50 Dicas de Engenharia Cultural | Como transformar ideias em projetos e projetos em realidade

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50 dicas de engenharia cultural


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50 dicas de engenharia cultural As dicas a seguir apresentadas são frutos da experiência de ter percorrido muitas vezes este caminho do Ciclo da Produção Cultural, que transforma ideias em projetos socioculturais e estes em produtos na realidade do mercado. As dicas respondem também a muitas perguntas de produtores e agentes culturais que nos procuraram nestes 21 anos de trabalho no mercado. Acompanhe estas dicas observando a Figura 12.

A inspiração

1  Enxergar não é ver. Acredite sempre em uma coisa: “Na maior parte do nosso tempo, estamos envolvidos com nossas vozes internas e preocupados em atender às demandas de fora.” Devemos manter sempre o nosso ego no nível da nossa autoestima, nem um pouco acima, nem um pouco abaixo, como mencionado nas Notas Básicas, no início deste livro. Assim vamos poder enxergar o que está por trás de tudo: das atitudes e dos cenários. Podemos ver várias pessoas reunidas em volta de uma mesa na discussão de uma ideia, mas enxergar o que está acontecendo de fato no latente de cada um e do grupo, respeitando cada personalidade, é um exercício que precisa de tempo para se aprender. Um pequeno detalhe, quando estamos vendo, de fato, nos revela coisas extraordinárias. Essas revelações só nos emocionam (identificam) se tiverem alguma coisa a ver conosco. Eu posso perceber oportunidades que você não percebeu e vice-versa. A inspiração de uma ideia que se transformará em projeto quase sempre acontece no momento mais distraído, quando nossa mente está vazia de demandas externas, pronta para começar a alinhar a visão que estamos tendo. Quando não há ansiedade alguma para tomar qualquer atitude de produção imediata e nenhuma emoção perturba, a ideia começa a se desenhar naturalmente na nossa cabeça. É como se ela já existisse lá e passássemos a percebê-la. Precisamos exercitar esses momentos de serenidade, que não são de passividade, mas de reflexão ativa. 2  A inspiração nasce do nosso olhar, da observação sutil do comportamento das pessoas, das emoções transmitidas por elas, de um fato que lemos em um jornal, uma notícia, de alguma coisa na rua que nos chamou a atenção, uma conversa simples ou profunda, um amor intenso, uma injustiça que presenciamos, uma questão social, um caso que nos contaram, da emoção vinda de uma obra de arte, das nossas lembranças pessoais, uma saudade intensa, da intuição, do resultado de um estudo, uma pesquisa, de uma oportunidade do mercado, da contemplação da natureza, da nossa visão de mundo e de tantas outras percepções. Quando esta sensação bate em nós, assim como uma paixão repentina, o coração acelera, ficamos mobilizados diante da descoberta e dentro de nós ouvimos uma voz dizendo: “É isso, é isso, é isso o que eu quero fazer!” Neste instante, a inspiração começa a se transformar em ideia. FERNANDO PORTELLA

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Caso de sucesso > Prêmio Cultura Nota 10 Capítulo 1 > Primeiro passo Em 2003, como presidente do Instituto Cultural Cidade Viva, procurei Vânia Bonelli, na época subsecretária de estado de Cultura do Rio de Janeiro, uma pessoa que eu conhecia e admirava de outras andanças em prol da cultura, para lhe apresentar um projeto de Formação de Gestores Públicos Municipais, pois eu já tinha dado um curso semelhante na Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro quando ela era secretária daquela pasta. Expus o projeto, mas ela estava empolgada com outra ideia, a de realizar um Prêmio Cultural com base no Programa de Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas, realizado desde 1996. Pedi a ela todo o material que tinha sobre o Prêmio e fui para o meu canto matutar e me perguntar como este projeto poderia ter identidade com a minha vida. Como meu grande sonho era (e ainda é) o desenvolvimento da cultura no interior do Estado do Rio de Janeiro e no Brasil, vi uma grande possibilidade de poder valorizar muitas ações culturais municipais pouco conhecidas e que são verdadeiras lições de vida. Encontrei assim uma forte ligação da minha história com a proposta daquele projeto. Esta é uma primeira lição importante. Partir sempre de um projeto que desejamos realizar, pois a energia necessária para transformá-lo em produto é muito grande. Se não houver um motivo interior que ligue o projeto à nossa vida, será difícil concretizá-lo. Por outro lado, um projeto que nasce com o apoio do Estado tem mais força de viabilização junto a potenciais patrocinadores.

A ideia

3  Uma boa idéia precisa ter energia. Se ela traz em si emoção, tem uma finalidade coletiva e uma identidade com a sua história de vida, então vá em frente. Você deve se perguntar sempre: “De onde nasceu esta ideia que está mexendo de fato comigo, que quer sair, virar projeto e se concretizar no mercado? O que ela tem de identidade comigo? Sua realização atingirá qual público? Qual o perfil dessas pessoas e que benefícios elas terão?” Precisamos responder a estas perguntas. Uma ideia, para se transformar em projeto e depois em produto, vai precisar de muita energia para ser pesquisada, orçada, levada ao mercado, envolver parceiros, ser produzida com qualidade e realizada com sucesso. Esta energia é oriunda da sua história e experiência de vida (uma resposta às suas vivências, perguntas e sonhos). Depois, toda visão que tem como finalidade um bem coletivo recebe a energia (de intenção) dessas pessoas desde o início do processo. Ocorre uma grande torcida no plano do inconsciente coletivo. Se a minha ideia envolve, por exemplo, a comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, acreditem que, na medida em que ela evolui no Ciclo da Produção Cultural, que se inicia no diálogo com as

