Cinema do IMS Paulista, maio de 2024

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cinema mai.2024

Os enganados (Al-makdhu’un), de Tewfik Saleh (Síria | 1972, 107’, DCP)

destaques de maio de 2024

Dois esforços cinematográficos do início dos anos 1970 em refletir sobre a questão palestina e o conflito com Israel serão apresentados em cópias restauradas na Sessão Mutual Films de maio: Os enganados, do cineasta egípcio Tewfik Saleh, apresenta três refugiados palestinos que tentam atravessar o deserto do Iraque para o Kuwait em busca de uma vida melhor. Diálogo árabe israelense, do estadunidense Lionel Rogosin, propõe uma conversa franca entre dois amigos e intelectuais: um jornalista e dramaturgo israelense e um célebre poeta palestino. No aniversário de 50 anos da Revolução dos Cravos, que derrubou o regime fascista de Salazar em Portugal, o Cinema do IMS reúne duas obras feitas no calor do momento: Liberdade para José Diogo, do português Luís Galvão Teles, e Cenas da luta de classes em Portugal, dos americanos Robert Kramer e Philip Spinelli, exibidos em cópias restauradas. Junto a eles, Independência, do angolano Fradique, retorna aos militantes e guerrilheiros que lutaram pela libertação de Angola do domínio português no mesmo período.

A mostra As câmeras de Bodanzky aponta para momentos cruciais da trajetória do cineasta: a atuação junto aos povos da Amazônia; religiosidade e movimento social; os primeiros anos da UnB de Darcy Ribeiro; suas anotações pessoais em super-8; e uma de suas experiências mais radicais enquanto fotógrafo de cinema, no Hitler IIIº mundo, de José Agrippino de Paula, exibido em 16 mm.

Ainda este mês, retratos do escritor Luis Fernando Verissimo, da atriz Ruth de Souza e, adaptado da obra de Clarice Lispector, uma das mais célebres obras do cinema brasileiro: A hora da estrela, de Suzana Amaral.

[imagem da capa]

Diálogos com Ruth de Souza, de Juliana Vicente (Brasil | 2022, 99’, DCP)

Igreja dos oprimidos, de Jorge Bodanzky e Helena Salem (Brasil, França | 1985, 75’, DCP, digitalização inédita)

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Independência, de Fradique (Angola | 2015, 105’, DCP) Hitler IIIº mundo, de José Agrippino de Paula (Brasil | 1968, 90’, 16 mm)

filmes em exibição

Filmes em cartaz

Mutual Films

A hora da estrela

Suzana Amaral | DCP

As linhas da minha mão

João Dumans | DCP

Diálogos com Ruth de Souza

Juliana Vicente | DCP

La Chimera (La Chimera)

Alice Rohrwacher | DCP

Verissimo | Angelo Defanti | DCP

Diálogo árabe israelense

(Arab Israeli Dialogue)

Lionel Rogosin | DCP

Os enganados (Al-makhdu'un)

Tewfik Saleh | DCP

As câmeras de Bodanzky

Hitler IIIº mundo

José Agrippino de Paula | 16 mm

Igreja dos oprimidos

Jorge Bodanzky e Helena Salem | DCP

No meio do rio, entre as árvores

Jorge Bodanzky | Arquivo digital

Utopia/distopia

Jorge Bodanzky | DCP

Meu barco é veleiro

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | DCP

A partir de agora, é possível assistir a alguns dos filmes em cartaz no Cinema do IMS com recursos de acessibilidade em Libras, legendas descritivas e audiodescrição. Para retirar o equipamento com recursos, consulte a bilheteria do IMS Paulista. Em caso de dúvidas, entrar em contato pelo telefone (11) 2842-9120 ou pelo e-mail imspaulista@ims.com.br.

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O Muiraquitã

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | DCP

Tenta louvar o mundo mutilado

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | DCP

Limites do diáfano

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | DCP

Revolução dos cravos –

50 anos

Cenas da luta de classes em Portugal (Scenes from the Class Struggle in Portugal) | Robert Kramer e Philip Spinelli | DCP

Independência | Fradique | DCP

Liberdade para José Diogo Luís Galvão Teles | DCP

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15:45 As linhas da minha mão (80')

17:30 La Chimera (130')

20:00 Verissimo (90')

14

16:00 Verissimo (90')

18:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

20:00 Utopia/distopia + Meu barco é veleiro (86')

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16:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

18:00 A hora da estrela (96')

20:00 Hitler IIIº mundo + Limites do diáfano (99')

16:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

18:00 A hora da estrela (96')

20:00 No meio do rio, entre as árvores + Tenta louvar o mundo mutilado (91') 1

15:00 La Chimera (130')

17:30 As linhas da minha mão (80')

19:30 La Chimera (130') 8

15:45 As linhas da minha mão (80')

17:30 La Chimera (130')

20:00 Verissimo (90')

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16:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

Sessão Mutual Films

18:00 Diálogo árabe israelense (41')

19:10 Os enganados (107'), seguida de debate com Arlene Clemesha, Aaron Cutler e Mariana Shellard 22

16:00 Verissimo (90')

18:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

20:00 A hora da estrela (96') 29

16:00 Verissimo (90')

18:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

20:00 A hora da estrela (96') 2

15:45 La Chimera (130')

18:15 As linhas da minha mão (80')

20:00 Verissimo (90') 9

16:00 As linhas da minha mão (80')

18:00 Verissimo (90')

20:00 Diálogos com Ruth de Souza (99') 16

16:00 Verissimo (90')

18:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

20:00 A hora da estrela (96') 23

16:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

18:00 A hora da estrela (96')

20:00 Igreja dos oprimidos + O Muiraquitã (95') 30

14:00 La Chimera (130')

16:30 Liberdade para José Diogo (67')

18:00 Independência (105')

20:00 A hora da estrela (96')

4 quarta quinta terça 7
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Neste dia não haverá sessões de cinema

14:00 As linhas da minha mão (80')

15:40 Verissimo (90')

17:30 La Chimera (130')

20:00 Cenas da luta de classes em Portugal (96')

22:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

17

14:00 As linhas da minha mão (80')

15:45 Verissimo (90')

17:30 La Chimera (130')

20:00 A hora da estrela (96')

22:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

14:00 As linhas da minha mão (80')

15:40 Verissimo (90')

17:30 La Chimera (130')

20:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

22:00 A hora da estrela (96')

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16:00 Verissimo (90')

18:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

20:00 A hora da estrela (96') 4

Neste dia não haverá sessões de cinema 11

15:00 La Chimera (130')

18:00 Hitler IIIº mundo + Limites do diáfano (99')

20:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

22:00 Verissimo (90')

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14:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

16:00 No meio do rio, entre as árvores + Tenta louvar o mundo mutilado (91')

18:00 Igreja dos oprimidos + O Muiraquitã (95')

19:45 A hora da estrela (96')

21:45 La Chimera (130')

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14:00 Verissimo (90')

15:45 As linhas da minha mão (80')

17:30 La Chimera (130')

20:00 Verissimo (90')

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14:00 La Chimera (130')

16:30 Liberdade para José Diogo (67')

18:00 Independência (105')

20:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

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15:30 La Chimera (130')

18:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

20:00 A hora da estrela (96')

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14:00 As linhas da minha mão (80')

16:00 Diálogos com Ruth de Souza (99')

18:00 Utopia/distopia + Meu barco é veleiro (86')

19:45 A hora da estrela (96')

21:45 La Chimera (130')

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14:00 La Chimera (130')

16:30 Os enganados (107')

19:00 Diálogo árabe israelense (41')

20:00 A hora da estrela (96')

5 sexta sábado domingo
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Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.

Sessão Mutual Films

Nascimento e origem:

Os enganados + Diálogo árabe israelense

— Amos, estou contente em encontrá-lo novamente. Acho que nos encontramos há 15 anos na Palestina. — Sim, no que você chama de Palestina e eu chamo de Israel. — Eu sinto que tenho um conflito interno sobre essa situação. Como podemos ser amigos e, ao mesmo tempo, você ter mais direitos do que eu em meu próprio país, e como você pode aceitar esse fato?

Trecho do diálogo entre Amos Kenan e Rashed Hussein, do filme Diálogo árabe israelense

foi responsável por diversos atos terroristas contra seus soldados.

Amos Kenan nasceu em 1927, em Tel Aviv, no então Mandato Britânico da Palestina, que havia se iniciado em 1917. Seu pai trabalhava na construção civil e fez parte do movimento socialista sionista, Gdud HaAvoda, fundado em 1920 e responsável pela defesa e formação dos primeiros assentamentos judeus no território. Quando jovem, Amos participou do movimento sionista da juventude Hashomer Hatzair (inspirado no escotismo de Robert Baden-Powell), e posteriormente integrou o grupo sionista paramilitar Lehi (Guerreiros Pela Liberdade de Israel), que lutou contra a presença britânica na região e

Nesse período, Kenan possuía uma forte inclinação socialista e, consequentemente, acreditava que o principal problema na região residia no imperialismo europeu, e não em seus conterrâneos árabes. Ainda assim, ele lutou na Primeira Guerra Árabe-Israelense, logo após a fundação do Estado de Israel, em 1948, pois enxergava a existência de um estado judeu como uma necessidade fundamental, e viu as atrocidades do Partido Nazista cometidas no Holocausto como evidência de que nenhum outro país estava pronto para abrigar seu povo. Subsequentemente, ele trabalhou em prol de uma nação mais justa e digna. Como cineasta, dramaturgo, escultor, pintor e romancista, Kenan fez críticas constantes à tendência nacionalista e ao impulso imperialista que viu na sociedade israelense. E, como jornalista, seus atos de denúncia contra seu governo incluíram o primeiro uso na imprensa israelense do termo “ocupação” em referência às aquisições militares de terras com populações majoritariamente árabes e muçulmanas após a Terceira Guerra ÁrabeIsraelense, ou Guerra dos Seis Dias, em 1967. Rashed Hussein nasceu em 1936, na aldeia árabe de Musmus, também durante a liderança britânica da Palestina. Ele era

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demasiado jovem para participar diretamente na luta armada de 1948, porém testemunhou o impacto que o evento chamado pelos israelenses de Guerra da Liberação teve sobre seu povo. Os resultados da guerra incluíram o que ficou conhecido como al-Nakba (árabe para “a catástrofe”) –o deslocamento forçado de mais de 700.000 árabes que até então moravam no território palestino, resultando em uma enorme crise de refugiados palestinos, que se repetiria em uma segunda onda, após a vitória israelense em 1967.

