Revista Cooperação Técnica RIB

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Eram quase duas da tarde, e o calor de um dia típico de verão no Semiárido baiano parecia ignorar o ar condicionado do carro em potência máxima. Estávamos a caminho de Conceição do Coité, cidade de 60 mil habitantes a 210 km de Salvador, para encontrar os integrantes de coletivos de jovens de vários municípios. Ao meu lado, no banco de trás, estava Givaldo Souza, representante do Movimento de Organização Comunitária (MOC), ONG que apoia os coletivos e se destaca pelo trabalho de mobilização juvenil no Território do Sisal. Ele conta como escapou das estatísticas do êxodo rural que durante décadas assombraram os analistas: “A capacitação se torna instrumento tanto de luta como de transformação. É o meio de o jovem do campo se inserir em um processo de poucas oportunidades”, diz o articulado Givaldo, coordenador de Juventude do MOC, enquanto envia uma mensagem do seu notebook. Filho, neto e bisneto de agricultores familiares, ele tem, aos 24 anos, uma trajetória de ascensão em movimentos sociais iniciada aos quinze, quando começou a se interessar pelos problemas do povoado de Miranda, em Santaluz, município da zona sisaleira, onde nasceu. Chegou ao MOC em 2008, como aluno, e, em um ano, com a experiência de liderança em coletivos de jovens, estava sendo convidado a coordenar o departamento. Atualmente, três mil jovens, filhos de agricultores de 16 a 29 anos, que participam de coletivos nos 25 municípios compreendidos na zona de atuação da ONG, estão sob sua coordenação. “O mais gratificante é poder fazer um trabalho numa perspectiva regional, para o desenvolvimento de minha região”, comenta Givaldo, refletindo sobre a “oportunidade de interferir na história do país”. Embora reconheça que o êxodo rural ainda surge como alternativa para outros conterrâneos de sua faixa etária, ele é testemunha do quanto a educação vem transformando a realidade da juventude do campo no Brasil. Hoje, a Educação do Campo é movimento em rede nacional, pano de fundo de um processo de desenvolvimento em cadeia, construído coletivamente e, desde 2005, potencializado todos

os dias - por e-mail, Skype, telefone - através da Rede Jovem Rural. Por trás dessa juventude conectada estão os princípios da “ação-reflexão-ação” da educação libertadora de Paulo Freire, da Pedagogia da Alternância e da Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável, metodologia desenvolvida coletivamente no sertão pernambucano.

Um ponto de convergência Até meados desta década, organizações voltadas para a educação do jovem do campo desenvolviam por si mesmas um trabalho de gigantes que se tornou referência no Brasil. Entre os que se debruçavam sobre a causa da juventude rural, não havia quem não tivesse ouvido falar nas Escolas Famílias Agrícolas (EFA). Também já eram reconhecidas iniciativas de instituições como o Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), criado há vinte anos no interior de Pernambuco, referência na implantação de diretrizes curriculares nas escolas do campo; e a Arcafar/Sul, que desde 1991 promove a formação de jovens do campo nos três estados do Sul, assim como o Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural (Cedejor). Luiz André Soares, gerente do Instituto Souza Cruz e coordenador da Rede Jovem Rural, lembra que a ideia de Leticia Sampaio, diretora do Instituto à época, era reunir Mepes, Moc, Serta, Cedejor e Arcafar/ Sul para pensar o que poderia ser feito em conjunto pela juventude do campo. Com esse objetivo, foi realizada a I Jornada Nacional do Jovem Rural, que, em 2005, reuniu 293 jovens de doze estados brasileiros durante três dias. “No fim do evento, quando percebemos que tínhamos em comum projetos para o jovem rural do país, nos perguntamos: e agora, o que vamos fazer? Entendemos que precisávamos nos organizar, estabelecer um planejamento de trabalho. Então, foram realizadas outras ações para dar solidez a essa iniciativa, e montamos a rede”, recorda Luiz André. O objetivo desse projeto coletivo é promover ações de cooperação e defesa conjunta da causa do jovem rural brasileiro, constituindo um espaço para troca de experiências, em especial aquelas focadas no

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