro, sempre teve influência direta nos filmes, diretores, atores e atrizes escolhidos.

O filme Aquarius (2016), dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Sônia Braga, chegou a ser cogitado pela imprensa e crítica especializada, como um forte concorrente sulamericano para arrebatar uma estatueta do Oscar. Bem recebido

Um dos filmes brasileiros mais reconhecidos internacionalmente, Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, teve uma história conturbada envolvendo o Oscar. Mesmo após grande repercussão na América Latina, o longa não foi selecionado para nenhuma categoria em 2003, o que causou um grande rebuliço na época. No entanto, em uma situação incomum, a produção de Meirelles foi indicada no ano seguinte, 2004, quando emplacou nos Estados Unidos e na Europa. Cidade de Deus concorreu nas categorias melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor edição e fotografia, mas acabou não superando os concorrentes.

O caso de Cidade de Deus gera reflexão quando falamos do Brasil no cenário cinematográfico

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Foto: Divulgação Embauba Filmes
“A questão Oscar não é tão importante quanto já foi, mas ainda acredito na benção do colonizador.”
Mesmo produções aclamadas pela crítica ficam fora da disputa. Por quê?
Foto: divulgação Cidade de Deus
Marco do cinema nacional, Cidade de Deus só foi indicado após sucesso nos Estados Unidos.
Na corrida pelo Oscar, Brasil tem obstáculos até a linha de chegada
Douglas BRANDÃO Fernanda GUEDES

também pela crítica internacional e vencedor do César 2017 — considerado o Oscar francês — , Aquarius não chegou nem a ser indicado pelo governo brasileiro para ser o representante do país. Veio à tona um período depois, que o filme nunca esteve elegível ao Oscar, por descaso de sua produtora norte-americana, que deixou de preencher os documentos de inscrição.

Movido por uma pressão externa e interna sobre a falta de representatividade, a Academia decidiu por uma reformulação em 2022, anunciando um novo quadro de membros composto por 683 pessoas. Segundo o Filme B, maior portal sobre o mercado de cinema no Brasil, dos novos membros, 41% são pessoas negras e 46%, mulheres. Além disso, foram adicionados uma lista de convidados de diferentes países. A lista conta com grandes nomes brasileiros, como o ator Selton Melo, a diretora Anna Muylaert e o diretor Alê Abreu, que já concorreu ao Oscar com a animação nacional O Menino e o Mundo (2013).

Fato é que o problema de aceitação de uma produção brasileira não é uma particularidade do exterior. As barreiras estão enraizadas e começam antes mesmo de sair do país. Além do histórico de baixo incentivo da cinematografia no Brasil tanto no quesito produto e consumo, quanto nas questões orçamentais, os filmes que conseguem sair do papel, muitas vezes, esbarram nos próprios

órgãos do governo em casos de censura, boicote e negligência.

O cinema brasileiro é entrelaçado com a cultura e muitas vezes usado como um cenário representativo da nossa sociedade. Mesmo em um país diversificado, assim como em Hollywood, grande parte das histórias são contadas e protagonizadas por homens brancos. No Brasil, cinema e política andam lado a lado, e isso pode causar desconforto para muita gente. A sociedade também precisa estar disposta a mergulhar em novas narrativas.

“Acredito que seja hora de as pessoas contarem suas próprias histórias, em vez de homem branco cis contar suas histórias (por elas). Chegou a hora de sermos protagonistas, nós como LGBTQIA+ e pessoas negras”, destaca Eiterer.

diretor, levantaram placas contra o impeachment da então presidenta, Dilma Rousseff. O protesto acarretou uma série de reações e uma proposta de boicote com a justificativa de que os envolvidos no filme estariam se beneficiando de verbas estatais.

Outro caso notório é o de Marighella (2021). Dirigido por Wagner Moura, o longa estreou apenas quatro anos depois de sua filmagem. Um dos principais motivos foi um embate travado com a Agência Nacional do Cinema (Ancine) que recusou dois pedidos de comercialização da obra. Sucesso no Festival de Berlim, o filme que conta a história de Carlos Marighella, escritor, político e guerrilheiro, sofreu uma onda de avaliações negativas na Internet Movie Database, um dos sites mais famosos de cinema no mundo todo.

Retomando a história de Aquarius, o filme de Mendonça mesmo antes de ser exibido no Brasil, sofreu boicote após o elenco do filme realizar um protesto político no Festival de Cannes, em maio de 2016, na França. Na ocasião, atores e atrizes acompanhados pelo

O cinema não se trata apenas de méritos e deméritos. O Oscar não deixa de ser uma representação em grande escala do que se passa na indústria brasileira. Assim como no Brasil, em Hollywood, os critérios ideológicos também são um impasse, e isso impede nosso país de protagonizar no lugar mais alto e prestigiado do cinema. De Aquarius à Marighella, enquanto o Brasil não resolver suas próprias questões dentro da cinematografia, as barreiras para o parâmetro internacional que já são grandes, se tornam ainda maiores.

