Folha da Rua Larga Ed.47

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4 folha da rua larga

setembro – outubro de 2014

história baú da rua larga

Filhos de Gandhy, badauê! Baianos e cariocas no ijexá da paz A história de um dos mais tradicionais blocos de carnaval do Rio de Janeiro Divulgação

Em 18 de fevereiro de 1949, os estivadores de Salvador, Bahia, fundaram um cordão carnavalesco: Os Filhos de Ghandy. O idealizador do bloco foi Vavá Madeira, apelido de Durval Marques da Silva, apoiado por outros estivadores: Gaiolão, Mica, Bigode de Arraia, Baé, Tristeza, Cara Feia e outros. Algumas regras foram criadas para participar do bloco: as mulheres podiam apenas assistir e levar comidas para os homens e a bebida alcoólica estava proibida, por conta dos ideais de paz preconizados pelo bloco. Na época o sindicato de estivadores sofria forte intervenção do governo. Vavá Madeira, após assistir no Cine Jandaia um filme sobre Gandhi, apresentou a ideia de criar o bloco aos seus colegas de trabalho no Porto. A falta de dinheiro fez com que os primeiros foliões pedissem os lençóis para as prostitutas para confeccionar as fantasias. O Afoxé, palavra de origem iorubá, pode ser chamado também de candomblé de rua. O ritmo ijexá é fornecido ao cortejo por três instrumentos: a cabaça (agbê ou afoxé), coberta por uma rede que, ao roçar com a casca da fruta seca dá o som; o atabaque, com tamanhos variados; e o agogô,

Desfile dos Filhos de Gandhy em Copacabana (2013) Divulgação

Presente dos Filhos de Gandhy a Iemanjá, em Copacabana

que produz o som metalizado e dá o ritmo. Incorporando elementos religiosos de orientação do candomblé, permitindo a fusão de religiões sem preconceito, e promovendo a paz e a sua difusão, como pregava

o líder Mahatma Gandhi, assassinado em janeiro de 1948, o bloco baiano que, inicialmente cantava marchinhas, só deixou de desfilar durante dois anos (1974 e 1975). Ao cortejo foram inseridos alguns símbolos: a

cabra, o elefante e o camelo, respectivamente, o símbolo da vida, da força e da resistência da “Grande Alma”, como era chamado Gandhi. Em 1951, estivadores do Cais do Porto do Rio de Janeiro, vindos de Salvador, resolveram desfilar no carnaval a versão carioca do Filhos de Gandhy. Aquele simples lençol branco recortado na parte superior e costurado nas laterais foi a grande sensação do reinado de Momo no ano seguinte. Um turbante (que podia ser uma toalha de banho dobrada e alinhavada), finalizada por um broche e complementada por um par de sandálias, colares azuis e brancos que reverenciam os orixás Oxalá e Ogum, finalizavam o traje do Afoxé Filhos de Gandhy, perfumados por alfazema. Sucesso absoluto! Em cinco anos de desfile a imprensa noticiava: “Entoando ritmos afrobrasileiros, um dos mais organizados blocos, o Filhos de Gandhy, que invariavelmente sai no domingo e terça de carnaval entoando apenas cânticos de fundamentos afro-brasileiros, como macumbas, batucadas etc., com trajes característicos hindus, desfilaram no tríduo de Momo. Partiram do Palácio de Alumínio da Praça Onze, com

50 figuras, e desfilaram das 8 horas da manhã até as 8 horas da noite”. O jornal Última Hora, de fevereiro de 1962, salientava o sucesso do bloco e os altos gastos realizados pelos integrantes: “O turbante branco distingue imediatamente os integrantes do Filhos de Gandhy e seus instrumentos são o atabaque, a cabaça e o caxixi. Todos gastaram verdadeiras fortunas nas vestimentas e ornamentos com que se exibem no domingo e terça gorda. Segundo os dirigentes, o bloco gastou mais de 1 milhão de cruzeiros somente em fantasias, sendo que uma fantasia de índio usada por Babalu, diretor social do bloco e estivador do Cais do Porto, custou 150 mil cruzeiros”. A sede baiana, doada pelo governo do estado da Bahia, está localizada no Pelourinho. No Rio, a sede é na Rua Camerino, números 7 e 9, no Centro. É uma casa antiga em ruínas, cedida pelo Governo do Estado. A Associação Recreativa Cultural Afoxé Filhos de Gandhy-RJ promove inúmeras atividades, como a Lavagem da Igreja do Bonfim em janeiro, a oferenda de presentes para Iemanjá no último dia do ano, exposições e o desfile de carnaval. Além

disso, promove dança, música afro, música popular, regional e MPB, passeios, palestras, eventos artísticos e culturais, apresentações contratadas, shows e muitas outras expressões da arte afro-brasileira. Em 1975, na antiga sede na Central do Brasil, foi gravado um compacto com seis faixas interpretadas por Aurelino Gervásio da Encarnação. Os temas foram: Cantiga de Exu, Cantiga de Ossãe, Cantiga de Omulu, Afoxé, Cantiga de Oxalá e Hino do Afoxé Filhos de Gandhi. O disco foi produzido pelo Ministério da Educação e Cultura e pela Funarte. Hoje, o presidente do Afoxé do Rio é Carlos Machado, que vem lutando para conseguir os recursos financeiros necessários para fazer o restauro da sede do grupo, que está em ruínas. São milhares de adeptos que saem às ruas para levar sua mensagem de paz. Lembramos então com saudades de Clara Nunes, que entoava: “Filhos de Gandhi, badauê / Ylê ayiê, malê debalê, otum obá / Filhas de Gandhi / Ê povo grande / Ojuladê, katendê, babá obá...”

aloysio clemente breves soubreves@yahoo.com.br


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