Edição 461 (ago/2016)

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ANO 34 - Nº 461 SEGUNDA QUINZENA | AGOSTO 2016

FOTO: CAROLINA INGIZZA

Produzido por alunos de Jornalismo da ECA-USP

EM PAUTA

Qual nome te representa? Problemas enfrentados no uso do nome social dentro da Universidade UNIVERSIDADE

UNIVERSIDADE

CIÊNCIA

Mudança na classificação de carreiras extingue funções p. 5

Contas da gestão Rodas são reprovadas pelo TCE-SP p. 8 e 9

Pesquisa mostra novo olhar sobre o desmatamento p.10

EM PAUTA

ESPORTES

Paralímpiadas abrem debate sobre esporte e deficiência p. 11

Raia Olímpica recebe paratletas na preparação para Rio 2016 p.12 e 13


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DIÁLOGOS

SEGUNDA QUINZENA | AGOSTO 2016 JORNAL DO CAMPUS

EDITORIAL

De dentro para fora OMBUDSMAN

O último semestre MATHEUS PICHONELLI*

ESPAÇO DO LEITOR

Nota de esclarecimento sobre as posições de homens e mulheres dentro da equipe. “Pôde-se perceber um profundo desrespeito para com as mulheres no trecho “aliás, nós precisamos muito da força física dos homens para sustentar as bases de pirâmides. Eles são fundamentais para o esporte” pois toda e qualquer pessoa que se dedicar ao esporte pode exercer qualquer função no time, não sendo a função de traseira ou de base exclusiva dos homens”. Ressaltam ainda que “as relações que foram colocadas no trecho pelo jornal não são apenas homofóbicas e machistas, mas ignorantes. O Olympus Cheerleading não faz distinção sexual ou de gênero para qualquer função exercida no time”. O trecho da fala atribuído à treinadora sobre a questão dos homens no esporte, também criticado pela equipe, está no sexto parágrafo da matéria que pode ser conferida no site. O Jornal do Campus reitera a sua posição contrária a todos os tipos de opressão aqui citados.

FOTO ORIGINAL: MAYARA PAIXÃO

A equipe Olympus Cheerleading, tema da editoria de esportes (página 12), edição 460, enviou uma nota de esclarecimento. A nota, que pode ser lida na íntegra no site do JC, critica trechos transcritos de entrevista na matéria que, de acordo com a equipe, não correspondem ao seu posicionamento e são machistas e homofóbicos. Os membros do time afirmam que “houve uma lamentável colocação machista creditada pelo jornal a um esporte que tenta a cada dia desconstruir conceitos pré-concebidos como este de que mulheres não possuem força suficiente para exercer funções de força no time. Todos, absolutamente todos, são bem-vindos ao time” e que “o trecho não seguiu o depoimento dado pela treinadora do time. As anotações feitas no momento da reportagem, inclusive, ainda estão com o time, o que torna a publicação ainda mais irresponsável”. O grupo direciona a crítica a um trecho da matéria que fala

Errata: Na página 9 da edição 460 (Hospital Universitário permanece em estado de greve), a legenda da foto acima afirmava que o Sindicato dos trabalhadores da USP comprou cestas básicas para os funcionários em greve a fim de minimizar danos do corte de pontos. O correto seria: A Adusp (Associação dos docentes da USP) em solidariedade ao movimento cedeu 400 cestas básicas distruibuidas aos grevistas que sofreram cortes salariais.

Era um sonho recorrente: alguém da faculdade avisava que fizeram uma recontagem dos créditos e meu diploma seria suspenso se não cursasse mais um semestre. Os amigos (os da vida real) diziam que se tratava de um desejo contido. Como se faltasse algo para fechar um ciclo. Quando recebi o convite para ser ombudsman do Jornal do Campus, senti que de certa maneira aquele desejo tomava forma. Sim: vou passar o próximo semestre no campus de onde jamais me afastei (prova disso era quando buscava nos cafés da USP algum balão de oxigênio para enfrentar o ar rarefeito das redações). Tenho mais a aprender com a experiência do que a ensinar mas, já que o oficio exige, começo a série de observações com um elogio. Uma boa edição é a que consegue reduzir o muro entre o campus e o mundo fora dele. Esta conseguiu: fez de assuntos gerais (Olimpíada, crise política, Maria da Penha e, sim, Pokemon Go) temas de debates internos. O risco é cair em imprecisão e/ou perder em ineditismo. A reportagem sobre a despedida dos atletas olímpicos que treinaram na USP avança nos dois pontos, mas a análise sobre a tensão pré-impeachment peca na interpretação ao dizer que a Folha de S.Paulo reconheceu o erro após esconder um dado relevante do Datafolha (que a maioria queria novas eleições). Na verdade, o jornal justificou a decisão – e reforçou o erro. Me pareceu questionável também a escolha dos personagens para ilustrar o momento político. Não há movimentos na USP que pudessem ser consultados? A pauta sobre a ocupação do antigo armazém do DCE trouxe um lado da história quase sempre ignorado por quem está fora do campus. O porém era a foto, que nada ilustrava. Um ponto alto: o recorte sobre os dez anos da Lei Maria da Penha. O debate sobre o PIDV recebeu atenção merecida, mas a principal entrevista, que poderia ser uma sub, ficou em página separada. Por fim, vale manter a atenção sobre o Ciências sem Fronteiras. Senti falta de um questionamento mais direto ao governo. Mudanças anunciadas (ou não anunciadas) por uma gestão atabalhoada certamente vão respingar no universo acadêmico. Vamos aguardar.

O processo de feitura deste jornal requer contato com fatores da USP que às vezes passam despercebidos até por nós, futuros jornalistas. A equipe do Jornal do Campus se propõe, nesta edição, a mergulhar nos caminhos da Universidade, checar seus diferentes elementos e puxar para a superfície assuntos necessários para o cotidiano dela. Mostrar porque os assuntos dispostos na capa são de fato relevantes e próximos às três categorias que nos têm como público. Trazer para dentro o que se faz para fora, levar para fora do escuro o que se enconde aqui dentro. Entrevista desfia a vivência e a trajetória de Alice Quadros, aluna do 3º ano da FMUSP que nos mostra os problemas com o nome social ainda enfrentados aqui por travestis e transexuais. Os trâmites necessários aqui dentro para que se faça valer esse direito são ilustrados em Universidade e vêm nessa editoria acompanhados dos detalhes sobre a rejeição da prestação de contas de 2013, a repressão sobre as venda informais de lanches na EACH e as alterações na denominação das carreiras. Às vésperas das Paralímpiadas do Rio, Em Pauta e Esportes se debruçam sobre esse tema. Ao mesmo tempo em que abre um espaço de debate sobre a valorização do desporto paralímpico, o jornal também traz uma cobertura da vinda das seleções brasileiras de remo adaptado e paracanoagem na Raia Olímpica da Cidade Universitária. Ainda na seção esportiva do jornal, é levantada a importância de um campeonato que aconteceu no Cepeusp e reuniu três faculdades de dois diferentes campi. A produção científica da USP tem tradição em levar para a sociedade os investimentos injetados aqui. Dos laboratórios da Esalq, Ciência traz o fato de que conter o desmatamento não é o suficiente para preservar florestas tropicais. E vem do ICB a notícia de que a vacina contra o Zika Virus será testada em humanos já no mês de outubro. A editoria de Cultura segue nesse mesmo fluxo e mostra um grupo de alunos do Quadrilátero da Saúde que vai a hospitais na tentativa de incentivar a empatia na relação entre profissionais e pacientes. Nossos repórteres nos apresentam ainda alguns elementos que estavam disfarçados na Universidade, como as costureiras do curso de Artes Cênicas. Dialogando entre os setores da Universidade, o JC vem sempre na tentativa de trazer à tona o que nos passa despercebido, mas é cotidiano – constante. E, nessa segunda edição deste semestre, nossa turma segue em busca de boas histórias que estiveram sempre à nossa sombra para contar.

SIGA E PARTICIPE! *Matheus Pichonelli mantém uma coluna de cultura e comportamento na CartaCapital e escreve sobre política no Yahoo Brasil

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JORNAL DO CAMPUS - Nº 461 TIRAGEM: 8 MIL Universidade de São Paulo - Reitor: Marco Antonio Zago. Vice-Reitor: Vahan Agopyan. Escola de Comunicações e Artes - Diretora: Margarida Maria Krohling Kunsch. Vice-Diretor: Eduardo Monteiro. Departamento de Jornalismo e Editoração - Chefe: Dennis de Oliveira. Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho. Responsáveis: Alexandre Barbosa, Luciano Guimarães e Wagner Souza e Silva. Estagiária PAE: Marcelle Souza. Redação Secretário de Redação: Flávio Ismerim. Editor de Arte: André Calderolli. Ilustradora: Natalie Majolo (Tuxa). Editora de Fotografia: Isabella Schreen. Fotógrafa: Majo Campos. Editora Online: Marina Morais. Repórter: Lid Capitani. Entrevista - Editora: Carolina Ingizza. Repórter: Giovanna Wolf Tadini. Universidade - Editores: Bianka Vieira, Natalie Majolo, Victor Matioli. Repórteres: Alexandre Amaral, Carolina Tiemi, Leonardo Mastelini, Liz Dórea, Luiza Queiroz, Vitor Andrade. Em Pauta - Editora: Ethel Rudniztki. Repórter: Rafael Oliveira. Cultura - Editora: Victória Del Pintor. Repórteres: Bianca Kirklewski, Helena Mega. Esporte - Editora: Larissa Lopes. Repórteres: Aline Naomi, Bruna Martins. Ciência - Editora: Carla Monteiro. Repórteres: Juliana Brocanelli, Luiza Missi. Opinião - Editora: Victória De Santi. Repórter: Felipe Saturnino. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 433, bloco A, sala 19, Cidade Universitária, São Paulo, SP, CEP 05508-900. Telefone: (11) 3091-4211. Fax: (11) 3814-1324. Impressão: Gráfica Atlântica. O Jornal do Campus é produzido pelos alunos do 4° semestre do curso de Jornalismo Matutino, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso II.


ENTREVISTA

SEGUNDA QUINZENA | AGOSTO 2016 JORNAL DO CAMPUS

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“Nome social é uma questão de proteção” Aluna transexual conta as dificuldades na USP para ser chamada pelo nome que a representa

Jornal do Campus - Por que o nome social é importante? Eu acho que é importante por uma questão de não exposição. Primeiro porque o meu nome de registro é um nome que não me representa. Meu nome mesmo é Alice, e eu não quero que me chamem do outro porque ele me violenta de várias formas, ele diz uma coisa que a sociedade vive falando pra mim: que eu não sou quem eu sou. Nome social é uma questão de proteção. Não faz o menor sentido você chamar alguém pelo nome que não representa a pessoa, isso que é falsidade ideológica. Se alguém chegar aqui e me chamar pelo meu nome de registro, não faz o menor sentido, não me contempla em nenhum nível. É outro mecanismo para dar validade às nossas reivindicações. Eu não nasci homem. Gênero é construído socialmente e não tem essa de dizer que eu era uma coisa e virei outra. Eu sou mulher e sempre fui, eu só não era assumida dentro de uma sociedade que violenta pessoas trans. Desde o início da sua vida universitária, inclusive durante a Fuvest, como a USP lidou com o seu nome social? Eu me assumi depois que eu entrei na faculdade. Fui fazer a solicitação da retificação do nome na Universidade pelo uso do nome social e eles mudaram no site e na carteirinha. Só que, por exemplo, as listas de chamada vão contra a lei, porque existem leis estaduais e federais que dizem que documentos de circulação interna não podem estar com o nome de registro, tem que estar com o nome social e só o nome social. E o que eles fazem aqui não é isso. As listas de chamada sempre (e quando eu digo sempre é 99% das vezes) vêm com o meu nome social entre parênteses e com o de registro ao lado. Eu fui tentar alterar isso. Antes eu conversava com os departamentos, aqui a gente tem departamento de dermatologia, otorrino, enfim, vários. Quando eu vi que isso era uma coisa sistemática e que todo departamento vinha errado, fui conversar com a graduação. Basicamente, a resposta que eles deram pra mim foi que a universidade é uma autarquia e que ela manda a lista desse jeito e eles não podem mudar. Daí eu falei “então vocês estão usando o discurso da autonomia universitária para serem transfóbicos e não seguirem a lei”. Isso é muito violento. SWe fosse assim colocasse só o meu nome de registro, desse jeito pelo menos as pessoas não saberiam quem eu sou. Se

você coloca o nome de registro ao lado do nome social é uma dupla exposição. Outro exemplo é que eu perdi a minha carteirinha e eu estou com o atestado de matrícula para apresentar para pegar alimentação no bandejão. Aí eu sempre dobro o papel para não mostrar o meu nome de registro porque é péssimo. Eu vou comprar uma coisa para comer e as pessoas ficam vendo isso, o que estimula outros comportamentos ruins. A lista de chamada é o principal, já tiveram momentos em que fui no ambulatório e fizeram a chamada com o meu nome de registro. Uma mega exposição, inclusive porque tinham dois pacientes, eu me senti muito humilhada. Você acha que a crítica mais forte deve ser à Universidade em geral ou ao despreparo dos departamentos? É uma crítica à Universidade. Ela deveria mudar a lista de acordo com a lei, mas eles não seguem a lei, então eles mandam a lista pronta desse jeito transfóbico e os departamentos simplesmente não sabem o que fazer, porque eles não conhecem a legislação, eles mal falam de pessoas trans na graduação. Tipo, a aula de ginecologia é mulher, mulher, mulher, mulher, mulher, mulher. Simplesmente pessoas trans não existem para a Medicina, só existem na hora de patologizar, na aula de psiquiatria para falar que são doenças mentais. E conversar não adianta nada. Conversei até com a diretoria da Faculdade e não mudou nada, eles resolvem pontualmente apenas. Uma coisa que eu questionei foi “bom, se a lista vem assim da Universidade, por que vocês não alteram a lista antes de repassar para os departamentos?”. Isso nunca foi respondido, simplesmente respondem que não tem como. Aí toda vez que eu me estresso porque essa é uma questão sensível, de exposição e humilhação diária, é sempre aquele discurso de silenciamento: “mas você não precisa ser tão grossa, você tem que entender que eu não vou te entender se você estiver falando assim comigo”. Em alguns outros lugares isso é totalmente diferente, por exemplo, a UFRJ segue a legislação, tem uma conduta completamente diferente da que se tem aqui nessa Universidade, uma conduta muito menos transfóbica. Existem diversas outras pessoas que são trans, não necessariamente dentro do binarismo homem e mulher, mas que estão na Universidade de São Paulo e que são extremamente desrespeitadas por causa dessa burocracia violenta.