Vencedores latinos no Oscar

Os sul-americanos já provaram que podem ser sucesso fora do continente. Em 1986, o filme argentino A História Oficial (1985) foi o primeiro longa-metragem latino a levar um Oscar. Vencedor na categoria melhor filme estrangeiro, a obra do diretor Luis Puenzo se passa em um cenário pós-Guerra Suja, e começou a ser gravada durante o último ano da ditadura militar na Argentina. Por esse motivo, parte de sua produção aconteceu de forma sigilosa. Além do Oscar, também saiu vencedor em outros grandes prêmios como o Globo do Ouro, o Festival de Cannes e o Festival de Berlim.

No ano de 2010, a Argentina voltou a figurar na maior premiação do cinema com O Segredo dos seus Olhos (2009). Assim como o primeiro argentino a vencer uma estatueta, o filme dirigido por José Juan Campanella também venceu como melhor produção estrangeira e possui como tema a ditadura e política do país.

Exemplo mais recente, o filme Uma Mulher Fantástica (2017), fala sobre Marina, uma mulher transsexual que trabalha

como garçonete e luta contra o preconceito dos familiares de seu ex-parceiro enquanto busca o seu sonho de ser cantora e performer. Escrito e dirigido por Sebastián Lelio, o filme levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018 e foi um sucesso de crítica. Essa foi a primeira produção na história protagonizada por uma pessoa transgênero a levar um prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Diferente dos países da América do Sul, o México está mais acostumado a figurar no alto escalão do cinema. Casa de diretores renomados como Guillermo Del Toro, Alfonso Cuarón e Alejandro Iñárritu, os mexicanos praticamente dominaram a categoria de melhor direção nas premiações entre 2013 e 2018. Em 2019, o filme Roma (2018) de Cuarón, estrelado pela atriz mexicana Yalitza Aparicio, garantiu 10 indicações ao Oscar e levou 3 estatuetas: melhor diretor, melhor fotografia e melhor filme estrangeiro. Muito elogiado pela crítica, Roma se passa no México e retrata a vida de Cleo, uma empregada doméstica de uma família classe média dos anos 70.

5 N.º 72 – MAR.ABR de 2023 MARCO ZERO Cidades Cultura Foto: Divulgação
“Chegou a hora de sermos protagonistas, nós como LGBTQIA+ e pessoas negras”
Aquarius também gerou polêmica ao ficar fora da disputa Pressões internas e externas levaram à maior diversidade entre os novos membros
Fonte: Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e Análise de THR

Mulheres trans driblam preconceito para entrar no mercado de trabalho

Empregabilidade de pessoas trans cresceu 8% em 2022 em relação ao ano anterior. Ainda

No Brasil, país que mais mata mulheres trans no mundo, a expectativa de vida dessas mulheres é de apenas 35 anos – menos da metade da expectativa para a população geral brasileira, que está em 77 anos.

O número escancara a mortal exclusão social das mulheres trans, que estão na linha de frente das inúmeras violências vivenciadas pelo segmento social LGBTQIAPN+.

Dados divulgados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e Rede Trans Brasil revelam que em 2021 foram registrados 140 assassinatos de pessoas trans, sendo 135 deles de mulheres. Os dados assustam e podem ser ainda piores, já que nem todos os casos são realmente notificados.

A violência e a exclusão aparecem em vários momentos da vivência dessas mulheres. As dificuldades de acesso à educação e para a colocação no mercado de trabalho são algumas das marcas da marginalização de pessoas trans. De acordo com dados do dossiê da Rede Trans, em 2021, apenas 4% da população trans feminina se encontrava em empregos formais.

Ter carteira assinada é um sonho distante para Emanuelle, 25 anos, de Grajaú – Maranhão, que sempre foi preterida nas entrevistas de emprego para as quais se candidatou. “Eles sempre diziam que meu currículo estava bom, mas davam prioridade para outra pessoa que estava em busca da vaga. Falavam que iriam me ligar, mas nunca me

retornavam”, relata.

Desde os 12 anos ela trabalha com faxinas e, há aproximadamente um ano, está na recepção e na limpeza de um hotel no município onde reside. Mas, os perigos da marginalização sempre rondaram à porta, com um medo constante de ficar sem trabalho e precisar ir às ruas se prostituir para conseguir o sustento.

seguinte, Emanuelle foi demitida, com a justificativa de queda no movimento. No entanto, os relatos apontam para outra razão. “Ela [dona do restaurante] relatou que, se soubesse que eu era homem, eu não tinha nem pisado os pés no estabelecimento dela que ela tinha nojo desse tipo de gente”.

Emanuelle conseguiu um print da conversa por aplicativo de celular onde o caso aconteceu. Esse registro poderia ajudar a entrar com uma ação por transfobia contra a ex-patroa, no entanto, ela preferiu não fazer a denúncia. “Eu não quis levar o caso adiante. Fiquei envergonhada e chateada com esse episódio”, aponta, recordando que isso ainda é muito recorrente no Brasil.

efetiva do INSS no município de Formiga-MG. “Eu me considero uma mulher trans privilegiada, no sentido da posição social e econômica que ocupo”.

Para ela, a violência contra as mulheres trans é algo estrutural, que acompanha boa parte da vida dessas meninas e mulheres. Geralmente, os problemas vêm

desde o começo do processo de transição, que muitas vezes começa na adolescência. O preconceito, a falta de apoio familiar e a evasão escolar têm impacto a longo prazo.