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pessoas da comunidade, elas lhe darão energia para avançar. 4  Não perca o foco. Escreva a ideia pensando no seu objetivo final. Tenha coragem (vontade) de escrever, mesmo que você não se sinta muito seguro com o idioma. Não se autocensure. Isto não é um teste. Digo assim porque observo que muitas pessoas possuem a dificuldade de colocar o que pensam no papel. Não produza um texto longo demais. Leia e releia algumas vezes o que escreveu. Quando escrevemos uma ideia, antes de contá-la a alguém, estamos a transformá-la em realidade escrita. É o primeiro produto. Visualize em seguida o caminho que ela vai percorrer dentro do Ciclo da Produção Cultural. Veja como a visão se realiza lá na frente, imagine o público, percorra diversas vezes o processo e anote os impasses de cada etapa. Responda às perguntas: ela tem identidade comigo? É viável? Deixe-a decantando dentro de você. Não queira receber respostas imediatas para as suas dúvidas. Deixe-a engatinhar, andar e amadurecer na sua cabeça. No caso de qualquer dúvida maior, pergunte. Caso de sucesso Capítulo 2 > A inspiração se transforma em ideia Com base na descoberta de que o projeto do Prêmio poderia me dar uma oportunidade única para valorizar todas aquelas pessoas que, com os escassos recursos humanos e financeiros disponíveis do lugar onde viviam, conseguiram tocar no coração de suas comunidades, aceitei o desafio. Visualizei durante vários dias todo o processo: a quem se destinaria o Prêmio, como seriam as inscrições, como mobilizar as pessoas, onde seria a festa de premiação, quem poderia apoiar a proposta desta ideia? Enchi minha cabeça de ideias e dúvidas e deixei tudo decantando por um tempo dentro de mim. Muitas vezes, queremos introduzir ideias de outros projetos naquele que estamos criando, desejamos intervir, mas, quando um conteúdo nasce forte com energia para se realizar, devemos respeitar, retirar o ego e ouvir o que aquele extrato de vida tem a nos dizer. O que é volátil, o que pertence a outro projeto e deseja entrar ali, acaba se evaporando. A essência fica. As dúvidas surgem para delinear melhor o caminho.

A pesquisa

5  As asas não prescindem dos pés. Não cometa o erro de partir da ideia diretamente para a prática. Muitos poetas que conheço querem partir da inspiração poética diretamente para o livro no mercado, sem planejar este caminho, que passa pela pesquisa no Ciclo da Produção Cultural. Mesmo realizando um caminho direto, experimental, como reunir amigos para ouvir seus poemas, planeje, pense no melhor dia e local, em como convidar, ensaie um pouco. Começar um projeto sem pensar no público ao qual ele se destina é um grande risco. Pense

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nesse público, visualize as pessoas lá na frente do processo, assistindo, entrando na sua exposição, vendo seu show. A arte é um processo de doação. No trabalho de produção cultural, primeiro enxergamos as raízes da árvore do nosso projeto (nossa capacidade de realização). Depois desenhamos a copa (quais frutos queremos ao seu final) e só assim começamos a planejar o tronco (caminho que une nossos sonhos ao nosso potencial artístico e de produção). Saiba que nesta nossa área de trabalho sempre será possível construir uma bananeira que dê jacas, tenha flores de laranja e frutas com sabor de maracujá. Mas não deixe de planejar. 6  Pesquisar é enxergar agora, antes e adiante. Ter a coragem de perguntar o que não se sabe, para ter dados seguros na caminhada pelo Ciclo da Produção Cultural. Buscar o que for necessário na memória, nos livros, na experiência dos outros. Muita gente que habita o plano da superficialidade descobre com euforia coisas já descobertas, achando que são originais, pela total desinformação. Tenha sempre perto de você um arquivo de oportunidades. São matérias de jornais, revistas que lhe chamaram atenção, bons textos que mexeram com você, livros que foram fundamentais na sua vida, coisas gravadas, filmadas e registradas pela sua visão. Saiba que tudo isso que interessa a você pode não interessar a mais ninguém, mas o que você conseguir elaborar com este material poderá atingir milhões de pessoas. O caminho de todos é a felicidade, um estado que encontramos quando sonhos coletivos se tornam realidade. 7  Tenha paixão por conhecer, curiosidade por saber como é isso, por que será aquilo. Não para se tornar um teórico ambulante, mas para saber o que se está defendendo, de fato. É necessário buscar os conhecimentos capazes de nos ajudar a construir pontes de um lado para o outro dos rios que precisamos ultrapassar até realizar nossos sonhos, concluir nossos projetos e a nossa missão de vida. Não tenha medo de perguntar, pergunte sempre, aguce sua curiosidade. Não perguntar pode ser trauma de escola, quando um aluno levantava a mão para tirar uma dúvida e um grupinho “chiava” no fundo da sala. Caso de sucesso Capítulo 3 > Pesquisa realizada Estudei bastante o material sobre o Prêmio de Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas, assim como outros que tinha no meu Banco de Dados. Analisei diversos regulamentos, escrevi, corrigi, anotei pontos importantes, destaquei minhas dúvidas, até reunir tudo em um primeiro texto-proposta (ideia) para apresentar à Vânia. Passamos algumas horas conversando, questionando itens, de maneira que o projeto fosse justo para os concorrentes. Decidimos que o prêmio final seria dado sem ordem de classificação, na forma de troféus e recursos, mas que o reconhecimento público