FOTO: CAROLINA INGIZZA

GIOVANNA WOLF TADINI

Alice Quadros, aluna do 3º ano de Medicina, mostra atestado de matrícula com seu nome de registro Como o reconhecimento do nome social pela instituição influenciaria na sua relação com os outros alunos? Eu tenho certeza que se isso funcionasse de fato, eu ficaria muito menos exposta e facilitaria diálogos. Muitas pessoas que eu vejo que fazem comentários transfóbicos ao menos teriam vergonha ao nível de que a Universidade não respalda essa atitude. Mas quando a Universidade em si é transfóbica de algum jeito, me chamando pelo nome de registro em documentos que a lei diz que não deveriam, de alguma forma ela está colaborando com o posicionamento dos outros alunos. O nome social é principalmente uma questão de não se expor, mas eu acho que ele é insuficiente dentro de um escala maior. Acredito que a gente tem que aprovar a Lei João Nery, que me dá o direito de poder alterar meu nome em cartório sem passar por todo esse processo difícil que é a alteração hoje. Eu quero poder alterar meu nome antes de terminar a graduação. Quando o João Nery, que foi o primeiro homem trans que fez a mastectomia no Brasil, alterou o seu nome, ele perdeu toda a formação que ele tinha. Ele era formado em psicologia, trabalhava em três universidades e de um dia para o outro ele virou analfabeto. Isso foi na década de 70, hoje o processo não é tão assim. Muito provavelmente eu consiga alterar os meus documentos e manter a minha formação, mas esse é sempre um risco que está colocado. Dentro de uma sociedade conservadora e de uma situação de golpe em que eu não sei como é que os meus direitos vão estar amanhã, a qualquer segundo eu posso perder a minha formação.

Na sua opinião, como deveria ser a relação da Universidade com o nome social, de forma prática? Uma das coisas que acontece é que eu só posso pedir o nome social a partir do momento que eu estou matriculada. Isso já é ridículo, porque se eu tivesse entrado na faculdade assumidamente trans, eu ia ter que fazer a Fuvest com o meu nome de registro, que é extremamente constrangedor, e depois nas primeiras aulas da graduação ainda ter uma lista com o meu nome de registro. O mínimo que a Universidade poderia fazer é, em um primeiro nível, que a Fuvest pudesse ser feita com o nome social (só ele) na prova, e que isso já valesse para a matrícula, que não precisasse recorrer. A justificativa é sempre burocrática. Se isso não for possível na prova, o que eu já acho um absurdo, que na semana de recepção, que na hora de fazer a matrícula, já tenha um campo para se falar do nome social. Para que a pessoa não tenha que se expor a ir lá depois.

“Não faz o menor sentido você chamar alguém pelo nome que não representa a pessoa, isso que é falsidade ideológica.”

Você consegue prever se o seu diploma vai sair com o seu nome de verdade? Eu não faço ideia. Eu não consegui ainda entrar com o processo de alteração de nome em cartório, eu tenho três anos para fazer isso, e eu não sei se vai ser suficiente. Não sei como isso vai ser depois, se eu não me formar com o meu nome social, se vai ser oneroso pra mim de alguma forma. Eu vou ter um crachá com o meu nome social, mas não sei se vou ter meu diploma e as coisas do CRM. Vou ter direito ao carimbo com o meu nome social, mas não necessariamente eu vou conseguir o que eu quero mesmo, que é ser eu, plenamente e em todos os âmbitos.


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UNIVERSIDADE

SEGUNDA QUINZENA | AGOSTO 2016 JORNAL DO CAMPUS

Universidade garante uso de nome social No entanto, ainda faltam políticas de proteção para a comunidade trans nos campi CAROLINA TIEMI

Desde o começo do ano, 68 casos de conflitos foram registrados na Ouvidoria Geral da Universidade -- entre eles, 18 são referentes à crimes de ética, discriminação, violência ou ameaça. É conhecida, na Universidade, a discriminação contra grupos minoritários como as pessoas trans. Não só as agressões físicas e diretas violentam alunos, professores e funcionários, mas também as falas, gestos indiretos e falta de ações e políticas de proteção e inclusão. O uso do nome civil em detrimento do social, não é apenas uma reivindicação, mas um direito assegurado pela resolução n. 12 da Secretaria de Direitos Humanos, portaria a qual a USP cita em sua legislação, que “estabelece parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais – e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais – nos sistemas e instituições de ensino, formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização”. De acordo com a resolução, cabe à pessoa interessada a solicitação da adoção e uso do seu nome social no ambiente universitário. Atualmente, o aluno pode, pelo sistema da Universidade, alterar seu endereço, telefone e dados da

Ouvidoria Geral da USP (11) 3091-2074 Coletivo Trans*aUSP transausp@gmail.com 1ª Delegacia de Defesa da Mulher Rua Dr. Bittencourt Rodriguez, 200 Parque Dom Pedro – SP Tel: (11) 3241-3328 e 3241-2263 Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI) Rua Brigadeiro Tobias, 527 3º andar – Luz – SP Tel: (11) 3311-3556 e 3315-0151, ramal 248

conta bancária. Entretanto, para fazer a alteração do seu nome e gênero, deve ir à seção de alunos do seu instituto, onde será passado para o Serviço de Graduação. Os institutos revelam experiências diferentes com o processo. A Escola de Comunicação e Artes, por exemplo, vivenciou apenas a alteração de documentos da Universidade baseada na alteração de documentos civis do estudante. O Serviço de Graduação da ECA está ciente da abertura para a mudança de nome social e gênero independentemente do acompanhamento da documentação civil atualizada, podendo aceitar pedidos de renovação de cadastros dos alunos trans. A mudança é feita no sistema da Universidade. Só então o aluno pode receber o atendimento do Serviço Social para a documentação atualizada. Segundo a Assistência Acadêmica do instituto, todo docente ou funcionário pode requerer a mudança do seu cadastro no serviço social da Universidade. Isso serve para todos os dados editáveis do sistema, sendo possível, inclusive, a adoção de apelidos nos cartões USP. Entretanto, de acordo com a funcionária entrevistada, para a mudança dos documentos oficiais do campus é necessária a alteração dos documentos civis primeiramente. Este ponto vai de encontro à legislação paulista. Aos servidores públicos, funcionários e professores da Universidade, o existe a proteção legal do decreto nº 55.588, em vigor desde 2010,

que dispõe sobre o tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de São Paulo. Assim, a pessoa interessada indicará, no momento do preenchimento do cadastro ou ao se apresentar para o atendimento, o prenome que corresponda à forma pela qual se reconheça, é identificada e denominada por sua comunidade e em sua inserção social, devendo assim ser reconhecida no seu ambiente de trabalho. Entretanto, ainda se mostra necessário, de acordo com o decreto, o uso do nome civil -- mesmo que acompanhado do nome social -em assuntos oficiais. Não houve, por parte da Universidade, qualquer política sócio-educativa que visasse o treinamento do Serviço de Graduação, onde a pessoa interessada na alteração deverá recorrer em primeira instância, para lidar com situações delicadas como esta, afim de evitar qualquer tipo de exposição e agressão. Desde modo, a pessoa interessada se encontra à mercê da capacidade de se ter uma visão holística e humanizada de quem a atenderá. De modo semelhante, a proteção na Cidade Universitária da comunidade à um ato de violência transfóbica parte da Guarda Universitária, dos agentes da Polícia Militar no campus e da equipe de seguranças terceirizados. Deste corpo, apenas a Guarda Universitária recebeu o curso de Formação de Direitos, Gêneros e Sexualidade,

organizado pelo USP Diversidade, que tem como objetivo “provocar reflexões acerca do comportamento policial neste tipo de abordagem”, e já citado aqui no Jornal. Na entrevista com o reitor Marco Antônio Zago, foi citado que os processos do uso do nome social dentro da Universidade seriam resolvidos na esfera da Pró-Reitoria de Graduação. O Jornal do Campus entrou em contato, mas não obteve resposta até o horário do seu fechamento. Muitas universidades como a UFSCar e a UFRJ já possuem políticas de acolhimento à comunidade trans nesse sentido. Entretanto, os alunos trans da USP não conseguem ter essa proteção e se declaram expostos e agredidos pela burocracia dos campi e pelo processo como um todo. Em casos de violência, denuncie! É recomendado o diálogo com os coletivos LGBT e os coletivos como o TRANS*a USP, que lhe darão apoio e proteção durante o processo. A denúncia destes casos pode ser feita através de cartas para a diretoria da unidade a qual a vítima pertence, de denúncias para a Ouvidoria e de informes para a Guarda Universitária. A Pró-Reitoia de Cultura e Extensão Universitária recomenda que o proceeso seja acompanhado da denúncia oficial, documentalizada num boletim de ocorrência. Para atendimento médico e psicológico, consulte a Rede de Defesa de Direito.

ECA faz 50 anos e sedia INTERCOM Com mais de 90 voluntários, o evento integra as pesquisas mais importantes do país ALEXANDRE AMARAL

Na semana de 5 de agosto, a Escola de Comunicações e Artes (ECA) sediará a 39ª edição do maior evento de comunicação do Brasil. Para a coordenadora local da INTERCOM, Rosely Fígaro, o fato do evento fazer parte das comemorações de 50 anos da ECA é uma maneira de “atestar a contribuição da Escola para os estudos de comunicação do país, sobretudo nos novos caminhos da educomunicação e do vínculo comunicação e artes.” O evento reunirá os maiores intelectuais da área e a diversidade cultural de todo o país. Mas, segundo Rosely, o grande foco do congresso é voltado para as pessoas, a fim de “entender Comunicação não só como a mídia, mas como todas as relações interpessoais.” Em outras edições do maior congresso de comunicação do Brasil, Andrea Limberto viajou para as diferentes cidades onde foi alocado; Rio de Janeiro, Curitiba, Foz do Iguaçu e até mesmo Manaus. Este ano será a primeira vez que ela coordena e media as sessões do Gru-

po de Pesquisa (GP) Comunicação, Mídias e Liberdade de Expressão. “Acredito que a pesquisa acadêmica tem a chance de responder da forma analítica que lhe é peculiar a diversos dos temas e questionamentos que têm assombrado nossa democracia,” afirma Andrea. “Acho que é dever do trabalho acadêmico mostrar engajamento com seu

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tempo e lugar. Espero que nos diversos grupos e no GP de Liberdade de Expressão em especial o espírito crítico esteja imperando.” Rosangela Martins é jornalista recém-graduada pela Universidade Nove de Julho. Ela é da Zona Sul de São Paulo. Esta será a primeira vez em que participará do evento e além de participar das discussões, também irá apresentar seu artigo científico na INTERCOM Júnior. “É natural sentir um pouco de frio na barriga, de ansiedade, mas o segredo de tudo é saber se controlar,” pondera Rosangela, que tem interesse em seguir pela área acadêmica. “Nenhuma emoção deve ser maior que o seu conhecimento, principalmente quando se vai apresentar um artigo em um evento importante como este. Mas claro, a sensação de felicidade é imensa.” Rosely relata que a equipe responsável já começou os preparativos do congresso desde o ano passado e que a realização do evento só foi possível graças ao Centro de Difusão Internacional, pré-

dio construído em frente a ECA, para comportar a magnitude da INTERCOM. Ao longo da semana do congresso, de 5 a 9 de agosto, chegarão a ser utilizadas até 71 salas simultaneamente, reunindo pesquisadores da América Latina. Eduardo Canesin já vai para sua segunda INTERCOM. Ele participa do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP) e do Grupo Jornalismo, Direito e Liberdade (IEA-USP/ECA-USP). Eduardo revela que é gratificante participar das discussões, receber sugestões e analisar se seu trabalho está de acordo com o que está sendo investigado por grandes teóricos e pensadores contemporâneos, mas crê que “o fator mais interessante da INTERCOM é a possibilidade de vermos a realidade do Brasil em toda sua riqueza e diversidade.” Rosangela concorda com ele. “É um momento não apenas de expor nossa pesquisa, mas principalmente de conhecer pessoas novas, de aprender com a diversidade dos outros, realmente, um intercâmbio cultural.”


