Edição 503 (Setembro/2019)

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UNIVERSIDADE

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | MARÇO 2019

CAMPUS

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JORNAL DO

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ANO 37 – Nº 503 SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019 Produzido por alunos de Jornalismo da ECA-USP

A um passo do perigo

Locais de difícil evacuação, animais no campus, furtos, guardas desarmados e outras inseguranças que nem todos enxergam

ESPECIAL

EM PAUTA

A ‘segura’ insegurança

Reconhecidos. Presos. Injustiçados. Soltos. A volta para casa dos jovens jogadores p.14

UNIVERSIDADE

Eram inocentes

ESPORTES

Na saúde e na doença

Atletas são os que mais sofrem depressão. Por outro lado, esporte promove saúde p.12

MONTAGEM: LÍGIA DE CASTRO

Caso esteja em perigo, saque seu celular p.6 Cadê os computadores que estavam aqui? p.7 Sem perceber, comunidade USP corre riscos p.8 e 9 CULTURA / CRÔNICA

Incrível Panfleto das Medidas de Segurança: na dúvida, saia correndo p.16


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DIÁLOGOS

SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019 JORNAL DO CAMPUS

OMBUDSWOMAN

Olhares de integração DULCILIA BUITONI*

EDITORIAL

Além do “mãos para o alto” CHARGE

SIGA E PARTICIPE!

Quando fala-se em insegurança, a primeira coisa em que se pensa é criminalidade. Moramos no 9° país mais violento do mundo de acordo com a OMS. Seria ingenuidade acreditar que nos campi da USP não haveria violência. Mas a segurança de um universitário vai além disso e, sinto informar, está em situações não tão óbvias. Grades em janelas. Barreiras em entradas. Catracas. Portas pequenas. A universidade se preocupa tanto em barrar a entrada que se esquece que precisamos da saída. O medo de que algo aconteça aos alunos por meio de agentes externos assola a todos, por isso a segurança universitária tenta evitar que pessoas “estranhas” tenham fácil acesso a suas dependências. Mas esquece, por outro lado, que essas mesmas medidas dificultam a saída em situações de emergência, como incêndios. Setembro de 2019. Correm boatos de que há uma onça solta pela universidade que possui uma comunidade de milhares de pessoas. As funções continuam normalmente. Fazem piadas e brincadeiras com o assunto, mas nenhuma orientação é passada de como agir. O que se faria caso ela fosse encontrada num espaço de convivência? Noites de quinta. A famosa QiB acontecendo. Uma minúscula passagem de entrada e saída. Prainha cercada de grades por todos os lados. Ninguém, tampouco, sabe como agir em uma situação emergencial em que o local, porventura, precisasse ser evacuado com urgência. Salas de aula. Com grades nas janelas, impedem que um passageiro embarque por ali. Ao mesmo tempo impede que seus tripulantes fujam em casos extremos. Um refúgio seguro ou uma prisão sem saída? A universidade pode ser os dois. Seguimos torcendo para que continue sem incidentes e que os pequenos não ganhem proporções catastróficas. Carreguem seus amuletos da sorte no bolso, porque seguimos contando com ela.

A edição nº 502 do JC apresenta boa variedade de matérias, que cobrem temas atuais da universidade em diferentes áreas. Censura, TV USP, Vladimir Herzog, assaltos, ciências moleculares, ética em pesquisa, direitos para humanos e animais. Continuo a achar que a editoria de Cultura deveria ter mais espaço. Com o peso de sua capacidade de destruição, os cortes na educação ocupam justificadamente a principal chamada da capa e a página dupla central. Há depoimentos de cinco bolsistas; no entanto, quatro são de humanidades e um de educação física. Faltaram representantes de ciências biológicas e da saúde, de ciências ambientais e de ciências exatas. A seção Entrevista, relacionada à diminuição de bolsas e de fomento, poderia ter aproveitado muito mais a experiência do Prof. Hernan Chaimovich, ex-presidente do CNPq. A diagramação é bastante problemática; heterogênea, não mantém um padrão identificável e não facilita o trabalho do leitor. Os títulos usam fontes, cores e tamanhos diferentes, linhas finas maiores ou menores que a chamada principal. Uma boa surpresa foram os quadrinhos da p. 3, que constroem uma boa narrativa sobre animais “deixados” na Faculdade de Veterinária. Talvez o título deveria estar em outro lugar, pois a transição da p. 2 para a 3 acontece abruptamente; a princípio não se entende bem a presença dos quadrinhos logo no começo do jornal. Destaco a qualidade da ilustração na página final. Repito a observação sobre o tamanho, geralmente excessivo, dos títulos e das respectivas linhas finas que, por vezes, não trazem informação que realmente estimule a leitura do corpo do texto. Também volto a acentuar a necessidade de fotos mais “jornalísticas”. Nessa edição, a única foto que traz um acréscimo de informação é a que mostra as caixas da TV USP amontoadas num depósito impróprio. Algumas fotos estão muito pequenas, outras carecem de legendas. Pensava em tratar um pouco mais do conteúdo e da apuração, mas meu espaço está acabando. Desejo mesmo é conversar pessoalmente com essa redação que mostra muita garra.

*Dulcilia Buitoni, jornalista, pesquisadora e ex-professora da ECA

/jornaldocampus

JORNAL DO CAMPUS – Nº 503 – TIRAGEM: 7 MIL EXEMPLARES Universidade de São Paulo – Reitor: Vahan Agopyan. Vice-Reitor: Antonio Carlos Hernandes. Escola de Comunicações e Artes – Diretor: Eduardo Monteiro. Vice-Diretora: Brasilina Passarelli. Departamento de Jornalismo e Editoração – Chefe: André Chaves de Melo Silva. Chefe Suplente: Dennis de Oliveira. Professores responsáveis: Marcos Zibordi, Luciano Guimarães e Wagner Souza e Silva. Estagiário PAE: Gustavo Longo. Redação - Secretária de Redação: Thaislane Xavier. Editor de Arte: Isabella Velleda. Ilustradores: Beatriz Cristina, João Generoso, Júlia Miwa, Lígia de Castro. Editora de Fotografia: Crisley Santana. Fotógrafos: Beatriz Crivelari, Isabella Velleda, João Pedro Malar, Lígia de Castro, Maria Eduarda Nogueira, Susana Berbert, Tamara Nassif, Thaislane Xavier. Editor Online: Ana Gabriela Dompieri, Caio Santana. Universidade Editores: Caio Santana, Eduardo Passos, Guilherme Roque, Lígia de Castro. Repórteres: Ana Gabriela Dompieri, Beatriz Cristina, Carolina Fioratti, Gabriel Araujo, Guilherme Roque, Larissa Silva, Ligia Andrade, Lígia de Castro, Marcus De Rosa, Tamara Nassif. Em Pauta - Editores: Marcelo Canquerino, Thaislane Xavier. Repórter: Giovanna Stael, João Vitor Ferreira, Laura Scofield. Cultura - Editora: Beatriz Crivelari. Repórteres: Beatriz Cristina, Carolina Fioratti, Guilherme Roque, Maria Eduarda Nogueira. Esporte - Editor: Pedro Smith. Repórteres: André Netto, Diego Bandeira. Ciência - Editora: Amanda Capuano. Repórteres: Isabella Velleda, Mariah Lollato. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 433, bloco A, sala 19, Cidade Universitária, São Paulo, SP, CEP 05508-900. Telefone: (11) 3091-4211. Fax: (11) 3814-1324. Impressão: Gráfica Atlântica. O Jornal do Campus é produzido pelos alunos do 4° semestre do curso de Jornalismo Noturno, como parte das disciplinas Laboratório de Jornalismo: Jornal do Campus e Laboratório de Fotojornalismo.


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Amarelo, não só em Setembro Tratar do tema durante um mês de campanha potencializa o debate, mas pode significar ausência de discussão nos outros meses em que os suicídios continuam acontecendo TAMARA NASSIF

TAMARA NASSIF

Suicídio não é notícia. Existem cartilhas de recomendação a jornalistas feitas pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre como tratar do assunto em veículos de informação, muitas vezes indicando abordagens veladas para evitar “suicídios por imitação”, o chamado Efeito Werther, nomeado a partir de uma onda de suicídios que sucederam a publicação do livro “Os sofrimentos do jovem Werther”. Mas, em setembro, o suicídio vira notícia. De acordo com Esther Hwang, psicóloga e especialista em suicídio e comunicação, o que acontece é uma concentração massiva de reportagens, palestras, eventos e discussões sobre o tema, em gancho com o Setembro Amarelo – talvez para gerar de fato um período de reflexão, talvez por ser mais conveniente deixá-lo de lado durante os outros meses do ano. “É um tema muito difícil de ser abordado, justamente por ser tão angustiante e delicado. E, por ser um grande tabu, muito do que se fala de prevenção é no sentido de prolongar a vida, de evitar a morte a qualquer custo, sem entender os motivos que originaram a ideia de suicídio em primeiro lugar”, disse ao JC. Ela explica que esse tabu vem associado a duas ideias onipresentes em sociedades ocidentais: a do medo da morte e a de viver em um mundo de técnica, em que o comando é fazer, não refletir. Isso quer dizer que, no instante em que nos deparamos com alguém que está pensando em tirar a própria vida, a

gia, Esther parte da premissa de que todo conhecimento deve ser compartilhado, porque, ao concentrá-lo em especialistas, ele é hierarquizado e não-difundido. Isso, inclusive, não isenta os próprios profissionais de saúde de terem dificuldades em realizar essa escuta cuidadosa despojada de preconceitos e julgamentos. Não se trata simplesmente de postar nas redes sociais que “o inbox está aberto para quem quiser

resposta instintiva é de buscar “salvá-lo” invés de fornecer um ambiente de acolhimento, compreensão e escuta cuidadosa. “Toda prevenção e todo cuidado devem começar em buscar compreender o que que o outro está sentindo, sem inserir o desejo, o pré-conceito, de não deixar com que ele se suicide. E isso não é, de forma alguma, um incentivo, mas uma forma de se despojar de julgamentos e de entender

que cada intervenção tem de ser voltada para a singularidade de cada pessoa, sem descaracterizar tudo que ela viveu e a colocar em caixinhas ou checklists de ‘sintomas’ ou ‘sinais de alerta’.” E essa escuta cuidadosa não está restrita a profissionais de saúde mental. Apesar de ser recomendada e da dificuldade em realizar esse exercício por quem não tem formação em psicolo-