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teria que ter um peso maior. Como o Estado envolve todos os municípios, poderíamos correr o risco de a capital levar a maioria dos projetos até a etapa final. Assim, estabelecemos que, entre os 10 finalistas, cada município se faria representar apenas com dois projetos. Pensamos em fazer lançamentos nas regiões do interior do Estado, mobilizando ações, envolvendo as secretarias municipais de cultura. Abriríamos o projeto para todos os segmentos artísticos e permitiríamos a inscrição de ações para entidades públicas, privadas, ONGs e até para pessoas físicas, dando oportunidade a todos. Fixamos algumas áreas de atuação para demonstrar a amplitude da cultura, como arte popular, culinária, cultura e educação, patrimônio histórico e turismo cultural. Começamos a escrever um Plano Estratégico e um Regulamento. Montamos um cronograma e estabelecemos datas. Tivemos muitas reuniões de trabalho até que a ideia foi amadurecendo em um projeto para ser apresentado a potenciais patrocinadores.

O projeto

8  O projeto é a síntese das informações, desde a inspiração, passando pela ideia, a pesquisa e o planejamento. Ao escrevê-lo, precisamos ter em mente a quem ele se destina. Imaginar a empresa, os dirigentes, as pessoas que irão recebê-lo. Isto é fundamental. Não se faz um projeto olhando no espelho, mas da janela para o mercado. Assim, ele deve ser simples, conciso, forte o suficiente para expor a nossa ideia. Deve mostrar quem está produzindo, a capacidade de realização, em quanto tempo será desenvolvido, que retornos serão oferecidos ao patrocinador e descrever detalhadamente quanto custará. É preciso ter a coragem de resumir. É importante abrir o projeto com uma síntese da proposta. A Carta de Apresentação poderá exercer este papel. Ela é a peça mais importante de um projeto. 9  Todo projeto tem duas linguagens: o texto e a imagem gráfica (design). Ambas as linguagens têm a mesma importância e se integram num único conjunto. Por isso, é fundamental pensarmos no alfabeto utilizado, nas marcações, entrelinhas, títulos, diagramação do texto, a capa e a marca do projeto (se for possível e necessário que seja feita). A apresentação visual do seu projeto é fundamental, assim como a objetividade da sua proposta. Não escreva uma tese. Deixe os textos longos para um segundo momento. Não faça poesia. Não procure mostrar erudição. Ao apresentar uma proposta de um espetáculo teatral, por exemplo, leve sempre o texto da peça em uma pasta à parte e saiba perceber o momento propício de apresentá-la. 10  Arte e cultura têm preço. É preciso vencer as dificuldades de estabelecer preços para os serviços de arte e cultura. No universo da arte, existe preconceito em relação a recursos e valores – uma cultura (talvez) religiosa, onde ganhar dinheiro

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é pecado. Normalmente, quando um agente cultural faz o orçamento de um projeto, ou ele coloca valores inferiores às reais necessidades ou define custos muito além do real. É difícil encontrar projetos equilibrados e justos. Parceiros e patrocinadores conhecem bem os custos do mercado. É preciso encontrar o prazer de orçar, montar uma planilha bem feita, visualizando cada etapa. Os formulários utilizados nas leis de incentivo ajudam bastante na definição dos itens de custo. Siga as etapas: pré-produção, produção, custos de divulgação (até 20%), administrativos (até 10%), elaboração e agenciamento (até 10%, menos impostos e taxas). Tenha coragem de quantificar e orçar bem. Se puder, justifique cada item de despesa. Uma boa prestação de contas depende desta visão inicial. 11  Todo projeto tem raiz, copa e tronco. Embora a construção de todo projeto seja livre e individual, a prática nos ensinou uma metodologia pela qual o projeto é composto de três partes essenciais: a carta de apresentação, que deve ser escrita individualmente para cada patrocinador potencial, o projeto em si e seus anexos (documentos complementares). O conteúdo do projeto pode ser comparado ao desenho de uma árvore. Primeiro, descrevemos as raízes (abertura ou introdução com, no máximo, duas páginas), como nasceu a inspiração, de que forma surgiu a ideia, que importância possui para a comunidade atingida, qual o seu valor cultural e a capacidade dos proponentes de realizá-lo, em que cenário ocorrerá (regional, brasileiro ou outros). Podemos também discorrer sobre suas justificativas, ou seja, por que o projeto merece ser viabilizado no momento atual. Em seguida, vislumbramos a copa da árvore, aonde queremos chegar, qual o objetivo geral do projeto (finalidades, frutos) e quais os objetivos específicos (etapas para atingir o objetivo geral, os galhos). Podemos também falar, nesta parte, dos princípios que norteiam o projeto. Feito isso, vamos unir as raízes com a copa, através da construção do “corpo do projeto” (tronco). 12  O corpo do projeto é uma parte livre e depende de cada trabalho, mas é exatamente aqui que apresentamos um Cronograma de Realização, onde, de um lado, definimos as etapas a serem vencidas e, do outro, os prazos (dias, semanas ou meses de realização). Em seguida, descrevemos cada uma das etapas. Depois listamos os retornos oferecidos ao patrocinador, sempre abrindo um item para discutir com ele novas possibilidades. Nesta parte, crie alguns diferenciais, fale sobre o valor que será agregado à marca do patrocinador ao investir no projeto. Exemplo: uma empresa de construção que atua em determinado bairro agregará valor cultural e emoção à sua marca se patrocinar o movimento artístico local. Finalmente, apresentamos o orçamento detalhado e um Cronograma de Desembolso, quando for o caso. Depois disto, voltamos ao início, revisamos várias vezes até termos um “tronco” bem feito, capaz de unir as raízes (motivos do projeto) à sua copa (metas de realização). Lembre-se de valorizar a mídia espontânea. O marketing cultural permite um grande retorno de mídia espontânea que, ao