A falta de escolaridade impede um bom ganho salarial, o que resulta na falta de recursos para custear o próprio tratamento hormonal, sendo assim muitas

Essa é uma realidade para pessoas transgêneras. A maioria não consegue concluir nem sequer o Ensino Médio e acaba se evadindo para trabalhar na rua, fazendo programa. Nessa situação de exposição constante, ficam ainda mais próximas de entrar para estatística de assassinatos com requintes de crueldade.

O receio é reforçado pelas várias situações de preconceito e violência que vivem diariamente. Emanuelle recorda uma situação vivenciada em um restaurante, no qual foi trabalhar em busca de um salário melhor. Com menos de um mês no novo emprego, ela encontrou uma antiga conhecida no trabalho. “Essa conhecida comentou que eu era uma mulher trans, e a dona do restaurante não sabia”, recorda. Já no dia

Tamanha violência tem impacto também na saúde mental. Ainda de acordo com o levantamento da Rede Trans, existe um alto índice de suicídio devido ao preconceito social, à falta de expectativa de vida dessa população, à disforia de gênero até mesmo exclusão familiar.

Caminhos de resistência

Existir em uma sociedade que violenta corpos trans é por si só um símbolo de resistência. “A gente sabe que a realidade do mundo do trabalho que perpassa as meninas trans é de vulnerabilidade social e marginalização”, aponta Danielle Basílio, 29 anos. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Danielle é assistente social

A assistente social Danielle considera-se privilegiada pela sua posição profissional e social

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Especial
“Eles sempre diziam que meu currículo estava bom, mas davam prioridade para outra pessoa”
No país que mais mata mulheres trans, elas relatam os desafios para conquistar e manter um emprego
assim, o cenário é desafiador
Foto: USP Imagens Imagem: Danielle Basílio/arquivo pessoal
Alliny VASNY

recorrem ao mundo da prostituição. “A gente sabe que o SUS garante a transição de gênero por meio da portaria que regulamenta o processo transexualizador, entretanto é um processo demorado e a forma como está organizado se concentra mais nos grandes centros urbanos”.

Os problemas no acesso à educação são exemplificados na trajetória de Nayla Maciel, 30 anos, de Serra Nova Dourada, no Mato Grosso. “Eu sempre quis ser advogada, mas sofri muito preconceito no ensino fundamental, então minha família tinha medo de me mandar para uma cidade grande para estudar e eu sofrer preconceito por ser uma mulher trans, eles queriam sempre me manter por perto”, recorda. “Guardei muita coisa para mim. Quase desisti de concluir o ensino médio, mas um dia, meu tio me deu conselho ao me ver chorando: pediu pra eu ser forte e aguentar mais um pouco”.

As perspectivas de conseguir um emprego eram baixas, mas conseguiu a primeira oportunidade como caixa de supermercado ao visitar o tio em outra cidade. Nayla considera que teve sorte, já que graças ao pouco de conhecimento de informática que possuía, conseguiu se destacar. Mais tarde, surgiu a oportunidade de ingressar no ensino superior. Cursou Ciências Contábeis e duas licenciaturas: Matemática e Pedagogia. Hoje ela é professora das séries iniciais do ensino fundamental e afirma que a formação foi o diferencial na sua trajetória. “Ser formada facilita as coisas para você, mas o preconceito

nem sobre o que era ser gay”, recorda.

O caso de Isabella, 21 anos, moradora de Rondonópolis, no Mato Grosso, exemplifica as dificuldades vivenciadas. No início da produção da reportagem, ela trabalhava na portaria de um edifício. Desde o processo de contratação, ela afirma que os empregadores viram no seu documento que o nome não era retificado. “Não me perguntaram nada sobre o meu pronome de tratamento, porém falei que gostaria de ser tratada como Isabela!”, declara.

fez com que os empregadores não a identificassem como uma mulher trans e possivelmente esbarrasse no preconceito social.

Embora tenha conseguido se estabelecer, constatar o alcance do preconceito no seu país natal é algo que a entristece. “Muitas fogem para cá para tentar viver melhor e em paz. No Brasil, não sei quando vai melhorar isso, e se vai melhorar um dia”, lamenta.

Contra o preconceito

As dificuldades de inserção no mercado de trabalho estão entre os desafios recorrentes para as mulheres trans. É o que apontam algumas integrantes do grupo

“Transformar” – comunidade online no whatsapp formado por 43 mulheres trans que buscam compartilhar vivências e informações sobre a causa. Para elas, o que falta é um olhar de humanidade e de acolhimento nos diversos segmentos sociais. O mercado de trabalho, no tocante ao preconceito, ainda é um desafio muito grande para a maioria. Existe uma grande barreira a ser vencida. Afinal, em uma sociedade tão preconceituosa, a dificuldade não é apenas de chegar ao posto de trabalho, mas também de permanecer. É um desafio diário lidar com a estigmatização e o preconceito, não só dos empregadores, mas também do público que é atendido pelas profissionais.

sempre vai ter, [sempre vai ter] um olhar torto”, afirma. No entanto, mesmo para as que conseguem vencer as barreiras e garantir a formação e a colocação no mercado de trabalho, os desafios não encerram por aí. “Quase não vejo uma mulher trans ocupando um cargo de importância numa grande empresa ou órgão público, ainda vemos a mulher trans tratada como prostituta, até mesmo nas redes sociais”, aponta Ana Paula Soares, 34 anos, natural de são Felix do Araguaia-MT, mas que hoje em dia reside em Goiânia. “A maioria dos empregadores não entende que a gente se porta como uma mulher convencional, acredito que ainda é bem notório o preconceito”, declara Ana Paula.

