CLB - Euclides da Cunha

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A “ilusão renitente” insinua-se no bloco final, que retoma o verso de abertura para introduzir a “luz de um olhar” (projeção igualmente frágil da humanidade contida no ato poético-amoroso?), que não repõe nenhuma esperança, apenas enseja a encenação lírica e onírica de todo esse drama da finitude. O olhar iluminado é o mesmo que pode fazer a elegia da giesta, antes de sua próxima extinção: Estranho sonho! E eu vi, senti nascer das trevas um clarão suavíssimo, semelhante ao luar que vem do céu, rasgando uma por uma as bambolinas pesadas da tempestade. Era a luz de um olhar… Nem tudo perecera! Este simples clarão saciava-me como se fosse a concentração da vida universal roubada aos seres, ou o espírito errante das constelações extintas26! Mesmo acercando-se do fim último de todas as coisas, com a percepção da morte dos mundos aguçada (“a universal comédia das formas, das superfícies, das ilusões”), conduzida assim ao termo de nossa dimensão perceptiva no espaço-tempo, permanece esse ponto luminoso – flor fugaz na encosta do vulcão em Leopardi, convocação ao enlace amoroso agônico em Lasker-Schüler, olhar que retoma a condição universal e abstrata da vida em Pompéia – que, embora seja igualmente da ordem do ilusório, restitui os laços entre o nada e o ato da poesia. Ou, nas palavras radicalmente poéticas de Laura Riding: “What is a poem? A poem is nothing. By persistence the poem can be made something; but then it is something, not a poem”*. Nesse modernismo da “desativação” de qualquer dinâmica metafórica do sentido e da mímesis, a poeta prossegue em seu libelo, identificando a materialidade do poema com a criação de um “vácuo” na experiência: “It (a poem) is *

“Que é um poema? Um poema é nada. Por persistência o poema pode se tornar algo; mas então ele é algo, não um poema”.

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