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ser medido em valores financeiros com base na tabela de publicidade dos veículos de comunicação, pode superar em até dez vezes o valor do patrocínio. 13  Os anexos reúnem os textos e materiais necessários para complementar o projeto: currículos do proponente e da equipe técnica, clipagem de realizações anteriores, cartas de apoio, CDs, DVDs, fotos, perfil da empresa proponente e outras informações julgadas relevantes. Neste ponto, entregamos todo o material a um profissional de design gráfico, para cuidar da imagem do projeto. Uma proposta pode também ser apresentada em papel timbrado sem ter uma imagem construída por um profissional. Pode ser simples, bem escrita e documentada. Isto dependerá sempre dos recursos disponíveis, do valor do projeto, do tipo de projeto e a quem o estamos apresentando. 14  A Carta de Apresentação do projeto é essencial. Esta carta (uma página e meia) deve ser diferenciada para cada parceiro e patrocinador, considerando as informações que temos sobre eles. A carta será elaborada ao final de tudo, com o projeto pronto e a estratégia de Engenharia Cultural definida. Caso de sucesso Capítulo 4 > Projeto finalizado Depois de algumas reuniões; de pensar todas as etapas para a realização do Prêmio; de redigir seu Regulamento com base na legislação, com assessoria de um profissional da área jurídica da Secretaria; de encontrar um nome sugerido por um dos parceiros com quem conversamos, partimos para a construção do projeto do Prêmio Cultura Nota 10 – 2003. Escrevemos o texto de abertura, contando como nasceu a proposta (inspiração no Prêmio da Fundação Getúlio Vargas), falamos, em dois parágrafos, de sua importância para o desenvolvimento da cultura no Estado, com ênfase nos municípios do interior, frisamos a parceria com a Secretaria de Estado de Cultura e os apoios que teríamos das prefeituras municipais. Descrevemos o objetivo geral de premiação das ações culturais do Estado, daqueles que fazem acontecer e realizam seus sonhos artísticos, apesar de todas as dificuldades. Em seguida, descrevemos cada etapa: 1  Elaboração do projeto gráfico, construção da marca, pesquisa das regiões para lançamento. 2  Realização dos lançamentos regionais e aberturas de inscrições. 3  Análise das ações inscritas dentro dos critérios definidos no regulamento e escolha das dez ações finalistas. 4  Planejamento da festa de premiação no Teatro João Caetano, na qual seriam escolhidos, por um júri de excelência, os cinco projetos vencedores, sem ordem de classificação. Fizemos nossas propostas de retornos para o

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patrocinador, sugerindo colocar sua marca em todo o material impresso e detalhamos outros componentes, como a assessoria de comunicação, a decoração interna e externa do teatro e outras propostas e pormenores. Elaboramos o orçamento detalhado, a cópia do formulário de enquadramento do projeto na Lei Estadual de Incentivo à Cultura e complementamos todo o material com anexos: perfil de realizações do Instituto Cultural Cidade Viva, o regulamento do Prêmio, a aprovação na Lei de Incentivo, clipagem de projetos realizados e uma carta de apoio da Secretaria de Estado de Cultura. Estava assim finalizado o projeto, faltando então montar sua estratégia de viabilização e partir para a captação de recursos. Durante todo o processo estávamos sempre pensando quem poderia ser nosso patrocinador.