Organizações estudantis se movimentaram no Setembro Amarelo, como o Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC), da ECA

Onde e como buscar ajuda profissional dentro do campus? O Instituto de Psicologia (IP-USP) conta com consultórios de pronto-atendimento localizados no Bloco D. Todas as terças-feiras, a partir das 15h30, é possível se consultar gratuitamente com psicólogos plantonistas em sessões de 50 minutos, sem necessidade de inscrição prévia. Às quartas, no mesmo horário, são atendidos também a partir das 15h30, membros da co-

munidade USP, de funcionários a alunos, e moradores dos arredores, “do Rio Pequeno para cá”, como disse uma recepcionista que preferiu não ser identificada. Os consultórios também atendem emergências todos os dias da semana, e em horários agendados com acompanhamento psicológico continuado, mediante inscrição no começo de todo semestre. Se precisar, procure ajuda. Se puder ajudar, acolha.

Dias e horários de consulta no IP ISABELLA VELLEDA

TAMARA NASSIF

desabafar”, mas criar um ambiente permeado de afeto e cuidado para que esses sentimentos tomem contorno por meio da fala, e, assim, sejam propriamente nomeados e compreendidos, invés de encaixados em pré-definições. “Dar lugar para o sofrimento de alguém não necessariamente evita a morte, mas legitima esse sofrimento, o torna reconhecido, real. Isso já é um gran-

de passo para quem procura ajuda. Não é impor o desejo de salvar alguém, mas deixar que ele apareça naturalmente no outro. E, se ele não aparecer, não é culpa de ninguém”, explica. Perguntada sobre esse sentimento de responsabilidade e culpa, ela devolveu: “Nós somos capazes de impedir a morte de alguém? A pessoa comunicou o desejo de suicídio, mas muitas vezes o desejo já está instalado ali. É preciso tomar muito cuidado quando falamos de ‘sinais de alerta’, porque isso gera muita culpa nos familiares por não terem visto algo, prestado atenção. Não há culpados pelo suicídio nesse sentido, porque ele também é uma vivência singular: se eu colocar a responsabilidade no outro, eu tiro a singularidade daquele sofrimento. Eu deixo de entender que é uma vivência de um sofrimento dessa pessoa”. Ainda pensando em familiares e próximos, Esther afirma que o próprio mês de setembro, em função da campanha, pode ser especialmente doloroso para aqueles que perderam alguém para suicídio. É preciso ter cuidado com a forma com que informações são veiculadas e, sobretudo, cuidar para que elas não sejam concentradas em um único período. “Eu acredito que a campanha do Setembro Amarelo é um bom começo para começarmos a falar sobre o tema, mas precisamos abrir para discussão durante todos os outros meses do ano. Se a gente não discutir, ele vai virando um tabu cada vez mais cristalizado e difícil de lidar”, sublinha.

Consulta gratuita com psicólogos plantonistas. Sessões de 50 minutos. Sem inscrição prévia.

Consulta gratuita com psicólogos plantonistas. Sessões de 50 minutos. Sem inscrição prévia.

Acompanhamento psicológico continuado. Inscrições todo início de semestre.

Horário: A partir das 15h30 Atendimento: Comunidade em geral

Horário: A partir das 15h30 Atendimento: Alunos e funcionários da USP, e moradores dos arredores

Horário: Por agendamento Atendimento: Comunidade em geral


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SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019 JORNAL DO CAMPUS

Pós-doutores darão aulas; remuneração é caso a PARTe JOÃO PEDRO MALAR

Pós-doutorandos são pesquisadores que atingiram o topo da carreira acadêmica. Na USP, segundo o sistema Atena, são 2.518. E foi pensando no potencial desse número que a Universidade criou o Programa de Atração e Retenção de Talentos (PART). O objetivo do programa, cujas inscrições acabam em outubro, é permitir que pós-doutorandos atuem como “professores colaboradores” na graduação por um ano, com possibilidade de renovação por igual período. Serão oferecidas 250 vagas distribuídas nas unidades da USP e os candidatos serão avaliados por um Comitê Gestor. O pesquisador aprovado terá jornada de trabalho de oito horas semanais, com no máximo seis dedicadas ao ensino e, o restante, à pesquisa. Para isso, receberá 1.279,15 reais por mês e 870 reais de auxílio alimentação. Bolsistas FAPESP devem solicitar aprovação para a realização da atividade - a bolsa deles é de 7.373,10 reais, exige dedicação exclusiva, mas abre possibilidade de cumprir quatro horas semanais de docência. Oportunidade de aprendizado Thales Lelo, pós-doutorando na USP, avalia que o programa contribui para a “inserção na universidade e na carreira acadêmica”. Ele toca num ponto importante, o “entrave para novos doutores: normalmente os pesquisadores começam a lecionar na conclusão do doutorado. A não ser por monito-

rias, ele conclui o doutorado com um defasagem na área de ensino.” Lelo lembra que o programa irá oficializar a situação comum de pós-doutorandos assumindo disciplinas e realizando orientações sem remuneração. Magaly Prado, pós-doutoranda, relaciona a atração do programa às “necessidades do momento, não só de carreira, mas também de vida”, considerando, principalmente, a situação financeira. “Para quem está no começo [do pós-doutor] é bom, pois vai estar dentro do ambiente acadêmico, vai desenvolver plano de disciplina, ter contato com docentes e estudantes. Tudo isso é muito rico”. Mas, “para quem tem muitos anos de carreira, já não compensa tanto”. Um outro ponto levantado pela pesquisadora é que a USP “poderia elevar o valor para atender todo mundo em qualquer situação, aí seria muito melhor, pois teria uma gama maior de pós-doutorandos interessados”. A intenção de reter talentos do PART é questionável, visto que o “professor colaborador” permanecerá por, no máximo, dois anos, se não houver concurso para docente efetivo. Nesse sentido, assemelha-se às contratações de “professores temporários”, que também podem permanecer no cargo por, no máximo, dois anos. A diferença é que, com o PART, passa-se a exigir qualificação maior e remuneração menor, com a exigência de continuar realizando pesquisa.

Disparidades marcam contratação de temporários Com diversos nomes e enquadramentos funcionais, professores que não são contratados definitivamente por faculdades e universidades vivem situações salariais e de carga de trabalho completamente díspares Brasil afora. Na USP, pós-doutores ganharão menos que os professores temporários, nenhum acima de dois mil reais. Na Unesp, o valor que é um pouquinho maior, pode chegar a quatro mil reais, incluindo auxílios. Na comparação com instituições de outros estados, as di-

ferenças chamam ainda mais a atenção. Para se ter uma ideia, edital aberto da Universidade Estadual do Centro-Oeste, em Guarapuava, interior do Paraná, pagará R$ 8.200 para professores substitutos com carga horária de 40 horas – na USP, Unesp e Unicamp, os contratos não ultrapassam 12 horas. A semelhança entre todas é o fato dos professores não terem vínculo com os centros de ensino, vivendo uma situação que tem data para terminar, prejudicial a ele, aos alunos e à instituição.

SUSANA BERBERT

Novo programa da USP permitirá que pesquisadores atuem na graduação ganhando pouco

Rotina de muitos estudantes inclui pegar mais ônibus lotados do que quem só estuda

Passei, e agora? Estudantes relatam a experiência de conciliar graduação e empregos CAROLINA FIORATTI

“Uma professora, representante de departamento, falou para mim que as pessoas que precisam sustentar família não estarão na Poli, elas trabalham durante a manhã e tarde e, à noite, estudam em uma uniesquina qualquer” — Inês Santos

“Sugiro que vocês repensem a grade curricular e horária a partir do terceiro ou quarto ano para que quem precisa estagiar tenha tempo para isso”, reivindicou Inês Santos, estudante de Engenharia Ambiental na Escola Politécnica, em seu texto lido durante reunião da Coordenação de Curso (CoC). A aluna, assim como vários outros universitários, encontrou dificuldades em conciliar seus estudos com um emprego: a carga horária de seu curso, contando com aulas integrais, prejudica estudantes de baixa renda que lutam por permanência. A estudante lembra ainda que a USP caminha em busca de inclusão, visando receber 50% de alunos cotistas a partir de 2021. É necessário que os cursos se adaptem à nova realidade. Felipe Ricardo, graduando em Marketing na EACH, conta que desde o primeiro semestre deparam-se com um grande número de capítulos de livros para serem lidos e apresentados em apenas uma aula. Devido a isso, Felipe trancou desde matérias obrigatórias, até um semestre completo. “Ouvimos muito os professores dizendo que eles não têm a obrigação de compreender nossos empre-

gos e ‘aliviar’ a dinâmica e carga das disciplinas, só que fica incômodo, grande parte das vezes, por aqueles que necessitam trabalhar por questões de sobrevivência ou até mesmo para aprender na prática as teorias que vemos em sala.” Karen Hitomi, que faz licenciatura em Geociências e Educação Ambiental no IGC, relata que ingressou no período noturno da faculdade trabalhando como CLT em shopping. Assim como Felipe, também tranca matérias ou assume menos créditos para evitar a exaustão. Apesar de não se sentir prejudicada por compreender suas necessidades, a jovem diz que “têm muitos professores que não entendem que as pessoas trabalham oito horas por dia. Muitas coisas eu deixo de entregar por não conseguir fazer em razão do tempo”. Ao tentar entrar em contato com a secretaria de graduação da Universidade, foi informado que não há ações institucionais voltadas aos cursos, pois essas são responsabilidade direta das Unidades de Ensino, as quais possuem plena autonomia. Do ponto de vista institucional, a USP investe em permanência estudantil oferecendo bolsas e auxílios a estudantes com necessidades socioeconômicas.