A família de Hussein não foi expulsa de sua aldeia, porém o jovem sentiu na pele a condição de ser um cidadão de segunda classe em um país onde subitamente existiam leis e supervisões militares estritas sobre um grupo que morava na região há séculos. Ao crescer, se tornou professor de alunos economicamente desfavorecidos e editor literário em Nazaré, e defendeu uma coexistência pacífica com os israelenses para garantir uma vida justa para os palestinos. Tornou-se um dos poetas árabes de maior importância para sua geração, com poemas que tratavam da herança do conflito árabe-israelense de uma forma extremamente pessoal e luminosa. Foi um dos únicos artistas palestinos a escrever regularmente nas duas línguas do seu país, e também foi

responsável pela tradução de diversas obras de artistas de língua árabe para o hebraico, e vice-versa.

No início da década de 1960, Hussein trabalhou como editor do jornal do partido político marxista-sionista Mapam, mas foi expulso do partido por suas posições políticas, sendo tanto um crítico feroz dos governantes israelenses quanto dos líderes árabes que negligenciavam a questão palestina. Nesse período, ele conheceu e tentou realizar um roteiro de cinema (sem sucesso) com o diretor norte-americano judeu Lionel Rogosin (1924-2000), que havia morado em Israel em 1953 e voltou para lá nos anos 1960 com sua família. O nova-iorquino Rogosin era um progressista, cujo filme anterior, a docuficção De volta à África (Come Back, Africa, 1959), expôs de forma inédita a realidade do apartheid na África do Sul. Ele se mudou para Israel com a intenção de fazer uma pesquisa para o filme híbrido Good Times, Wonderful Times (1965), uma obra antibélica cujas imagens das atrocidades de guerra foram compiladas em 12 países.

Rogosin deixou Israel em 1964, após se envolver com ativistas pela paz de ambos os lados do conflito. Hussein também saiu do país, em 1965, morando como um exilado, primeiro em Paris e depois em Nova York. Lá, trabalhou para o escritório local da

organização paramilitar OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e conviveu com um grupo descontraído de amigos esquerdistas, entre eles Rogosin e Amos Kenan, que visitava a cidade com uma certa frequência. As conversas entre eles, e especialmente uma conversa entre Kenan e Hussein durante um jantar em 1973, gerou o último filme que Rogosin conseguiu realizar.

Diálogo árabe israelense ( Arab Israeli Dialogue , 1974) foi filmado durante dois dias, em setembro de 1973, com Kenan e Hussein sentados no porão do Bleecker Street Cinema, uma sala de cinema de arte que Rogosin fundou em 1960 para poder passar De volta à África em seu país racista. O documentário é uma tentativa de registrar uma conversa entre duas pessoas que acreditavam que a paz entre israelenses e árabes era possível, porém vislumbravam diferentes caminhos e soluções para atingi-la. O filme também oferece um diálogo visual entre a presença palpável dos dois intelectuais –filmados em preto e branco pelo cinegrafista Louis Brigante, colaborador frequente de Rogosin e outros cineastas independentes nova-iorquinos de sua geração –, e a visão idílica da silenciosa e vasta paisagem e heterogeneidade dos habitantes de Israel, filmada a cores por Rogosin durante sua primeira estadia no país.

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Um metódico e rigoroso Kenan expressa que é apenas por meio da existência de um estado judaico que judeus podem viver em paz e, assim sendo, defende a solução de dois estados para evitar conflitos e desigualdades impostos às populações por políticos hipócritas e corruptos. Enquanto isso, Hussein fala de forma mais devagar e reflexiva sobre os direitos específicos dos quais ele foi privado por uma governança sionista, para argumentar em favor de um estado único, laico e sem hierarquias, onde

todos possam coexistir. Em um momento, ele diz: “Da minha parte, e acho que da parte do Amos também, nós não estamos lutando para matar, mas para viver. Por isso é uma tragédia.”

O período em que Rogosin, Hussein e Kenan se encontraram pela primeira vez

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Diálogo árabe israelense, de Lionel Rogosin

em Israel coincidiu com a publicação do que se tornou uma das obras fundamentais da literatura árabe moderna. Homens ao sol (Rijal fi achams, 1963) foi o romance de estreia do autor palestino Ghassan Kanafani, que nasceu, assim como Hussein, em 1936. Porém, ao contrário da família de Hussein, a de Kanafani foi forçada pela guerra de 1948 a deixar seu país. Eles se refugiaram primeiro no Líbano, e depois na Síria, onde Ghassan escreveu contos para crianças palestinas poderem entender melhor a sua situação. Seu trabalho literário subsequente – que contou com 18 livros publicados entre ficção e não ficção – tratou da questão palestina de forma muitas vezes alegórica, existencial e autoconsciente, sempre em busca de um mundo onde os palestinos poderiam determinar seus próprios destinos. O autor também deu aula no Kuwait e passou os últimos 12 anos de sua vida no Líbano, onde trabalhou como jornalista e porta-voz da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). Kanafani foi assassinado, junto a sua sobrinha adolescente, por um carro-bomba implantado pela Mossad (o serviço secreto israelense) em abril de 1972, poucos meses antes da estreia mundial de Os enganados ( Al-makdhu’un , 1972), a adaptação para o cinema de Homens ao sol. O livro narra a história de três palestinos de gerações

diferentes que se veem forçados a deixar sua terra natal para buscar sustento no Kuwait. Abu Quais, o mais velho, é um simples camponês, que desfrutou de uma vida pacífica e abastada, trabalhando na plantação de oliveiras, até ter sua terra surrupiada pela guerra de 1948 e ser jogado, junto com a família, em um campo de refugiados. Asaad é um jovem ativista político procurado pela polícia, que, desiludido com a luta armada e irado com a imposição de um casamento arranjado, decide deixar seu país. O adolescente Marwan precisa abandonar os estudos para sustentar sua mãe e seus irmãos mais novos, após seu irmão mais velho parar de enviar dinheiro do Kuwait e seu pai se divorciar e se casar com uma mulher mais rica que perdeu uma perna em um bombardeio em 1948, porém possui meios para sustentar o novo marido.

Os três se cruzam na cidade iraquiana de Basra, às margens do rio Chatt-Alarab,1 onde procuram um contrabandista para ajudá-los a atravessar a fronteira entre o Iraque

e o Kuwait. Eles encontram Varapau – um palestino que lutou ao lado de Abu Quais na guerra de 1948 e se tornou um mercenário que dirige um tanque de água para um rico kuwaitiano. O motorista negocia transportar os três homens por um valor inferior ao dos contrabandistas mais estabelecidos, contudo eles precisarão passar alguns minutos escondidos dentro do tanque de água vazio, sob um calor escaldante, para atravessar dois postos alfandegários. No segundo posto, os funcionários alfandegários seguram Varapau, exigindo que ele lhes confirmasse a história contada por seu patrão sobre uma suposta dançarina e amante do contrabandista. O tempo crucial passa, e Varapau deixa o posto com 30 minutos de atraso. Quando, já adiante na estrada, abre a tampa do tanque, se depara com três cadáveres. O romance termina com Varapau indagando para o vento por que seus conterrâneos, que morreram em silêncio, não bateram nos laterais do tanque.

1. As grafias dos nomes seguem as da tradução brasileira de Homens ao sol (trad. Safa Jubran), que foi publicada pela Editora Tabla em novembro de 2023: editoratabla.com.br/catalogo/ homens-ao-sol/.

A história se passa em 1958, no mesmo momento em que houve uma tentativa de unificar o mundo árabe com a criação da República Árabe Unida (dissolvida em 1961), liderada pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, e a revolução iraquiana, que colocou no poder o nacionalista Abd al-Karim. A situação política na região do Oriente

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Médio continuava sendo volátil em 1964, quando o cineasta egípcio Tewfik Saleh (1926-2013) leu Homens ao sol e se interessou em adaptá-lo para o cinema. Saleh era um comentarista social de espírito humanista que veio no contrafluxo da grande indústria de cinema egípcio, por trabalhar somente nos projetos que se interessava em realizar, tendo uma paixão especial pelos escritores e pela literatura. Em seus primeiros nove anos como cineasta, Saleh fez apenas seis curtas e dois longas-metragens. Entre eles, seu longa de estreia, Darb al-mahabil (1955), uma colaboração com o grande autor egípcio Naguib Mahfouz, cuja narrativa sobre as diferentes reações dos residentes de um beco quando um morador de rua ganha na loteria trouxe elementos inéditos de realismo para o cinema de ficção do seu país.

Saleh também realizou um curta-metragem documental para a ONU chamado Who Are We? (1960), sobre a condição dos refugiados palestinos. Desejou continuar a trabalhar o assunto que, para o mundo árabe, era bastante delicado, e, portanto, existente em pouquíssimas obras de arte da época. Ele tentou filmar Homens ao sol no Egito, mas a censura do país exigiu diversas alterações no roteiro (escrito em parceria com Kanafani), entre elas mudar a nacionalidade dos personagens e eliminar a dimensão

palestina por completo. Saleh então decidiu abandonar o projeto e o tema até 1969, quando tentou sem sucesso fazer um filme chamado O casamento palestino, no qual, em um campo de refugiados, os pais de uma noiva a preparam para o casamento com um fedayin (revolucionário palestino) que morreu em combate. A intenção de Saleh com o projeto era mostrar que os palestinos, apesar de serem despossuídos da terra, trabalhavam para manter suas tradições e cultura.

