NotiFax 31_Dez_08

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Caracas, Venezuela * Ano VIII – Época II * 31 Dezembro de 2008

Para além das efemérides que fomos recordando ao longo de 2008, nesta nossa última edição do ano não podemos deixar de lembrar duas mais, entre algumas outras que mereciam igualmente terem sido registadas e não o foram por falta de oportunidade. Hoje vamos debruçar-nos brevemente sobre duas figuras da cultura portuguesa: Trindade Coelho e António Lopes Ribeiro, escritor um, cineasta o outro.

Trindade Coelho, atormentado até ao suicídio José Francisco Trindade Coelho nasceu em Trás-os-Montes, especificamente na cidade de Mogadouro, em 1861 e suicidou-se em 1908, um ano depois de ter pedido a demissão do cargo de juiz, posição que ocupava em Lisboa, onde viveu grande parte da sua vida. A infância, passada na região transmontana, aparece registada na sua obra de contista – podemos dizer sem risco de exagerar que se trata de um dos mestres do conto rústico português – caracterizada por um ambiente tradicionalista, retratado com maestria mas sem intuitos moralizantes. Com o apoio de dois sacerdotes fez os primeiros estudos de Latim na sua terra natal, mas pouco tempo depois já estava no Porto para fazer a secundária. Posteriormente, passaria a viver em Coimbra, onde se formou em Direito. Ainda que fosse de família rica, teve de terminar o curso pelos seus próprios meios – dando explicações e escrevendo para os jornais – porque o pai lhe negou o apoio económico tão cedo como soube que o jovem tinha chumbado o primeiro ano. Ainda estudante, casa e tem um primeiro filho. Já advogado, manteve-se algum tempo em Coimbra, mas optou finalmente pela magistratura, para o que contribuiu, e não pouco, o apoio de Camilo Castelo Branco, que lhe admirava o talento literário. Em boa hora se deu essa “cunha” porque Trindade Coelho, republicano de formação, cedo se revelou um juiz de grande integridade moral. Exerceu no Sabugal, em Portalegre (onde fundou dois jornais) e depois de um tempo em Ovar, vemo-lo finalmente em Lisboa, numa época nada fácil – a do Ultimatum Inglês – circunstância que o obrigou a fiscalizar a imprensa da capital. A fama de magistrado e de escritor não o defendem de algumas críticas que o incomodam e decide afastar-se de Lisboa e vai até Cabo Verde com a finalidade de defender 33 presos políticos. Depois de três meses de luta legal, triunfa e consegue a liberdade de todos os acusados. Mas chega mais longe: os acusadores terminam presos! Ainda que Eugénio de Castro tenha dito que era “alegre como uma romaria”, Trindade Coelho foi sempre um atormentado, um insatisfeito com a vida, e acabou por ver no suicídio a saída das suas várias angústias pelo que a 9 de Junho de 1908 decide terminar com tudo. Se bem que não teve uma vida muito longa, ela foi suficiente para deixar marcas como jurídico e jornalista, além de no campo da intervenção cívica e na área da literatura. É impossível não destacar, por exemplo, a sua actividade pedagógica, na senda de João de Deus, desenvolvendo nesse terreno uma importante acção no sentido da alfabetização do povo


português e tentando elucidá-lo democraticamente. Boa parte da sua obra de escritor foi feita pensando na gente mais simples e não está demais lembrar aqui que lhe devemos a simbólica Parábola dos Sete Vimes, que muitos de nós lemos ou ouvimos relatar durante a nossa infância. De entre as suas obras literárias, que começaram com Os Meus Amores (1891), tem especial relevo In Illo Tempore (livro de memórias de Coimbra-1902), que já conheceu grande número de reedições.