VOO VOO A Aguia começa a levantar VOO

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Decreto para criação da agência que substitui SIBi foi publicado, marcando transição

A polêmica transformação do Sistema Integrado de Bibliotecas (SIBi) em agência teve ínicio. O Diário Oficial do Estado publicou em 27 de agosto a resolução que cria a Agência USP de Gestão da Informação Acadêmica (Aguia) – cuja sigla foi levemente alterada em relação à primeira proposta, Augia. Segundo o decreto, a criação da Aguia é uma resposta à complexidade e às transformações do ambiente acadêmico, representando o desenvolvimento de um novo modelo conceitual de gestão da informação. A Agência tem um presidente indicado pelo reitor, sem atuação na área, ao contrário das normas do antigo SIBi, que impunham a necessidade de o líder ser um bibliotecário. Para o cargo, foi nomeado o professor Jackson Bittencourt, médico que ocupava a diretoria do Departamento Técnico do SIBi. A vice-presidência ficou com a professora Brasilina Passarelli, docente do Departamento de Informação e Cultura (CBD) e vice-diretora da Escola de Comunicações e Artes (ECA). Após as críticas de bibliotecários da USP reveladas pela primeira edição deste semestre do

Jornal do Campus, em que reclamavam da falta de comunicação entre o SIBi e as bibliotecas para criação da Aguia, o órgão entrou em contato com a comunidade universitária. Em comunicado assinado por Bittencourt, a direção da agência reiterou sua criação como resposta aos desafios atuais, dizendo ver uma “necessidade de valorizar a ciência, o conhecimento e a cultura”. Bittencourt voltou a mencionar o projeto de bibliotecas-polo, mas não deu detalhes. O professor destacou que as 48 bibliotecas da USP estarão envolvidas na agência, “funcionando como agentes de mudança e promoção da pesquisa de qualidade” e “atuando como polos de atendimento, estudo, leitura, permanência e capacitação”. “Estou ciente de que a realização desse propósito não se dará do dia para a noite”, disse o presidente da Aguia no comunicado, no qual ainda promete encontros com dirigentes e equipes das bibliotecas a partir de outubro para planejar possíveis alterações. “Para alcançar o novo patamar pretendido será necessário implantar mudanças e realizar investimentos em pessoas e na infraestrutura das Bibliotecas Polo”, completou.

GABRIEL ARAÚJO

GABRIEL ARAÚJO LÍGIA ANDRADE

Aguia englobará setores físicos e digitais das bibliotecas

A transição começou.

Vidas secas: água continua acabando na Letras Quando ela falta, algumas aulas continuam, outras são canceladas; e já faz tempo dois anos frequentando a faculdade, presenciou a falta de água no prédio cerca de seis vezes, enquanto seu namorado, estudante da Escola Politécnica da USP há quase quatro anos, nunca presenciou algo assim em seu curso.

LÍGIA ANDRADE

JOÃO PEDRO MALAR

Em 21 de agosto deste ano, alunos das Faculdades de Ciências Sociais, Filosofia e Letras foram avisados pelo Serviço de Comunicação Social da FFLCH que suas aulas, nos períodos vespertino e noturno, seriam canceladas pela falta de água. O motivo seria a interrupção do abastecimento, causada por uma manutenção realizada pela Sabesp. Relatos apontam, porém, que o problema é corriqueiro, e que a falta de água atrapalha o prédio da Letras há anos. Raquel Malagoli, 20, decidiu entrar na USP para frequentar o curso de Letras em coreano. Entre finais de semestre e estudos literários, às vezes se depara com a estranha situação de não poder encher sua garrafa no bebedouro ou ir ao banheiro. Em quase

Para Raquel, Vidas Secas não se limita à obra de Graciliano Ramos

Para sempre provisório “Sempre falaram que o Prédio da Letras, desde que saiu da Maria Antonia, era um prédio provisório”, relata Raquel. Além da falta de água, a infraestrutura do prédio também parece preocupar os alunos. Infiltrações podem ser percebidas nos tetos e, quase semanalmente, cabines dos banheiros são interditadas para manutenção. Livia Pereira Santos, 20, do terceiro ano do curso de Letras em russo, revela que presenciou diversas vezes a queda de partes do teto, feitas de um material

frágil “como isopor”, em cima de alunos, por conta da infiltração. Quando não falta água, revela que sua cor é esbranquiçada, com alta concentração de cloro. Quando falta, geralmente por períodos de dois a três dias, muitas vezes as aulas não são canceladas, e os alunos precisam se locomover a outros prédios para poderem utilizar bebedouros e banheiros. No último dia 21, quem enfrentou essa situação foram os funcionários, professores e alunos do período matutino, que não tiveram suas aulas canceladas. A plataforma oficial de comunicação da FFLCH aconselhou àqueles que enfrentassem a falta de água em seus prédios, como o da Letras, a utilizarem os banheiros e bebedouros do Edifício Eurípedes Simões de Paula, dos cursos de Geografia e História.


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SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019 JORNAL DO CAMPUS

O Grande Furto da ECA Reportagem: Larissa Silva

Ilustração: Beatriz Cristina

Roteiro: Marcus de Rosa


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Aplicativo indica aumento da segurança na USP, mas números são contestáveis Os números decrescentes podem significar diminuição do uso e de registro das ocorrências

Segurança compartilhada: este é o conceito por trás do aplicativo Campus USP. Com o intuito de que a segurança pública da Universidade não seja só responsabilidade da Guarda Universitária, mas um assunto no que todos possam colaborar, o app, criado por uma equipe de técnicos do campus de Pirassununga e lançado no ano 2016, permite aos usuários registrar ocorrências que acontecem no interior do Campus – tais como furtos, roubos, atividades suspeitas ou violência contra as mulheres – que são encaminhadas na hora para a Guarda Universitária. Esta ferramenta é importante não só para facilitar o trabalho das forças de segurança, mas também como uma fonte de informação para o resto dos membros da comunidade universitária, graças ao chamado “mapa de segurança”, uma das funções do aplicativo. Nele, as ocorrências registradas são exibidas com localização e hora em que foram realizadas, dando uma imagem dos lugares do campus que possam ser mais perigosos, assim como o período do dia em que os crimes são mais frequentes.

Com um sistema baseado no conceito de segurança compartilhada, o nível de uso do aplicativo é fundamental, pois quanto maior for o número de usuários registrando ocorrências, mais completo será o mapeamento dessas e maior efetividade terá as ações da PPUSP. Numa cidade universitária com 100 mil pessoas circulando ao longo da semana, os pouco mais de 10 mil downloads que o aplicativo atingiu desde o seu lançamento parecem uma cifra distante do desejável, especialmente quando muitas delas pertencem a alunos que não fazem mais parte da Universidade ou que já desinstalaram o programa do celular. Talvez por isso o número de ocorrências registradas vem experimentando uma tendência decrescente cada vez maior nos últimos anos, algo que pode ter relação com uma diminuição da criminalidade, mas também com o menor uso do aplicativo. O repórter tentou entrar em contato com a Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária (SPPU) da USP sobre o assunto da reportagem, porém nenhuma resposta foi obtida até o fechamento desta edição do Jornal do Campus.

Número de ocorrências registradas no aplicativo Campus USP

ISABELLA VELLEDA

200

2015

BEATRIZ CRISTINA

CHRISTIAN VILLAVERDE

Falta de conhecimento do aplicativo é comum entre estudantes

Mais de 40% dos alunos desconhecem o aplicativo CHRISTIAN VILLAVERDE

Para aferir o grau de uso do aplicativo entre os alunos da USP, o JC realizou uma enquete com 100 alunos da Universidade. Para a surpresa da Redação, quase a metade (41,5%) nem sequer tinha noção da existência do programa. “Sério que existe algo assim? Nossa, que legal” ou “Acabo de saber dele por você” foram algumas das frases ouvidas durante a abordagem. Outro aspecto importante é que boa parte dos alunos que afirmava conhecer o aplicativo não tinha uma ideia aprofundada sobre a sua importância, utilidade e aplicação. Essa falta de informação sobre o Campus USP, mesmo para fazer as coisas mais básicas, também tem como consequên-

Você conhece o aplicativo?

150

Você já instalou o aplicativo?