A Estratégia de Engenharia Cultural

15  Não tenha medo do mercado, ele é apenas um lugar de trocas. É nele que vamos expor nossas obras em troca de recursos para continuar a fazê-las. Um projeto pode abrir um novo mercado para outros produtores e artistas. Os primeiros a realizar circuitos culturais abriram esse mercado para outros circuitos. Os pioneiros das mostras não competitivas criaram novas regras para esses eventos. É a soma dessas experiências de sucesso que abrem as portas para a construção do mercado cultural. A arte alimenta o espírito, da mesma forma que a comida alimenta o corpo. Cada vez mais surgem pessoas querendo comprar arte, principalmente porque ela “não engorda”. Quando alguém diz: “Não consigo viabilizar meu projeto porque o mercado não compra o trabalho que eu faço, o tipo de música que eu toco, o estilo da minha literatura, meu filme, etc.”, é porque, talvez, ainda não encontrou o caminho adequado. 16  Busque um contato pessoal. Grandes empresas pedem o preenchimento de formulários via internet, para uma primeira análise do projeto, ou atuam através de editais públicos. Devemos buscar, sempre que possível, um encontro pessoal para apresentação. Para isto, é necessário planejar um caminho para chegarmos junto às pessoas certas, aquelas que recebem os projetos para patrocínio. Embora a apresentação do projeto, nessas empresas, seja feita via internet, o que distancia o contato pessoal e permite imparcialidade nos julgamentos, o caminho do relacionamento é ainda a principal estratégia de viabilização, pois permite tirar dúvidas sobre itens do projeto e diferenciar retornos. 17  A Estratégia de Engenharia Cultural, ou simplesmente “estratégia de viabilização do projeto no mercado”, ocorre durante todas as etapas do Ciclo de Produção Cultural. Mas aqui, neste ponto, podemos defini-la melhor. Primeiro, vamos pensar no público que o projeto pretende atingir e, assim, elaborar um primeiro rol de empresas potenciais patrocinadoras, interessadas nesse público. Definido o segmento cultural (artes plásticas, teatro, dança, patrimônio, litera-

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tura e cultura popular, entre outros) vamos procurar saber, dentro da nossa lista, quais são as empresas que patrocinam projetos no setor do nosso interesse. Depois, vamos observar o âmbito de atuação do projeto em relação às regiões que serão atingidas. A partir desta definição, vamos selecionar aqueles patrocinadores que possuem reais interesses nestes locais. Precisamos ainda conhecer um pouco das empresas do nosso rol: elas usam leis de incentivo? Quais? Que produtos fabricam? Qual a relação com o público atingido pelo projeto? Quais os critérios para aprovação de projetos e como é o trâmite? Qual departamento da empresa recebe e analisa os projetos e de quem é a decisão final? Devemos buscar todas as informações sobre a empresa possíveis de serem obtidas, tais como missão, objetivos institucionais, princípios e outras, com a intenção de conhecer, o melhor possível, quem será nosso parceiro patrocinador. 18  Informações são vitais. O primeiro passo é definir uma primeira lista de patrocinadores e parceiros que devemos procurar. Neste ponto, pensando neles individualmente, montamos as estratégias para chegar a cada um. Quando trabalhamos em produção cultural e com projetos sociais, precisamos ter na nossa base um banco de dados sobre patrocinadores, com informações sobre suas atividades e tipos de patrocínio que realizam. Vamos também buscar na nossa rede de relacionamentos contatos capazes de abrir portas para sermos recebidos. Esses parceiros não precisam necessariamente ser dirigentes superiores das empresas. Todo contato que pudermos realizar é importante. O principal instrumento na obtenção de recursos é a nossa agenda de contatos. 19  Partir seguro para o mercado, com conhecimento do que estamos propondo, sabendo um pouco sobre a empresa que vamos visitar e tendo um bom canal de contato para chegar bem, quando estamos repletos de energia positiva – pois o projeto responde aos nossos objetivos de vida e implicam em benefícios sociais – relaxe e tenha a coragem, o prazer de negociar e de defender a sua visão, a sua ideia, o seu projeto. Caso de sucesso Capítulo 5 > Estratégia montada O projeto do Prêmio Cultura Nota 10 estava pronto. Quem poderia patrociná-lo, levando em consideração que a empresa potencial deveria ter uma abrangência estadual e uma estratégia institucional de aproximação com o poder público estadual e as prefeituras municipais, assim como dar importância à interface com o setor social e com a educação, visto que as ações do Prêmio, em sua maioria, possuem esta característica? E ter a cultura interna de apoio a iniciativas inovadoras, em processo de crescimento. Pensamos inicialmente nos grandes patrocinadores: Petrobras (com uma

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forte ação nas baixadas litorânea e fluminense); nos bancos, com agências em todos os municípios; empresas de energia, como Light e Ampla; Correios; SEBRAE, que valoriza os micro e pequenos empreendedores; e as empresas de telefonia que disputam o mercado em todos os municípios do Estado. Preparamos 10 exemplares do projeto, escolhemos 10 potenciais patrocinadores, escrevemos cartas de encaminhamento diferenciadas para cada um, conforme suas características, e partimos para o mercado, cheios de energia. Fizemos inicialmente uma parceria com o SEBRAE, pela sua capacidade de polarização, através de suas agências espalhadas em diversos municípios e também porque ali já tínhamos um contato anterior de trabalho. Foram bons resultados, mas não conseguimos fechar nenhuma parceria financeira. O Projeto foi enviado pela Secretaria de Estado à Embratel, empresa na qual tínhamos relações profissionais.