UNIVERSIDADE

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | AGOSTO 2016

FOTO: BIANKA VIEIRA

Interrupção nas carreiras da USP?

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Atualização no Plano de Classificação de Funções agrupa mais de 100 funções e extingue outras ALEXANDRE AMARAL

Furtuoso Gomes trabalha na USP há 27 anos como eletricista. Há alguns meses, centenas de funcionários como ele receberam um e-mail informando que, com a atualização do Plano de Classificação de Funções (PCF), suas ocupações seriam extintas ou agrupadas em outras. No caso de Furtuoso, a função de eletricista, assim como as de vidraceiro, operador de caldeira e mais outras 14, seriam incorporadas na função ativa de auxiliar de manutenção/obras. Furtuoso se recusou a assinar o termo de mudança, pois considerava uma regressão na própria carreira, mas muitos outros funcionários aceitaram. No total, são cerca de 100 funções dos grupos básico, técnico e superior que serão agrupadas. O agrupamento da função de eletricista, assim como tantas outras, foi deliberado na última reunião da Comissão Central de Recursos Humanos (CCRH), realizada em 26 de outubro de 2015, como continuação de um longo processo de reformulação do PCF, criado em 1995. O ofício dessa reunião justifica que a mudança ocorreu para atender à legislação específica de atividades e para proporcionar maior mobilidade funcional aos servidores, mas a Diretora do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) e representante dos funcionários na comissão central de Recursos Humanos, Aneli Wada, discorda. Segundo Aneli, a Universidade teria contratado pessoas para exercer funções sem existirem as vagas de emprego público. “A Universidade tem autonomia, mas não tanta,” afirma. “A Assembleia Legislativa deveria aprovar os cargos e empregos públicos.” Segundo a diretora, a USP está fazendo agrupamento de funções e enxugando o quadro de funcionários paralelamente à lei em vigor nº 1074/2010 que de-

fine as funções do grupo básico, técnico e superior. Aneli defende que não existem regras claras para a mobilidade funcional, pois se houvesse , seriam necessárias entrevistas que levassem em conta os interesses e aptidões dos trabalhadores pela comissão responsável por sua avaliação, o que não ocorre. “O PCF é uma tentativa de ajustar o modelo da universidade naquele com que a reitoria sonha, na qual existe o docente, o estudante e pouquíssimos funcionários que vão tendo suas funções extintas ou agrupadas a cada dia”, afirma. “Há uma política nesse agrupamento, que é extinguir as funções, não contratar mais, terceirizar os serviços e enxugar o quadro.” A mudança pode também afetar a identificação, na carteira de trabalho. Mauricio José da Silva trabalha na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) há seis anos. Ele era técnico de recursos humanos, mas com a mudança, assinou o termo e se tornou técnico administrativo. Mauricio não concorda totalmente com a alteração, porque embora as funções agrupadas com a dele estejam no mesmo ambiente de trabalho, cada uma exige uma qualificação e um conhecimento adequados. Segundo Aneli, a falta desse treinamento resulta em trabalhos de baixa qualidade, caso o profissional não procure por si só uma qualificação. Mauricio relata que vários de seus colegas não gostaram da alteração de suas funções. “Se você está enquadrado dentro de determinado leque de funções, não tem como negar ou argumentar que não vai fazer por isso ou aquilo, sendo que está escrito na sua função,” afirma o técnico. Ele relata que ainda não teve dificuldade para realizar o que engloba a nova função, que consiste no gerenciamento de compras e da parte administrativa. Mauricio acredita que

“Nessas mudanças, quando uma pessoa muda de setor, tem que ter toda uma adequação e um treinamento para tal função, coisas que não acontecem.” — Mauricio José da Silva, técnico administrativo

essa mudança foi para dar mais agilidade na mudança de setor, sem haver alteração de função, caso algum outro setor com falta de funcionários solicite que ele vá trabalhar com eles. “Por um lado achei que foi legal, mas por outro, numa carteira de trabalho, o registro técnico administrativo não fica focado na sua real função, que é sua classificação.” O SINTUSP defende que o agrupamento de funções proporciona a destruição da carreira dos funcionários, além de conflitos trabalhistas e insatisfação dos trabalhadores. Ao não assinar o termo de mudança de função, Furtuoso orgulha-se do seu registro na carteira da Secretaria do Trabalho, que reconhece oficialmente sua função como eletricista. Considerando as outras tantas funções que seriam agrupadas na categoria de auxiliar de manutenção/ obras ele ainda afirma “a gente pode ajudar outra seção na hora de um socorro, dar uma mão numa emergência. Sem problemas, sempre fizemos isso. Agora, não podem dizer que não sou eletricista.” Furtuoso logo encerrará seus longos anos de trabalho, pois se inscreveu no segundo PIDV, mas não arreda o pé. “Eu pedi minha saída. E vou sair como eletricista.” Quando contatada pelo Jornal do Campus para prestar informações sobre a reestruturação do PCF, a seção de RH da Reitoria respondeu que sendo a matéria de competência da CCRH e que ainda não foi deliberado o modelo a ser adotado, ela não pode, por hora, prestar esclarecimentos sobre o tema. A discussão da reorganização do PCF, que seria realizada há duas semanas, no dia 17, foi transferida para uma reunião extraordinária da CCRH ainda sem data marcada. Sobre o jornalismo No anexo III do PCF, entre as funções reservadas para estudo, para definição quanto à sua manutenção, agrupamento ou extinção, aparece a de jornalista. O mesmo documento suge-

re que tanto os jornalistas quanto os analistas de comunicação agrupariam a função de editor. O Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da USP publicou em seu site uma manifestação contrária à medida. A nota distingue as funções do editor em redações jornalísticas e do editor de livros, além de questionar a reclassificação desta função na de analista de comunicação. O Departamento aponta não ter um curso superior que a classifique, e muito menos uma trajetória histórica relacionada ao desenvolvimento da sociedade contemporânea, como as profissões especializadas de comunicação social. Segundo a nota, o agrupamento deslegitimaria a própria graduação na USP. “Não é mero ato administrativo, pois carrega uma série de implicações sociais e simbólicas. Como a mesma instituição que forma profissionais de nível superior em jornalismo e editoração pode deixar de reconhecer a especificidade desses profissionais? Qual mensagem será dada à sociedade? A de que esses profissionais não são mais necessários e que, portanto, é melhor que esses cursos de graduação sejam extintos?” O Secretário Geral do Sindicato dos Jornalistas, André Freire, é contra o agrupamento. “O acúmulo de função é estressante para o trabalhador, desestabiliza a atuação do profissional e é contraproducente,” afirma. “Há uma mania de querer enxugar as redações de empresas jornalísticas. Estamos perdendo uma formação clássica que era ter toda uma equipe que funcionava em busca de uma boa reportagem.” “É estranho que um órgão de Estado provoque uma possibilidade certeira de desqualificação do trabalho”, continua. “O Estado tem que dar exemplo. Uma universidade que forma profissionais está reduzindo as possibilidades desses profissionais atuarem. É uma contradição absurda.”


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UNIVERSIDADE

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Comércio informal reprimido na EACH Casos de coibição por parte da administração reacenderam discussão sobre vendas no campus

No último dia 12, uma postagem no Facebook chamou a atenção do Grupo de Estudantes da EACH. Vinícius Felipe, aluno de Sistemas da Informação, denunciava a hostilidade que sofreu, por parte da administração da EACH, por vender alimentos no local. “Eu comecei a vender trufas de cone no meio do semestre passado, no intuito de pagar o ingresso do INTERCOMP (jogos organizados por atléticas de 12 universidades), mas as coisas começaram a ficar difíceis financeiramente em casa, então eu continuei a vender pra ajudar nas despesas do lar”, afirma Vinícius. “Comecei a vender minhas trufas todos os dias, a partir do segundo semestre desse ano, na frente da saida do bandejão”. De acordo com Vinícius, na quinta-feira, dia 11, seguranças da faculdade o abordaram, dizendo que “aquilo não estava nada discreto” e que possivelmente a guarda universitária confiscaria seus produtos. Logo no outro dia, tornaram a aconselhá-lo a sair dali, desta vez com a ameaça de abrir um processo administrativo contra ele. Após descobrir que a guarda havia sido acionada, o aluno decidiu compartilhar sua história com os alunos da EACH por meio das redes sociais. “Me senti injustiçado, porque aquelas trufas estavam sendo uma boa maneira de contornar a crise financeira em casa”, comenta. O texto publicado por Vinícius acabou surtindo efeito nos estudantes da EACH, e em pouco tempo surgiram novos vendedores que se aliaram a ele e começaram a vender diversos produtos na faculdade, e também relataram o mesmo problema. “Estou vendendo bolos na EACH faz alguns dias. Tive muitos problemas com os guardas. Nos pri-

meiros dias eles vinham pedindo pra ficar escondido, pois a cantina viu e reclamou”, declara Max Zorzett, estudante de Marketing. “Ameaçaram de confiscar minha mercadoria”, completa. Vinícius afirma não ter sofrido truculência por parte da segurança, porém ainda falta uma flexibilização por parte do estatuto do campus para permitir as atividades comerciais pelos alunos. “Uma imensa quantidade de pessoas estava comentando sobre a cantina”, declara. “Ela que é estranha aqui, eu sou aluno dessa universidade”. De acordo com alunos, o monopólio da cantina no instituto é prejudicial pois faltam opções, que afetam principalmente a quem fica o dia inteiro no local. “Eu sou vegana. A cantina não tem opção pra mim”, diz a estudante de Têxtil e Moda Luma Arruda. “Eu não tenho uma opção minimamente saudável, [...] é muito absurdo, ainda mais na EACH, que se propõe a ser diferente do resto da USP, mas você vê que aqui se usa o mesmo sistema que tá funcionando em todos outros lugares”. Além disso, as vendas também se relacionam com a questão da permanência estudantil. Com a escassez ou mesmo a proibição de estágios em certos cursos, além da rotina intensa que obriga alguns a ficar na faculdade durante grande parte do dia, as vendas são a opção mais plausível ou mesmo a única para se manter financeiramente durante o curso. O contexto geral Este conflito levanta a questão das vendas informais dentro dos campi. No ano de 2014, a reitoria passou a proibir a venda de bebidas alcóolicas dentro da universidade, o que gerou reclamações por parte das átleticas, que alegaram que as festas realizadas no campus compunham grande parte de sua

FOTO: VITOR ANDRADE

VITOR ANDRADE

renda, que por sua vez era convertida em ajuda para os times e realização de campeonatos. Próximo ao bandejão central da Cidade Universitária é possível ver a grande quantidade de barracas vendendo livros, alimentos, roupas e outros artigos. Boa parte destas vendas é feita por moradores do próprio Crusp, que também alegam que suas vendas são importantes para sua permanência da universidade. William Kita, líder da Guarda Universitária na EACH, afirma que é expressamente proibido que sejam realizadas vendas de maneira não-licenciada em qualquer área do campus. “É assim que somos orientados, de acordo com o protocolo da universidade”, diz Kita. “Não agimos sozinhos”, complementa. Ainda de acordo com o líder, é necessário que haja um acordo com a administração da universidade para que qualquer tipo de comércio seja feito. Porém não é necessário firmar contrato de concessão, havendo espaços em que os alunos podem entrar para fazer vendas mesmo informalmente. “Por exemplo, no Grêmio dos Funcionários, o próprio aluno pode conversar com a administração pra poder vender lá”. Já o administrador da cantina, Marcelino Pedroso, afirma que as denúncias não vieram

“Me senti injustiçado, porque aquelas trufas estavam sendo uma boa maneira de contornar a crise financeira em casa”. — Vinicius Felipe, aluno de Sistemas da Informação

dele, e que a proibição vem por parte da prefeitura da USP. “Nunca falei nada pra eles, [...] e também não apoio que haja nenhuma ameaça”, afirma. “Só falo que a responsabilidade no caso de alguma intoxicação de aluno, eu não tenho nada a ver com isso.” Quando contatada, a administração também frisou a questão da regulamentação na distribuição de alimentos: “A preocupação com a saúde é algo sério. A responsabilidade por qualquer problema cai na universidade. O comércio no espaço público tem regras definidas, não apenas aqui, mas na cidade toda”, explica Marcos André, assistente técnico da EACH. “Tem toda uma regra na questão de alimentação que precisa ser obedecida. A guarda não pode confiscar ou pedir um processo, ela faz a orientação, e nossos guardas são preparados”, afirma Andréia Pedroso, analista acadêmica da Escola de Artes, Ciências e Humanidades. “A licitação foi feita quatro anos atrás. Na época, houve a preocupação de ter um prato vegetariano, não um vegano, mas é algo a se pensar na próxima licitação”, diz Andréia. “A escola está trabalhando pra ter mais opções, mas não é uma coisa tão fácil. Estamos com um processo em andamento internamente para termos alternativas, como, por exemplo, máquinas de alimentação. A administração está sim preocupada com isso.“ Sobre a questão da permanência, a administração afirma que é possível chegar a um acordo por meio do diálogo. “Os alunos precisam apresentar sua demanda, que gostariam de espaço, que gostariam de vender. Com essa necessidade proposta e oficializada, nós temos orgãos aos quais vamos consultar, e a partir daí conversamos”. FOTO: VITOR ANDRADE

O estudante Vinicius Felipe começou a vender trufas em cone para complementar sua renda, mas encontrou resistência por parte da administração da EACH.