No entanto, no decorrer da produção da matéria, Isabela nos procurou para informar que teve problemas com uma moradora do condomínio onde trabalhava e foi demitida. Ela aponta que o motivo foi simplesmente o fato de ela ser uma mulher trans. Uma moradora a chamou de esquisita e com isso houve um problema, pois Isabela exigiu respeito. O caso chegou até a administração que decidiu a demitir.

Diante das dificuldades e do preconceito, muitas vezes elas buscam oportunidades em outro país. É o caso de Maria Eduarda, 26 anos, que é enfermeira e há um ano reside em Portugal, onde trabalha em um lar de idosos como Auxiliar de Geriatria. “Eu vejo que nós aqui na Europa não somos discriminadas como no Brasil. Apesar de existir preconceito é outro nível, é outro mundo!”, avalia.

Ela afirma que não teve dificuldade para trabalhar, por causa de sua passibilidade*, que

*Termoorigináriodoinglêspassinge significaapossibilidadedeumapessoa selidasocialmentecomopertencenteao umgrupoindenitário

Iniciativa pela empregabilidade trans

Para ela, o caminho escolhido para driblar as barreiras do preconceito foi ter seu próprio negócio. Cabeleireira, hoje ela tem o seu salão de beleza, mas afirma que o caminho para se tornar microempreendedora não foi fácil. “Venho de uma cidade muito pequena onde as pessoas na época não tinham o mínimo conhecimento

Algumas iniciativas buscam mudar essas histórias. Como o projeto Transempregos que surgiu em 2013 com intuito de reunir currículos de pessoas trans e inseri-las no mercado formal de trabalho. Suas idealizadoras são Márcia Rocha, advogada, empresária e primeira travesti a usar o nome social na OAB, e Maite Schneider mulher

trans palestrante e Militante de Direitos Humanos de pessoas transgêneras desde 1990. De acordo com dados do projeto, em 2022 houve um aumento de 8% na empregabilidade de pessoas trans em relação ao ano de 2021. Foram 4.002 oportunidades e aproximadamente 23 mil currículos cadastrados.

Para acompanhar o projeto Transempregos, aponte o celular para o QR code ao lado, ou busque no seu Instagram:

instagram.com/transempregos/

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No Brasil, não sei quando vai melhorar isso, e se vai melhorar um dia”.
“Quase não vejo uma mulher trans ocupando um cargo de importância numa grande empresa ou órgão público”
Nayla driblou o preconceito e hoje é professora do fundamental
Imagem: Otto Santana/arquivo pessoal
Paula encontrou seu espaço como microempreendedora Imagem: Otto Santana/arquivo pessoal
Especial

O Brasil vive uma situação caótica no que se refere ao meio ambiente. O país é o quinto pior do mundo em reciclagem e o nono em emissão de gases de efeito estufa. Com isso, o Brasil está apenas na 81ª posição no ranking de proteção dos ecossistemas, de acordo com os dados de pesquisa realizada pela Universidade de Colúmbia e Yale, no segundo semestre de 2022.

A questão ambiental ganha destaque também no debate do contexto político brasileiro. O governo Bolsonaro chegou a ser denunciado por ONGs brasileiras junto à ONU em novembro do ano passado, por destruição do meio ambiente e violações a direitos humanos, o que chama a atenção de outros países para a situação brasileira. Diante desse contexto, ganha força a preocupação em saber como serão conduzidas as questões ambientais no novo governo Lula.

O novo presidente chegou ao poder com um discurso em favor do meio ambiente. Na cerimônia

de posse no Congresso Nacional, no dia 1º de janeiro, declarou seu compromisso com a política do desmatamento zero. Além disso, em janeiro deste ano, Lula afirmou que é possível criar uma economia verde no país, sem poluição na Amazônia e com olhos para questões climáticas, durante conversa com o Chanceler da Alemanha, Olaf Scholz. A economia verde trata-se de um modelo que tem como principal objetivo reduzir os riscos ambientas, visando assim ao desenvolvimento sustentável sem a degradação do meio ambiente.

A atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, adota postura semelhante. Em sua participação no Fórum de Davas, realizado na Suíça em janeiro deste ano, com objetivo de melhorar a situação do mundo através de ações tomadas e executadas por líderes mundiais, ela defendeu a sustentabilidade, declarando que a mesma não é só econômica, ambiental e social, é também

Meio ambiente pede socorro

Combate à crise ambiental é desafio para novo governo

política. Reduzir o desmatamento também foi uma das principais pautas presentes durante sua fala nesse fórum: “Vamos liderar pelo exemplo. Nós podemos falar muitas coisas legais, mas se a gente não reduzir o desmatamento, a gente apenas falou”, declarou a Ministra. Os primeiros meses do governo foram marcadoa por outra crise, que é a situação do povo Yanomãmi, o qual enfrenta as consequências da prática ilegal do garimpo em suas terras. Sobre o tema, Marina Silva disse em pronunciamento que a situação em que esses povos indígenas se encontram em Roraima é uma “atrocidade inominável” e reforça dizendo que “é um processo complexo e difícil, mas que todas as providências estão sendo tomadas.” Por outro lado, apesar do discurso por parte do governo, os dados atuais divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registraram um novo recorde no desmatamento da Amazônia ainda no mês de Janeiro,

Terra Brasilis

O INPE desenvolveu uma plataforma web para consulta e análise de dados geográficos gerados a partir do projeto de monitoramente da vegetação nativa do instituto, disponível em http://terrabrasilis. dpi.inpe.br/. A plataforma oferece mapas interativos e gráficos que permitem acompanhar os alertas em diferentes tipos de vegetação, além dos dados de monitoramento histórico. O mapa ao lado mostra alertas de desmatamento na Amazônia Legal e no Cerrado.

quando cerca de 208,75km² de floresta foram desmatados. Ainda não se sabe ao certo se as áreas apresentadas fazem partes de novos desmatamentos ou se são áreas já desmatadas que ficaram encobertas pelas nuvens, como explica Márcio Astrini, secretário-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Além disso, os dados do desmatamento coletados pela Deter/Inpe são consolidados a cada três meses, então somente após esse período será possível ter melhor percepção quanto à tendências para o desmatamento. De toda forma, é possível vislumbrar que a questão ambiental será um desafio para o atual governo.

Ações sustentáveis

O desmatamento impacta de forma intensa a sustentabilidade, gerando perda de biodiversidade, perda de retenção de carbono no solo, mudança no regime das chuvas, aumento do gás carbônico na atmosfera pelas queimadas, além de outros inúmeros impactos. É o que observa Samuel Gabanyi, diretor do Instituto Semente, que ainda alerta que essas transformações contribuem para o acontecimento de eventos climáticos extremos com maior frequência, tornando-se assim um problema de escala mundial.

Na busca pela redução dessas consequências, várias ONGs surgiram com o intuito de criar maneiras de reerguer o meio ambiente. Entre essas iniciativas está o Instituto Semente, que faz um trabalho conectando Sustentabilidade e Cultura de Paz.

“A sustentabilidade tem por premissa respeitar os limites planetários. Seguindo diretrizes sustentáveis estritas nos negócios e políticas públicas será possível reduzir os impactos das mudanças climáticas. Enquanto sustentabilidade for apenas um termo usado e não o cerne de todas nossas ações, estamos fadados ao colapso”, ressaltou Samuel. O ponto central da sustentabilidade é a busca por um estilo de vida harmonioso “respeitando as necessidades básicas individuais e os limites de regeneração do Planeta Terra, sempre seguindo os preceitos da permacultura de cuidar da terra, das pessoas e de uma partilha justa”, finalizou.

Por ser uma organização ainda pequena, o Instituto Semente não tem atuação em políticas públicas no âmbito nacional. Apesar disso, e pelo seu comprometimento com as causas ambientais, Samuel aponta as expectativas do novo governo diante do cenário de crise. “Esperamos que o governo tenha o meio ambiente como prioridade número um e uma política de valorização a ela. Que ele deixe de ser visto apenas como um provedor de matéria prima e tenha sua importância reconhecida. É fundamental que o governo retome o projeto de desmatamento zero, inicie uma transição para uma economia de baixo carbono, demarque e proteja terras indígenas, crie programas e projetos que deem uma sustentação econômica para aqueles que vivam em aréas de natureza e biodiversidade que precisam ser preservadas”, avalia.

Ainda que esta tenha sido a postura adotada nos discursos governamentais, ainda é preciso acompanhar para ver como isso será revertido em ações práticas.

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Foto: Cristiane Inácio
Área de floresta derrubada e queimada no município de Apuí, Amazonas. (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/Wikimedia Commons)
GUEIROS Meio
Fonte: Reprodução Terra Brasilis Plataforma
do desmatamento
Emanuela
Ambiente
do INPE permite visualizar mapas interativos

Um dos mais movimentados locais de Curitiba, a Praça Eufrásio Correia marcava, no final do século XIX e início do XX, a chegada dos viajantes à estação rodoviária da capital. De um lado, a antiga sede da estação ferroviária, hoje museu do Shopping Estação. Do outro, o Palácio Rio Branco, sede da Câmara Municipal de Curitiba.

Entre as duas construções, repousa um legado centenário. A estátua de bronze, de corpo inteiro e em tamanho natural, destaca-se entre árvores volumosas e outras peças de bronze. A representação de um colono polonês, aculturado, semeando o futuro da pátria é uma das obras mais marcantes da capital paranaense e tem papel fundamental na história da relação entre a comunidade polonesa e o Brasil.