* Lopes Ribeiro, pioneiro do cinema português António Lopes Ribeiro nasceu em Lisboa, a 16 de Abril de 1908, e aos 17 anos já se dedicava à actividade que lhe ocuparia toda a vida e na qual deixaria uma marca na história do cinema português. Por volta dos 17 anos começa a escrever crítica cinematográfica – assinava com o pseudónimo de Retardador no Sempre Fixe – e pouco depois colaborava no Diário de Lisboa. Três anos mais tarde assina Bailando ao Sol, o seu primeiro documentário. Além de crítico foi também fundador de revistas cinéfilas, entre elas Imagem, pioneira no género. Ao longo dos anos, Lopes Ribeiro passaria por quase todos os sectores da produção cinematográfica e bem se poderia dizer que para ele não havia, no cinema, segredo algum que não conhecesse. Para esta situação muito contribuiu que, a partir de 1929, visitasse vários estudos europeus, entre eles o de Moscovo, onde conheceu Serguei Einsentein e Dziga Vertov, dois gigantes do cinema soviético. Contudo, o realizador de A Menina Endiabrada (1934), filme alemão com algumas cenas rodadas em Portugal, penderia para o quadrante político oposto, após uma abordagem de António Ferro, responsável pela propaganda do regime fascista, que o convidou para fazer Revolução de Maio, um filme sobre os dez anos do regime. De facto, entre 1940 y 1970, mereceria com absoluta justiça o título de “cineasta do regime”, devido a filmes como Feitiço do Império (1940), Manifestação Nacional a Salazar (1941), Jubileu de Salazar (1953), 30 Anos Com Salazar (1957) e Portugal de Luto na Morte de Salazar (1970), entre muitos outros que lhe marcaram a obra e a vida. Contudo, também são dele Amor de Perdição (1943), Frei Luís de Sousa (1950) e Primo Basílio (1959), três filmes correspondentes a outros tantos grandes textos da língua portuguesa. Que os filmes não estivessem à altura dos livros é outra questão. Dele é também Pai Tirano (1941), comédia de grande sucesso de público. E como produtor o seu nome está associado a Aniki-Bóbó, de Manoel de Oliveira, e a’O Pátio das Cantigas, onde actou Ribeirinho, seu irmão. Independentemente da sua filiação política, há que reconhecer em Lopes Ribeiro, que foi, além de um apaixonado pela sétima arte e de uma das figuras mais importantes do cinema português, um homem multifacetado. Na rádio, por exemplo, chegou a ser director da Emissora Nacional, o que diz bem da sua identificação com o regime político de então. Em 1957, com a aparição da televisão, apanhou o respectivo comboio e apresentou durante algum tempo Museu do Cinema, que teve de abandonar com a Revolução dos Cravos, que generosamente lhe devolveria o programa em 1982. Finalmente, em 1995, faleceria na mesma cidade onde nascera, deixando uma extensa obra cinematográfica tanto no documentário como na ficção.

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* Livro de Bordo em catalão José Cardoso Pires (São João do Peso, 1925 – Lisboa, 1998) acaba de ser editado em catalão por iniciativa da Universidade de Valência. O texto escolhido foi Lisboa: Livro de Bordo, crónicas publicadas um ano antes da sua morte. Ainda que nascido fora de Lisboa, viveu muito tempo na capital e a obra agora traduzida pelo poeta Vicent Berenguer, que já publicou Herberto Helder, Eugénio de Andrade e Rubem Fonseca, está atravessada pela sintaxe lisboeta, na medida em que o autor de Os Caminheiros e Outros Contos, assumiu plenamente a identidade alfacinha e tinha o outro lado do Tejo como refúgio e local onde escreveu alguns dos seus melhores livros. Cardoso Pires, que esteve em Caracas convidado pelo IPC, deixou uma vintena de romances publicados, alguns dos quais foram levados ao écran, entre eles Balada da Praia dos Cães (1987) e O Delfim (2001), realizados por Fonseca e Costa e Fernando Lopes, respectivamente. Entre os vários galardões literários conquistados pelo autor estão Grande Prémio de Romance e Novela, pela Associação Portuguesa de Escritores (1982), Prémio Internacional União Latina (1991) e Prémio Pessoa (1997). Oficial da Marinha Mercante durante pouco tempo, Cardoso Pires estudou no Liceu Camões e foi aluno de Rómulo de Carvalho/ António Gedeão, o poeta de Pedra Filosofal e de Lágrima de Preta.