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7 FOTO: LIZ DÓREA

Daniel Brito, estudante da FFLCH

Ajuste de turmas contraria estudantes Lotação de salas, autonomia discente e ordenamento departamental se conflitam na Letras LIZ DÓREA

Quase 5000 estudantes regularmente matriculados. É essa a dimensão do curso de Letras: o maior de toda a Universidade de São Paulo. O número espantoso de alunos, não por acaso, exige uma dinâmica incessante de organização de turmas, já que muitas matérias são ministradas por mais de um professor e os calouros que ingressam a cada novo ano letivo precisam ser devidamente distribuídos entre eles. A sistemática, porém, não está livre de dilemas e o primeiro semestre de 2016 foi especialmente conflituoso. “Consegui me matricular em apenas uma das quatro disciplinas obrigatórias de minha grade na primeira e segunda interações”, relata uma aluna do primeiro semestre. “Até tive minha vaga garantida nessas matérias. Mas não necessariamente com os professores que escolhi.” A caloura explica que foi impedida de fazer requerimentos para as turmas lotadas de determinadas disciplinas, e acabou realocada naquelas que possuíam vagas sobrando. Alguns estudantes da graduação acusaram arbitrariedade nessa medida de distribuição de turmas. Ao telefone, porém, a professora titular e chefe do departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Marli Quadros Leite, esclarece que essa sistemática opera em toda a Universidade e representa um aperfeiçoamento do sistema. “Disciplinas obrigatórias que não alcançaram o teto de lotação vão receber requerimentos. As superlotadas, não”, conta. “Semestre passado, tínhamos 3955 alunos matriculados nas

disciplinas desse prédio. É muita gente. Uma organização administrativa mínima é necessária.” Em razão do largo contingente de alunos, a maioria dos cursos da FFLCH carecem de mais de um professor por disciplina. Nem todos as unidades da USP sentem o impacto dessa necessidade. Na Letras, porém, essa condição é central para compreender o caso: a preferência expressiva dos alunos por certos docentes em detrimento de outros também condiciona o remanejamento. A aluna ingressante, na mesma conversa, defendeu que esse não é um fenômeno aleatório. “As pessoas não deixam de se inscrever arbitrariamente”, afirma. “Elas simplesmente não querem cursar uma matéria dada por um professor com um histórico negativo, seja de reclamações ou de reprovação de turmas. Se um professor mais desejado aceita cinco pessoas a mais em sua turma, por exemplo, ele sabe que pode dar conta. Não faz sentido bloquear.” Marli Quadros argumenta que, apesar das predileções, todos os docentes provaram qualificação para o cargo. “São doutores, bem formados e concursados. Não há motivo para rejeitar esse ou aquele. Mas é o que acontece quando há uma sala esvaziada e outra transbordando”, justifica. “Não raro, um professor de mais fama ou popularidade que dispõe de sessenta vagas ministra para oitenta alunos, enquanto outro da mesma disciplina - tem apenas cinco inscritos.” No exercício do cargo de chefe de um dos departamentos da unidade, a professora titular relata ser usual, nesse trabalho administrativo, que professores ve-

“Mesmo quando alguns professores se sensibilizaram com a situação e tentaram intermediar uma reunião, não obtivemos nenhuma resposta da chefe do departamento.” — Daniel Brito, representante discente da FFLCH

nham até ela para tentar mitigar problemas dessa natureza. Marli acrescentou que os estudantes podem explorar o mesmo método. “Se há algo para ser resolvido, os representes discentes deveriam procurar os coordenadores de curso ou mesmo os chefes de seus departamentos para reportar o problema”, aponta. Entrevistado pelo Jornal do Campus, Daniel Brito, aluno do sexto semestre e representante discente da FFLCH, discorda que o debate esteja tão a serviço dos estudantes. De acordo com ele, as tentativas de dialogar com a chefe do departamento foram inócuas. “Levamos o tema para a congregação, onde fiz um pedido face-a-face para que a professora recebesse uma comissão de alunos pra explicar o que está acontecendo. O pedido foi ignorado”, revela. “Eu me sinto perplexo com essa devolutiva que nega a discussão com os alunos dum tema acadêmico tão importante”, manifesta. “Mesmo quando alguns professores que sensibilizaram com a situação e tentaram intermediar uma reunião, não obtivemos nenhuma resposta da chefe do departamento. Aí as pessoas ficam se questionando o porquê de métodos mais radicalizados na Letras. Esse é o principal motivo: falta de diálogo.” Diante dos apontamentos, a professora Marli Quadros ressalta: “Em primeiro lugar, dirijo apenas um dos departamentos da Letras e esse não é um problema exclusivo do meu, tampouco fui responsável por implementá-lo. Ainda assim, os outros chefes de departamento não são abordados. Parece a mim uma questão pessoal e política”, suge-

re. Sobre o tema da democracia entre os corpos discente e institucional, a professora titular também é categórica. “Eu dialogo com quem me procura. Esses estudantes não têm o direito de me convocar por Facebook, nem o de pensar que vão falar o que querem e ouvir o que querem. Vão ouvir o que eu preciso falar em nome da verdade e da justeza. E se se dirigirem a mim, pessoalmente ou por escrito, eu vou responder nas condições aceitáveis pras duas partes.” Então, o último nó da história é compreender os critérios que conformam o ajuste de vagas nas turmas mais disputadas. Na palavra daqueles que não conseguiram, uma dúvida se abriga: como ocorre a distribuição dos alunos em cada disciplina? A resposta é igual para a USP inteira. O Júpiter, sistema virtual que computa as matrículas da graduação, opera segundo uma lógica de prioridades ordenadas de 1 a 9. Em contextos como esse, nos quais a demanda por determinada turma é superior ao número de vagas ofertadas para atendê-la, serão favorecidos, em primeiro lugar, os alunos em período ideal. No segundo plano, ficam aqueles atrasados com um, dois, três e quatro anos, respectivamente, no tempo de curso da disciplina. Por último, estão os alunos que pretendem adiantar, respectivamente, um, dois, três e quatro anos do período regular da matéria. Embora se garanta que os alunos não sofrerão prejuízos acadêmicos de nenhuma natureza, a questão ainda deve concorrer à pauta do dia nos corredores da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo.


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USP descumpre meta da Lei de Responsab

No ano de 2013, a Universidade gastou R$ 700 milhões a mais do que o estipulado com rem LUIZA QUEIROZ

No dia 16 de agosto, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) rejeitou, por unanimidade, a prestação de contas da Universidade de São Paulo (USP) no ano de 2013, com base no relatório que apontou irregularidades fiscais. Segundo o documento, a USP gastou mais do que o estipulado pela lei (75% do orçamento anual) com despesas de pessoal. Além disso, o relatório aponta que a USP não dispõe do custo anual de cada curso, desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal. A rejeição da prestação de contas levou a uma multa de R$23,5 mil a João Grandino Rodas, ex-reitor da USP que exercia o cargo em 2013. As contas de 2008 (gestão de Suely Vilela) e de 2011 (gestão de Rodas) também não foram aprovadas pelo órgão. As de 2009 (gestão de Suely Vilela até novembro) e de 2010 (gestão de Rodas) ainda estão pendentes. O relatório do TCE aponta que houve “comprometimento de 105,5% das receitas oriundas do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) com despesa de pessoal e encargos sociais.”. Além disso, foram concedidos reajustes salariais acima dos índices de inflação aos docentes e demais funcionários, o que, segundo o documento, “certamente contribuiu para agravar a situação relativa às despesas de pessoal da USP. Ademais, a concessão de reajustes salariais por atos do CRUESP [Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo] contraria o artigo 37, X, da Constituição Federal, que exige lei específica”. Foram constatadas, ainda, irregularidades com relação a acúmulo de cargos dos docentes (a USP relatou 627 casos de acúmulo de cargos, empregos ou funções, assim como 25 ocorrências de funcionários que receberam dupla remuneração por possuir tanto cargo de docente quanto o técnico-administrativo). Algumas das justificativas apresentadas pela USP no relatório para o aumento das despesas de pessoal foram: a ampliação do quadro funcional, implantação da nova carreira dos funcionários técnico-adminstrativos, concessão de benefícios de auxílio-alimentação, entre outros. Benefícios Questionado sobre os benefícios de auxílio-alimentação, apontados como uma das razões para o o déficit da universidade, o ex-reitor Rodas afirmou que a politica de concessão desse e de outros

benefícios é algo implementado por gestões anteriores e que “a gestão 2010/2013 não criou nenhum outro benefício; limitou-se a fazer correções anuais seguindo índices específicos” e que, sobre a ampliação do auxílio alimentação, foi “mais barato para a USP pagá-lo aos docentes, do que aumentar as cozinhas da Universidade, cuja implantação, ademais, demandaria muito tempo”. O ex-reitor ressaltou também que os benefícios vêm sendo mantidos pela atual reitoria, não tendo ocorrido cortes nem diminuição dessas concessões. Rodas afirma que “lei sugere o limite de 75% para despesas com pessoal, mas não fixa limite mandatório”. Isso verifica-se no trecho do Decreto nº 29.598, artigo 2º: “recomenda-se que as despesas com pessoal não excedam a 75% dos valores liberados pelo Tesouro do Estado às Universidades Estaduais Paulistas”. O ex-reitor acrescenta também que, desde que obtiveram autonomia orçamentária, os custos com funcionários das três Universidades paulistas – Unesp, Unicamp e USP – “em pouquíssimos exercícios anuais ficou abaixo de 75%; normalmente eles estiveram entre 80 e 90%”. Além disso, Rodas ressalta que os orçamentos das três instituições de ensino estão atrelados à arrecadação do ICMS, cuja receita caiu devido à desaceleração econômica. Quanto à concessão de reajustes salariais acima dos índices de inflação, Rodas afirma que a decisão foi tomada pelo CRUESP, não sendo, portanto, de sua responsabilidade individual. Análises Para o professor de direito econômico, financeiro e tributário Fernando Facury Scaff, da Faculdade de Direito da USP, a situação de contas e despesas da USP não pode ser analisada de maneira isolada. O docente explica que a avaliação do Tribunal estaria equivocada pois a USP, sendo uma instituição de ensino que precisa de funcionários qualificados e em grande quantidade, não pode ter suas despesas com pessoal avaliadas pelos mesmos critérios que outras unidades públicas. “Para fazer uma Universidade, você precisa de gente qualificada. As universidades como a USP não podem ter o mesmo tratamento jurídico, financeiro que têm as demais unidades do setor público”, afirma. “A aplicação da norma está sendo feita de uma maneira inadequada pelo Tribunal, porque ele não

“Tendo responsabilidade fiscal, a USP não estaria passando por esse problema financeiro.” — Valmor Slomski, professor da FEA

está levando em consideração a diversidade. Portanto, ele não deveria olhar isoladamente a autarquia USP, e sim olhar todo o Estado”. Entretanto, para o professor de contabilidade e atuária Valmor Slomski, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP), a USP precisa de um planejamento orçamentário a longo prazo, que não fosse restrito apenas aos quatro anos de gestão. “A USP tem que criar mecanismos que façam com que o reitor não possa tomar decisões antes de observar claramente qual o impacto de sua decisão no resultado orçamentário futuro da USP”, ressalta Valmor. “A receita da USP está atrelada ao movimento econômico, porém a despesa só cresce”. O professor acrescentou que essa falta de planejamento a longo prazo se reflete também nas diversas obras inacabadas dentro do campus universitário. “A USP me parece que não planeja adequadamente antes de iniciar uma obra, e que isso já não poderia mais persistir”. O docente criticou também a demora que a Universidade apresenta em adequar-se à Lei de Responsabilidade Fiscal. “Evidentemente, a USP é de antes da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se esse padrão de 75% foi definido pelo Tribunal ou pelo governo do Estado já em 2000,