Considerada a obra-prima do escultor Zaco Paraná, a estátua conhecida como “O Semeador” reside naquele mesmo lugar desde 1924, sendo um presente da colônia polonesa à cidade de Curitiba, por ocasião do centenário da independência do Brasil em 07 de setembro 1922, como pode ser lido na placa fixada em seu pedestal.

A obra, entregue ao município em 1922, somente foi colocada em espaço público em 1924. Com o bicentenário da independência, é comemorado o centenário da obra que é um dos símbolos da capital paranaense.

Raízes europeias

O final do século XIX foi um período de intensa migração polonesa para o Paraná. A estimativa é que foram cerca de 41.600 imigrantes que chegaram entre os anos de 1870 e 1914, sendo o mais numeroso grupo de imigrantes no estado. Os imigrantes dedicavam-se à alfabetização de seus compatriotas e ao trabalho no cultivo das terras. Juntos, colaboraram para desenvolver a economia e a cultura do bairro.

Entre esses imigrantes estava

O Semeador faz parte do legado do artista Zaco Paraná em Curitiba

Jan Żak (João Zaco), nascido em 3 de julho de 1884, no vilarejo de Brzezany, localizado na Silésia polonesa sob domínio austríaco. Com apenas três anos, migrou com a família para o Brasil, instalandose em Restinga da Serra, entre as cidades de Palmeira e Ponta Grossa, no Paraná.

Centenário e de olho no futuro

trajetória profissional de Zaco. Iniciando os estudos na Escola de Belas artes e Industriais do Paraná, passou pelo Colégio Diocesano, onde começou a assinar como João Zaco Paraná. Em estadia no Rio de janeiro, teve a oportunidade de estudar na Escola Nacional de Belas Artes da cidade e, tempos depois, na Academia Real de Belas Artes de Bruxelas, na Bélgica.

Ao retornar ao Brasil em 1922, Zaco se instalou no Rio de Janeiro novamente, onde passou a receber uma série de encomendas oficiais relacionadas ao centenário da independência do Brasil, devido ao seu prestígio no meio artístico.

Na ocasião, o escultor recebeu da colônia polonesa no Paraná a encomenda de um monumento para homenagear a data. Zaco então passou a trabalhar com extrema dificuldade em seu ateliê no Rio de janeiro na modelagem de “O Semeador”.

Uma publicação escrita pelo artista plástico Ivens Fontoura conta com o relato de Erbo Stenzel, importante escultor da época que era próximo a Zaco e acompanhou o processo de produção da obra centenária. Ele relata que Zaco recolhia água de chuva e a armazenava em latas e baldes para conseguir trabalhar. A obra foi entregue naquele mesmo ano, mas somente pôde ser inaugurada em 1924.

“Trabalhando no próprio quarto na cidade do Rio de Janeiro, num pequeno espaço

que não permitia sequer afastarse a uma distância necessária para alcançar determinados pontos de vista e a visão do conjunto da obra, propiciandolhe controlar as proporções e sua harmonia. Sem contar a falta de água, elemento imprescindível para manter o barro úmido e em condições de trabalho”, conta Erbo ao artista plástico.

Legado centenário

Entre as obras que se encontram expostas pela capital paranaense, estão símbolos que procuravam criar uma unidade comum do que representa – ou deveria representar – ser paranaense. São heranças do simbolismo no Paraná, a obra de Zaco estimula artistas e civis a refletir até os dias atuais.

As mãos fortes de um jovem. Punhos fechados, o braço agarrado à sacola carregada de sementes e o outro em movimento. Prestes a arremessar os grãos. Olhos fixados no horizonte. Pés descalços. As observações feitas pelo gravurista Carlos Henrique Tullio sobre a obra retratam uma realidade do final do século XIX, agora um pouco distante do nosso imaginário.

Ao observar a obra de Zaco, Carlos percebe os nós que seguram a calça, que revelam um agricultor humilde com cabelos ao vento. Grande força física, com veias saudáveis nas mãos e fortes músculos nas costas. Seu

semblante angelical praticamente despe a escultura de uma visão realista e afunila-se para uma leitura mais simbólica e idealizada.

Segundo ele, a força desta obra reside na função de semear para colher no futuro. Portanto, o olhar para o horizonte do personagem transmite uma noção de tempo sempre à frente, sempre distante, e sempre caminhando para este além. A fundição em bronze é de grande perfeição sendo impossível perceber as soldas e emendas, comuns neste tipo de trabalho.

“Os significados dessas obras são de grande antiguidade, pois a agricultura nasce da necessidade de plantar as sementes. Outras interpretações também podem ser atribuídas, como: fertilidade, desenvolvimento, esperança e plantar para colher no futuro. É um gênero de composição que existe não só na escultura, mas também na pintura e em rituais de tribos muito antigas em todas as partes do mundo”, explica o artista curitibano. Com o bicentenário da independência do Brasil, os olhos dos curitibanos também se voltaram para a obra em 2022. O legado de Zaco Paraná se mantém vivo na capital paranaense, seja em obras como o Semeador, ou no imaginário daqueles que o admiram.

“Temos a sorte e o orgulho de podermos visitar e observar esta magnífica obra do Zaco aqui na nossa cidade de Curitiba. Que nossos artistas continuem semeando as ideias e ideais para um futuro cada vez mais justo e mais próspero para todos”, ressalta Carlos.