2016

2017

cia que muitos alunos terminem por desinstalá-lo do seu telefone celular por não falta de noção de como utilizá-lo ou por considerá-lo pouco útil no dia a dia. “Eu tinha instalado [o aplicativo], mas não consegui me cadastrar, então terminei desistindo”, comentou um dos entrevistados. Quando perguntados como conheceram o aplicativo, a maioria declarou que foi por meio de alunos veteranos, amigos ou pelo simples acaso nas lojas de aplicativos. Porém quase nenhum dos entrevistados afirmava ter se informado da sua existência por meio de campanhas de divulgação ou por qualquer outro tipo de canal de comunicação institucional ligada à própria Universidade de São Paulo.

Sim 59%

100

Sim, tenho instalado

36% Sim, mas desinstalei

2018

17%

50

Não 41%

2019

0

Furto Furto Furto de Simples Qualificado Veículo

Roubo

Tentativa Sequestro Estupro de Roubo Relâmpago

Não

47%

ISABELLA VELLEDA


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SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019 JORNAL DO CAMPUS

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JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019

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Seguimos contando com a sorte Relatos da comunidade USP e cenas encontradas no cotidiano contribuem para uma sensação de insegurança dentro do campus

OS MUSEUS

levando-a embora. Fácil assim. Após o retorno da peça, pôde tornar essa história um símbolo da desproteção dos museus da USP – que, nesse caso, era vigiado por um controlador de acesso e por algumas câmeras que não fizeram tanta diferença. Em nova visita ao museu, vi a cena se repetir: uma excursão de muitas crianças brincava com as peças, e fiquei pensando se dessa vez não levariam mesmo alguma.

2001 havia acontecido um incêndio de grandes proporções no prédio central da ECA – que destruiu acervos importantes da Escola. Faço uma rápida pesquisa no google, e vejo que a coisa não é assim tão distante: em 2010, houve um princípio de incêndio que bombeiros tiveram de controlar, nesse mesmo prédio. E estamos aqui, esperando pelo próximo.

A Guarda Universitária é uma parte importante do sistema de proteção da USP. Vinculada à Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária, tem o objetivo de acompanhar os alunos e funcionários para que os protejam de ameaças. O problema, aqui, é mais delicado e mais absurdo, porque essas pessoas, que estão à serviço da comunidade, também estão desprotegidas. A falta de coletes à prova de balas e o fato de que eles dão flagrante apontando uma lanterna para a cara do infrator são chocantes o suficiente para que algo seja feito a respeito. Isso sem contar o polêmico fato de não usarem armas. E a questão se estende também aos “controladores de acesso” de cada departamento, que na verdade não têm qualquer equipamento de proteção nem preparação para um caso mais grave, e estão ali na nossa frente esperando pelo pior.

doutorandos (e, estranhamente, estes eram alguns dos mais novos e sofisticados do Instituto). No mesmo mês, um outro caso (HQ da página 6): o roubo de 29 notebooks do curso de Biblioteconomia. Um evento maior acontecia no mesmo prédio, o que talvez tenha facilitado o ir e vir do(s) indivíduo(s). Ainda assim, fica a pergunta: como assim levaram 29 notebooks?

Podemos lembrar de casos que simbolizam o “graças a Deus não aconteceu nada pior” na USP. Apenas pouco depois do massacre de Suzano, duas ameaças graves ocorreram na por aqui. Uma delas, numa sexta-feira, quando um homem entrou no Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE/ECA) sob o pretexto de usar o banheiro, mas foi para uma sala de aula. Ele a invade e, aos gritos, usa o professor como interlocutor. Um aluno relatou: “Ele chegou na sala e gritou: ‘professores, vim falar sobre a menina que vocês dizem que eu estuprei´. Aí o professor falou: “amigo, volta daqui uns 10 minutos, estamos em aula”. Ele: ‘agora eu sou amigo, é? Quando eu voltar vocês vão ver’.” “Desesperador” e “aterrorizante” foram palavras usadas pelos alunos para descrever a situação. O professor, ao contrário do que parecia por sua resposta controlada, sabia tão pouco quanto eles. Na segunda-feira, primeiro dia letivo após as ameaças,

uma secretária quis tranquilizar uma aluna que tentou contato, dizendo que os professores do Departamento estariam a par do ocorrido e que uma reunião estava marcada para o dia seguinte. Na verdade, eles não possuíam a versão dos alunos e nem a do segurança, o que os deixava atrás de onde queriam aparentar. Os alunos tentavam fingir, nos próximos dias, que nada iria acontecer. Nenhuma instrução ou sequer informação foi oficialmente repassada. Um dia letivo após o ocorrido, tudo que a segurança sabia era “que é um homem de mais ou menos 1,70 m”. Não sabia que ele havia prometido voltar. Dias depois, um vídeo de um homem gritando numa sala ao lado apavorou os alunos; e nesse momento estava desocupada a cadeira dos seguranças, bem como estaria novamente por um período considerável dali a uma hora. Caso o homem retornasse, a fuga seria difícil: porta única e janelas gradeadas. Passei semanas escolhendo lugares da sala que eu pensava ter mais chance de escapar de um possível ataque.

cimento de uma outra proposta aberta aos alunos. A SIPAT, entretanto, de fato tem livre acesso a todos os interessados. Esse ano, aconteceu nesse mês, e foi organizada por todas as CIPAs da USP em conjunto. Encontramos um “vídeo de encerramento” de 10 minutos na página oficial do evento, no Facebook, que na verdade nos deixou em choque. Entre músicas dançantes e palestras sobre saúde bucal e ciência divertida, há no final uma montagem de fotos de todas as pessoas que dormiram durante o evento – sem falar nas legendas “zueiras” comparando um funcionário

a um “minion” e outra pessoa ao Whindersson Nunes. Como já relatado no intertítulo “incêndios”, a Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária também não nos ofereceu muita ajuda além de indicar que baixássemos o aplicativo de segurança da USP. A SAS também disse que não cuidava desse tipo de assunto. O relato de Wagner e Luís, moradores do CRUSP, também nos acendeu para o fato de que a própria falta de aviso sobre possíveis acompanhamentos psicológicos, ali dentro da USP, esteja deixando esses moradores à deriva, e doentes.

REPRODUÇÃO/ FACEBOOK SIMPAT CONJUNTA

GUARDA UNIVERSITÁRIA

Investigando uma matéria da última edição do JC (“Procura-se um lugar para estudar na USP”), a repórter Larissa Silva acabou esbarrando em uma informação relevante: enquanto visitava o IME para entender o funcionamento de sua sala de estudos, a assistente administrativa do instituto contou que, no dia 22 de agosto, no bloco A, aconteceram furtos em 7 salas docentes. Não há câmeras de seguranças instaladas pelo lugar e a investigação sobre o caso ainda está se desenrolando. Mas é certo que levaram máquinas fotográficas e pertences de

BEATRIZ CRISTINA

Rochas chamam atenção ao entrar no Museu de Geociências da USP. Buscando valorizar nosso patrimônio geológico, o espaço guarda fósseis e minerais (preciosos ou semipreciosos) em prateleiras de vidro, à chave. Alguns deles, no entanto, ficam expostos em mesas compridas e abertas, em uma tentativa de uma interação maior com o visitante. Eis que nosso professor de jornalismo conta que, em um belo dia, levou suas filhas para visitar o museu, e, de repente, percebeu que a mais nova havia pegado uma pedra e estava

AMEAÇAS

FURTOS

LÍGIA DE CASTRO

Entramos na sala. Aula longa: 4 horas. O assunto vaga pelo espaço, enquanto olho, distraída, para a janela. Na janela, vários recortes do lado de fora – uma grade dividindo-o em tantos pedaços. Enquanto isso, na minha cabeça, a lembrança de que um engenheiro havia avaliado o mesmo prédio em que piso, e havia dito que “não sabia como ainda não tinha pegado fogo”. Penso na possibilidade do fogo, e enfim percebo que não poderia sair pelos ferros da janela – e, do meu outro lado, só há uma porta para a vazão tumultuada de tantos alunos. Percebo que também não sei usar um extintor, e que, em mais de um ano e meio estudando aqui, ninguém se preocupou em me ensinar um plano de evacuação do Departamento de Jornalismo e Editoração. Então me lembro que a situação é mais grave que isso. Porque não se trata apenas do CJE: no final de 2018, uma matéria do JC investigou e descobriu que ape-

nas uma, dentre todas as unidades da USP, possui o alvará dos bombeiros. Esse ano, são duas: um dos prédios da POLI, e o IEE. E indo um pouco além, também não encontramos nenhum órgão que pudesse nos informar de um programa de prevenção para os calouros. Não o SAS, não as CIPAs, e não a Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária (SPPU). Inclusive, ao contatar essa Superintendência (dizendo que, como alunas, queríamos saber de seus mecanismos de prevenção), recebemos a resposta de que não precisávamos nos preocupar, porque a USP é segura. E ainda ouvimos que um evento sobre prevenção acontece, sim, de seis em seis meses, em prédios diferentes da universidade. Mas a pessoa não sabia quando seria o próximo, quando tinha acontecido o último, e como, meu deus, poderíamos conseguir essa instrução. Nosso professor então nos alerta para o fato de que em

Na USP, nem todo risco é óbvio, e, às vezes, quando acidentalmente nos deparamos com algum deles, ficamos assustados. Existe um sentimento de insegurança muito presente por aqui, e que, na verdade, tem origem em fatos. Logo depois de nos introduzirmos no ambiente universitário, temos a sensação de que ele exis-

quilizamos pelo mantra do “nada vai acontecer”, porque, se acontecesse, ficaríamos de mãos atadas. Mesmo quando alunos vão atrás das informações, elas parecem inatingíveis, ou básicas demais como “baixe o app de segurança no campus”. Isso nem de longe resolve questões como as que tentamos retratar em seguida, em várias cenas (cotidianas ou não) de riscos que, de uma forma ou de outra, foram apresentados a nós.