A formação de uma resistência palestina tinha se organizado ao longo da década de 1960, especialmente com a Batalha de Karameh, em 1968, na Jordânia, que levou os países árabes a apoiarem os fedayins. Porém, em 1970, o exército da Jordânia expulsou a OLP do país para proteger sua monarquia contra as movimentações de grupos socialistas, resultando em um conflito armado que ficou conhecido como Setembro Negro e deixou mais de três mil palestinos mortos. Saleh percebeu que era um momento oportuno para adaptar Homens ao sol, que finalmente conseguiu financiar e filmar na Síria, onde uma onda de filmes sobre a questão palestina estava sendo realizada pela Organização Nacional de Cinema da Síria (NFO). Três atores sírios foram elencados para interpretar os refugiados e, no

papel do motorista (agora chamado de Aboul Kheizaran), um ator palestino com uma carreira consolida no cinema sírio. O filme se mantém fiel ao livro, tanto na progressão narrativa quanto no tom, que intercala registros tensos e melancólicos. Porém, Saleh fez algumas mudanças à história original, pois queria expandir sua crítica aos responsáveis pela tragédia dos palestinos para incluir as lideranças de outros países árabes. Um monólogo interno que Abu Quais faz sobre sua situação – “Nos últimos dez anos, você não fez nada além de esperar...” – é, no filme, acompanhado por uma série de imagens documentais que intercalam a miséria dos campos de refugiados e negociações entre líderes de países árabes vizinhos, inclusive com a ONU. Asaad, um dissidente não especificado no livro, é, no filme, procurado pelas autoridades por participar de um complô para derrubar a família real. O motorista sofre o mesmo desfiguramento no livro e no filme, por causa da guerra de 1948 – a amputação de seu membro sexual –, porém o personagem agonizado de Kanafani se torna mais amargo na visão de Saleh, com sua dupla perda, da masculinidade e da pátria, culminando na perda do caráter que o levou a viver pelo dinheiro. A mudança mais radical talvez chegue como uma resposta implícita

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Os enganados, de Tewfik Saleh

à pergunta que Varapau faz no final do livro, pois, enquanto o motorista fica detido na fronteira do Kuwait, a câmera mostra o caminhão em frente ao prédio alfandegário, com os sons de batidas na lataria abafados pelos aparelhos de ar-condicionado. É somente o espectador do filme que pode ouvi-los.

Os enganados estreou em 1972 no Festival de Cinema de Cartago, onde ganhou o prêmio principal. Foi a primeira de uma série de condecorações para um filme que circulou o mundo e chegou a ser valorizado por pesquisadores e programadores como uma das mais importantes contribuições ao cinema feita na língua árabe, apesar de não ser lançado no Egito ou no Iraque e passar apenas duas semanas na Síria.

No ano seguinte, e uma semana antes da eclosão da Quarta Guerra Árabe-Israelense (também conhecida como a Guerra de Yom Kippur), Lionel Rogosin filmou Diálogo árabe israelense, uma obra que também não atingiu seu público. Em suas memórias, o cineasta norte-americano comentou que “a televisão pública me devolveu o filme como se fosse uma bomba”.2

Diálogo árabe israelense teve a circulação restrita principalmente a universidades nos Estados Unidos. Rogosin não conseguiu levantar fundos para realizar filmes subsequentes e teve que vender o Bleecker Street Cinema em 1974. Os enganados também acabou sendo uma das últimas obras que Saleh realizou, pois se tornou professor de cinema no Iraque e depois no Egito, conseguindo fazer apenas mais um longa-metragem. Ele comentou sua posição política em relação ao pessimismo do seu penúltimo longa em uma entrevista que deu em 1976 para uma coletânea francesa de ensaios chamada La Palestine et le cinéma: “Quando eu era mais jovem, eu acreditava com um certo romantismo que heróis podiam lutar efetivamente contra o sistema. Hoje, eu me dei conta de que os sistemas no Oriente Médio é que esmagam as pessoas. É por isso que, no meu ponto de vista, os heróis de hoje são aqueles que tem a coragem de resistir, mesmo que nem sempre alcancem resultados concretos.”3

No ano seguinte, em 1977, Rashed Hussein morreu em consequência de um incêndio

em seu apartamento em Nova York. Seu corpo foi enterrado na sua aldeia natal em um funeral atendido por milhares de pessoas, apesar do poeta não ter pisado na Palestina em anos. Em uma entrevista que Rogosin realizou com Amos Kenan em Nova York em 1990 – uma tentativa de continuação do filme que fizeram juntos –, o israelense elogiou o palestino como um grande artista então esquecido.4 A ocasião também marcou a primeira vez que Kenan viu Diálogo árabe israelense, e, na entrevista, ele diz: “Eu escutei e olhei para [Hussein], e tive uma sensação muito estranha de que, se ele estivesse vivo hoje, e conversássemos hoje, diríamos as mesmas coisas um ao outro. Repetiríamos as mesmas coisas, com a mesma entonação. E há algo de horrível nisso, porque significa que nada mudou.”

A Sessão Mutual Films de maio é dedicada à memória de Philip Cintra Shellard (1949-2024), um leitor assíduo e pai amoroso e dedicado, que sempre apoiou os trabalhos da Mutual Films.

2. Citado em inglês na sinopse do filme encontrada no site do festival Il Cinema Ritrovato: festival. ilcinemaritrovato.it/en/film/arab-israeli-dialogue/.

3. O livro foi editado por Guy Hennebelle e Khemais Khayati (que também entrevistaram Saleh) e publicado em 1977.

4. Trechos da entrevista, que ficou inédita durante a vida de Lionel Rogosin, aparecem no documentário de longa-metragem dirigido por seu filho, Michael Rogosin, Imagine Peace (2019), sobre a realização de Diálogo árabe israelense

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A fome pelas coisas – algumas

notas sobre

Jorge Bodanzky e seus arquivos

Sincelos atulham a longa janela

Com vidro barbárico

A sombra do melro

A cruzou diversas vezes

A aura

Traçou na sombra

Uma causa indecifrável

Parece-me impossível renunciar a uma nota pessoal à guisa de abertura dessas considerações em torno do arquivo de Jorge Bodanzky. Faz aproximadamente um ano (2023) que fui contatado pela equipe de cinema do IMS com uma notícia assombrosa: a instituição havia adquirido os arquivos pessoais de Bodanzky que, além de um volumoso conjunto de fotografias still – a produção de Bodanzky é atravessada por uma espécie de anfibologia estrutural, na qual simultaneamente se articulam e se separam diretor e fotógrafo; o contexto cinematográfico, político e cultural brasileiro, com o horizonte de recepção do público alemão, uma vez que inúmeras instituições desse país foram responsáveis por encomendas e financiamento de projetos de Bodanzky ao longo de décadas –, também continha inúmeros materiais cinematográficos inéditos de caráter documental, em formatos e bitolas diversos, notadamente super-8 e vídeo analógico. Esse material – cuja descoberta e

preservação ao longo de décadas são per se assombrosas1 – havia sido digitalizado e passado por uma primeira catalogação pela equipe do IMS, que se preparava para realizar, no ano seguinte, uma grande exposição, que seria acompanhada de uma retrospectiva do trabalho cinematográfico de Bodanzky (e que também incluiria novas cópias de alguns dos seus filmes mais relevantes, comissionadas pelo IMS). A equipe de cinema do IMS buscava alguém que pudesse colaborar na construção de alguns sentidos possíveis para materiais simultaneamente tão vastos e variados, e que haviam recebido, até aquele momento, uma classificação mais intuitiva, baseada na divisão de rolos e fitas.

A tarefa de visionamento do arquivo se revelou de imediato hercúlea: em uma classificação grosseira, havia aproximadamente 407 minutos em rolos de super-8 digitalizados, que incluíam desde registros familiares os mais diversos – rascunhos preciosos para uma possível história da vida privada dos setores médios brasileiros ao

1. Tanto este texto quanto meu trabalho com os arquivos de Bodanzky devem muito ao artigo de Patrícia Mourão “Do arquivo ao filme: sobre Já visto, jamais visto”, publicado em Devires, v. 9, n. 2, 2012.

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longo da ditadura militar –; bastidores de reportagens para a televisão alemã; materiais de pesquisa para projetos – tanto acabados quanto nunca realizados –; inúmeras viagens, no Brasil e para fora dele; experimentações visuais com o suporte, formas de exercício da liberdade criativa no âmbito

privado diante da atmosfera repressiva que o circundava. Nos meandros do material, apareciam, cristalinas, imbricações entre o pessoal, o político e o cinematográfico: a viagem familiar que se metamorfoseia em registro etnográfico, o material de pesquisa para o projeto novo que faz eclodir algumas

das obsessões temáticas e visuais de Bodanzky – Brasília, a Amazônia. O material capturado originalmente em vídeo era ainda mais abundante e diverso, composto por aproximadamente 4.400 minutos, em múltiplos suportes – Umatic, VHS, Hi-8, em uma verdadeira arqueologia das formas

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Meu barco é veleiro, direção de Jorge Bodanzky, roteiro de Ewerton Belico e montagem dos Irmãos Pretti

videográficas –, a confirmar um ímpeto arquivístico explicitado por Bodanzky em entrevista: a necessidade de construir uma instância de controle e registro de projetos feitos muito frequentemente por encomenda, aos quais Bodankzy não raro perdia o acesso posteriormente. Conjuntamente, registros em super-8 e vídeo revelavam não apenas os bastidores de uma trajetória criativa, mas também uma dialética entre o impulso da expressão pessoal e as necessidades do fomento e da construção de formas de comunicabilidade com públicos possíveis. Nesse sentido, a pletora de materiais videográficos é muito fortemente marcada tanto pelas relações de Bodanzky com a televisão quanto com as tentativas de construir pedagogias possíveis nos mass media. As digitalizações incluíam ainda algumas das reportagens realizadas por Bodanzky para a televisão alemã nos anos 1970, capturadas originalmente em 16 mm, preciosos registros do autoritarismo latino-americano e das formas de resistência popular em meio à dureza das ditaduras e dos golpes de estado (aproximadamente 93 minutos).

Em comum acordo com a equipe do IMS, decidimos pela realização de quatro cortes, em metragem curta/média, organizando uma pequena parte dos arquivos de Bodanzky,

a partir de uma classificação temática: os registros pessoais/familiares; as viagens; o trabalho como repórter cinematográfico/ videográfico; as experimentações visuais a partir do suporte fílmico.2 Seriam cortes em grande medida transversais, tangenciando algumas de suas principais preocupações criativas e, em grande medida, passando ao largo de sua obra cinematográfica édita. Essa decisão orientou também a preparação, por mim, do roteiro de uma entrevista com Bodanzky, por integrantes da equipe de cinema do IMS, e cujos áudios foram editados e empregados como off nos cortes.