Falta de verba atrasa LEONARDO MASTELINI

Desde que o Museu da Arte Contemporânea (MAC) foi transferido para o Ibirapuera, sua antiga sede na Cidade Universitária enfrenta um período de irresolução. O prédio, localizado no campus Butantã, foi concedido à Escola de Comunicações e Artes (ECA) no fim do ano passado, mas necessita de adequação orçamentária para adaptar-se às novas atividades. De acordo com a diretora da ECA, Margarida Kunsch, o local aguarda por serviços como segurança, limpeza e realização de obras nas instalações para ser ocupado de forma plena. O espaço, que deverá ser utilizado pelos departamentos de Artes (Música, Artes Cênicas e Visuais) para exposições, laboratórios e oficinas da graduação e da pós, só deverá iniciar suas atividades completas após o atendimento das solicitações, ainda sem data definida para acontecer. “Os trâmites que envolvem sua nova utilização por parte

da ECA demandaram um tempo maior do que se poderia imaginar”, afirma Kunsch. Segundo ela, a Escola tem mantido contato constante com os órgãos da Reitoria, com a qual teve reunião no início deste mês para discutir a permanência diária de vigilância e controladores de acesso no local. “A recolocação de funcionários para atender esta demanda já foi autorizada e está sendo providenciada para início previsto em setembro”, diz. Outro problema é a permanência de parte do acervo do MAC, que continua em seu espaço antigo devido a problemas de infiltração na nova sede. O atual diretor do Museu, o biólogo Carlos Brandão, relatou que as providências já estão sendo tomadas para que reserva técnica do Museu de Arte Contemporânea seja transferida para o Ibirapuera. Questionada, a assessoria da Reitoria informou que a liberação total do prédio está prevista até o final do ano de 2017.


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bilidade Fiscal e TCE aponta irregularidades

muneração de funcionários. Situação orçamentária intensifica tensão entre Zago e ex-reitor FOTO: ISABELLA SCHREEN

estando em 2016, deveríamos ter trabalhado para adequar essa despesa aos níveis estipulados pela Lei. Porque tendo responsabilidade fiscal, a USP não estaria passando por esse problema financeiro”. Desdobramentos A situação financeira da USP levou também a um desentendimento entre Rodas e o atual reitor, Marco Antonio Zago, que instaurou processo interno para apurar o aumento das despesas ocorridas entre 2009 e 2014, o que poderia levar à cassação da aposentadoria do ex-reitor. A citação do processo afirma que Rodas “desconsiderou a opinião de técnicos, diretores executivos, ou não determinou que estudos e levantamentos de planejamento orçamentário obrigatório fossem realizados”. O documento afirma também que Rodas deixou de ouvir o Conselho Universitário, órgão de instância máxima, no que diz respeito às decisões orçamentárias. O processo administrativo, porém, foi anulado pela Justiça devido à presença de Maria Sylvia de Pietro na presidência da Comissão processante. Segundo a decisão judicial, pelo fato de Maria Sylvia ser professora aposentada da USP, sua nomeação para a comissão seria inadequada. A nomeação da docente foi questionada também pelo fato de que Ma-

ria Sylvia já havia assinado dois documentos contrários a Rodas, o que poderia comprometer sua imparcialidade. Rodas afirma que, por essas razões, representou à Comissão Geral de Ética do Estado de São Paulo as “irregularidades éticas que o reitor Zago incorreu”, criticando a atual gestão, alegando que “nunca houve tentativa tão insidiosa de dividir a Universidade, jogando docentes contra funcionários técnico-administrativos; bem como de desmontar a USP, em todo o sentido” e que “nunca se instauraram processos administrativos, sem base legal legítima e contrariando a ética”. Além disso, João Grandino Rodas afirmou, com relação ao julgamento das contas pelo TCE, que um reitor que termine seu mandato não tem possibilidades de conceder ao TCE as explicações que considere necessárias a menos que o atual reitor o consulte, o que, segundo Rodas, não foi feito. “Dessa maneira, o TCE julgou unicamente com base em dados colhidos pelo próprio Tribunal e nas informações foram fornecidas pela gestão Zago, cujo mote foi e continua sendo o de que a ‘USP foi quebrada pela gestão anterior’”. Procurada pela reportagem do JC, a atual reitoria afirmou que não se manifestará sobre o assunto.

projetos e antiga sede do MAC segue inutilizada “É o melhor presente de 50 anos que a ECA poderia ter.” — Margarida Kunsch, diretora da ECA

Sonho das Artes Para o chefe do Departamento de Artes Cênicas (CAC), Marcelo Denny, o prédio é uma importante opor-

tunidade para integrar os ensinos das Artes. Segundo ele, unir as atividades de Música, Artes Cênicas e Visuais sob o mesmo teto contribui para o hibridismo, forte característica da

arte contemporânea e antigo desejo das Artes. “É o melhor presente de 50 anos que a ECA poderia ter”, afirma. Membro da comissão responsável por estudar o uso do

novo espaço, Denny diz que, futuramente, o local também deverá oferecer cursos de extensão e programações culturais voltadas aos moradores do Conjunto Residencial da USP (CRUSP). FOTO: LIZ DÓREA

Apesar da demora no atendimento às demandas, a ECA tem utilizado o espaço para a realização de algumas atividades. Os formandos das Artes Plásticas e Visuais, por exemplo, expuseram seus trabalhos finais entre os meses de dezembro e março. “A utilização está sendo feita aos poucos”, explica Kunsch. “Tudo irá depender das condições de segurança e manutenção e a liberação dos espaços”. Para projetos que exigem mais recursos, como palco com luzes e camarins, a arquitetura do prédio ainda é ineficiente. De acordo com a assessoria da Reitoria, não há estimativa de custos quanto às solicitações de reformas e obras dos espaços, que serão atendidas na medida da disponibilidade técnica da Superintendência do Espaço Físico (SEF) da Universidade.


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CIÊNCIA

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Conter o desmatamento não é suficiente Estudo internacional adverte sobre possíveis efeitos das ações humanas em florestas tropicais ações humanas que de alguma forma desarranjam a ordem natural das florestas. Segundo os pesquisadores, é preciso repensar as leis e estratégias de conservação das florestas tropicais, uma vez que os efeitos das perturbações antropogênicas resultam em perda de biodiversidade comparável àquela causada pelo desmatamento. O estudo “Perturbação antropogênica pode ser tão importante quanto o desmatamento na condução de perda de biodiversidade tropical” mediu o impacto das ações humanas a partir da análise de 1.538 espécies de árvores, 460 de aves e 156 de besouros encontrados na Amazônia paraense. O professor Silvio Ferraz, docente da Esalq e um dos cientistas que integraram a pesquisa, conta que houve intenso trabalho de campo nas florestas dos municípios paraenses de Paragominas e Santarém por cerca de um ano. O estado foi escolhido por apresentar um gradiente de pertur-

JULIANA BROCANELLI

Nem só de combate ao desmatamento sobrevivem as florestas tropicais. Estudo assinado por 18 instituições internacionais, dentre elas a Escola de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da USP, mostrou que é preciso considerar outras ações humanas sobre a perda da biodiversidade da Floresta Amazônica. Exploração madeireira ilegal, incêndios florestais, poluição do meio ambiente e fragmentação de áreas florestais remanescentes são o que os cientistas chamam de “perturbação antropogênica”; ou seja,

ILUSTRAÇÃO: NATALIE MAJOLO

bações ainda recente, o que, segundo Ferraz, o torna ideal para este tipo de estudo. Parceria internacional Publicado na Nature, principal revista científica internacional, o estudo é fruto da Rede Amazônia Sustentável (RAS), um consórcio de instituições brasileiras e estrangeiras, coordenado pela Embrapa Amazônia Oriental, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade de Lancaster (Reino Unido) e Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia). De acordo com Ferraz, o grupo inicial foi formado por pesquisadores da Embrapa, Reino Unido e USP e vários outros pesquisadores se associaram ao longo do projeto. “A USP participou do delineamento experimental, processamento de dados, análises e redação do artigo final”, esclarece o professor. Questionado sobre o financiamento do estudo, Silvio Ferraz não confirma a participação da USP, mas garante que ele veio de “diversas fontes”. Espécies ameaçadas A pesquisa também mostrou que as

espécies com risco de extinção iminente foram as mais atingidas pelas perturbações causadas por atividade humana. Mais de 10% das espécies de aves do planeta estão abrigadas no estado do Pará, sendo que muitas delas são endêmicas – restritas à essa região – o que agrava a situação. Conhecido pela riqueza de sua fauna e flora, o Brasil tem travado uma luta contra a extinção de suas espécies nativas. O número de animais ameaçados de extinção aumentou 75% entre 2003 e 2014, segundo dados de 2014 do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O MMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) apontam que mais de mil animais estão nessa situação, no País. Em contagem feita pelo Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO), o Brasil figura como segundo país mais rico em aves do planeta, com 1.832 espécies. Apesar disso, o país também está no topo de países com o maior número de aves em ameaça, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Vacina contra o Zika será testada em humanos em outubro LUIZA MISSI

A epidemia no Brasil No último boletim epidemiológico publicado no Portal da Saúde, o governo federal divulgou que foram calculados 78.241 registros comprovados de febre decorrente do vírus Zika. No total, são 174.003 casos prováveis, uma incidência de 85,1 infectados a cada 100 mil habitantes. 14.739 deles são gestantes, dos quais são 6.903 os casos confirmados por critério clínico-epidemiológico ou laboratorial. A preocupação específica com gestantes se deve à possibilidade de microcefalia e má formação do feto em decorrência da doença. Ao final de julho, eram 1.749 os casos de microcefalia resultante de infecção congênita - o que não inclui somente a febre por Zika vírus. Foram registradas 106 mortes confirmadas de microcefalia após o parto ou durante a gestação, e 200 continuam em investigação.

Os dados divulgados pelo Ministério da Saúde começaram a ser coletados em outubro de 2015. Durante o inverno, o tempo seco e as temperaturas mais baixas dificultam a proliferação de mosquitos, inclusive o Aedes aegypti, vetor da doença. Ainda assim, recomenda-se que os cuidados e a prevenção não sejam deixados de lado.

Febre pelo vírus no Brasil 174.003

(

casos prováveis 85,1 casos 100 mil habitantes em

78.421

casos confirmados

)

2.251

municípios

Incidência (/100 mil habitantes)

Tocantins 166,1 Bahia 315,8 Mato Grosso 610,8

Rio de Janeiro 278,1

São Paulo 11,8 *dados coletados até julho de 2016

ARTE: ANDRÉ CALDEROLLI

Uma colaboração que envolve a universidade de Harvard e diversos institutos da USP obteve sucesso ao testar algumas versões da vacina do Zika em macacos do gênero Rhesus. Em fevereiro deste ano, a Organização Mundial da Saúde decretou emergência internacional em decorrência dos casos de microcefalia ligados à febre decorrente do vírus. Dado o destaque que a imprensa internacional deu à pauta, cresceram os esforços dos pesquisadores de universidades do país inteiro em busca de uma vacina. A vacina está em desenvolvimento no Centro de Virologia e Pesquisa em Vacina de Harvard, numa colaboração que envolve diferentes institutos da USP, como o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, além do próprio Instituto Butantã. O pesquisador Paolo Zanotto, do ICB, ressalta o aspecto colaborativo da pesquisa: “[Eu e o pesquisador Jean Pierre Peron, também do ICB] estamos colaborando com um grupo em Harvard, mas nosso interesse é nos modelos biológicos deles. Aqui em São Paulo, há esforço importante em desenvolver vacinas”. Em junho, o grupo realizou testes em camundongos e também obteve sucesso. A vacina apresentou 100% de proteção, o

que significa que após o contágio os animais não apresentaram sinais do vírus. Os animais foram expostos a variedades de Zika provenientes tanto do Brasil quanto de Porto Rico, que em agosto declarou estado de emergência por registrar mais de 10 mil casos da doença. Depois deles, os testes em primatas são necessários por conta da maior proximidade com o organismo humano. Em outubro, o grupo dará início aos testes clínicos em humanos.