o seu amigo acabou de quebrar a perna na cidade universitária, para quem deve ligar? Guarda Universitária, SAMU, SAS, HU? Se você respondeu Guarda, acertou. Segundo a assistente social do SAS, o problema é que só vamos pensar nisso na hora que algo der errado, e, às vezes, nessa hora não dá pra pensar. Outros tipos de situação também estão sendo aceitos como imprevisíveis e incontroláveis mais do que deveriam. Nos tran-

te há tanto tempo que existem planos de segurança bem estabelecidos, esquemas preventivos, instruções a se repassar; e que, enfim, existe alguém cuidando de tudo isso. O único problema é que não sabemos nada sobre tais associações preventivas e de acolhimento aos alunos, e na verdade nós deveríamos. Será que o problema sou eu?, poderíamos nos perguntar. Mas vamos ver você, responda rápido: se LÍGIA DE CASTRO

INCÊNDIOS

uma repercussão no grupo dos vizinhos, Wagner não sabe como essa história acabou ou se acabou. Guilherme, estudante de Editoração e morador desde 2016, alerta para outras cenas de desamparo como vazamentos de gás, somados a fios desencapados, ou de água sobre a caixa de luz. Há risco de ficar preso por horas no elevador. “Também nos deparamos com poças de urina ou fezes humanas na cozinha”. Ele reforça a questão da recorrência dos surtos de moradores e, nesses casos, outro risco é o de, sendo alguém que precisaria de apoio psicológico, acabar preso como um “bandido comum”.

LÍIGIA DE CASTRO

MARIA CLARA ROSSINI

A confusão entre público e privado faz com que seja difícil se sentir em casa no Crusp. É o que conta Wagner Silva, estudante de Geografia e morador desde 2017. Ele pontua que a sensação de segurança na moradia estudantil provém mais do privilégio de se ter um amigo como companheiro de apartamento, como é seu caso, do que de métodos desenvolvidos e aplicados com esse objetivo. “Eu já vi pessoas forçando a maçaneta do meu apartamento, que por sorte estava trancado, e também já vi esse tipo de tentativa em outros apartamentos. O porteiro não tem controle dessas ocorrências”. Ele ouviu vezes em que pessoas conseguiram entrar para os apartamentos pelas janelas do corredor para roubar. E a porta do seu próprio apartamento é diferente: foi arrombada e teve que ser trocada. O acesso é livre aos andares a todas as horas, para qualquer um. Segundo Ronan Lima, aluno de História, casos recentes envolvem furtos de bicicletas, e Wagner acrescenta ataques físicos de uma moradora psicoatípica. Depois de

ANA GABRIELA DOMPIERI

JOÃO PEDRO MALAR

CRUSP

NÃO-PREVENÇÃO Imersos em tantas situações de insegurança dos campi, seria de se esperar que os alunos tivessem ao menos um comitê/órgão que os preparasse para tais perigos. Ou que oficialmente os acolhesse quando a ameaça não pôde ser evitada, e quando não soubessem como lidar com ela. O JC tentou contato com algumas dessas possíveis associações, no entanto, e simplesmente foi sendo lançado para outros lugares. A CIPA, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, é uma organização de presença obrigatória a cada unidade de trabalho da USP (norma da CLT). Tais Comissões são responsáveis, entre outras tarefas, por traçar os Mapas de Risco de cada departamento, e pela realização anual de uma Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (SIPAT), de caráter instrutivo. Em contato com a CIPA da ECA, foi-nos dito que as comissões são mesmo voltadas para os funcionários, e que eles não tinham conhe-


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ESPORTES

SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019 JORNAL DO CAMPUS

Depressão e esporte: entre a causa e a cura Propriedades antidepressivas são geradas por diversos fatores hormonais e por mudanças de rotina e de convívio social DIEGO BANDEIRA

Esporte universitário De acordo com pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, 70% dos alunos de instituições federais no Bra-

sil sofrem de algum tipo de dificuldade mental ou emocional – como estresse, ansiedade ou depressão. Além disso, segundo a psicóloga Fernanda Mayer, da Universidade de São Paulo (USP), os índices de depressão entre estudantes de medicina chegam a 41%. Dentre as principais causas para o fato estão a insegurança sobre o futuro, a pressão por um bom desempenho acadêmico e profissional, além do cansaço e da irritabilidade. Portanto, há uma preocupação cada vez maior sobre o tema

ANDRÉ NETTO

Quem nunca sonhou em ser um jogador de futebol, ou em competir numa Olimpíada? Mas o caminho, além de longo, pode ser bem perigoso. A pressão de disputar em alto nível e de entregar resultados, as derrotas e as lesões podem levar os atletas a um caminho bem comum: a depressão. Um dos casos mais famosos no Brasil é o de Pedrinho, ex-jogador do Vasco da Gama e com passagens por diversos outros clubes brasileiros.

Transtornos mentais em jogadores de futebol, segundo amostragem de 826 entrevistados 38%

35% 28%

25%

23% 15%

18% 9%

Sintomas de estresse

Sintomas de depressão

Distúrbios do sono

Jogadores em atividade

ISABELA VELLEDA

Que o esporte proporciona enormes benefícios à saúde, não é novidade. Mas além dos aspectos físicos e estéticos mais óbvios, as atividades físicas têm se tornado uma das maiores aliadas no combate à depressão. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas sofrem com o problema, que será, até 2020, a doença mais incapacitante do mundo, ainda de acordo com a Organização. Assim, tanto para o tratamento depressão quanto para sua prevenção, a dica é literalmente suar a camisa. A prática esportiva faz com que organismo libere dois hormônios essenciais para o tratamento da doença: a endorfina, também conhecida popularmente como “hormônio da alegria”, que produz sensação de prazer e euforia, e a dopamina, responsável por promover efeitos analgésicos e tranquilizantes. Estudos também mostram que atividade física estimula o crescimento de células nervosas no hipocampo, região do cérebro que responsável pela memória e pelo humor. Além disso, exercícios ao ar livre também promovem a produção da serotonina, um importante neurotransmissor atuante na regulação do humor e da temperatura corporal. Esse conjunto de fatores fazem com que o esporte tenha propriedades antidepressivas, as quais, aliadas aos medicamentos e outros tratamentos convencionais, tendem a otimizar os procedimentos de cura e prevenção. Mas as propriedades antidepressivas do esporte não se resumem apenas a liberação de hormônios. Além da parte química, a atividade física oferece oportunidades de envolvimento social, aumenta a qualidade de vida e a autoestima, e promove uma mudança no hábito cotidiano do doente, fator fundamental no combate à doença.

Apesar dos benefícios que vão dos títulos à saúde, os atletas sofrem: eles têm maior taxa de depressão e ansiedade

Consumo

Ex-jogadores Fonte: FIFPro

e sobre a possibilidade de suicídio, que segundo a OMS, já é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Então, o esporte ganha novamente um papel fundamental. Uma universitária que virou exemplo notório de superação foi Larissa Paiva, que estudava educação física na Universidade Federal do Triângulo Mineiro quando foi acometida pela depressão. O receio de tornar-se dependente aos remédios despertou na garota o interesse pelo ciclismo. O apoio profissional não só é importante, como imprescindível, mas, em meio a todos os hábitos que podem contribuir para uma vida mais leve e prazerosa, não há dúvidas que o esporte ocupa um lugar primordial como um dos principais fatores no combate à depressão.

O próprio jogador já comentou em várias entrevistas que chegou a ser diagnosticado com depressão profunda, principalmente devido às lesões no joelho que o impediam de jogar futebol e à pressão por resultados. Conhecida como a patologia do século 21, a depressão está muito mais presente no esporte do que as pessoas imaginam: um estudo feito em 2015 pela FIFPro (Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol) apontou que 38% dos atletas tinham sintomas de depressão ou ansiedade. Foram entrevistados mais de 600 jogadores na pesquisa. A porcentagem de casos em atletas é bem maior do que a média global. No Brasil, um dos países com mais casos de depressão, 6% da população sofrem com a doença. A estimativa da

Organização Mundial da Saúde é que, até 2020, ela seja a mais incapacitante do mundo. Mas por que os números no esporte são tão mais elevados? De acordo com a professora Katia Rubio, coordenadora do Observatório de Psicologia do Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da USP, há “uma grande negligência quando se fala em saúde mental no esporte, principalmente no Brasil”. Quando algo tão crucial como a saúde mental dos atletas não têm a devida atenção, basta uma sequência ruim de resultados e tudo pode ir por água abaixo, com perda de patrocínio, de rendimento ou mesmo do contrato competitivo. Como explica a professora, “a obrigação do atleta não é apenas treinar e fazer a sua função, mas ele se vê obrigado a ganhar a qualquer preço. A derrota deixa de ser algo que faz parte da vida do atleta e do esporte para virar o que tem que ser evitado a qualquer custo”. No Brasil, são poucos os clubes que têm esse cuidado com o estado mental de seus atletas. Em 2017, apenas seis dos 20 clubes do Brasileirão possuíam um psicólogo dedicado exclusivamente ao time profissional. Isso se deve “porque ainda prevalece entre os clubes brasileiros a representação social de que a psicologia é um trabalho para loucos, e então não seria algo necessário para os atletas”, afirma Katia. A professora também destacou a crescente importância que grandes potências esportivas, como os Estados Unidos, vêm dando para o psicológico de seus atletas. “Seria muito importante que esse tema fosse tratado com mais carinho e responsabilidade dentro do esporte. A gente tem visto isso principalmente nos Estados Unidos, como isso tem sido cada vez mais cuidado e que, no Brasil, ainda não recebe a mesma atenção, o que mostra o quanto o esporte aqui ainda é amador”. Apesar de fenômeno global, a questão da depressão entre os atletas em território brasileiro projeta-se a níveis muito mais preocupantes, onde pressão por eficiência não caminham juntas à infraestrutura e auxílio à saúde dos esportistas de alto rendimento.