Esse exercício inicial de roteirização serviu de base para o trabalho dos dois montadores, Luiz Pretti e Ricardo Pretti. Ambos, antigos integrantes do coletivo Alumbramento, possuem não apenas uma vasta experiência como montadores, mas também têm um especial interesse

2. O trabalho com o arquivo resultou em cinco cortes, do qual quatro serão exibidos como parte da retrospectiva As câmeras de Bodanzky, a dizer: dois cortes com o núcleo temático das viagens, um corte em torno das atividades como repórter fotográfica/videográfico, e um corte com as experimentações visuais.

em materiais audiovisuais na fronteira do registro pessoal. Decidimos que eu me concentraria na separação e classificação dos materiais – tanto audiovisuais quanto da entrevista –, conforme os núcleos temáticos acordados, e na preparação das cartelas – elaboradas a partir de entrevistas de Bodanzky e, em especial, da entrevista editada por Carlos Alberto Mattos para a coleção Aplauso.3 Decidimos ainda que os cortes tentariam reconstruir alguma cronologia possível – decisão que fracassou fragorosamente. O resultado final como que espelha uma visão em conjunto – minha, de Luiz e de Ricardo –, expressando uma série de curtos-circuitos: entre presente e passado; entre o registro direto da experiência vivida e sua elaboração a posteriori; entre o vídeo e a película; entre o material bruto e as decisões de corte; entre o pessoal e o político; entre o sonoro e o silencioso, em uma genealogia possível de algumas das múltiplas sendas que constituíram uma das principais trajetórias fotográficas e cinematográficas no Brasil e no mundo ao longo dos últimos 50 anos.

3. MATTOS, Carlos Alberto. Jorge Bodanzky – O homem com a câmera. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.

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A hora da estrela

Suzana Amaral | Brasil | 1985, 96’, DCP, cópia restaurada (Vitrine Filmes)

A hora da estrela, icônica obra de Suzana Amaral inspirado no clássico de Clarice Lispector, voltará aos cinemas dia 16 de maio, numa versão digitalizada em 4K. O longa rendeu a Marcélia Cartaxo o Urso de Prata de Melhor Atriz, no Festival de Berlim em 1986, e uma série de prêmios no Festival de Brasília, em 1985: Melhor Filme, Direção, Roteiro, Fotografia, Montagem, Cenografia, Trilha Sonora, Atriz, Ator (José Dumont), além dos prêmios de Melhor Filme do júri popular e da crítica.

O filme conta a história de Macabéa, migrante nordestina que, após a morte da tia, se muda para o Rio de Janeiro. Lá, emprega-se como datilógrafa e se apaixona por Olímpio de Jesus – que a trai com sua colega de trabalho.

Em entrevista à Revista do NESEF, da Universidade Federal do Paraná, publicada em

2018, Suzana Amaral comenta: “A representatividade de A hora da estrela está diretamente ligada à sua materialidade. Tudo começa pela escolha da obra. Na NYU (New York University), tive um professor de roteiro que nos orientava dizendo que, para adaptar, nunca procure um livro grande, mas um livro fininho, para fazer uma recriação da obra, que é mais do que resumir a narrativa. Procure um livro cujo espírito pode ser analisado por você.”

“Desde adolescente gostava de Clarice Lispector. Seus livros eram misteriosos, eu me identificava com eles. Fui na biblioteca da NYU, que tem uma bela coleção de literatura brasileira, e, com o dedo, achei o mais fininho. A hora da estrela foi um filme que saltou da prateleira para minhas mãos. Ao ler, saquei que Macabéa é a metáfora do Brasil, pois, fora do Brasil, você descobre o Brasil.”

“Eu não adapto obras literárias, eu as transmuto. Eu transformo o livro depois de uma análise profunda, quando vou ao cerne do livro, ao coração do livro, no subtexto. Eu entro no espírito do livro e de seus fatos mais importantes. Eu faço uma recriação. Não tenho respeito nem escrúpulo algum. Sempre deu certo, em todos os meus filmes. Clarice dizia: ‘O que importa não são as palavras, é o que está atrás das palavras’. Junto com meu extrato íntimo, faço uma simbiose entre mim e o autor. Assim nasce a transmutação, ou seja, meu filme.”

[A íntegra da entrevista está disponível em: bit.ly/horadaestrelaims]

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

As linhas da minha mão

João Dumans | Brasil | 2023, 80’, DCP (Embaúba Filmes)

Por meio de uma série de encontros imprevisíveis, Viviane de Cássia Ferreira, uma artista brasileira nos seus 50 anos, fala sobre a sua vida e sobre sua própria experiência com a loucura. Dividido em sete atos, o filme é um retrato prismático composto por fragmentos de músicas, conversas, performances e poemas. Juntos, eles discutem o papel político da imaginação e da arte, assim como os estereótipos que conformam a ideia de loucura no mundo atual.

“Como observar atentamente um corpo desenvolvendo um pensamento muito agudo e preciso sobre a vida, um pensamento que está se construindo ali na sua frente?”, diz João Dumans em depoimento à pesquisadora Lorenna Rocha disponibilizado no material de imprensa do filme. “O que me seduz na Viviane é justamente a forma muito autêntica e despreocupada com que ela fala de si

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Em cartaz

mesma, o que me dá a sensação de uma pessoa que já não organiza mais os seus desejos e pensamentos em relação à expectativa do outro, mas que consegue fazer uma reflexão sobre si mesma para tentar sobreviver e atravessar estados emocionais, dificuldades e sofrimentos relacionados à loucura. Dessa imersão, ela trouxe coisas muito valiosas. O filme era um espaço para que ela compartilhasse isso.”

Prêmio de Melhor Filme na Mostra Aurora da 26a Mostra de Tiradentes.

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Diálogos com Ruth de Souza

Juliana Vicente | Brasil | 2022, 99’, DCP (Preta Portê Filmes)

Ruth de Souza inaugura a existência de atrizes negras em palcos, televisão e cinema no Brasil. Carrega em si a gênese de parte importante das conquistas para as mulheres negras ao longo de quase um século de vida. A partir de conversas com Juliana Vicente, também uma mulher negra, materiais de arquivos da vida de Ruth em um cruzamento com o universo mitológico, em uma interpretação ficcional e transcendental de sua vida, temos um longa protagonizado por Ruth de Souza.

“Acredito que uma das coisas mais importantes que temos que reconstruir no Brasil é a nossa história, porque construída obviamente ela já foi, mas também apagada”, comenta Juliana Vicente, que também é diretora do documentário Racionais: das ruas de São Paulo pro mundo, em entrevista ao Correio Braziliense. “E sabemos da importância no desenvolvimento de um país onde todos conheçam a própria história, a história de uma

perspectiva mais honesta. A Ruth sabia da importância do registro, ela se registrou por 98 anos. Temos imagens da Ruth criança, adolescente, nos primeiros passos no Teatro Experimental do Negro, em Nova York, recebendo prêmios, atuando em projetos na Globo, em festas exclusivas etc. E praticamente todas as imagens vieram do acervo pessoal da Ruth. Eram dezenas de pastas.” Em 2022, Diálogos com Ruth de Souza recebeu o prêmio de Melhor Direção em Documentário no Festival do Rio e foi exibido como filme de encerramento no Festival de Brasília.

[Depoimento da diretora extraído de: bit.ly/ ruthdesouzaims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

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La Chimera

La Chimera

Alice Rohrwacher | Itália, França, Suíça | 2023, 130’, DCP (Filmes da Mostra)

Todos têm sua própria Quimera, algo que buscam, mas nunca conseguem encontrar. Para uma gangue de ladrões de antigos objetos funerários e maravilhas arqueológicas, a Quimera significa o desejo pelo dinheiro fácil. Para Arthur, a Quimera se parece com a mulher que ele perdeu, Beniamina. Para encontrá-la, ele desafia o invisível e procura por toda parte em busca de um caminho para a vida após a morte. Numa jornada entre florestas e cidades, celebrações e solidão, desenrolam-se os destinos entrelaçados desses personagens, todos à procura da Quimera. Em 2023, La Chimera foi exibido no Festival de Cannes. No mesmo ano, recebeu o prêmio do público de Melhor Longa-Metragem Estrangeiro de Ficção. O filme tem em seu elenco as atrizes Isabella Rossellini e Carol Duarte (protagonista

de A vida invisível e Missão Perséfone, ambos de Karim Aïnouz, este último produzido no contexto do programa IMS Convida).

Diretora de La Chimera, As maravilhas, Feliz como Lázaro, entre outros, Rohrwacher nasceu na cidade de Fiesole, na Itália, que preserva até os dias de hoje estruturas que datam dos povos etruscos e romanos. Em depoimento disponibilizado no material de imprensa do filme, ela relata: “Onde eu cresci, era comum ouvir histórias de descobertas secretas, escavações clandestinas e aventuras misteriosas. Bastava ficar no bar até tarde da noite ou parar em uma pousada do interior para ouvir falar de fulano de tal, que havia descoberto uma tumba vilanovense com seu trator, ou de outra pessoa que, cavando na necrópole certa noite, havia descoberto um colar de ouro tão longo que poderia dar a volta completa em uma casa. Ou outra pessoa que ficou rica na Suíça com a venda de um vaso etrusco que encontrou em seu jardim.”

“A vida ao meu redor era composta de diferentes partes: uma solar, contemporânea e movimentada, outra noturna, misteriosa e secreta. Havia muitas camadas, e todos nós as experimentávamos: bastava cavar alguns centímetros do solo, e o fragmento de um artefato feito pelas mãos de outra pessoa aparecia entre os seixos. De que época ele estava olhando para mim? Bastava entrar nos celeiros e nas adegas ao redor, para perceber que eles já haviam sido outra coisa: tumbas etruscas, talvez, ou abrigos de eras passadas, ou locais sagrados. A proximidade entre o sagrado e o profano, entre a morte e a vida, que caracterizou os anos em que cresci, sempre me fascinou e deu uma medida à minha maneira

de ver. É por isso que finalmente decidi fazer um filme que conta essa história em camadas, essa relação entre dois mundos, a última parte de um tríptico sobre uma área local cuja atenção está concentrada em uma questão central: o que ela deve fazer com seu passado? Como dizem alguns ladrões de túmulos, em nosso caminho são os mortos que dão a vida.”