EM PAUTA

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Paradesporto traz inspiração para deficientes Com o início das Paralimpíadas, chega também um momento de visibilidade para os paratletas A proximidade dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro voltou a colocar o esporte adaptado em pauta nas discussões, nas matérias jornalísticas e nas campanhas publicitárias. Um exemplo negativo dessa repercussão foi o polêmico caso da revista Vogue Brasil em associação com a Agência África, no qual os atores globais Cleo Pires e Paulo Vilhena foram retratados com os corpos de dois paratletas e provocaram críticas pela falta de representatividade das pessoas com deficiência. Em contrapartida, o aumento da cobertura midiática – ainda que tímido ou impreciso – pode ter contribuído para modificar a situação dos ingressos do Jogos Paralímpicos. A procura pelos 2,5 milhões de ingressos disponíveis para os eventos era baixa – sequer a cerimônia de abertura estava esgotada – até o último dia dos Jogos Olímpicos, mas, na semana subsequente ao encerramento, recordes de vendas foram batidos e o evento já superou a marca de um milhão de ingressos vendidos. O interesse pelo esporte paralímpico – no qual o Brasil é consideravelmente mais vitorioso em relação ao esporte olímpico – parece ter crescido no imaginário da população brasileira. A uma semana do início dos Jogos, o JC conversou com os responsáveis e com os alunos do curso de natação inclusiva (CNI) da EEFE-USP para saber se esse interesse também se reflete nas pessoas com deficiência e nos profissionais da área. Inspiração e saúde Uma das principais esperanças de medalhas para o Brasil nas Paralimpíadas de 2016 é Daniel Dias, dono de 16 medalhas – 11 de ouro, conquistadas em Pequim e em

Londres. O nadador paulista é também o primeiro nome que vem à mente dos alunos do CNI quando o assunto é inspiração. Vanessa Teixeira, que há mais 2 anos faz parte do curso de natação inclusiva, já foi do mesmo clube que Daniel e garante que vai acompanhar os Jogos Paralímpicos. Para ela, apesar dos problemas políticos, a inédita realização do megaevento no Brasil é “super importante” para o país. A nutricionista de 32 anos, que desde criança pratica a natação, já chegou a competir fora do país, fazendo parte inclusive da seleção brasileira em sua categoria. Hoje, ela nada apenas por diversão e saúde, e se considera uma “atleta aposentada”. Um dos colegas de Vanessa nas terças e quintas de manhã é um funcionário da USP que, apesar de não ter deficiência, possui um problema na coluna e buscou o CNI como forma de tratamento complementar. Para ele, a prática do esporte por pessoas com deficiência “[os] valoriza como pessoas, além de favorecer a parte física” e a convivência com os outros colegas é “bem agradável”. “[A realização dos Jogos Paralímpicos no Brasil] é fantástico, o Brasil deveria investir mais em Olimpíadas e nas Paralimpíadas também. Essas pessoas [com deficiência] merecem isso. É um incentivo a mais estar sendo aqui no Brasil”, finaliza o aluno. Colega de raia do funcionário da USP, Marcos Caelles diz se impressionar com os paratletas. “A gente fica bobo de ver eles nadando, de ver até onde eles chegam”, diz. Aos 54 anos, o aluno do CNI coleciona medalhas de natação e resultados expressivos em corridas de longa distância, com participações na São Silvestre, a principal maratona do Brasil. O paulistano, que começou a praticar natação

FOTO: ISABELLA SCHREEN

RAFAEL OLIVEIRA

Atletas paralímpicos superam as dificuldades e conquistam representatividade para os deficientes

“Praticar esporte oferece a este grupo a oportuniudade de vislumbrar e passar por experiências da vida de forma plena”

— Elisabeth de Mattos, idealizadora do curso de natação inclusiva da EEFE-USP

Paralimpíadas

Olimpíadas

Faixa de preços da cerimônia de abertura

R$ 100,00 a

R$ 200,00 a

R$ 1200,00

R$ 4600,00

Posição do Brasil em 2012

22º

43

17

Número de medalhas em 2012 Ingressos vendidos a duas semanas da abertura

20%

80%

Apesar de alta na visibilidade, Paralimpíadas continuam menos desvalorizadas que as Olimpíadas

como forma de tratamento a sua deficiência motora, diz ficar “de olhos inchados” com a emoção de ver os paratletas nadando. “Eu acompanho bastante, [especialmente] as pessoas que têm a mesma deficiência que eu. A gente fica de boca aberta. Esporte é uma coisa que estimula a gente.” A professora Elisabeth de Mattos, responsável pelo curso, compartilha da opinião de Caelles. “Ao praticar atividades físicas, a pessoa com deficiência transforma sua rotina diária e beneficia a saúde do corpo e da mente”, explica. Além dos benefícios para o corpo – já que a prática orientada contribui para prevenir enfermidades secundárias à deficiência –, Elisabeth ressalta que o esporte para pessoas com deficiência “promove a integração social, levando o indivíduo a descobrir que é possível, apesar das limitações, levar uma vida ativa e saudável. As aulas de natação inclusiva na EEFE-USP iniciaram-se em 1995 por iniciativa da professora Elisabeth de Mattos, que desde então é a responsável pelas atividades do curso. Inicialmente, as aulas eram destinadas apenas para deficientes físicos, mas hoje o CNI também aceita deficientes intelectuais e pessoas que não são deficientes, mas possuem problemas de saúde e recebem recomendação médica para a prática da natação. Além disso, parentes ou amigos que sejam responsáveis pelo deslocamento dos deficientes até o curso também são bem-vindos à piscina da Escola de Educação Física e Esporte da USP. As inscrições para o primeiro semestre de 2017 serão abertas nos primeiros dias de janeiro e o valor fica em torno de 300 reais. História do paradesporto O esporte é repleto de histórias emocionantes. Vitórias improváveis, esforços recompensados e muitas doses de superação. Impossível esquecer-se de Gabrielle Andersen em 1984, por exemplo. A suíça, que na maratona dos

Jogos de Los Angeles completou os últimos duzentos metros da prova exausta e cambaleante, tornou-se a representação maior da superação nos Jogos Olímpicos. Esses elementos, intrínsecos ao esporte, tornam-se ainda mais latentes quando o paradesporto entra em cena. Exemplo disso é a tão inesquecível quanto inesperada vitória de Alan Fonteles sobre o então imbatível Oscar Pistorius -- que participara semanas antes dos Jogos Olímpicos, ao lado de atletas sem deficiência -nos 200m T44, em Londres 2012. Para que o esporte adaptado alcançasse o alto nível competitivo, com próteses de alta tecnologia e participação de paratletas nos Jogos Olímpicos, porém, quase 70 anos se passaram desde o início do paradesporto. A história do esporte adaptado confunde-se com o fim da Segunda Guerra Mundial. À época, Ludwig Guttmann, um neurologista alemão exilado na Inglaterra, começou a utilizar a atividade esportiva como mecanismo de reabilitação para soldados que retornavam da guerra com sequelas provenientes de lesões medulares. Com o desenvolvimento de sua experiência, em 1948 foram realizados os primeiros Jogos de Stoke Mandeville, cujo nome faz referência ao hospital inglês em que os soldados se recuperavam. Doze anos depois, Roma -que havia sediado os Jogos Olímpicos de 1960 apenas alguns dias antes -- recebeu 400 atletas de 23 países na nona edição dos Jogos de Stoke Mandeville, no que foi considerado a primeira edição dos Jogos Paralímpicos. Desde então, o movimento paralímpico tem se fortalecido e se expandido. Em sua décima quinta edição, no Rio de Janeiro, os Jogos Paralímpicos terão o recorde de 4500 atletas de 176 países -- um aumento substancial em comparação com os Jogos de Roma. O Brasil também levará delegação recorde, com 278 atletas -- 181 homens e 97 mulheres -- nos 22 esportes que comporão essa edição.


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ESPORTES

SEGUNDA QUINZENA | AGOSTO 2016 JORNAL DO CAMPUS

Jogos integram campi

Remo e

Torneio Imeacheca une faculdades de humanas e exatas e prepara atletas para as próximas competições do ano

Projeto para receber

ALINE NAOMI

No último fim de semana, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), a Escola de Comunicações e Artes (ECA) e o Instituto de Matemática e Estatística (IME) se enfrentaram no Imeacheca, campeonato esportivo organizado pelas Associações Acadêmicas Atléticas dos institutos participantes. O evento reuniu atletas no Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp), no campus Butantã, para competirem em diversas modalidades. O campeão geral da competição foi o IME, com 17 pontos, seguido da ECA, com 16 pontos, e da EACH, com 14 pontos. Foram 13 modalidades no torneio: basquete feminino e masculino, futsal feminino e masculino, handebol feminino e masculino, rugby misto, tênis de mesa feminino e masculino, tênis feminino e masculino, voleibol feminino e masculino e xadrez. A ideia de realizar campeonatos como o Imeacheca partiu da

EACH, que precisava de um preparatório antes do Caipirusp, torneio disputado pelas unidades de ensino localizadas fora da Cidade Universitária. “O IME, a EACH e a ECA têm equipes muito fortes e fazer um campeonato pré-inter é uma ótima preparação para colocar tudo o que foi treinado à prova”, conta o diretor geral de esportes da Associação Acadêmica Atlética da EACH, Namor Santos. A preparação para os jogos do segundo semestre também é importante para as outras faculdades. Júlia Moura, diretora geral de esportes da Ecatlética, explica que campeonatos como esse são fundamentais para os atletas ganharem ritmo de jogo. “EACH e IME têm ótimos times, o que gera um bom nível nas partidas. Além disso, com o atraso dos Jogos da Liga por conta das Olimpíadas e a incerteza sobre o campeonato com a crise da Laausp, precisávamos de uma competição em agosto”, afirma a diretora. Além de se relacionarem dentro das quadras, os estudantes

BRUNA MARTINS

das faculdades também interagem fora delas, o que é muito importante, principalmente com os da EACH, cujo campus fica fora da Cidade Universitária. “Apesar de ficar longe, temos uma grande identificação com a EACH”, afirma Júlia. “E tem o IME, nosso parceiro e adversário de anos no Bife”. O Bife, que acontecerá em novembro, é um dos principais torneios da USP. Fundado pela Biologia, pelo IME e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), ele reúne mais outros seis institutos do Butantã. Namor ainda fala sobre a importância de campeonatos como o Imeacheca para o esporte universitário e para a aproximação entre as unidades da USP. “A integração dentro e fora das quadras traz alegria e fortalece os laços entre as faculdades”, explica. “O esporte universitário me proporcionou momentos incríveis e me fez conhecer pessoas sensacionais. Sem integração, ele perde toda a graça”.

“A integração dentro e fora das quadras traz alegria e fortalece os laços entre as faculdades.” — Namor Santos, diretor geral de esportes da Atlética da EACH FOTO: RAFAEL OLIVEIRA FOTO: RAFAEL OLIVEIRA

A Rio 2016 ainda não acabou: entre os dias 7 e 18 de setembro ocorrerão os Jogos Paralímpicos na cidade do Rio de Janeiro. Contando com a participação de paratletas de 176 países diferentes e que disputam o total de 23 esportes, a competição promete movimentar todo o Brasil. Isso porque as delegações estrangeiras têm seus locais de treinamento pré-jogos, no país, localizados no Rio mas também em outros 17 estados brasileiros. O Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (Cepeusp) é um dos responsáveis por abrigar o treinamento de atletas paralímpicos na capital paulista, além de locais como o Club Athletico Paulistano, onde treinam paratletas do futebol de cinco; os SESCs Belenzinho e Itaquera que recebem equipes de tênis em cadeira de rodas e a Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban), onde se preparam paratletas do Judô. Do dia 26 até o dia 31 de agosto, o Cepeusp recebe paratletas brasileiros do remo e da canoagem que utilizarão a raia olímpica para treino. Além disso, dois paracanoístas, uma chilena e um argentino, fazem sua preparação para a Rio 2016 no mesmo local, entre os dias 21 de agosto e 2 de setembro. Segundo o professor Carlos Bezerra de Albuquerque, diretor do Centro de Práticas Esportivas, o Comitê Olímpico Internacional abriu processo de seleção dos locais para treinamento dos pré-jogos no Brasil durante os jogos de Londres em 2012. Por cumprir requisitos como acessibilidade e adequação das pistas e vestiários aos paratletas, o Cepeusp se candidatou e, a partir do ano seguinte, passou a ser procurado por federações de alguns países. “No caso do remo e da canoagem, as delegações que nos procuraram o fizeram porque já conheciam a raia, uma vez que seus paratletas já haviam treinado aqui”, afirma Albuquerque.