CIÊNCIA

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019

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Inclusão à vista: quem dá aula na universidade pública é o índio Evento da USP reúne pesquisadores indígenas pioneiros na conexão entre aldeia e laboratórios MARIAH LOLLATO

ARQUIVO PESSOAL

O custo de respirar ISABELLA VELLEDA

“De certa forma, respirar diminui a nossa expectativa de vida.” É esse o paradoxo exposto por Nadja Pinto, professora do Instituto de Química (IQ) da USP, em palestra realizada no dia 21 de setembro a respeito do DNA encontrado nas mitocôndrias, herança celular exclusivamente da mãe. Mas para entendê-lo, faz-se necessário voltar cerca de 2,5 bilhões de anos atrás. Nessa época, a atmosfera terrestre ainda não apresentava gás oxigênio em sua composição. As bactérias que habitavam esse planeta primordial eram anaeróbicas, não dependendo, portanto, desse gás para sobreviver. Quando começam a surgir bactérias fotossintetizantes, que precisam de luz, o oxigênio liberado por elas forma espécies reativas que intoxicam as bactérias anaeróbicas, oxidando seus DNAs e causando mutações. Para sobreviverem, as bactérias anaeróbicas criaram uma relação de simbiose com bactérias aeróbicas, que consumiam o oxigênio. Estas eram englobadas por aquelas, absorvendo o gás danoso e, em troca, recebendo proteção. Dessa combinação, surgiram as células eucariontes e suas mitocôndrias, ambas com o seu DNA próprio.

Eliel Benites, com 43 anos, é o primeiro professor de sua comunidade, o povo indígena Kaiowá. Se engana quem pensa que ele começou tarde: aos 17 anos alfabetizava os moradores da aldeia em guarani, a língua de seu povo. Foi capacitado na escola onde estudou, e onde também estudavam as outras crianças da aldeia. Hoje, é professor de Saúde e Gestão Territorial na Universidade Federal da Grande Dourados, a UFGD. A comunidade Guarani-Kaiowá, onde nasceu, fica próxima do município de Caracol, no Mato Grosso do Sul. Durante a entrevista com Eliel, pelo telefone, não é difícil perceber o sorriso em sua voz, quando lhe pergunto até quantos anos morou ali: “Saio para trabalhar, mas viver, ainda vivo lá.” O interesse pela ciência surgiu na adolescência. Pesquisadores costumavam visitar a comunidade e, por ser alfabetizador, Eliel era bastante abordado. Isso fez com que se aproximasse dessa forma de conhecimento.

GETTY IMAGES

Em 2006, ele iniciou a graduação em Licenciatura Indígena Teko Karandu, pela UFGD, curso onde é professor. Desde então concluiu também seu mestrado, e hoje é doutorando na Universidade Católica Dom Bosco. Sobre a inserção no meio acadêmico, Eliel acredita que, por se tratar de uma universidade pública federal, que está em contato com a cultura indígena, de alguma forma ele foi bem recebido. “Tinha muita abertura nessa questão da diversidade. Mas é claro que ainda existe muita resistência, até de alguns professores.” Eliel conta sobre a experiência de diálogo que tem sido construída entre a ciência tradicional e a cultura guarani. Em seu caso, a pesquisa na Universidade fez com que ele se conectasse a saberes com os quais, até então, não havia tido tanto contato. “A gente vai percebendo alguns conhecimentos que tem também como indígena. Faz a gente se aproximar dos mais velhos e de seus saberes. É como voltar às suas raízes”, revela Eliel, o professor Kaiowá. ISABELLA VELLEDA

Acima, modelo ilustrado de uma mitocôndria, célula respiratória. Segundo Nadja Pinto, oxigênio pode levar a acúmulo de mutações genéticas Hoje, as mitocôndrias ainda utilizam o oxigênio, mas com a intenção final de produzir energia para a célula. Esse processo se dá através do transporte de elétrons, que transforma o oxigênio captado em água e produz moléculas de ATP. O problema surge quando moléculas de oxigênio “escapam”, formando espécies re-

ativas. Essas espécies, por sua vez, podem oxidar moléculas e atacar o DNA mitocondrial, causando mutações como aquelas sofridas pelas bactérias anaeróbicas. Uma oxidação não reparada como esta pode acarretar em mutaçoes nas próprias proteínas da cadeia produtora de energia, criando um ciclo vicioso que finda em mais mutações.

Com a deficiência de moléculas ATP, os tecidos do corpo humano que mais demandam energia — como, por exemplo, o coração, o cérebro e os músculos esqueléticos — são prejudicados. É isso que leva Nadja a afirmar que, das principais causas de morte citadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), as mais comuns, como

as doenças cardíacas, AVCs e Alzheimer, podem ser resultado de disfunções mitocondriais. Ainda assim, a pesquisadora afirma que nem todas as mutações genéticas são prejudiciais, e algumas podem resultar em adaptações positivas ao organismo. O desafio está em descobrir como surgem as mutações maléficas para, enfim, evitá-las.


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EM PAUTA

SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019 JORNAL DO CAMPUS

Contra o desmonte da educação Ato diante da UNESP mostrou que universidades não são produtos do mercado

FOTOS: GIOVANNA STAEL


EM PAUTA

Fusão de cursos na Unesp é improviso que agrava crise

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DANIEL TERRA

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019

Até 15 de outubro, 40 unidades deverão apresentar propostas que poderão fundir outras graduações

No último dia 10 de setembro, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária da UNESP aprovou resolução que propõe a reformulação dos departamentos que não se adequam ao estatuto da universidade, segundo o qual um departamento de ensino deve ter no mínimo 10 docentes para existir. Em São Paulo, o Departamento de Artes Cênicas, Educação e Fundamentos da Comunicação e o Departamento de Artes Plásticas serão fundidos por terem, respectivamente, sete e nove professores. O baixo número de docentes provém de aposentadorias, falecimentos ou saídas, e faz com que o pessoal da ativa suporte um quadro de sobrecarga, entre aulas e orientação de pesquisas. O panorama é ainda pior se visto de longe: em 2015, a Unesp contava com 3.826 docentes. Com perda de 20%, encara 2019 contabilizando 3.051. A situação é ainda mais grave com as tentativas de corrigir o problema com professores temporários ou estudantes de doutorado – que ministram aulas ganhando uma bolsa de aproximadamente R$ 400,00 –, ao invés da abertura de editais efetivos. A Unesp não contrata novos docentes desde 2014. A reestruturação, porém, não se restringe aos departamentos do Instituto de Artes na capital paulista. Até 15 de outubro, cerca de 40 outras unidades deverão apresentar propostas de regularização, de acordo com a resolução aprovada. Financiamento As universidades estaduais paulistas se sustentam com repasses de uma mesma fonte: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ICMS, cuja arrecadação varia de acordo com o consumo da população. Ou seja, tende a diminuir em períodos de crise. O repasse destinado à Unesp é o mesmo desde 1995, e não acompanha a expansão da Universidade. Quase a totalidade do orçamento é destinado para o pagamento de salários dos ativos e aposentados. Por conta disso, a Unesp vem discutindo projetos de sustentabilidade financeira.

A medida que funde cursos em São Paulo provém de discussão iniciada em 2018, que envolve reformas administrativas, acadêmicas e um teto de gastos com salários. O texto do plano de reestruturação, divulgado em outubro do ano passado, também sugeria “avaliar a pertinência de manutenção de oferecimento de cursos com baixa procura e de altos índices históricos de evasão”. Uma outra medida prevista foi a extinção do vestibular de inverno, suspenso a partir deste ano. Em nota, a Unesp informou apenas que as reformulações departamentais devem “estimular que docentes com diferentes expertises se aproximem, aumentando a multidisciplinaridade”. Na prática A fusão de departamentos pode não parecer grave. Porém, com a reestruturação, surgem diversos problemas. Na análise do professor Antônio Carlos Mazzeo, a fusão de departamentos objetiva um corte de gastos. Isso se daria por meio da diminuição de funcionários e da distribuição da carga de trabalho entre os professores, evitando contratação de docentes. Outro problema seria a redução da oferta de vagas. Em entrevista ao JC, Mazzeo comenta que “nem mesmo o número de professores substitutos tem sido suficiente”. Como consequência, alguns cursos estão propondo a redução do número de vagas. A unificação de departamentos, por mascarar a demanda de contratações, aprofunda ainda mais esse problema. Além disso, a minuta do projeto de reestruturação deixa em aberto questões como a divisão da escassa verba, que será disputada internamente em cada departamento, entre cursos com diferentes demandas.