As parcerias

20  O mercado é um lugar de trocas. A princípio, suas portas parecem fechadas, mas, na medida em que encontramos brechas, entramos e passamos a frequentá-lo com desenvoltura. O marketing cultural é uma estratégia utilizada pelas empresas para que, através de patrocínios a projetos culturais, elas agreguem valor às suas marcas. É uma vertente do marketing institucional das empresas, ou seja, tem a ver com a marca, a identidade e os valores subjetivos associados ao seu nome. Empresas que patrocinam projetos socioculturais querem agregar valor cultural, emocional e de responsabilidade social às suas marcas. Querem que seus clientes, acionistas, fornecedores e funcionários saibam e se orgulhem disso. 21  Partir para a ação. Temos em mãos o projeto pronto, acabado, e as cartas específicas para cada patrocinador potencial que detectamos na etapa anterior. Vamos mapear os caminhos para chegar até eles, priorizando aqueles em que temos algum contato de apresentação. Não tenham receio de receber um “não”. Neste nosso trabalho, um “não” significa apenas um dado de informação importante (correção de rumo) para um futuro “sim”. Precisamos saber tudo o que for possível sobre a empresa que vamos visitar e quem vai nos receber. Não pensem que vamos resolver tudo em uma única apresentação. É preciso haver envolvimento, olhos nos olhos, sinergia. Apresente o projeto, sempre em dupla. Enquanto um fala, o outro observa. Crie um ambiente de paz e segurança. Saia sempre ganhando. Se receber um “não” para o seu projeto, descubra quais os projetos de interesse da empresa, pois, quem sabe, você não retornará em outro momento, com outro projeto mais identificado com os interesses da empresa. Toda informação é importante: a personalidade que o atende, como se veste, como está arrumada sua mesa, sua ansiedade, a decoração da empresa, os atendentes, tudo é vital, do pátio de estacionamento à sala do presidente – se for com ele o encontro. 12 > ENG ENHARIA CULTURAL


22  Neste mercado não se trabalha sozinho. Um projeto cultural na gaveta dificilmente sai de lá por demanda de mercado. Ninguém vai telefonar a um poeta desconhecido perguntando: “Por acaso você tem aí em casa um conjunto de poemas para publicar um livro?” Um projeto acontece através de redes, pelas quais você envolve, com a sua fé, uma dezena de pessoas que, por empatia com o projeto, sensibilizam outras, até que uma energia luminosa se condensa numa cadeia produtiva e aí começamos a receber resultados do que plantamos: alguém o procura, uma pessoa que você não vê há muito tempo telefona, um amigo de infância assume a gerência de marketing de uma empresa patrocinadora, e assim vai acontecendo o seu projeto. 23  O caminho nem sempre é uma linha reta. É preciso saber com quem falar, saber quem é responsável pela análise e pela decisão de um patrocínio. Verificar no nosso mailing algum conhecido, amigo, que seja capaz de nos apresentar, falar antes do nosso trabalho. Um importante cliente do patrocinador, que considere nosso projeto importante, pode nos abrir portas. Se você precisa de tinta para pintar um prédio histórico, tente, além de solicitar à fábrica, associar-se primeiro à maior loja de tintas da sua cidade. Lembre-se: é a loja que vende tinta. Sua influência pode ser decisiva. 24  Ilumine seu projeto. Lembre-se: um projeto é uma ideia, uma proposta (um sonho) em forma de papel. Como ele ainda não foi realizado, é um produto imaterial, não pode ser testado antes de ser comprado. É preciso que esta ideia, plena de energia positiva, apareça, ganhe vida e força para acontecer. E não tenha medo de que seu projeto seja “roubado”. Nos inspiramos sempre em ideias que estão no imaginário de todos. Outras pessoas podem captá-la. 25  O motivo do patrocínio deve ir além do incentivo fiscal. Não confie muito em patrocinador que esteja interessado apenas em projetos enquadrados nas leis de incentivo e que não deseje sequer conhecer o conteúdo da sua proposta. Pode estar certo de que, mais adiante, o seu prejuízo será grande. O boato que corre no mercado, de que o patrocinador que utiliza incentivos fiscais é investigado por agentes do governo, é a maior mentira que existe no mercado cultural. Foi criado possivelmente por quem desconhece o papel social das empresas. 26  Patrocinadores perfeccionistas. Diante de patrocinadores deste tipo, esteja disposto a detalhar o projeto, permitir aprofundamentos, justificativas, especificações não previstas. Abra espaços para esta participação. 27  Na essência não se mexe. Não é necessário mudar o conteúdo de um projeto para atender a um patrocinador. As mudanças que podem acontecer referem-se à forma de apresentação do projeto, à inserção de novos retornos, detalhes do plano de mídia e outros relativos aos interesses diretos do patrocinador. Elas nunca interferem diretamente na criação. Se houver intervenção na obra,