FOTO: RAFAEL OLIVEIRA

Legenda nº de atletas mulheres nº de atletas homens nº de medalhas (ouro, prata e bronze) classificação do Brasil

Evolução do Brasil nas Paralim Atletas encaram Imeacheca como preparação para seus respectivos inters do 2º semestre deste ano

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ESPORTES

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canoagem paralímpicos treinam na raia atletas é aprovado pelo Comitê Internacional e dá fôlego para continuarmos entre os 10 melhores FOTO: ISABELLA SCHREEN

Ainda sim, apesar da procura pelo Cepeusp ter ocorrido, o diretor afirma que ela aconteceu de maneira um pouco “tímida”. Ele acredita que os motivos para isso tenham sido a facilidade de treinamento nos próprios locais de competição paralímpica na capital carioca, por exemplo, ou uma possível economia de recursos com transporte dos paratletas entre as cidades.

“Infelizmente o esporte ainda não é acessível para todos. Falta acontecer uma ligação maior entre os clubes esportivos, as prefeituras e os governos estaduais.”

Rotina olímpica A catarinense Josiane Lima e o carioca Michel Pessanha fazem parte do grupo de paratletas que realizaram seus treinos pré-jogos na raia olímpica da Cidade Universitária. Praticantes de remo, os dois são parceiros na categoria Double Skiff, que é disputada por duplas de remadores que utilizam tronco e braço para se movimentar. Josiane faz parte da equipe paralímpica de remo desde 2006, quando o esporte começou a tomar forma no Brasil. Por isso mesmo, não é a primeira vez que ela realiza seus treinos nas dependências da USP, espaço frequentemente escolhido para a prática dos exercícios das federações olímpicas e paralímpicas brasileiras. No ano de 2005 foi instituída, pelo governo federal, a Bolsa Atleta: programa de incentivo direto a atletas de alto rendimento de todo o Brasil, que é dividida em seis categorias de auxílio oferecidos pelo Ministério do Esporte: Atleta de Legenda Base, Estudantil, Nacional, Internacional, Olímpico/Paralímde atletas mulheres pico e nº Bolsa Pódio. Esta última foi criada em 2012, após a escode atletas homens lha do nº Brasil como sede dos jogos de 2016. Sendo a bolsa que nº de medalhas Josiane(ouro, e Michel recebem desde prata e bronze) o ano passado, ela é destinada a atletasclassificação e paratletas do queBrasil possuem chances de disputar medalhas nos jogos Rio 2016.

— Josiane Lima, paratleta do remo

Vander Lima, atleta permamente da equipe brasileira de paracanoagem, treina com os colegas na raia A paratleta Josiane acredita que investimentos como esse, da Bolsa Atleta, vêm aumentando nos últimos dez anos e que eles representaram um grande incentivo à escolha do Rio de Janeiro como sede dos jogos deste ano. De acordo com a Lei Nº 10.264 (conhecida como Lei Agnelo/ Piva), que foi instituída em 2001 e, desde então, já sofreu algumas alterações, 2,7% da arrecadação bruta das loterias federais devem ser destinadas ao Comitê Olímpico do Brasil (COB) e ao Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), na proporção de 62,96% para o COB e os demais 37,04% para o CPB. Após o repasse, cabe a ambos os comitês a distribuição do dinheiro entre as suas modalidades. Por isso, para Josiane, “o investimento vem crescendo muito e não é à toa que o Brasil melhorou demais seus resultados nos jogos olím-

O Brasil na competição A primeira edição dos Jogos Paralímpicos ocorreu no ano de 1960, na cidade de Roma, na Itália. A entrada do Brasil na competição aconteceu mais tarde, já em 1972, na edição de Heidelberg, na Alemanha. A estreia brasileira foi acanhada, com a participação de apenas 20 paratletas (todos homens) e sem a conquista de nenhuma medalha. Quatro anos mais tarde, o país subiu ao pódio pela primeira vez na competição: Robson Sampaio de Almeida e Luiz Carlos “Curtinho” foram os responsáveis pelo feito, ganhando medalha de prata no lawn bowls, espécie de bocha disputada na grama. A partir da edição de 1984, os paratletas brasileiros não pararam mais de receber medalhas. Em 1996, a comissão de paratle-

picos deste ano, por exemplo”. Segundo ela, esses resultados positivos deverão se refletir nas paralimpíadas: “nós temos a pretensão de que o Brasil fique entre os cinco melhores países no ranking geral, e acredito que tudo vai dar certo para que isso aconteça”. Apesar do crescente investimento do país nos esportes olímpicos e paralímpicos, Josiane considera que o governo brasileiro ainda precisa focar na criação de uma ligação mais forte entre o esporte e a educação, com projetos nas escolas, de maneira que isso possa trazer mais oportunidades, especialmente para as crianças mais carentes. “Infelizmente o esporte ainda não é acessível para todos. Falta acontecer uma ligação maior entre os clubes esportivos, as prefeituras e os governos estaduais”, na opinião da paratleta.

tas bateu recorde de participação feminina, com um total de 19 mulheres - nas seis edições anteriores do evento, apenas 29 haviam jogado. Já em 2004, o país viu todo o investimento da Lei Agnelo/Piva surtir efeito no número de vezes em que paratletas subiram ao pódio: foram 33 medalhas conquistadas no total, sendo 14 de ouro. E se esses resultados já eram positivos, a partir das Paralimpíadas de 2008 o Brasil não saiu mais da lista dos 10 melhores países na competição, com direito a mais de 20 medalhas de ouro na edição de 2012 e de quebra de expectativas com a vitória do velocista brasileiro Alan Fonteles na prova dos 200 metros da classe T44 (para amputados), sobre o sul-africano Oscar Pistorius, até então considerado o favorito na prova.

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ARTE: ANDRÉ CALDEROLLI

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Agulhas e linhas que constroem histórias Conheça a vida da figurinista responsável pela vestimenta dos alunos de artes cênicas FOTO: GIOVANNA WOLF TADINI E BIANCA KIRKLEWSKI

BIANCA KIRKLEWSKI

Dentro do Teatro Laboratório do Departamento de Artes Cênicas (CAC), as portas permanecem entreabertas. Com olhos e ouvidos atentos, é possível descobrir histórias sendo construídas e desconstruídas por detrás de cada uma delas. No canto direito do final do corredor, um par de portas dá de cara com uma escadaria iluminada pelo sol que bate na grande janela do sótão. Lá, as narrativas não são construídas pela fala, mas pelo badalar comedido das máquinas de costura. Há 10 anos, essa é a cenografia principal da vida de Ray Lopes. Com a ajuda de Silvana de Carvalho e Vanda da Conceição, é ela quem traz vida às peças produzidas pelos estudantes de artes cênicas da ECA, criando seus figurinos. Conheça a história da costureira do CAC. Ray demorou quatro décadas para assumir sua vocação. “Eu comecei a costurar quando tinha 7 anos. Minha mãe era professora da Vogue [escola de costura], tinha uns 50 alunos e eu ficava assistindo. Só que eu não sabia que tinha esse dom, porque não o aceitava”. Com uma irmã que sonhava se tornar advogada, a pequena Ray acreditava que sua aptidão era menos requintada. “Eu chorava, e dizia que minha mãe não gostava de mim, porque minha irmã ia ser doutora e eu costureira”, lembra. Depois de se casar e criar três filhos, ela decidiu ajudar a renda

Por trás das cortinas dos espetáculos do teatro laborátório do Departamento de Artes Cênicas, a criação começa nas máquinas de costura familiar construindo um pequeno atelier em casa. “Eu tinha uma máquina e fazia meus modelinhos. O pessoal perguntava: você é costureira? E eu não admitia”. Aos 40 anos, Ray foi encorajada por sua irmã, que trabalhava (como advogada) na reitoria da USP, a prestar um concurso público para figurinista do CAC. “Prestei o concurso em 2006. Fiz brincando pois sabia que não ia passar, afinal, não era costureira mesmo”. Acabou ficando em primeiro lugar. “Aí que eu admiti que era costureira”. A figurinista conta que encontrou no Departamento de Artes Cênicas a liberdade. “Quando entrei, estava em depressão. Me curei aqui, porque nesse lugar eu consigo ser eu mesma. Não preciso pôr máscaras”. Agora, além de criar vestimentas, ela atua como segun-

da mãe dos estudantes. “Alguns que moram em outras cidades vêm me pedir conselho, porque estão longe da família”, revela.

“Eu converso com o personagem invisível e tenho que fazê-lo existir.” — Ray Lopes costureira do CAC

Costurando o invisível Ray reconhece trabalhar com fantasias. “Quando chega o aluno e pede para eu fazer um figurino, não estou falando com a pessoa, e sim com o personagem. Eu converso com o personagem invisível e tenho que fazê-lo existir”. Ao ser questionada sobre as vestimentas mais interessantes que já teve que construir, a costureira se perde. “Terminamos o figurino e já queremos que ele vá embora. A gente nunca fala o que fez porque acaba esquecendo”. Apesar disso, logo se recorda de um exemplo. Em uma ocasião, lhe foi encomendada uma roupa de ven-

to. “Nunca vou me esquecer do vento. Eu pensei: puxa vida, até que enfim me pegaram. Mas eu consegui fazer”. Para tal proeza, ela utilizou palha, sacos de estopa e algodão. “Ficou muito bonito”, admite. Segundo a costureira, a USP falha ao não apoiar adequadamente o setor. O acervo de figurinos, por exemplo, não conta com nenhuma forma de controle de empréstimos. “Eles não são catalogados. Além disso, falta iluminação, ventilação e conservação adequada”. Ainda assim, Ray acredita que a área é valorizada, principalmente dentro do departamento. “Eu sinto que meu trabalho faz parte do processo do teatro. Se não for eu, vai ser outra pessoa, mas o trabalho, essa área, é muito importante dentro do teatro. Fala muito alto”.

Mostra reúne 40 anos de obras de Flemming Até o dia 11 de dezembro, 110 obras do artista plástico brasileiro Alex Flemming ocuparão o segundo andar do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. Intitulada RetroPerspectiva, a exposição traz o repertório de 40 anos de carreira do artista. A ideia de perspectiva misturada ao termo “retrospectiva” vem do fato de que o artista ainda está vivo, e continua a produzir e a atualizar a sua obra, explica a curadora da exposição Mayra Laudanna, professora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e amiga de Flemming. Logo no início, o visitante encontra dois retratos anônimos carimbados por versos de poetas brasileiros. Aqueles que já passaram pela Estação Sumaré da linha verde do metrô, podem identificá-los com os outros ros-

tos que estampam as paredes de vidro da plataforma de embarque. Seguindo em frente, autorretratos do artista fazem a síntese de seu trabalho: em cada obra, há um pedaço de Flemming carimbado. Pintando em suportes não convencionais — malas, roupas e sapatos —, objetos do cotidiano são elevados à categoria de arte, como os cartões de crédito ou os dentes do artista. Assim, “de tudo ficou um pouco”, dizem as palavras de Drummond em uma mala, posicionada também no começo da mostra pela curadora, de modo a introduzir essa ideia. Os resquícios do processo produtivo também estão lá: os moldes das letras viram o fundo de um quadro, as matrizes de gravura são expostas como painéis de vidro, o pano usado como rascunho ganha uma moldura. Foram meses de montagem, nos quais Mayra trabalhou em conjunto com Flemming.

FOTO: HELENA MEGA

HELENA MEGA

Em sua exposição, o artista brasileiro usa objetos do cotidiano para montar obras de arte É caminhando entre corpos que o espectador chega até as lápides, computadores que levam os nomes de seus falecidos donos, formando um “cemitério” da vida pós-moderna. São corpos masculinos que trazem mapas de áreas de conflitos, em Body builders; corpos deformados, inspirados nos estudos de Aldrovandi no século XVI; corpos de santos, como a Yemanjá Hipocondríaca; e corpos sem preenchimento, da série Caos.

Exposição RetroPerspectiva Terça a domingo das 10 às 18 horas MAC USP Ibirapuera Avenida Pedro Álvares Cabral, 1301 04094-050 - São Paulo - SP - Brasil (11) 2648.0254


CULTURA

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | AGOSTO 2016

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Mad Alegria e a empatia na medicina Grupo traz alegria a pacientes por meio de contação de histórias e interações bem-humoradas BIANCA KIRKLEWSKI ILUSTRAÇÃO: NATALIE MAJOLO

Nas noites de quarta-feira, os corredores assépticos dos hospitais das Clínicas são invadidos por cores. Nesse momento, professores e alunos de saúde desprendem-se de qualquer academicismo e incorporam o mesmo papel: o de palhaços e contadores de história. O grupo Mad Alegria é um projeto de extensão formado por voluntários discentes e docentes da USP. Criado em 2010, a equipe é financiada pela diretoria da Medicina, Fundação da Faculdade de Medicina e Pró-Reitoria de Cultura e Extensão. Apesar da semelhança, “Mad” não é uma abreviação (com a grafia incorreta) da palavra Medicina. “Vem de loucura, em inglês. É a louca alegria”, explica Elizabeth Ferreira, coordenadora docente do projeto. A professora de fisioterapia revela os objetivos do grupo: “é importante que um profissional de saúde se aproxime do universo do hospital sem uma obrigação de curar”. Trata-se de uma iniciativa de humanização, na qual alunos descobrem na prática a importância da empatia nos atendimentos. “É uma aula sem ser uma aula”, elucida Ligia Mariani, estudante de Medicina e vice-coordenadora discente do Mad Alegria.