DANIEL TERRA

GIOVANNA STAEL

Estudantes protestam contra as fusões de cursos na Unesp

“O que acontece é um sucateamento mesmo, não resolve o problema real, apenas o agrava a longo prazo.” — Vitor Gimenez, estudante de Música e membro do Diretório Acadêmico

USP e Unicamp também podem fundir cursos? LAURA SCOFIELD

A USP, a Unesp e a Unicamp formam a tríade de universidades estaduais de São Paulo. As três estão entre as melhores da América Latina e são responsáveis por cerca de um terço das pesquisas nacionais. Além de compartilharem os desafios do ensino público brasileiro, compartilham também do mesmo imposto, o ICMS, pago sobre tudo que é consumido no estado. Crises em uma das três universidades públicas paulistas pode indicar o que o futuro resguarda para as outras. 2019 tem sido um ano difícil para a ciência e o ensino federal. Cortes – ou contingenciamentos? – foram anunciados, ao mesmo tempo em que o governo federal questiona a existência e importância de áreas como as humanas e as artes. Neste cenário, as estaduais pareciam estar um pouco mais distantes de serem afetadas, já que sua verba provém de outras fontes. Porém, como pontua Luiza Burgarelli, do DCE Livre da USP, esta impressão é falsa, pois os governos federais e estaduais são semelhantes no que diz respeito a quais são as funções e prioridades do ensino público. Os departamentos da Unesp foram fundidos por falta de professores. A Universidade de São Paulo tem regras ainda mais duras quanto ao número mínimo de docentes que deve formar um departamento. Enquanto na UNESP são 10, na USP são 15. Isso quer dizer que é ainda mais fácil que, com aposentadorias e contratações insuficientes, fusões ocorram. Um caso a ser citado é o do Departamento de Comunicações

e Artes (CCA) da ECA. Em relatório publicado em dezembro de 2017 e aprovado pela Comissão de Coordenação de Curso do CCA, a conclusão foi que, mantida a situação, em 2023 o Departamento contaria somente com 10 professores efetivos, não atendendo ao número mínimo imposto pela USP. Tal inviabilização das atividades afetaria não só o curso de Educomunicação, mas todos os que têm disciplinas no local. São eles: Biblioteconomia, Editoração, Publicidade, Relações Públicas, Turismo e Design da FAU, além de optativas. Ao todo, o CCA oferece 45 disciplinas, contemplando 1.150 alunos por semestre. Neste debate, vale lembrar sobre a questão da autonomia universitária e como reitores e administração das universidades tem se posicionado. No dia 15 de agosto de 2019, três meses depois da primeira grande manifestação de rua em defesa da educação, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas organizou um evento que celebrava os 30 anos da autonomia de gestão financeira universitária, com reitores das três estaduais. O evento tratou a autonomia de gestão como conquista importante, mesmo que nem sempre fácil, a verba fica reduzida em tempos de crise. Com uma reforma tributária prevista que pretende acabar com o ICMS, e uma CPI instaurada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para investigar o que está semdo produzido nos campi, o debate sobre liberdade na universidade e autonomia financeira se torna ainda mais urgente e necessária.


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EM PAUTA

SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019 JORNAL DO CAMPUS

“29 dias presos são como 29 semanas” Dupla de jovens do Jardim São Remo conta como estão retomando a vida e os sonhos após terem sido presos injustamente por assalto no mês passado

Os nomes de Ytalo Gabriel de Carvalho e Arlailson da Silva estamparam algumas manchetes de jornais no último mês. O motivo: os dois jovens teriam sido reconhecidos como autores de um assalto próximo à comunidade Jaguaré. Após 29 dias presos, ambos foram soltos e agora aproveitam a liberdade junto com a família. Eram inocentes. Não era difícil provar isso: a geolocalização do celular mostrou que eles não estiveram no local do crime, gravações mostraram que a descrição dos dois não batia com o que foi dito pela vítima e, mesmo assim, foram reconhecidos por ela. Segundo Ytalo, foi fácil para a acusadora reconhecê-los: “Para ela a gente era só mais um”. A prisão da dupla de jovens ocorreu no dia 16 de agosto. A partir daí, foram 29 dias de reclusão e sofrimento para a família. Os dois perderam datas importantes, como o dia dos pais. Arlailson passou o próprio aniversário preso, a mãe não pôde visitá-lo por conta do trabalho, e o jovem recebeu os parabéns através da psicóloga do time de futebol em que atua e que o acompanhava a cada 15 dias. Ytalo perdeu o aniversário do irmão mais novo, para o qual fazia planos: “Eu falei para ele, vou cortar o cabelo dos lados e passar a buxinha.” Entre os relatos sobre os dias presos, o que mais marca é o sentimento de preocupação. “Era tranquilo até, a gente jogava bola e os moleques eram tranquilos. Mas o que mais pesava é você pensar em como tá sua família. O pior é você ter hora para abraçar sua mãe”, conta Arlailson. Ytalo completa: “o pessoal fala que tá sofrendo do lado de fora, mas quem sofre mesmo é a família.” O caso, como descreve Ytalo, foi “mais uma barreira da vida”, barreira que ambos superaram juntos. A conexão de amizade entre eles é forte. Cresceram juntos, estudam juntos, jogam juntos, foram presos juntos, saíram juntos e dão a volta por cima juntos. Com o fim do julgamento, o advogado dos dois conseguiu um emprego para eles. “Lá na vidraçaria o patrão tá ensinando a gente. Já começamos a cortar o vidro, ele vai levar a gente pras obras. Essa semana ele ensinou

a fazer os orçamentos.”, conta Arlailson, entusiasmado. Ytalo faz planos para comemorar o tão esperado aniversário do irmão mais novo: “Já falei pra ele: deixa chegar dia 5 que nóis vai pra churrascaria”. Amigos na vida, colegas de time, porém a rivalidade saudável existe. Ytalo é ponta esquerda; foi, inclusive, finalista da Taça das Favelas. Arlailson é zagueiro, e também fazia parte do time, mas foi cortado do torneio por causa de um exame cardíaco. A rixa entre atacante e

THAISLANE XAVIER

JOÃO VITOR FERREIRA

defensor não passa de gozação: “Vou nem te falar do rolinho que esse aqui tomou hoje”, diz Ytalo sobre o jogo que eles haviam jogado pela manhã. “Que rolinho? Foi cagada. Eu fui marcar ele e ele deu um toque todo louco. Foi cagada!”, responde Ytalo, se justificando. Futebol é, além de sonho, motivação. A conversa foi interrompida diversas vezes para comentarmos o jogo que passava na TV da sala/cozinha da modesta, mas bem arrumada casa de três cômodos, onde Arlailson mora com a mãe e o pai. Na parede, o calendário do Santos entregou a paixão do garoto, que não perde nenhum jogo e faz questão de criticar a má fase do time enquanto Ytalo, corintiano, tira sarro. Para superar quase um mês que cumpriram pena injustamente, os garotos se apegaram à fé. Ytalo conta: “havia dias em que até acordava revoltado, com raiva, se não fosse por Deus, poderia ter perdido a calma”. Arlailson buscava refúgio naqueles dias que pareciam não passar:

“Quando voltei para casa, não sabia mais como era. Imagina, 29 dias aqui eram 29 semanas lá. Mas aí eu conversava com Deus e ele me dizia que era só uma tempestade e que eu tinha que ser forte.” Entre os relatos de preconceito e racismo que sofreram, os garotos mostraram que não se abalaram. Além da frustração por terem cumprido pena por um crime que não cometeram, a indignação foi um dos principais sentimentos: indignados por terem sido algemados sem nem saber porque, por pagarem por algo não fizeram, por terem sido ofendidos e humilhados pelos policiais que os abordaram. Agora livres, buscam limpar o nome que foi sujo pela injustiça e seguem atrás do sonho de serem jogadores de futebol. Da mesma forma que arranjou um emprego, o mesmo advogado conseguiu também um teste para eles no time do São Caetano. As cabeças que tanto tiveram que abaixar durante os 29 dias

presos, agora não se curvam. Juntos, ambos vão recomeçando, ou como dizem, vão superando essa barreira da vida. Barreira que mesmo injusta, parece não trazer tantas mágoas. As histórias sobre os momentos difíceis, agora contadas até com uma certa alegria e risadas, são marcas da superação de quem não vai se deixar abalar, por maiores que sejam as injustiças da vida comum do povo pobre brasileiro.

“Enquanto você não me tratar com respeito, eu não sei onde eu moro.” — Ytalo Gabriel para policial que o ofendeu durante a abordagem


CULTURA

JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019

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Pesquisas continuam no Museu do Ipiranga Mesmo com a reforma, acervo do Museu Paulista da USP está sendo usado; novas peças são adquiridas

Ao entrar no Museu Paulista (MP), o cenário se assemelha a um canteiro de obras, ainda sem o movimento corriqueiro de engenheiros e construtores. As obras, oficialmente inauguradas no simbólico 7 de setembro, ainda não começaram. O Museu do Ipiranga é um marco no imaginário brasileiro e também na paisagem urbana de São Paulo. É um marco também para a Universidade de São Paulo, que além de ser responsável pelo local, realiza pesquisas no acervo. Mesmo fechado há seis anos, o Ipiranga continua contribuindo para a formação de alunos e professores. E, curiosamente, continua adquirindo novas peças. É o que revela a dissertação de mestrado feita por Leonardo da Silva Vieira, que investiga a política de aquisição de acervo de 1990 a 2015. Desde o fechamento do museu, em 2013, as obras adquiridas foram transferidas para a reserva técnica, junto com as antigas. O crescimento do acervo é uma das justificativas para as reformas, afirma Cecília Helena de Salles, do-

cente sênior e diretora do Museu até fevereiro de 2012. “A medida em que avançamos no tempo, o museu precisa recolher coleções e registros para a posteridade”. A reforma é discutida há algum tempo. Desde 1990, fala-se sobre a necessidade de restauração do prédio, que completa 124 anos. Além de melhoria da infraestrutura, é preciso pensar em novas demandas, como acessibilidade. Do modo como está hoje, o Ipiranga não atende pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência visual, o que contrasta com outros espaços culturais da cidade de São Paulo. Mudanças ocorrerão no entorno do prédio. Apesar de proporem alterações “modernizadoras”, como a inclusão de escadas rolantes e um saguão de entrada um tanto quanto futurista, Cecília acredita que isto não terá impacto negativo na identidade do museu. “O Museu não vai perder a identidade dele nunca. O prédio do museu faz parte da cidade de SP e do imaginário brasileiro. A intervenção não vai descaracterizar de maneira nenhuma. Ao contrário, vai permitir que

Obras do Museu estão previstas para 7 de setembro de 2022. Mesmo assim, reforma ainda não foi iniciada.

maior número de pessoas tenha acesso ao prédio.”