[Íntegra do depoimento da cineasta, em inglês: bit.ly/chimeraims. Filme Missão Perséfone, de Karim Aïnouz, para o programa IMS Convida: bit.ly/ convida-ka]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

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Sessão Mutual Films

Nascimento e origem: Os enganados + Diálogo árabe israelense

Verissimo

Angelo Defanti | Brasil | 2024, 90’, DCP (Vitrine Filmes)

Um documentário que observa Luis Fernando Verissimo enquanto Luis Fernando Verissimo observa o mundo ao seu redor se ouriçar com a chegada dos seus 80 anos.

O diretor Angelo Defanti já havia se aventurado em adaptar obras de Verissimo nos curtas Feijoada completa (2012) e Maridos, amantes e pisantes (2008) e no longa O clube dos anjos (2020). Em Verissimo, filmado em 2016, Defanti faz uma imersão na vida do autor, a quem descreve como “um senhor de movimentos lentos, introvertido, não muito fã de socialização, com leve pendor ao sedentarismo”.

“Ele é quase um antipersonagem”, comenta o diretor. “O desafio era transformar a inação em algo luminoso. A estratégia foi oscilar entre uma observação muito próxima com uma investigação ampliada ao seu redor. É um filme calmo e tran-

quilo, como o sujeito que examina, mas nutrido constantemente pela ideia de que uma pessoa é resultado de seu ambiente tanto quanto influencia nele. [...] Se ele tem a obra irreverente da forma como todos conhecem, e seus modos discrepam tanto dela, é natural buscar entrever a riqueza interior que certamente ocorre em sua mente. A persona pública e a persona íntima podem incrementar a visão sobre o autor e sua criatividade.”

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira)e R$ 15 (meia).

Três refugiados palestinos, no ano de 1958, tentam atravessar o deserto do Iraque para o Kuwait em busca de melhores condições de vida. Assim segue a ação principal do filme sírio Os enganados (1972), um clássico do cinema árabe que foi filmado pelo cineasta egípcio Tewfik Saleh (1926-2013) a partir do curto romance Homens ao sol (1963), do emblemático escritor palestino Ghassan Kanafani. A Sessão Mutual Films de maio coloca esta obra ao lado do último filme realizado pelo cineasta norte-americano Lionel Rogosin (1924-2000), também do início da década de 1970. O documentário Diálogo árabe israelense (1974) apresenta uma conversa em Nova York entre dois amigos e ativistas sobre as histórias e os futuros de seus povos. O jornalista e dramaturgo progressista israelense Amos Kenan argumenta a favor da necessidade existencial de um Estado judeu, enquanto o poeta palestino Rashed Hussein indaga sobre a possibilidade de direitos iguais em um Estado único, onde israelenses e palestinos possam conviver em paz. Os dois filmes da sessão foram restaurados em anos recentes pela Cinemateca de Bolonha, e suas cópias restauradas serão apresentadas no Brasil pela primeira vez. As exibições da sessão em Poços de Caldas e São Paulo contarão com debates com os curadores do evento e, em São Paulo, com a professora e pesquisadora Arlene Clemesha.

A curadoria e produção da Sessão Mutual Films são de Aaron Cutler e Mariana Shellard.

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Os enganados

Al-makdhu’un

Tewfik Saleh | Síria | 1972, 107’, DCP, cópia restaurada (Cinemateca de Bolonha - World Cinema Project)

Abu Quais (interpretado por Mohamed Kheir-Halouani), um camponês palestino de meia-idade que vivia da plantação de azeitonas, perde suas terras após a Primeira Guerra Árabe-Israelense em 1948 e sobrevive com sua família em um acampamento para refugiados. Asaad (Bassam Lutfi), um desiludido ativista político procurado pela polícia, desiste da luta armada em prol do dinheiro. Marwan (Salih Khalqi), com apenas 16 anos, deixa a escola em busca de sustento para sua mãe e seus irmãos mais novos, após o pai ter abandonado a família. O caminho dos três conterrâneos em fuga se cruza na cidade portuária de Basra, no Iraque, na busca de contrabandistas para ajudá-los a fazer a travessia pelo deserto para o rico Kuwait, onde há ofertas de trabalho e a promessa de uma vida melhor. Eles então se deparam com Aboul Kheizaran (Abdul-Rahman

Al Rashi), um ex-soldado palestino que lutou na guerra de 1948 e foi violentamente ferido em um bombardeio, tendo seu membro sexual amputado. Com o corpo e a moral aleijados, Kheizaran tornou-se um mercenário que ganha a vida dirigindo um caminhão de água e eventualmente transportando imigrantes ilegais por um preço inferior ao dos outros contrabandistas. Dentro de um incandescente tanque de água vazio, os três homens precisam se esconder para cruzar dois postos alfandegários, durante um período que seu guia promete ser de apenas alguns minutos, enquanto ele pega os carimbos para a travessia. Mas será que sua promessa será cumprida?

O filme Os enganados baseia-se no livro Homens ao sol (1963), o curto romance de estreia do importante escritor e ativista político palestino Ghassan Kanafani (1936-1972), que vislumbrou sua história como uma alegoria para o sofrimento e a autoexploração constante do seu povo. Ele colaborou no roteiro com o grande cineasta egípcio Tewfik Saleh, que fez do filme seu sexto longa-metragem, e o primeiro realizado fora de seu país natal, em uma produção financiada pela Organização Nacional de Cinema da Síria (NFO). Saleh manteve fidelidade ao livro, inclusive em brilhantes sequências de montagem que expressam o movimento fluido entre o passado e o presente dos personagens conforme eles cruzam o deserto (fotografado de forma espetacular pelo cinegrafista sírio Bahgat Heidar). O cineasta ainda ampliou a crítica de Kanafani à negligência do mundo árabe sobre o destino dos palestinos, um gesto que adiou a produção de Os enganados por quase dez anos e resultou em sua censura na maioria dos países em questão.

Mesmo assim, o filme teve uma carreira bem-sucedida em festivais, passando em Cannes, Cartago, Locarno e Moscou, entre outros. Com uma mistura inquietante de thriller e drama moral – cuja força é alimentada por elementos documentais –, Os enganados foi reconhecido como uma das obras incontornáveis do cinema árabe, além de um dos primeiros filmes de ficção a enfrentar a questão palestina com seriedade. O filme foi restaurado em 2023 pelo World Cinema Project, da Film Foundation, e pela Cinemateca de Bolonha, em colaboração com a NFO e a família de Tewfik Saleh. O financiamento para a restauração foi dado pela Hobson/Lucas Family Foundation, e agradecimentos especiais são devidos a Mohamed Challouf e Nadi Lekol Nas por suas participações no processo de restauro.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

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Diálogo árabe israelense

Arab Israeli Dialogue

Lionel Rogosin | EUA. | 1974, 41’, DCP, cópia restaurada (Kino Lorber/Milestone Films)

“Eu penso que vocês, palestinos, e nós, israelenses, temos apenas duas alternativas: a partilha ou guerra eterna. Eu não acredito que haja qualquer esperança em deixar que os judeus abandonem o único estado onde eles têm uma nação independente e vida.”

“Não é problema meu. Eu não criei isso...E não estou pronto para pagar por isso.”

Assim começa uma febril conversa entre o jornalista, teatrólogo e escultor israelense Amos Kenan (1927-2009) e o poeta e ativista político palestino Rashed Hussein (1936-1977), no documentário de média-metragem Diálogo árabe israelense. Ao longo dos 40 minutos seguintes, os amigos de longa data e representantes autodesignados de seus povos buscam maneiras de apaziguar uma condição de coabitação desigual que foi imposta sobre os dois com a fundação do Estado de Israel um quarto de século atrás.

No processo, Kenan se revela como um sionista com admiração profunda pelos palestinos, e Hussein, como um defensor de uma solução comum que valoriza os esforços históricos de países árabes a dar abrigo aos judeus perseguidos. Eles são filmados em preto e branco, e, conforme discutem em inglês e em hebraico sobre como atingir dignidade junto à justa moradia e direitos legais naquele momento, são intercaladas imagens coloridas da vida diária de pessoas em uma terra de beleza extraordinária.

A troca entre Kenan e Hussein foi filmada pelo cinegrafista Louis Brigante ao longo de dois dias no porão do Bleecker Street Cinema, em Nova York, uma importante sala de cinema de arte que foi operada pelo também cineasta norte-americano Lionel Rogosin. O diretor judeu (que anteriormente morou em Israel em dois momentos distintos) realizou Diálogo árabe israelense, seu décimo e último filme, quase duas décadas após seu longa-metragem de estreia, o neorrealista filme híbrido No Bowery (1956). Com Diálogo, Rogosin continuou sua prática de fazer um cinema politicamente engajado baseado nos princípios de empatia, humanismo e pacifismo. O próprio título do filme ecoa a história recente de guerras árabe-israelenses e responde com uma esperança de paz.

Diálogo árabe israelense foi rejeitado pela televisão pública norte-americana, e então passou principalmente no circuito universitário nas décadas seguintes. Hoje, o filme é reconhecido como um dos primeiros esforços cinematográficos a representar os dois lados de uma situação dolorosa e ainda sem resolução. Ele foi restaurado em 2019 pela Cinemateca de Bolonha a partir do

filme reverso original em 16 mm e da trilha sonora magnética, preservados e disponibilizados pela Anthology Film Archives, em Nova York. O trabalho foi realizado no âmbito de um projeto de recuperação e divulgação da obra cinematográfica de Lionel Rogosin, desenvolvido pela Cinemateca e pela entidade sem fins lucrativos Rogosin Heritage, que visam a restaurar todos seus filmes até o final de 2024 em homenagem ao centenário do cineasta.

As sessões no IMS de Diálogo árabe israelense marcam a estreia brasileira do filme. Suas exibições são gratuitas.

