CLB - Euclides da Cunha

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pinada quando o caminho sofre inflexão para a esquerda, tomando a direção oposta do destino final. Frei Apolônio, percebe-se, não quis apenas que a subida fosse árdua. Quis também que fosse comprida, e inventou este desvio, em vez de fazê-lo avançar direto. “Cuidado, Jaílton”, ouve-se dizer. “Me espera, Clérisson.” Dá-se conta, então, de que se está na região que é uma das matrizes dos nomes em “ton” e “son” que tanto têm enriquecido o repertório brasileiro de nomes próprios – os Taílsons e os Clébersons, os Elivéltons e Claírtons, muitos deles destinados à glória nos campos de futebol. Grupos de jovens podem ir conversando animadamente. Há também famílias inteiras: pai, mãe e crianças. Este é por excelência um percurso de pagadores de promessa. Do alto deste morro, contemplam-nos dois séculos de multidões que subiram de joelhos ou a carregar pedras. Nesta madrugada, porém, apesar de ser Sexta-Feira Santa, não há quase sinal de devoção explícita. O máximo que se tem, no gênero, são pessoas que param defronte às capelinhas para acender velas. As capelas, por fora, apresentam-se em estado razoável de conservação, mas estão todas fechadas. Não mais guardam as estampas ou imagens que ilustravam os Passos da Paixão, e pode-se adivinhar de por dentro não tenham o que oferecer senão desgaste e sujeira. Faz falta um Antônio Conselheiro, que nos seus 20 anos de peregrinação, antes de se fixar em Canudos, impusera-se o compromisso de restaurar ou reparar igrejas e muros de cemitérios sertões afora. O Conselheiro esteve mais de uma vez em Monte Santo. Numa delas, em 1892, liderou seus seguidores nos trabalhos de restauração das capelinhas e do caminho que sobe o morro. O correspondente anônimo que o jornal Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, mantinha em Monte Santo publicou, em junho de 1893, nota a respeito: “Fui testemunha ocular de que quando [Antônio Conselheiro] esteve aqui o ano passado envidou meios de fazer-se alguns reparos nas capelas e na estrada do Monte daqui a fim de não continuar a decadência em que se achava a instituição da irmandade dos Santos Passos do Senhor do Calvário, pedindo e aplicando o resultado das esmolas que recebia para esse fim”14. O Conselheiro não só restaurou capelas em Monte Santo. Também praticou milagres, segundo a tradição. Um deles consta de Os sertões, e Euclides

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