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Cid Cidades Fonte: Jautor desconhecido
Com olhar no horizonte, “O Semeador” representa a necessidade de plantar as sementes
“Os significados dessas obras são de grande antiguidade, pois a agricultura nasce da necessidade de plantar as sementes.”
Desde pequeno, o seu talento para as artes se destacava em meio à família de agricultores. Documentos disponibilizados pela Fundação Cultural de Curitiba revelam a
Estátua foi presente da comunidade polonesa ao Brasil Foto: Leonardo Tulio

Em 2022, a transação comercial de vendas onlines por meio digital atingiu R$111,8 bilhões em vendas no Brasil. Os dados são das pesquisas feitas pelas empresas NielsenIQ|Ebit, Webshoppers 46 e Bexs Pay, organizações que avaliam empresas virtuais brasileiras possibilitando também aos lojistas a observarem o perfil de consumidores.

Nesse cenário, o empreendedorismo digital ganha força, com investimento e apostas em vendas onlines, mas para ter sucesso, é necessário investir em produções de conteúdos de qualidade e dominar importantes estratégias de marketing digital. Maria Carolina Avis, 28 anos, é professora de Marketing na Uninter. Com longa experiência na área, possui quatro obras publicadas, especialização em gestão de empresas e também em docência no ensino superior. A profissional do marketing diz que as pesquisas mercadológicas

Vendedores digitais

Recursos e exigências do mercado digital transformam os profissionais

vão além de panfletos e canais de comunicação. Para ela, antes de estudar o marketing digital é necessário conhecer o seu fundamento, ou seja, dominar o que é o marketing.

“Marketing é toda relação de consumo, o tempo todo consumimos produtos, serviços e conteúdos. Sua prática não é para estimular o consumo, mas sim para conseguir entender o comportamento das pessoas enquanto elas consomem ou porque elas consomem. Quando ensinamos marketing para os alunos de graduação, temos o costume de falar que há marketing em tudo, desde a criação de um cardápio há intenções de compra. Quando estamos em um ponto de vendas escolhemos determinados produtos com base em critérios.”

A prática do marketing digital preconiza o estudo do consumo, contudo as pesquisas são feitas em um ambiente digital. Microempreendedores e varejistas utilizam cada vez

mais as plataformas digitais, como, Ifood, Instagram e links automatizados para o acesso aos cardápios e aos pedidos. O uso do marketing e da publicidade para publicações de conteúdos chamativos deixa os clientes curiosos, apesar disso há a possibilidade de alcance massivo de clientes/usuários.

Daniela Oliveira Magalhães, 28 anos, trabalha com a confeitaria desde 2018. Após criar um perfil nas redes sociais, apenas para divulgar seu trabalho informal de encomendas, percebeu uma oportunidade de ensinar, de forma descomplicada, a prática da confeitaria com chances de monetização das plataformas.

“Crescer nas redes sociais é a meta de muitas pessoas que querem ter seu próprio negócio e atrair muitos clientes. Inicialmente eu queria gravar com a intenção de fazer com que mais pessoas conhecessem o meu trabalho, que eu pudesse ajudar a fazer os doces e a ter

Confeitaria prática nas redes sociais

encomendas. Mas depois que eu percebi que havia formas de ganhar com publicidade, usando o número de seguidores, a minha visão de estratégia mudou.”

Considerando o comportamento dos usuários, Daniela pensa em como aquele conteúdo vai agregar e ajudar as pessoas que também querem abrir uma microempresa usando as ferramentas digitais. Para ela, conteúdos mais práticos e rápidos são um bom caminho para iniciar.

“Comece no Tik Tok, pois lá os vídeos são mais curtos e levam um público orgânico para o Instagram. Quando for começar não desista, não pense que o vizinho vai debochar de você, que seus amigos irão rir de você. Coloque metas e trabalhe em cima delas, faça acontecer.”

A confeiteira possui 552.8 mil seguidores na plataforma Tik Tok e 155 mil no Instagram, redes que são usadas para vendas de infoprodutos, que recebem o auxílio de uma assessoria de marketing para publicidade.

“Eu ainda vendo meus doces e bolos por encomenda, porém nas plataformas estou voltada para a área de influenciar e criar conteúdos digital para o ensino. Então hoje o meu próprio negócio é 80% digital e 20% físico.”

Daniela diz que durante o ano de 2022, controlava cem por cento suas redes sociais, fazendo o marketing de posts e lançamentos de produtos digitais. Contudo, sua participação atual é de oitenta por cento, já que conta com uma profissional do marketing na publicidade da sua microempresa.

Para a professora de marketing digital, ao seguir o exemplo de Daniela, é necessário contratar um profissional da área ou investir em conhecimentos

as ferramentas e o marketing, desta forma o vendedor vai estar ampliando sua alfabetização digital.

“Recomendo cursos das próprias ferramentas, muitas plataformas possuem cursos gratuitos. O Google Perfil de Empresas é uma ferramenta que antes se chamava Google Meu Negócio, ele é aquele cadastro de quando você pesquisa: “padarias perto de mim”, e aparece cadastros que mostram avaliações, telefone, rotas e fotos. Com essa ferramenta o vendedor pode criar o perfil e explorar o marketing, já vão estar em cima da média, por estarem fazendo algo que outros não fazem.”

