CLB - Euclides da Cunha

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sença aqui pode iluminar as trajetórias das poéticas de Pompéia e Euclides. Quando não, relançá-las noutra dimensão de leitura, mais enfocada nas trilhas que aproximam e separam o ato poético da experiência da morte. Já na poética presente em suas prosas primas pode-se também localizar o papel jogado pelos traumas da história pessoal ou coletiva no desencadeamento do ato discursivo, que é, de uma parte, desdobramento e tradução da violência experimentada para o plano da linguagem escrita e, ao mesmo tempo, de outra parte, sublimação e cripta das perdas e ferimentos sofridos9, não só na própria pele, mas na percepção de si mesmo e do mundo, conduzindo à fragilização do autoconceito de humanidade, ao desvanecer das ilusões de progresso social ou político, e com ela ao naufrágio das primeiras esperanças. Em Os sertões, isso surge bem claro, a começar do diário da expedição e de outras anotações esparsas sobre a campanha de Canudos que o engenheiro-repórter colecionava, ao sabor do vivo testemunho experimentado no teatro da guerra, naqueles últimos dias de sobrevida do povoado rebelde. O início do incêndio destruidor de Canudos pelo Exército parece um ponto nodal na reviravolta do texto euclidiano, detonando sua prosa maior como canto épico-dramático às vítimas desse “crime da nacionalidade”, dessas “loucuras” que já não se sabem se dos fanáticos ou de seus agressores, canto em que se insinua muitas vezes o modo elegíaco de reverência lamentosa ao destino trágico daquele “bárbaro e incompreensível inimigo”10. E ali, naquele cenário em extinção (junto com seus protagonistas maiores), o narrador exibe as armas da destruição, as “barbáries civilizadas” dos últimos requintes tecnológicos da indústria bélica combinadas às atrocidades do fogo, da faca e das cabeças cortadas. Em Pompéia de O Ateneu, a “crônica da saudade” poderia remeter à busca desse tempo perdido do final da infância e início da adolescência, isso na superfície da história narrada. Mas a violência desencadeadora do ato de linguagem, ali, está presente, por um lado, na repressão do aparelho escolar, cujo incêndio final, ao contrário do significado do fogo em Os sertões, parece cumprir certo rito vingativo e liberador, embora sempre fundamente nublado pela melancolia que se aloja em todo o fluxo narrativo dessas lembranças, as quais podem ser contadas por idêntica razão de se terem tornado inalcançáveis. Num raro fragmento

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