CLB - Euclides da Cunha

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para o topo. Acresce que os pés raramente se fixarão com naturalidade no solo. Às vezes é um pedregulho, outras uma ponta aguda que se insinua de surpresa, por mais atento que se esteja, os olhos postos no chão. Ainda bem que há a mureta para, de quando em quando, sentar e retomar o fôlego. E vai ser assim, um ufa!, ufa!, descansa e ufa!, prossegue, avança e marca passo, ao longo de três infindáveis quilômetros. Frei Apolônio provavelmente não sabia disso, mas o que fez é muito mais que um Calvário. O morro do Calvário a que se é apresentado em Jerusalém, hoje embutido dentro da Igreja do Santo Sepulcro, não tem mais do que cinco metros de altura. Calcula-se que, originalmente, antes que a construção da igreja determinasse o alteamento do solo a seu redor, poderia ter 12 ou 13 metros. Não passa portanto de um montículo, ao pé do qual o Calvário de frei Apolônio é um Everest. O jornalista Euclides da Cunha, destacado pelo jornal O Estado de S. Paulo para cobrir a Guerra de Canudos, chegou a Monte Santo no dia 6 de setembro de 1897 e, no dia 8, empreendeu a subida do morro. Acompanharamno outro jornalista, Alfredo Silva, correspondente de A Notícia, do Rio de Janeiro, e quatro militares. Alfredo Silva deu conta do “delicioso passeio”, como o qualificou na correspondência que mandou para o jornal. Escreveu: “Dos nossos vestuários incontestavelmente destacava-se o do distinto colega que, chegado ainda anteontem, se apresentou de vistosas botas de verniz, calça branca, camisa de fina seda e chapéu de fina palha. Bons tempos o esperam neste canto da Bahia, em que um banho constitui o x do mais complicado dos problemas”13. Acrescente-se que Euclides levava uma máquina fotográfica, segundo a mesma notícia, e se tem a imagem completa não só do turista inadvertido, mas do aprendiz ainda despreparado do sertão. Hoje não há quem suba o morro coberto de finas sedas. Nem sempre, porém, os sapatos são apropriados. Especialmente entre as senhoras, há quem vá calçando sapatinhos de sola fina, impróprios para evitar os escorregões e a aspereza das pedras. Algumas tiram o sapato e prosseguem descalças. Se é para sofrer, se é para pagar os pecados, que se sofra e se os pague por inteiro. Uns amparam os outros em certos trechos. A quantidade dos que se dão tréguas para descansar, nas muretas laterais, vai aumentando. A rampa torna-se menos em-

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