Entrada gratuita. Distribuição de senhas no dia da exibição a partir das 12h. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

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Completados 50 anos da Revolução dos Cravos, o levante de 25 de abril de 1974 que pôs fim à ditadura fascista de Salazar em Portugal, o Cinema do IMS apresenta três pontos de vista audiovisuais sobre o movimento em Portugal e sua reverberação nos países que à época ainda eram suas colônias. Finalizados entre 1975 e 1977, Liberdade para José Diogo, de Luís Galvão Teles, e Cenas da luta de classes em Portugal, de Robert Kramer e Philip Spinelli, apresentam, de um lado, o ponto de vista do cinema militante de um realizador português que se soma ao movimento popular e, de outro, dois diretores americanos de esquerda interessados em investigar e entender o movimento que se passava no continente europeu. Já Independência, do angolano Fradique, foi finalizado em 2015 e traz à tona o depoimento e a perspectiva daqueles que lutaram pelo fim do regime colonial português em Angola na sequência do movimento de 1974.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Cenas da luta de classes em Portugal

Scenes from the Class Struggle in Portugal

Robert Kramer e Philip Spinelli | EUA | 1977, 96’, DCP, cópia restaurada (RE:VOIR)

Combinando imagens de noticiários, fotografias, entrevistas e narração analítica, esse documentário enfoca os esforços antifascistas e anti-imperialistas de grupos de trabalhadores, camponeses e soldados da classe trabalhadora para libertar Portugal do controle do governo ditatorial de Salazar. Filmado de abril de 1974 a novembro de 1976, ele relaciona os conflitos em Portugal a movimentos de libertação paralelos nos Estados Unidos e na África do Sul. Um prólogo e um epílogo foram adicionados ao filme em 1978. Após a Revolução dos Cravos, em 1975, Robert Kramer criou um poderoso vínculo político e cinematográfico com Portugal, que ele expressou em quatro projetos sucessivos, entre eles With Freedom in Their Eyes (1976), um livro de fotografias tiradas em Angola quando o país se libertou do domínio colonial português e entrou em guerra

civil e o documentário ativista Cenas da luta de classe em Portugal (1977). Em entrevista à Cahiers du Cinéma, publicada na edição 295, de dezembro de 1978, Kramer comenta:

“Um filme que eu realmente não escolhi fazer. Em vez disso, eu estava em Portugal, e lá encontrei uma situação em que poderia esclarecer esses problemas por meio de um filme. Para entender o problema político de Portugal, era preciso torná-lo pessoal; e isso também fazia parte da luta que estava ocorrendo aqui, nos Estados Unidos, na esquerda, em torno da questão do partido, em torno da questão de como descrever o papel do imperialismo. Para mim, Portugal foi a descoberta da luta de classes na Europa, nos países industrializados avançados, já que minhas experiências anteriores haviam sido apenas no Terceiro Mundo.” “[...] Não acho que o filme deva ser um filme do PRP [Partido Revolucionário do Proletariado]. É lógico que, no final, identificamos o PRP como a principal força motriz, pois essa foi a nossa análise. O que é muito diferente é ser contratado pelo PRP para fazer um filme. Começamos a filmar pensando que não haveria discussão sobre os partidos, mas sobre os movimentos de massa, e chegamos à conclusão de que o PRP era o partido da classe trabalhadora, a vanguarda. O que eles tinham a dizer, suas contribuições para o movimento de massa, eram muito importantes, e fazia parte de nossa responsabilidade como comunistas não ter medo de pronunciar tal e tal nome. De nossa parte, era igualmente uma provocação, porque achávamos que a atitude antipartidária em geral, e em Portugal em particular, era um erro grave. O sentimento predominante era de que levantar a questão da necessidade de uma política

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Revolução dos Cravos – 50 anos

partidária era sectário. Mas eu estava convencido de que era necessário um partido para coordenar a luta do povo.”

O filme será exibido em cópia digital 4K, resultado de uma restauração promovida pela Cinemateca Portuguesa.

[Uma tradução para o inglês da entrevista de Kramer pode ser encontrada em: bit.ly/robertkramer-ims]

Independência

Fradique | Angola | 2015, 105’, DCP (Geração 80)

A 11 de Novembro de 1975, Angola proclamou a independência, 14 anos depois do início da luta armada contra o domínio colonial português.

O regime de Salazar recusava qualquer negociação com os independentistas, aos quais restava a clandestinidade, a prisão ou o exílio. Quando quase toda a África celebrava o fim dos impérios coloniais, Angola e as outras colónias portuguesas seguiam um destino bem diferente. Só após a derrubada do regime de Salazar, Portugal reconheceu o direito dos povos das colônias à autodeterminação.

Os anos de luta evocados em Independência determinaram o rumo de Angola após 1975. Opções políticas, conflitos internos e alianças internacionais começaram a desenhar-se durante a luta anticolonial. As principais organizações (FNLA e MPLA e, mais tarde, UNITA) nunca fizeram uma frente comum, e as suas contradições eram ampliadas pelo contexto da Guerra Fria. A independência foi proclamada já em clima de guerra,

mas com muita emoção e orgulho, como é contado no filme.

Este filme é resultado do projeto Angola – Nos trilhos da independência, que uniu a produtora cinematográfica Geração 80 à Associação Tchiweka de Documentação, instituição dedicada à preservação e difusão da história da independência e soberania angolana. Entre 2010 e 2015, o projeto reuniu mais de mil horas de entrevistas com cerca de 600 participantes da luta anticolonial e de personalidades relacionadas a ela.

O diretor Fradique comenta como o projeto foi importante para que este documentário existisse: “A narrativa e estética do filme baseiam-se muito no processo e na experiência que tive durante esses anos, convivendo com as memórias daqueles que deram os seus testemunhos e com os materiais de arquivo. Ler num jornal a notícia das prisões do Processo dos 50, ouvir uma gravação de Che Guevara reunido com nacionalistas angolanos no Congo, ou ver as fotos do dia a dia nas bases de guerrilha, deixava-me sempre emocionado. Por isso, em todos os mapas, fotos, documentos, jornais e cartas do filme, sente-se essa procura, esse revelar e encontrar o passado, depois de mais de 40 anos. O ponto de vista do filme é o da geração que participou na luta, são eles a partilhar as suas memórias. A própria intervenção do narrador foi escrita nesse tom, de alguém que hoje olha para trás e faz uma reflexão sobre esse tempo, e se pergunta: ‘Que memória resta da nossa luta?’.”

“Concluído o filme, espero que ele consiga criar diálogo entre as gerações que participaram na luta e as que nasceram depois de 1975. Está na hora de olharmos para o passado com os pés bem

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assentes no presente, e refletirmos sobre onde estamos e o que somos, como país, 40 anos depois da nossa Independência.”

Em 2015, Independência recebeu o Prémio Nacional da Cultura de Angola e, em 2016, o prêmio de Melhor Documentário no Festival Internacional de Camarões.

[Depoimento extraído de: bit.ly/independenciaims]

Liberdade para José Diogo

Luís Galvão Teles | Portugal | 1975, 67’, DCP, cópia restaurada (Fado Filmes)

O filme documenta duas fases de um fato público ocorrido em Portugal, durante a revolução de 1974. Em 30 de setembro de 1974, José Diogo, um trabalhador rural de 36 anos, empregado como tratorista, matou seu patrão, Columbano Líbano Monteiro, depois de ser demitido de seu emprego, quando reivindicava seu direito de trabalhar. Ele é preso em Beja, no Alentejo, e fica em liberdade até o julgamento. Na sequência, os tribunais ficaram relutantes em conduzir o julgamento, devido à agitação social e ao apoio política que Diogo recebeu de sindicatos e partidos políticos. Uma multidão interrompe a sessão e realiza um julgamento popular no saguão do tribunal, decidindo pela libertação de Diogo e condenando o patrão, postumamente, por demitir seu empregado e agredi-lo. Desde então, esse episódio se tornou um estudo de caso jurídico e um testemunho do espírito da luta de classes de sua época.

Ao apresentar uma exibição da cópia restaurada de seu filme na Cinemateca Portuguesa, em 22 janeiro de 2013, o cineasta Luís Galvão Teles declarou: “O que eu tenho pena é que não seja possível restaurar a revolução. [...] Este é um trabalho que foi coletivo de dois lados. Por um lado, coletivo de nós que estamos aqui e estivemos ligados ao processo do movimento popular que se criou em torno do José Diogo, sua libertação e seu julgamento. E muitas das pessoas que estão aqui estiveram a trabalhar no filme nas 48 horas para que o filme existisse. E que não fizeram só isso, mas fizeram por anos: primeiro a revolução e depois aguentaram o processo que tentava interromper a revolução. Nós somos apenas a face deles. Das pessoas que fizeram o movimento popular, o 25 de abril e a revolução, e nós acompanhamos, interpretamos, pensamos, interrogamos, refletimos todos esses processos que fazem parte de um processo tão vivo e tão brutalmente vivo como foi esse período.”

[Depoimento do diretor transcrito de: bit.ly/ josediogo-ims]

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As câmeras de Bodanzky

Aos 81 anos, cerca de 60 deles dedicados ao cinema, Jorge Bodanzky ocupa um lugar importante na produção de imagens do e sobre o Brasil. Em 2024, o IMS Paulista dedica especial atenção à obra de Bodanzky como cineasta, fotógrafo e repórter na mostra de filmes

As câmeras de Bodanzky, em cartaz no Cinema do IMS, com programas mensais ao longo do ano, e a exposição Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985, em cartaz até 28 de julho.

Ao longo desse período, Bodanzky assinou a fotografia de trabalhos de importantes diretores, produziu uma série de imagens sobre a Amazônia e a América Latina, diversas delas em parceria com a televisão alemã, além de filmes paradigmáticos no cinema brasileiro, como Iracema: uma transa amazônica (1974) e Terceiro milênio (1980). Trabalhou nos mais diversos formatos, dos analógicos 8 mm, 16 mm e 35 mm aos digitais, em câmera profissional e celular, e segue legando trabalhos, como o recente longa-metragem Amazônia, a nova Minamata? (2022).