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caia fora, não vai dar certo. 28  Captação de recursos. Muitos artistas e dirigentes de organizações socioculturais buscam no mercado profissionais “captadores de recursos” para seus projetos. Achamos que este é um péssimo nome dado a um profissional que pretende fazer a intermediação de um projeto com o mercado. Podemos chamá-lo de “consultor”, ou de “agenciador” – uma pessoa bem relacionada e com credibilidade no mercado. Na verdade, conhecemos poucos profissionais especializados em captação de recursos para projetos culturais e sociais. A área sociocultural envolve componentes éticos e questões humanas. Não se “vende” arte, cultura e projetos sociais – nosso trabalho é apresentar projetos na busca de parcerias financeiras. Nosso mercado funciona através de relacionamentos e por não termos condições de nos comunicar com todos, procuramos agenciadores. Além disto, para viabilizar um projeto no mercado é necessário o envolvimento do profissional tanto com o projeto (a obra) quanto com a empresa. O profissional que trabalha na viabilização de projetos deve ter sensibilidade para respeitar a obra e o público a que ela se destina. Alguns destes profissionais trabalham no risco, sugerimos que suas despesas básicas sejam cobertas pelos proponentes do projeto – o risco deve ser dividido com o autor. 29  As leis de incentivo estabelecem um percentual para captar recursos para um projeto. Em algumas delas existe um item do orçamento (Elaboração e Agenciamento) para este serviço. A remuneração poderá ser definida entre o proponente e o captador, conforme cada caso. Alguns proponentes de projetos incentivados nos quais há esta rubrica e que não necessitam de agenciadores, utilizam o valor como capital de giro para emergências do projeto. 30  É preciso saber quem decide o patrocínio. Se o seu projeto será analisado pelo marketing da empresa, os itens de retorno ao patrocinador serão mais valorizados; se for a área institucional da empresa, sua imagem na sociedade será mais importante; se for o setor de recursos humanos, os benefícios aos funcionários será levado em consideração. Se ela tiver uma política de patrocínio definida, verifique se o seu projeto se enquadra nela. Não se esqueça também que há personalidades patrocinadoras as mais diversas: emotivas, auditoras, empreendedoras, tímidas, cuidadosas... Busque a linguagem e a atitude mais correta para cada um, sem representar um papel. 31  Muitos projetos para uma mesma empresa, é difícil viabilizar, salvo quando são encomendados por ela a produtores habituais. Como você levou muito tempo para conseguir entrar lá, não custa nada divulgar os critérios dessa empresa para o mercado. Monte sua rede de parcerias e trocas. 32  Quem é novo no mercado e pensa que seu projeto de uma peça de teatro, por exemplo, não será sequer analisado por um patrocinador, existem duas sa14 > ENG ENHARIA CULTURAL


ídas. Em primeiro lugar, não tenha este preconceito, pois novos talentos são cada vez mais alvos de patrocínio. Em segundo, se este for o impedimento, convide um ator ou diretor conhecido para apresentar seu projeto com você. Escreva na capa algo como “Alberto Roberto apresenta O Grupo Novo de Teatro Tal”, e vá em frente. 33  A melhor época para apresentar um projeto a patrocinadores é de agosto a dezembro, período em que eles estão pensando nos investimentos para o marketing do ano seguinte, embora seja grande o número de empresas que recebem projetos ao longo de todo o ano. Saiba qual a melhor época para apresentar projetos a cada patrocinador. Algumas empresas estão passando a receber projetos via internet, por edital, e outras contratando profissionais do mercado (agentes culturais) para analisar previamente projetos segundo critérios pré-estabelecidos. Nunca se esqueça de que cada caso é um caso. Estude o mercado. 34  Projeto cultural com interface social pode fornecer ao patrocinador, além de incentivos fiscais, mídia espontânea e benefícios definitivos para as pessoas envolvidas, tais como o desenvolvimento da criatividade, autoestima, relacionamento e cidadania. Normalmente, um projeto de cunho apenas social não oferece tudo isso e pode cair no paternalismo filantrópico. 35  Projeto cultural e interfaces. Um projeto cultural tem a possibilidade de envolver diversos setores afins, como: social, educativo, turístico, gastronômico, ambiental, esportivo, urbanístico, artesanal, tecnológico, de comunicação e tantos outros. Não perca esta gama de oportunidades. 36  Procure um patrocinador. Se você não fizer contatos, insistir, buscar caminhos alternativos, pessoas amigas que conhecem quem recebe e analisam projetos, você nunca encontrará caminhos. Lembre-se sempre: este é um mercado que vive de quem a gente conhece e nos conhece. Quando temos um bom projeto não há o que temer, faça contatos, provoque o mercado. 37  O objetivo maior de um artista é a conquista do seu público. Estude tudo que existe sobre mobilização de pessoas e fidelização de clientes. Ter público é ter mídia. E se você tiver público e mídia, você terá patrocinadores. Poucos projetos resistem se dependerem apenas de patrocínio. 38  Negocie bem. Durante a negociação de um projeto na empresa, saiba colocar-se no lugar de quem o recebe, procure perceber o que está por trás das falas, ouça muito e saiba de fato o que lhe está sendo dito. Seja sempre natural, descubra espontaneamente os caminhos do envolvimento profissional, mas vá devagar. Lembre-se sempre: quando a mariposa se aproxima muito da luz ela perde as asas. Monitore as reações. Se perder a atenção da pessoa a quem você está apresentando o projeto, faça perguntas para que a conversa retorne ao