ISABELLA VELLEDA

MARIA EDUARDA NOGUEIRA

Número de visitantes do Museu do Ipiranga, por ano

400.000 350.000 300.000 250.000 200.000 150.000 100.000 50.000 0

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Como andam as pesquisas Apesar da interdição das visitas por causa da reforma, ainda é possível desenvolver projetos com o acervo. Atualmente, os interessados em pesquisar os arquivos textuais ou iconográficos devem agendar a visita a um dos espaços de reserva técnica, nas proximidades do prédio. Leonardo Vieira, que fez sua dissertação entre os anos de 2016 e 2018, usou exclusivamente a documentação do Ipiranga. Todo o acervo é tombado, embora muitas peças adquiridas ainda na década passada não tenham recebido seu registro de tombamento. Para Cecília, que acompanhava as previsões de uma grande intervenção no prédio, “se não mantivermos as atividades, o acervo não vai ser cuidado e também nós não daremos continuidade aos projetos de pesquisa de cada professor e de seus respectivos alunos.” As pesquisas são um jeito de zelar pelo Museu.

Reformas impedem visitas de escolas públicas Ao visitar o Museu, alunos se sentiam parte da História CAROLINA FIORATTI

MARIA EDUARDA NOGUEIRA

“Quando penso que a última visita que fizemos ao museu foi em 2012, tenho uma tristeza grande de pensar em quanto nossos adolescentes estão deixando de aprender. A história do Brasil estava lá, a alguns metros de nós” — Flávia Kairalla

O Museu Paulista lembra o passado. Não apenas aquele passado do descobrimento do Brasil ou do grito da independência, mas sim os tempos de escola, em que eu, crescida no Ipiranga, visitava o espaço com meus colegas e professores ou apenas levava familiares de fora de São Paulo para conhecer. Pensando nisso, questionei-me: quantas crianças não tiveram a chance de estudar a história do país da mesma forma que eu? Procurei a ex-coordenadora da minha antiga escola, Flávia Kairalla. Ela explica que eram levadas por visita, aproximadamente, 30 alunos. O passeio era realizado anualmente com todas as turmas do nono ano. “Quando penso que a última visita que fizemos ao museu foi em 2012 e que isso já faz sete anos, tenho uma tristeza grande de pensar em quanto nossos adolescente estão

deixando de aprender. A história do Brasil estava lá, a alguns metros de nós.”, diz a educadora, que trabalhava a 12 minutos do Parque da Independência. Flávia, que também é historiadora, conta que, apesar de morarem perto, muitos estudantes da escola, que era pública, nunca haviam visitado o interior do museu. Ela acredita que a cultura ainda é vista como algo reservado à elite, então, conhecer o museu fazia com que os alunos se sentissem valorizados e incluídos na história. “Pela primeira vez, aquilo que eles viam nos livros fazia sentido para eles”, completa. Raphaela Panontin, crescida no bairro, conta que a escola particular onde estudou também fazia visitas ao museu. Para ela, é uma grande perda o fechamento, pois restringe o conhecimento da história brasileira. A jovem conta que seu irmão de nove anos nunca entrou no local.


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CULTURA / CRÔNICAS

Q

uerido diário,

Diante da onda de furtos qualificados que vem ocorrendo na Cidade Universitária, estou apreensiva e, por isso, tentei buscar uma forma de prevenção lendo o Incrível Panfleto das Medidas de Segurança. É possível encontrar um exemplar sendo usado como calço ou em lugares como aquelas mesinhas das bibliotecas onde há papéis desde 1980 ou antes, pois a escrita do panfleto é mais erudita do que uma fusão entre Machado de Assis com José de Alencar. Talvez, posso criar paranoias em relação à minha segurança dentro da bolha social criada nesse lugar ou usar a criatividade para encontrar alternativas melhores. Alguns trechos interessantes para aplicarmos no dia a dia também: “Quando alguém se aproximar pedindo esmolas ou fazendo qualquer pergunta, tome cuidado, pois esta é uma forma de aproximação usada pelos infratores.” Contato humano é algo realmente difícil, principalmente se alguém pergunta alguma informação que eu não sei. Na dúvida, saia correndo. “Evite carregar bolsas ou carteiras. Caso seja necessário, as leve junto ao corpo, protegidas pelo braço ou mão, e nunca voltadas para rua”. Depois dessa dica preciosa, levarei meus livros em um carrinho de feira, minha sacola de pano fica suja quando a coloco no chão do circular. Grupinhos que andam vagarosamente pelas calçadas sempre são um pesadelo pra quem está com pressa, por isso outra dica de segurança seria “caminhe contra o fluxo do trânsito.” Grande risco de ser atropelado, mesmo. Já tentou fazer nas avenidas largas da Cidade Universitária? Acho o trânsito de São Paulo muito hostil, não que as cidades vizinhas sejam tranquilas. Todo dia, no meu caminho

até aqui, vejo briga de trânsito. Se eles soubessem que, segundo o panfleto de segurança da USP, “se for ameaçado por algum condutor de veículo, corra em sentido oposto ao dele, grite e peça socorro”, acabaríamos com o problema de mobilidade e segurança… ou só seríamos atropelados. Ando distraidamente pelos lugares, não adianta. Quando descobri que “à noite, caminhe sempre afastado de muros e, ao dobrar esquinas, o faça da maneira mais afastada da curva”, tive certeza: se eu encontrasse alguém na rua, eu poderia esbarrar e, assim, eu estaria cometendo a primeira infração que citei. Desde que fui demitida, venho tentando economizar o dinheiro da conta, mas preciso me alimentar durante as aulas. “Os valores para necessidades imediatas (como transporte, alimentação, etc) devem ser separados das notas de maior valor.” Com um total de 15 reais na carteira e quase devendo no banco, a dica “evite levar grandes quantias em dinheiro para efetuar suas compras” não ajuda os amiguinhos com cartão de crédito pago pelos pais. Tudo bem, as tias dos restaurantes preferem que você pague com trocados para facilitar o troco. Realmente, aí eu tenho que concordar, porque são melhores do que os talões de cheques. Na verdade, talão de cheque, no singular, pois, segundo o panfleto, “evite trazer consigo mais de um talão de cheque.” Sabe o que é mais estranho? O panfleto resiste bravamente à tecnologia coexistindo com o APP de segurança. A dica de procurar ajuda ligando para o Serviço de Prevenção e Proteção da Universidade ainda tá lá! Já tentou usar o celular em alguns lugares como a Rua do Matão e onde o eduroam não chega?

SEGUNDA QUINZENA | SETEMBRO 2019 JORNAL DO CAMPUS

Descobri um velho panfleto de (in)segurança da USP TEXTO E ARTE

BEATRIZ CRISTINA

Escrevo coisas óbvias entre as páginas desse diário. Uma delas é “caso seja abordado por um infrator, nunca reaja, pois ele pode estar armado e, geralmente não age sozinho.” Nunca vi alguém cometer um assalto apenas na base do grito o crimes graves sem intimidar e render sua vítima. É um pouco inocente pensar desse jeito, sem pensar na imprevisibilidade humana. Apesar de não fazer parte de nenhuma atlética e não conseguir fazer alguma atividade do Cepeusp, gosto muito de esportes. Quando estou empolgada acabo comprando alguns equipa-

mentos, como patins, raquetes, capacetes, luvas de boxe… mas nunca comprei um apito. E agora? Aqui fala que “ao caminhar em lugar ermo,tenha consigo um apito, como aqueles dos juízes de futebol. Ele poderá ser útil para chamar a atenção, mas nunca use na presença do infrator.” Ué...entramos em um paradoxo.

Chegando em casa, enxerguei o amarelo gasto daquele velho sofá que você havia me dado, e virou meu barquinho particular. E, mesmo tendo visto o mar diversas vezes, naveguei por águas nunca experimentadas. Havia ilhas com jardins de orquídeas, de mais variadas cores, do vermelho ao azul

claro, que você tanto gostava de cuidar. E como uma orquídea, na valsa de sabores e pensamentos, brotava o que eu ia carregar e nutrir por toda minha vida: uma saudade que machuca e dá prazer. Uma saudade sincera, o desejo de nunca ter experimentado esse oceano de sofrimento.

Querido diário, Por falta de espaço entre suas páginas restantes, deixo meus registros sobre as outras dicas para um próximo caderno.

E... GUILHERME ROQUE

JOÃO GENEROSO

Eufórico no carro, cheguei lá. E então soube que não ia te ver mais. E tudo ficou preto. E eu fiquei surdo. E não havia cheiro. E a única coisa que funcionava na minha cabeça era aquela música que você gostava.


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