Para ingressar na equipe, é feito um processo seletivo, que ocorre anualmente em março . “A gente tem um curso introdutório de dois dias. Depois, os candidatos escrevem uma carta de intenção. E, na segunda fase, é feita uma entrevista”, conta Ligia. São 50 vagas no total, das quais 30 para palhaços e 20 para contadores de história. “Uma vez selecionados, os alunos têm um ano de treinamento. Na metade do ano, eles começam a ir para o hospital junto dos veteranos”, completa Elizabeth. “As vagas são abertas para a comunidade, com o objetivo de também trazer o olhar do usuário do sistema de saúde para dentro do grupo”.

De acordo com a docente, existem dois públicos-alvos: os pacientes atendidos no Instituto Central do Hospital das Clínicas e no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, e os próprios estudantes. “Queremos fazer com que eles se tornem mais humanizados e sensíveis, capazes de perceber e ser mais alinhados com o sentimento do outro”. Paticipação dos alunos Giulia Wang está no 2º ano de fonoaudiologia e faz parte do grupo de contadores de história desde que entrou na faculdade. Ela conta que, com o Mad Alegria, aprendeu a ouvir. “Normalmen-

te ficamos falando, não escutamos o outro. Aqui a gente descobre o quão bem está fazendo só de ouvir o paciente. O quanto ele se sente aliviado de poder se expressar”, diz. Ligia acrescenta: “no curso, eu aprendi muito a olhar no olho das pessoas. É uma palhaçada, mas tem todo o lado humano”. A reportagem do JC foi convidada para acompanhar uma visita do Mad Alegria. Elizabeth e Ligia, agora transformadas nas palhaças Dra. Felícia e Penélope, optam pela “ala obstétrica, por ser mais leve” . Chegando lá, somos aconselhadas pela faxineira a ir ao quarto no fim do corredor, pois a paciente que lá se encontrava “estava muito tristinha”. Com cordialidade, as palhaças abrem a porta e são recepcionadas por uma mulher deitada em seu leito, recém-operada. Após cumprimentos alegres por parte das palhaças, a paciente anuncia: “Hoje é um dia muito feliz”. A senhora, com cerca de quarenta anos, continua: “Hoje é um dia feliz, pois meu filho foi conhecer Jesus Cristo no céu”. A revelação não parece abalar as voluntárias, que mantêm a compostura. Ao fim da visita, a paciente agradece: “Vocês conseguiram me fazer sorrir. Muito obrigada”.

Retrato da opressão: o cotidiano que vira peça Com base na abordagem teatral criada por Augusto Boal, a doutoranda do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP) Dodi Leal trouxe, pela primeira vez dentro de uma disciplina curricular, o Teatro do Oprimido para as salas de aula da Universidade de São Paulo. Foi então que, inspirados por essa experiência, alunos montaram o Grupo de Teatro do Oprimido da USP (GTO). Formada em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Dodi já trabalhava com o Teatro do Oprimido na Universidade a partir do grupo Metaxis, fundado em 2008. A oportunidade de ministrar a técnica como professora convidada surgiu no segundo semestre de 2015, a convite do professor Luís Galeão, do IPUSP. O estudante de história na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Gustavo Salmão acompanhou como ouvinte as aulas ministradas por Dodi no ano passado. “Por um acaso, eu tinha acabado de ler um livro sobre o tema. Então fui atrás”, conta. Hoje, Gustavo é um dos “curingas” que ajudam a organizar os encontros do GTO. Para a formação do grupo, foi realizada uma convocação no início do ano, nos quais os requisitos eram

FOTO: ANDRSSA CROSSETTI

HELENA MEGA

Nos encontros, as opressões dos participantes são porblematizadas e trasformadas

ter as noites de quarta-feira livres, ter interesse por movimentos sociais e vontade de atuar. O resultado foi a formação de um grupo heterogêneo, com participação de pessoas de dentro e de fora da Universidade. A ideia era montar uma peça para o fim do ano. Com o passar dos meses, no entanto, a turma se desfez e, atualmente, cinco estudantes estão envolvidos com o projeto. Isso não impede, entretanto, que os integrantes planejem intervenções em outros espaços. Dodi continua vinculada como supervisora do trabalho deles, realizando conversas quinzenais com os “curingas”. “Eles que conduzem. É uma novidade para mim”, diz a professora. Nos en-

contros, trabalham as histórias de opressões das pessoas. Assim, mais do que expor os problemas, busca-se a reflexão do grupo para lidar com eles e enfrentar a realidade quando ela trouxer algo parecido. Não apenas as opressões sofridas por alguém, mas também aquelas praticadas. “É como o Boal fala: nós encenamos a vida. Quando encenamos, não deixamos de viver”, lembra Gustavo. Origem O Teatro do Oprimido foi criado nos anos 1970 pelo dramaturgo brasileiro Augusto Boal, após ter sido preso e exilado pelo regime militar. Em 2008, Boal foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz e condecorado, pouco antes de sua morte em 2009, Embaixador

“É como o Boal fala: nós encenamos a vida. Quando encenamos, não deixamos de viver.” — Gustavo Salmão, aluno da FFLCH

Mundial do Teatro pela Unesco. Em sua dinâmica, são aplicados jogos e exercícios que buscam a “desmecanização” do corpo e a problematização da vida. O intuito é colocar em cena, de uma forma clara, processos de transformação social, de modo que se tenha uma ferramenta de empoderamento contra opressões — desde aquelas mais subjetivas, interiores, até sociais e políticas. Assim, busca criar uma reflexão transformadora, olhando para um tipo de opressão e pensando em maneiras de transformá-la. “Uma leitura muito superficial é a de superar a opressão, mas às vezes não é disso que se trata. A transformação pode ser um processo muito mais potente”, coloca Dodi. A modalidade parte do princípio de que todos podem atuar, tendo experiência profissional ou não. Outro ponto importante é que ela não usa textos prontos, mas uma dramaturgia construída pelas experiências de opressão vivenciadas por cada um. “Um dos grandes legados do Augusto Boal é a democratização do meio de produção teatral”, explica Dodi, que, durante quatro anos, fez visitas regulares ao Rio de Janeiro para ter formação com o dramaturgo. Ainda assim, por mais que as experiências de cada um devam guiar os encontros, a técnica não deve ser deixada de lado.


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OPINIÃO

SEGUNDA QUINZENA | AGOSTO 2016 JORNAL DO CAMPUS

O espaço da política na USP e no Brasil

O empecilho à participação de alguns candidatos em debates eleitorais revisita uma vez mais o impasse que diz respeito à representação e à participação democráticas enquanto se aproxima o pleito municipal. Para além da óbvia menção que se faz ao tema “envolvimento democrático” quando nos referimos à atual instauração de políticas do governo de Michel Temer que não foram oficialmente votadas e, portanto, não legitimadas em urnas — no que pese o caminho tortuoso e contraditório adotado por Dilma Rousseff logo após sua vitória em 2014 —, a questão neste particular tem a ver com decisões da reforma política promovida na Câmara dos Deputados no ano passado, ainda sob a tutela do peemedebista Eduardo Cunha. Formalmente, o texto da Lei nº 13.165 permitia que emissoras de televisão façam convites facultativos, para seus debates, a candidatos cujas legendas não possuam no mínimo 9 deputados eleitos à Câmara baixa. No sentido de representações alternativas, fora do circuito televisivo, a USP mostrou que é lugar relevante de ocupação do espaço político, uma de suas vocações. Vide a realização, no 19 de agosto, na Rádio USP e em parceria com o projeto de extensão USP Debate, de discussão com os candidatos à Prefeitura, em que 7 concorrentes, entre eles Fernando Haddad, João Dória e Luiza Erundina, estiveram presentes. Além da barreira da lei, “para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o número de participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional”, dizia o parágrafo 5º do artigo 46.

ILUSTRAÇÃO: NATALIE MAJOLO

FELIPE SATURNINO

ter como exemplo o trazer as coisas de fora para dentro da USP. A proposta da reforma, concretizada em 29 de setembro último, repreende também de forma significativa a natureza fragmentada e pulverizada da parte mais proporcionalmente relevante, porque numericamente representativa, do Congresso Nacional. As muitas legendas no Congresso são citadas, na maioria das vezes, com certo desdém e enquanto causa, e não sintoma, de uma política de conciliação que busca ampliar a coalizão e os acordos. Já houve época em que partidos orbitassem em torno de interesses mais sólidos e honráveis do que apenas o estar perto do poder, mas isto faz tempo. De qualquer forma, pode-se rebater o argumento com uma simples e pragmática observação de que o que mantém vivo um partido — e corresponde a seu objetivo último, por se tratar de sobrevivência — é apenas chegar ao poder. O Brasil possui, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 35 partidos; desses, 28 têm representantes eleitos para a Câmara dos Deputados. As duas maiores legendas brasileiras somam 26% das cadeiras totais dessa Câmara, bem destoante de França (81%), Argentina (43%) e Estados Unidos (100%). Caso levemos a cabo a regra, doze partidos já saem da jogada, entre os quais se incluem o PSOL e o PV. No que toca a vindoura eleição que (de) bate à porta, o buraco é mais fundo porque nomes tais como Marcelo Freixo e Luiza Erundina, postulantes às prefeituras fluminense e paulistana respectivamente, foram ladeados nos primeiros debates televisivos nas capitais e possuem relativo peso em pesquisas de opinião (a última Datafolha dá 10% a ela, terceira colocada, e o Ibope, 12% a ele, no segundo posto).

O Supremo Tribunal Federal, entretanto, contrariou o artigo da lei que estabelece o mínimo de parlamentares que deve ter um partido para ser convidado o seu candidato. Ainda assim, cabe agora inteiramente às televisões a escolha de convidar ou não os mesmos candidatos deixados de lado, contando agora que os concorrentes não podem vetar ou não se aqueles virão a debate. A representatividade política ou a sua distorção é decidida pela emissora, em última análise. Contraponto O Centro Acadêmico Visconde Cairu (CAVC) publicou, no dia 24 deste mês, nota de repúdio em que acusava a diretoria da Faculdade de Economia e Administração (FEA) de parcialidade ao impedir realização de um evento proposto pelo CA. No caso, o CAVC não pôde promover debate com candidatos a vereador, a fim de encerrar o ciclo “Cidade em Pauta”. Segundo a nota, a diretoria justificou a proibição afirmando que a USP não empreende ocasiões políticas do tipo — seguindo interpretação do artigo 73 da Lei nº 9.504/97 —, ainda que a mesma diretoria tenha feito evento com João Doria, candidato à prefeitura paulistana pelo PSDB, em maio. Entendendo o debate como o jeito de a comunidade uspiana intervir na política, e também de a política “oficial” frequentar a USP, o texto termina ressaltando que o fenômeno ocorrerá inevitavelmente, prevendo luta com a decisão superior. A situação, caso corresponda à verdade, põe em xeque o juízo da diretoria e faz da Universidade ente apartado, alheia, separando-a da política institucional decerto. Daí enfatizá-la como o lugar em que o real pouco penetra, e onde a participação é diminuída. É este o mau contraponto quando se deve

Fim da linha Serão dois uspianos que comandarão o novo (velho) ciclo na história brasileira. Decadente a proposta de inclusão homeopática por programas dos governos Lula e Dilma, chegados a retração e o desemprego (problemas dos quais a presidenta não deve ser eximida), sobra ao são franciscano Michel Temer — e ao politécnico Henrique Meirelles — a necessidade de revitalizar as contas públicas sem atenção às mazelas sociais. Não que o ajuste fiscal seja descartável, posto que o Estado, se o queremos funcional e redistribuidor, há de ser são; mas é ingênuo crer que as ideias de Temer e governistas frequentem esta prateleira. Por ora, é o fim da linha de um certo fazer política. Nova trama Com a PEC que fixa o crescimento de despesas públicas abaixo da taxa de inflação do ano anterior, a revista da Previdência e a possibilidade de flexibilização da CLT em pauta, o governo intenciona fazer reformas estanques nos precedentes dilmistas. A alguns que dão de ombros à ruptura, argumentando que Temer é só a continuidade da ex-mandatária, há equívoco. No impasse político-econômico a que havia sido conduzido o sistema influíam tanto os erros próprios, a radicalização de Cunha, Temer e do PMDB e a mobilização de parte da esquerda, PT e movimentos sociais para barrar o ajuste recessivo. Paralisada a situação política, após a crise da nomeação de Lula à Casa Civil e o andamento da Lava Jato, não havia mais defesa e o país entrou definitivamente na austeridade com Temer. Hoje, não há paralisia ou barreiras para as reformas, e a trama a que a população assiste implementa um programa no qual não votou.


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