Ao longo dos próximos meses, o Cinema do IMS exibe uma seleção dessa obra junto a curtas-metragens comissionados especialmente para esta ocasião. São filmes inéditos realizados a partir do arquivo de filmes super-8 de Bodanzky, um precioso material que perpassa temas como a política, o meio ambiente e a vida doméstica. Parte da Coleção Jorge Bodanzky, preservada pelo IMS, esse material chega às telas em curtas-metragens roteirizados e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti. Os filmes serão exibidos em cópias analógicas e digitais, em materiais de

acervo e digitalizações inéditas, coordenadas por Debora Butruce.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Hitler IIIº mundo

José Agrippino de Paula | Brasil | 1968, 90’, 16 mm (Cinemateca do MAM)

Paranoia, culpa, miséria e tecnologia no país subdesenvolvido. Narrativa fragmentária, enquadramentos distorcidos, gritos e ruídos. O nazismo toma conta da cidade de São Paulo: prisão e tortura de revolucionários, um samurai perdido no caos, amantes trancafiados, um ditador e seu bando. Hitler IIIº mundo é considerado um dos filmes mais influentes do cinema marginal. Na biografia de Bodanzky em primeira pessoa, escrita por Carlos Alberto Mattos a partir de conversas com o cineasta, ao descrever os filmes em que trabalhou como fotógrafo no período, ele declara: “De todas as experiências dessa fase, a mais radical foi sem dúvida a de Hitler IIIº Mundo. E para falar dela preciso reportar-me à convivência com seu autor, o incomparável José Agrippino de Paula. Ele se diferenciava dos mais engajados politicamente, como João Batista. Sua proposta era de viver o estado da arte, inspirando-se no The Living Theatre. [...] Fosse nas atitudes mais

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anticonvencionais, fosse no intenso debate cultural que fomentava, o Agrippino fez a cabeça de toda uma geração naquele momento em São Paulo, inclusive a minha. Vale a pena ler o que Caetano Veloso escreveu sobre a sua ‘inteligência sui generis’ em Verdade tropical.”

“Agrippino tinha acabado de lançar o romance Panamerica, uma moderna epopeia recheada de alusões a celebridades e situações do cinema norte-americano. Resolveu, então, dirigir um filme sem nunca ter pensado seriamente em cinema. Na verdade, para ele, fazer literatura, teatro, cinema ou um happening era a mesma coisa. Em Hitler IIIº mundo, Agrippino simplesmente criava as coisas diante da câmera e deixava que eu resolvesse o resto: produção, decupagem, fotografia, sonorização posterior etc. Depois de inventar a cena, eu ficava filmando com inteira liberdade, e ele se afastava às gargalhadas. Se o filme tivesse som direto, ouviríamos seu riso na maior parte do tempo.”

“Hitler não é uma adaptação, mas um filme paralelo ao Panamerica. Feito sem roteiro e difícil de reduzir a uma sinopse, tem, contudo, uma coerência subterrânea na sua exótica mistura de política, sexo, violência e referências místicas. Foi rodado durante mais de um ano. [...] Tudo dependia de conseguirmos algum negativo, pessoal e condições de filmagem. Eu guardava pontas de chassi dos outros filmes que fazia até juntar o bastante para o trabalho de um dia. Pegava uma câmera em dia de folga de outra produção e ligava para o Agrippino. Ele então criava a cena de acordo com os atores que pudéssemos reunir. Batíamos na porta das pessoas e as chamávamos para filmar.”

“[...] Esse sentido de aventura era absolutamente instigante. Podíamos inventar desde as

tomadas de rua em que a câmera gira sobre o próprio eixo até a inusitada sequência do Homem de Pedra, um personagem de quadrinhos que Agrippino criou, fantasiando um ator com placas de isopor. A certa altura do filme, o Homem de Pedra ameaça atirar-se do topo de um prédio próximo ao viaduto do Chá. A equipe ficou no viaduto apontando para o alto, até que uma multidão se formasse, interrompendo o trânsito. Dessa vez, nosso plano de filmagem contou com a chegada da polícia. Pedimos, então, aos policiais que nos ajudassem na filmagem da prisão do Homem de Pedra. Muito solícitos para fazer o seu próprio papel, eles subiram até o terraço, procederam à captura e eu filmei até a porta do camburão sendo fechada, de dentro do veículo.”

“[...] A dublagem e a sonorização foram feitas na ECA, fora dos horários de aula. Na montagem do negativo, o laboratório colocou a faixa de som ao contrário em cerca de 10 minutos de filme, o que fazia os diálogos soarem ao revés. Agrippino achou genial e incorporou o acidente à sua estética.”

[Citação extraída da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.]

Igreja dos oprimidos

Jorge Bodanzky e Helena Salem | Brasil, França | 1985, 75’, DCP (Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados no Arquivo Nacional, com coordenação de Debora Butruce)

Rodado no sul do Pará, em Conceição do Araguaia, região de graves conflitos de terra. Com vigor preciso e apaixonado, o filme narra a saga de fraternidade e de esperança que uniu os movimentos eclesiais de base e os camponeses pobres da região, em defesa do direito à posse da terra.

“A atuação da igreja progressista na Amazônia ainda era muito forte em 1985, quando dirigi com Helena Salem o documentário”, comenta Bodanzky na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos. “Antes mesmo de adotar o livro homônimo da Helena como base de trabalho, eu já havia pensado num filme que partisse de uma ‘nova missa’ da Teologia da Libertação para enfocar as particularidades e o destino de cada pessoa que ali

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estivesse. A ideia me surgira ao fazer um trabalho no Ceará, quando assisti à missa celebrada por um padre austríaco à sombra de uma grande árvore. Tinha ficado comovido com o despojamento da cena, aqueles camponeses e Deus lá em cima, sem templo, sem imagens de santos, como no início da Igreja Católica.”

“Uma convergência de propósitos reuniu a mim, Helena, a produtora Lucíola Villela e o padre Ricardo Rezende, de Conceição do Araguaia (sul do Pará). [...] Padre Ricardo tinha sobrevivido a cinco atentados e exercia um papel de liderança nas comunidades eclesiais de base do Norte brasileiro. A Teologia da Libertação começava a ser perseguida e duramente combatida pela ala conservadora da Igreja. [...] Padre Ricardo, presente como uma espécie de explicador, celebrou a missa que ocupa o núcleo central do filme. Afora seus depoimentos, evitamos fazer um desfile de padres e bispos, preferindo dar voz ao povo e a personagens da luta pela terra.”

“Não faltaram questões polêmicas, como a defesa, por um agente pastoral, das queimadas feitas pelos camponeses. Mostrando isso, não estávamos tentando justificar ‘a queimada do bem’, mas expondo as razões de sobrevivência daquela gente.”

“Entrevistamos, em sua própria casa, o pistoleiro Sebastião da Terezona, um assassino confesso, livre e orgulhoso, cercado de quadros religiosos nas paredes. Filmamos o corpo de um soldado morto num conflito em Redenção. Apesar das nossas convicções políticas, pretendíamos abrir espaço para os dois lados da guerra. Mas, à exceção de um sindicalista patronal que insinuou o recurso à violência, não foi fácil ouvir o outro lado.”

“[...] Em Igreja dos oprimidos eu não fiz a câmera, o que é muito sofrido para mim. A L.C. Barreto assinou um contrato de coprodução com a Société Française de Production, visando principalmente a pós-produção do filme. Mas eles conseguiram impor o fotógrafo Serge Guitton, que tinha um estilo mais rígido e lento, com câmera no tripé. É claro que o orientei na medida do possível, mas não é a fotografia que eu faria. De qualquer forma, isso não foi conflitante e a equipe era bem coesa. Helena Salem, muito doce mas também muito ativa e politizada, usava suas relações para criar um ambiente favorável à nossa entrada com a câmera.”

“[...] Rodamos durante três semanas com uma equipe de cinco pessoas. O produtor delegado era Louis Mollion, que já tinha vindo ao Brasil e até velejado no meu barco. Acompanhei a montagem e finalização em Paris, onde o filme estreou na TF1 em horário nobre, excepcionalmente na versão integral (75 minutos), em setembro de 1986. Um mês antes, fora exibido ao papa João Paulo II e integrado ao acervo da cinemateca do Vaticano. Não tenho dúvida de que o filme surgiu num momento oportuno para a discussão da Igreja da Libertação. No Brasil, ganhou a Margarida de Prata da CNBB e rodou o circuito dos cineclubes, com temporadas no Estação Botafogo, no Rio, e no Oscarito, em São Paulo. Foi exibido nos festivais de Cannes, Havana e Montreal, entre outros.”

No meio do rio, entre as árvores

Jorge Bodanzky | Brasil | 2009, 73’, Arquivo Digital (Acervo do artista)

O documentário é resultado de uma expedição ao Alto Solimões, que ministrou oficinas de vídeo, circo e fotografia às comunidades ribeirinhas dentro de reservas ambientais. Com o conhecimento adquirido, os próprios alunos começam a registrar as suas vidas cotidianas, destacando tanto a beleza natural da região quanto as consequências negativas da exploração econômica dos recursos disponíveis. O filme junta o olhar e as imagens de Bodanzky ao olhar e as imagens dos ribeirinhos.

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Utopia/distopia

Jorge Bodanzky | Brasil | 2020, 72’, DCP (Produtor Bruno Caldas)

Jorge Bodanzky recorre às memórias afetivas do período em que cursou a Universidade de Brasília para apresentar um painel da juventude na década de 1960, com seus sonhos e suas expectativas, suas crises e seus projetos interrompidos.

Para Bodanzky, que frequentou a Universidade de Brasília nos anos que seguiram a sua fundação, a UnB representava o projeto de construção de um novo Brasil: desde a arquitetura, passando pela integração entre as áreas do conhecimento, a reunião de estudantes de todo o país com professores de renome internacional. Em entrevista à Ponte Jornalismo, afirma que foi Darcy Ribeiro o articulador político para que esse projeto se concretizasse: “Ele era muito articulado politicamente e era muito ligado ao presidente João Goulart. Foi num ato de distração da Câmara que acabaram aprovando o projeto de uma instituição como essa. A verdade é que a proposta original da UnB era tão revolucionária que até hoje nenhuma universidade brasileira foi a sombra do que ela foi.”