Marketing no metaverso

A automatização de atendimento digital faz parte da realidade de muitas empresas, servem não apenas para viabilizar e aumentar a produtividade, mas também trazem processos rápidos de atendimento aos clientes. Existem parcelas de consumidores que gostam da ferramenta, e outras parcelas que detestam, para isso a profissional do Marketing explica que é preciso pensar no marketing digital em toda a jornada do usuário. “Qual é o erro das empresas? Elas ativam essa automação geral e não se preocupam com a chave importante, que é a experiência dos clientes.”

Os usuários buscam cada vez mais experiências de interação online, com isso grandes e pequenas empresas estão se preparando, com novas estratégias de negócios. Com a chegada da internet 5G, que atribui realidades virtuais e aumentadas, Maria Avis explica que os vendedores podem ter sucesso com essa nova tecnologia, porém há contratempos. “É um desafio entender marketing na nossa realidade, agora no metaverso é um desafio dobrado, porque não conhecemos os comportamentos dos usuários nesse ambiente já é complicado para quem é profissional entender. Recomendo aos empreendedores que façam parcerias com profissionais da área.”

“Muitas empresas querem utilizar o metaverso a seu favor por terem medo de ficar por fora do mercado. Elas não possuem, nem em sua maioria, o básico bem feito. Não sabem o fundamento do Marketing e querem estar no metaverso. Faz sentido? Não faz. Porque ‘nesta realidade’, a marca não está bem estruturada”, finaliza Maria Avis.

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sobre Recursos digitais fazem parte das novas estratégias para ampliar vendas
Imagem: Pixabay Comportamento
Eduarda ROCHA
Foto: Reprodução do Instagram
instagram.com/danimagallhaes
Nas redes sociais, Daniela compartilha receitas e mostra o dia a dia de confeiteira. Para conferir, aponte o celular para o QR code ao lado, ou busque no seu Instagram:

@TÁ NA WEB

Segunda a Poynter Institute, escola de jornalismo e organização de pesquisas apoiada pelo Google, no Brasil, 4 em cada 10 pessoas afirmaram receber notícias falsas diariamente. Em um cenário tomado por fake news, é preciso buscar meios para se proteger e desviar da desinformação.

Especial

Combate à desinformação

Como grande parte dos conteúdos maliciosos chegam pelo meio digital, é possível equipar seu smartphone com aplicativos que ajudam no combate à disseminação de fake news. Pensando nisso, separamos dois apps gratuitos disponíveis para Android e iOS que exercem essa função.

Message Checker

Verificação internacional

Outra opção para evitar fake news, é o aplicativo Message Checker. Desenvolvido pela empresa taiwanesa Gogolook, o app opera em diversas plataformas como WhatsApp, Instagram e Messenger.

Sua função principal é checar mensagens que contenham notícias falsas e links suspeitos. A identificação é feita por meio da Internacional Fact-Checking Network, rede de verificação

App Projeto Comprova

Parceria entre veículos de comunicação

Um recurso disponível para ajudar no combate à desinformação é o aplicativo desenvolvido pelo Projeto Comprova. O app já contava com uma primeira versão em que o usuário poderia enviar conteúdos para que fossem checados e aprender técnicas de identificação de informações falsas divulgadas nas redes sociais. A segunda versão do aplicativo, lançada em agosto de 2022, veio com

mais funcionalidades. A novidade é que agora ele permite que o usuário faça investigações de imagens por meio de um recurso de busca.

O Projeto Comprova é uma parceria entre diversos veículos de comunicação criado em 2018 com o objetivo de investigar conteúdos divulgados nas mídias sociais sobre eleições. O aplicativo foi financiado pelo Google e desenvolvido pela Vórtigo.

de notícias que possui como integrantes as agências brasileiras, Aos Fatos e Lupa. Ao identificar um conteúdo falso ou malicioso, o usuário é alertado e recebe um link da agência de checagem, disponibilizado pelo Message Checker, em que a notícia é desmentida. O aplicativo também oferece outras funcionalidades, como visualização invisível e pesquisa.

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Tecnologia
Confira o site no QR code. Confira o site no QR code. Fernanda GUEDES

GUEDES

Brasil volta a festejar!

País se reencontra com o carnaval após longo hiato

Após dois anos sem Carnaval devido à pandemia de Covid-19, o Brasil voltou a celebrar sua maior manifestação cultural. De Norte a Sul, crianças, jovens, adultos e idosos saíram às ruas para dançar, cantar e viver o retorno da tão aguardada festa. Do ensaio do carnaval curitibano,

dos luxuosos desfiles no Rio de Janeiro, aos trios do pós-carnaval nordestino, a diversão foi garantida para os brasileiros de todos os cantos do país. Nas fotos, registros da festa do Garibaldis e Sacis, bloco que desde 1999 faz o aquecimento para o carnaval em Curitiba.

N.º 72 – MAR.ABR de 2023 12 MARCO ZERO Ensaio fotográfico
Ensaio de Fernanda
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