* Biblioteca Camões: 1.200 textos dos últimos 500 anos Neste momento, a biblioteca digital Camões põe nas pontas dos seus dedos perto de 1.200 documentos relacionados com a cultura portuguesa, alguns com cinco séculos de antiguidade, incluindo textos literários, pautas musicais, ensaios, poemas e estudos científicos. Refira-se que estarão igualmente disponíveis textos de autores portugueses no domínio público, ou seja aqueles desaparecidos há mais de 70 anos. "Esta nova ferramenta em linha – informa o Instituto Camões – revela-se de importância decisiva para uma comunidade linguística com mais de 220 milhões de falantes e também para um número crescente de pessoas que, em todo o mundo, se interessam pela cultura portuguesa e que pretendem estudar o português". Os interessados só têm de visitar www.biblioteca.camoesonline.com e navegar à sua vontade e sem qualquer tipo de limitação. Assim poderão comprovar que “as caravelas agora navegam em mar de bits”!

* Paris vai homenagear Amália com parque ou jardim... Por iniciativa de Hermano Sanches Ruivo, luso-descendente membro da Assembleia Municipal de Paris, Amália Rodrigues vai ter, na capital francesa, um jardim ou um parque com o seu nome, como parte da homenagem que receberá a fadista em 2009, dez anos após o seu falecimento. A afirmação foi avançada pelo autarca, vice-Presidente da Comissão Cultura e Relações Internacionais, no âmbito do espectáculo Lisboa/Paris Polyphonie, que decorreu no Teatro des Abbesses, na cidade gala. O evento contou com a participação de Emmanuel Demarcy-Mota, luso-descendente responsável pela direccão do Theatre de la Ville, de Paris, e de Maria de Medeiros. A actriz de Pulf Fiction interpretou canções de Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Amélia Muge e Valdemar Bastos. Pela sua parte, Demarcy-Mota dirigiu actores/declamadores portugueses e franceses que leram poemas de Sophia de Mello, Herberto Hélder, Eugénio de Andrade, Nuno Júdice e Fernando Assis Pacheco.


* Cinema: Homenagem a Manoel de Oliveira... A primeira actividade do Instituto Português de Cultura durante 2009 será a apresentação de um ciclo de homenagem ao maestro Manoel de Oliveira com ocasião de ter celebrado há um mês 100 anos de vida. Na imagem que aparece ao lado, podem ver-se os filmes que serão exibidos e as respectivas datas. Actualmente, o cineasta Manoel de Oliveira, ao lado do romancista José Saramago e do arquitecto Siza Vieira são, sem dúvida alguma, três das grandes figuras portuguesas do século XX, figuras portuguesas de indiscutível valor universal, cujas obras já marcaram a cultura portuguesa de uma forma incontornável.

* Saramago: novo livro... “Estou às voltas com um novo livro. Quando, no meio de uma conversação, deixo cair a notícia, a pergunta que me fazem é inevitável (o meu sobrinho Olmo fê-la ontem): e qual vai ser o título? A solução mais cómoda para mim seria responder que ainda não o tenho, que precisarei de chegar ao fim para me decidir entre as hipóteses que se me forem apresentando (supondo que assim seria) durante o trabalho. Cómoda, sem dúvida nenhuma, mas falsa. A verdade é que ainda a primeira linha do livro não havia sido escrita e eu já sabia, desde há quase três anos (quando a ideia surgiu), como ele se iria chamar. Alguém perguntará: porquê esse segredo? Porque a palavra do título (é só uma palavra) contaria, só por si, toda a história. Costumo dizer que quem não tiver paciência para ler os meus livros, passe os olhos ao menos pelas epígrafes porque por elas ficará a saber tudo. Não sei se o livro em que estou a trabalhar levará epígrafe. Talvez não. O título bastará.” (Tomado de http://blog.josesaramago.org/)

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