Regiao de Leiria, 13 de Maio de 2011

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Família

A oficina é que é precisa, a reforma nem pensar

Sucessão Francisco Hingá haveria de ficar orgulhoso dos netos. Aos 80 anos, os irmãos Mó, Quico e Zé mantêm viva a oficina de automóveis mais antiga do distrito. “O que é que íamos fazer? Para o jardim, ver a banda passar?” 46

Região de Leiria — 13 Maio, 2011

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Paula Sofia Luz No rádio, Simone de Oliveira canta “A Banda”, de Chico Buarque, enquanto Adrião (Mó) limpa as mãos sujas de óleo e ajeita a bata de mecânico. O irmão mais novo, José, ajuda-o naquele ofício desde sempre, enquanto Alfredo (Quico) trata da papelada no escritório. Quando o repórter fotográfico lhes pede que avancem para o portão da oficina, a pose encerra todo o património daquela família. Aqui estão os irmãos Hingá, herdeiros de um pedaço importante da história de Leiria, sucessores do avô Francisco – o amanuense, o visionário, o inventor, que em 1875 fundou a que viria a ser a primeira oficina de automóveis do distrito, ainda hoje em actividade. Lá dentro, é como se o tempo tivesse parado. Adrião – que a cidade inteira conhece por Mó, diminutivo

que usa também para assinar os quadros que pinta – tem 82 anos e brinca com a realidade: “este rádio está a trabalhar no mesmo posto há 150 anos”. Talvez não seja o caso do rádio, mas é com certeza o que acontece com muitas das ferramentas que ainda lá estão. Na verdade, quando passamos o portão da Oficina Francisco Hingá, em frente à Sé de Leiria, não é só de automóveis que reza a história. No princípio, era o ferro e a fundição. Foi assim que nasceu, pela mão de um rapaz natural da Sarzedela (Ansião), em pleno século XIX. “O meu avô veio para Leiria com as patroas, conhecidas como ‘as senhoras de Monchique’, que foram viver para o convento de Sant’Ana. Ele, cá fora, era o negociante do dinheiro. Assentou praça como amanuense no Quartel de Caçadores 6. E por cá ficou”, conta o neto Quico, 81 anos, enquanto desembrulha o

quadro regressado há pouco de uma exposição na antiga escola Comercial (hoje Domingos Sequeira), que boa parte da família frequentou. O quadro emoldura o diploma que o avô trouxe de Paris, em 1900, a propósito da exposição onde participou, como inventor do descarolador de milho. Ganhou esse e outros prémios, mesmo antes de chegarem a Leiria os primeiros camiões e, mais tarde, os primeiros automóveis, e transformar a oficina numa autêntica escola para gerações de mecânicos da região. De modo que o filho Adrião (pai destes três rapazes) lhe seguiu os passos. Morreu novo, mas teve tempo de passar aos filhos o gosto pela oficina da família. E na terça-feira passada, aos 10 dias deste mês de Maio, lá estava o trio, como todos os dias. “Abrimos sempre às nove. Estamos aqui até à uma. Abrimos às três e fe-


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