O golpe militar de 1964, no entanto, interrompeu brutalmente o projeto recém-nascido. À Ponte, Bodanzky analisa: “Os militares interferiram em outras universidades e em organizações estudantis, como a UNE. Mas nunca com a mesma violência e rapidez com que fizeram com a UnB. Essa foi a única instituição de ensino superior fechada por eles.”

Em Utopia/distopia, o sonho dessa UnB e sua subsequente destruição são narrados de forma indissociável da vida do próprio diretor. Em sua

biografia escrita por Carlos Alberto Mattos, já estava posto: “Esse período em Brasília foi a minha descoberta do Brasil e da cultura brasileira. Até então, eu tinha certa pretensão intelectual, mas não um sentimento de grupo. Seguia a onda, era de esquerda porque tinha mesmo de ser. Em Brasília, adquiri a visão de mundo que determinou tudo o que eu faria a seguir. Posso dizer que minha vida se fundou ali, junto com a universidade.”

[Depoimentos extraídos da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso e de matéria da Ponte Jornalismo, disponível em: bit.ly/jbutopia]

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Em uma iniciativa do Cinema do IMS, o acervo de Jorge Bodanzky depositado no IMS, sobretudo seus filmes super-8 e vídeo feitos em contextos diversos (ambiente doméstico, viagens a trabalho, estudo para filmes) foi transformado em um conjunto de curtas-metragens inéditos roteirizados por Ewerton Belico e editado pelos irmãos Luiz e Ricardo Pretti. Ao longo da mostra, esses filmes serão apresentados junto aos demais trabalhos dirigidos e fotografados por Bodanzky. Uma iniciativa do Instituto Moreira Salles com produção de Vasto Mundo & Errante.

Meu barco é veleiro

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2024, 14’, DCP (Acervo IMS)

Jorge Bodanzky é, em grande medida, um realizador viajante. O movimento constante é um traço de seu processo criativo, que incide por registros tanto pessoais quanto de projetos diversos que constituem a base para Meu barco é veleiro. Observações e experiências por continentes diversos, em uma espécie de romance de formação improvisado, no qual as paisagens humanas revelam a constituição de um olhar.

O Muiraquitã

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2024, 20’, DCP (Acervo IMS)

Os percursos de um cineasta-viajante por paisagens sociais e culturais brasileiras atravessadas pelo furacão da modernização autoritária que a ditadura militar impôs: povos indígenas, cavalhadas, migrantes. Através da câmera-olho de Jorge Bodanzky, vemos as múltiplas faces da borrasca que atinge os modos de vida das populações tradicionais e suas práticas vistas.

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Tenta

louvar o mundo mutilado

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2024, 18’, DCP (Acervo IMS)

A trajetória cinematográfica de Jorge Bodanzky é profundamente marcada pelo seu convívio com o jornalismo e a reportagem documental. Tenta louvar o mundo mutilado reconstitui alguns dos seus mais importantes trabalhos nessa seara, com registros que vão desde as ditaduras latino-americanas às expressões religiosas de matriz africana no Brasil.

Limites do diáfano

Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2024, 9’, DCP (Acervo IMS)

Como ver livremente diante da opressão generalizada? Limites do diáfano compila alguns dos materiais em super-8 realizados por Jorge Bodanzky durante a ditadura militar, articulando materiais domésticos, experimentos com o suporte cinematográfico e os vestígios, em suporte amador, de algumas de suas obsessões temáticas e estilísticas. Limites do diáfano coleta alguns fragmentos que insinuam um possível perfil dos modos de ver que Jorge Bodanzky constituiu ao longo das últimas décadas.

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Criada em 2012 pelo então coordenador de cinema José Carlos Avellar (1936-2016), a coleção DVD | IMS já lançou diversos filmes, entre produções brasileiras e estrangeiras.

Cabra marcado para morrer

Eduardo Coutinho | Brasil | 1962-1984 | 119min

Em matéria de 1985 para o Jornal do Brasil,

Roberto Mello escreveu: “As filmagens começaram em fevereiro de 1964. Coutinho pretendia contar a história de João Pedro Teixeira, líder da liga camponesa de Sapé, na Paraíba, assassinado em 1962. Não queria atores profissionais: que os personagens fossem interpretados pelos próprios camponeses. Dezessete anos depois, Coutinho volta à região, consegue encontrar Elizabeth e, através do filho mais velho, Abraão, investiga o destino dos outros dez filhos e de todos os envolvidos no projeto. Ele exibe os originais filmados há tanto tempo, os camponeses se alegram com seus rostos, mais jovens, vivem a emoção do reconhecimento e o jogo de identificações. Vinte anos depois, Coutinho conclui seu filme, um épico contado com clareza, paciência e perseverança, por alguém que confia no trabalho e nos dias. Uma experiência original na cinematografia brasileira.”

Extras:

- A família de Elizabeth Teixeira [65 min. aprox.] e Sobreviventes de Galileia [27 min. aprox.] de Eduardo Coutinho

- Faixa comentada com Carlos Alberto Mattos, Eduardo Escorel e Eduardo Coutinho

- Livreto com textos de Walter Lima Jr., Eduardo Coutinho, Sylvie Pierre, José Carlos Avellar e outros.

O futebol, de Sergio Oksman

O botão de pérola e Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán

Photo: Os grandes movimentos fotográficos

Homem comum, de Carlos Nader

Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Susana Moraes

Últimas conversas e Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho

A viagem dos comediantes, de Theo Angelopoulos

Imagens do inconsciente e São Bernardo, de Leon Hirszman

Os dias com ele, de Maria Clara Escobar

A tristeza e a piedade, de Marcel Ophüls

Os três volumes da série

Contatos: A grande tradição do fotojornalismo; A renovação da fotografia contemporânea; A fotografia conceitual

La Luna, de Bernardo Bertolucci

Cerimônia de casamento, de Robert Altman

Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho

Vidas secas e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos

O emprego, de Ermanno Olmi

Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna

Cerimônia secreta, de Joseph Losey

As praias de Agnès, de Agnès Varda

A pirâmide humana e Cocorico! Mr. Poulet, de Jean Rouch

Diário 1973-1983 e Diário revisitado 1990-1999, de David Perlov

Elena, de Petra Costa

A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo

Libertários, de Lauro Escorel, e Chapeleiros, de Adrian Cooper

Seis lições de desenho com William Kentridge

Sudoeste, de Eduardo Nunes

Shoah, de Claude Lanzmann

Memórias do subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea

E três edições voltadas à poesia: Poema sujo, dedicado a Ferreira Gullar; Vida e verso e Consideração do poema, dedicados a Carlos Drummond de Andrade

Os DVDs podem ser adquiridos nas livrarias especializadas, nas lojas dos nossos centros culturais e na loja online do IMS: bit.ly/imsdvd.

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coleção DVD | IMS

Instituto Moreira Salles

Cinema

Curador

Kleber Mendonça Filho

Programadora

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Ana Clara da Costa e Adriano Brito

Serviço de legendagem

eletrônica

Pilha Tradução

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral

Os filmes de maio

O programa do mês tem o apoio da Cinemateca Portuguesa, Cinemateca de Bolonha, Mutual Filmes, das produtoras Geração 80, Fado Filmes, das distribuidoras Filmes da Mostra, Kino Lorber, Milestone Films, Preta Portê Filmes, Re:Voir, Vitrine Filmes, Zeta Filmes e do projeto Sessão Vitrine Petrobras.

Agradecemos a Aaron Cutler, Arlene Clemesha, Billy Woodberry, Carlos

Alberto Mattos, Carlos Canelas, Carmen Accaputo, Cecilia Cenciarelli, Dennis Doros, Diana Vidrascu, George Schmalz, Joana Sousa, Kay Dickinson, Keja Ho, Luís Galvão Teles, Mariana Shellard, Michael Rogosin, Mirian Vanda, Mohannad Ghawanmeh, Pip Chodorov, Rasha Salti, Richard Peña, Sara Moreira, Vanessa Pimentel, William Plotnick e à pequena Ava.

Sessão Mutual Films

Realização: Cinema do IMS | Curadoria e produção: Aaron Cutler e Mariana Shellard

Apoio

As câmeras de Bodanzky

Curadoria, realização e produção: Cinema do IMS | Apoio: Arquivo Nacional, Cinemateca

Brasileira, Cinemateca do MAM, CTAv, Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF)

Coordenação de digitalização: Débora Butruce | Digitalização e tratamento de imagem e som: Link Digital e Mapa Filmes | Pesquisa: Ângelo Manjabosco, Mariana Baumgaertner, Júnia

Matsuura | Agradecimentos: Jorge Bodanzky, Adriana Veríssimo, Alice de Andrade, Ana Beatriz

Vasconcellos, Barbara Alves Rangel, Bruna Callegari, Carlos Polonio, Centro de Produção

Audiovisual - Sesc-SP, Denise Miller, Elisa Ximenes, Ewerton Belico, Guilherme Albani, Hernani

Heffner, Joana Nogueira Lima, José Quental, Link Digital, Luiz Pretti, Meike Schlarb (ZDF), Museu da Imagem e do Som (MIS-SP), Patrícia Lira, Rafael Medeiros, Ricardo Pretti. | Agradecimentos

Equipe IMS: Bianca Mandarino, Cauê Guimarães, Horrana de Kássia Santoz, Joana Reiss, Marina Marchesan, Nadja Santos, Thyago Nogueira.

A exibição de Hitler IIIº Mundo tem o apoio da Cinemateca do MAM e da Cinemateca Brasileira

A exibição de Igreja dos oprimidos tem o apoio do Arquivo Nacional

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 145 lugares.

Meia-entrada

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos.

A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito. Confira as classificações indicativas no site do IMS.

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Cenas da luta de classes em Portugal

(Scenes from the Class Struggle in Portugal), de Robert Kramer e Philip Spinelli (EUA | 1977, 96’, DCP)

Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h.

Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa

Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h. Fechado às segundas. Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

A entrada no IMS Paulista é gratuita.

Avenida Paulista 2424

CEP 01310-300

Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120

imspaulista@ims.com.br

ims.com.br

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@imoreirasalles

@imoreirasalles

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A hora da estrela, de Suzana Amaral (Brasil | 1985, 96’, DCP)
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