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ponto em que estava, e fique alerta quanto ao interesse pela sua apresentação. Muitas vezes levamos um projeto a uma empresa patrocinadora e saímos de lá com outra ideia de projeto. Torne-se um amigo profissional do seu patrocinador, mostre-lhe a importância do seu projeto, sem deixar de pensar no valor que será agregado pela empresa ao apoiá-lo. 39  Avalie o encontro. Depois da apresentação de um projeto, sente-se com a sua equipe e avalie os resultados, aprofunde o contato obtido, seja ele positivo ou negativo, aprenda com ele. Use o que aconteceu para embasar novas visitas, corrija o formato do projeto, se for o caso, e continue. Nunca diga: “eu não sirvo para vender projetos,” mas, “eu ainda não tenho conhecimento para apresentar as propostas em que eu acredito.” É claro que ali pode não ser o lugar onde seu projeto será viabilizado, mas saia de lá feliz por ter conhecido um pouco de como a engrenagem funciona. Nunca perca a ideia de que esta é uma relação de trocas. Persista! Caso de sucesso Capítulo 6 > Parceria no mercado Em um dia de iluminação divina, fomos à Embratel, na verdade para conversar sobre outro projeto. Enquanto esperávamos para ser atendidos, ouvimos um comentário de que havia ainda uma verba de patrocínio para projetos institucionais que envolviam relacionamentos com governos. Estávamos no momento certo no lugar certo. Deixamos de lado o projeto que íamos apresentar e pedimos para conversar sobre o Prêmio Cultura Nota 10. O diálogo foi ótimo, o projeto se enquadrava na necessidade da empresa. Um mês depois foi aprovado. Não existem casualidades quando se busca com fé e muita energia uma coisa, ainda mais se for um bem coletivo e esteja dentro do nosso sonho de vida. Tínhamos dez empresas na nossa relação, começamos por duas. A primeira, o SEBRAE, está até hoje conosco, apoiando o Prêmio. A segunda, a Embratel, foi a patrocinadora oficial até 2007.

O produto

40  Projeto aprovado, contrato assinado – hora de produzir. É um momento mágico, onde toda aquela energia inicial de criação poderá se transformar em realidade. Abra sempre uma conta específica para o projeto. O trabalho de produção não começou apenas agora, nesta etapa. Quando fizemos o orçamento do projeto, lá atrás, já havíamos dimensionado a necessidade de pessoal, material, equipamentos e fornecedores. Agora, devemos contratar profissionais e fornecedores e negociar com eles dentro dos valores aprovados. Todo projeto se viabiliza através de uma rede de parcerias. Forme a sua, tenha sempre um cadastro atualizado de produtores e fornecedores de qualidade. Nem sempre um amigo ou um parente é o melhor profissional para determinada tarefa.

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Será preciso que você desperte na sua equipe a mesma paixão que nasceu bem antes, na inspiração do projeto. Levei muito tempo para aprender o quanto é importante trabalhar com os melhores profissionais. 41  Coragem para fazer bem feito. Relacione todos os afazeres dentro das etapas programadas no projeto e marque ao lado o nome dos responsáveis. Como produtor, verifique tudo: os textos, os leiautes de todas as peças gráficas, cores, marca do patrocinador, local, todos os detalhes. Se o projeto implicar em um espaço, vá visitá-lo, veja pormenores, faça todas as perguntas, volte quantas vezes forem necessárias para se certificar de que tudo vai funcionar conforme o previsto. O bom produtor não dá desculpas para o que não deu certo. Se não funcionou, é porque não foi previsto. Seja exigente, detalhista e aplauda bons resultados. Conheça bem sua equipe, cada personalidade e temperamento e aprenda a trabalhar com todos, ressaltando sempre os objetivos do projeto, que está acima de qualquer pessoa. Pessoas são instrumentos para que a criação aconteça com toda a sua força. Tenha sempre, como produtor, gestor, dirigente ou coordenador, o prazer obsessivo de fazer bem feito. 42  Cuide do retorno ao patrocinador. Reveja os itens da sua proposta e do seu contrato. Cuide para que a marca do patrocinador apareça conforme combinado, sem que haja interferência no trabalho artístico, é claro. Crie alternativas inteligentes de retorno. É fundamental envolver o patrocinador em todo o processo. São estas atitudes que solidificam as relações para realizar, no futuro, outros projetos. Caso de sucesso Capítulo 7 > Trabalho de produção Com o Projeto aprovado, partimos para a produção. Era o primeiro ano do Prêmio e todas as atenções teriam que ser redobradas, pois estávamos construindo uma metodologia de trabalho. Quando nossos objetivos são claros, o trabalho de produção vai se identificando com a meta pretendida e, aos poucos, se cria uma ambiência de produção de excelência, onde toda ideia que tem sentido se encaixa e toda proposição fora do contexto é repelida. Fizemos, conforme programado, diversos lançamentos no interior do Estado, mobilizando prefeituras, agentes, artistas e gestores locais para que se inscrevessem no Prêmio Cultura Nota 10.

A Comunicação

43  Plano de Comunicação. Quando planejamos nosso projeto e montamos nossa estratégia de Engenharia Cultural, começamos a pensar num Plano de Comunicação. A quem se destina nosso projeto? Com quem precisamos nos comunicar? Qual a faixa de idade do público? Onde se localizam as pessoas que precisamos mobilizar e comunicar-lhes nosso projeto? Quais são os recursos

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disponíveis? Qual a melhor mídia para o nosso projeto? Quais os custos e benefícios? Precisamos responder a todas estas perguntas. Hoje, não abrimos mão de um profissional de mobilização. 44  Mídias alternativas. Nem sempre a TV, jornais, revistas e o rádio são as melhores mídias. Na maioria das vezes, não temos recursos para isto. Um carro de som pode funcionar muito bem em um bairro ou município pequeno. A divulgação de um evento através de folhetos em pontos de ônibus pode ser bem eficiente. O telemarketing pode ser altamente positivo, principalmente quando associado ao envio de e-mails. Procure sempre descobrir caminhos novos de divulgação para seus projetos. Se você deseja divulgar um evento numa área não muito extensa, como uma comunidade, um bairro, ou um pequeno município, use os meios de comunicação do lugar, é claro, mas procure saber também quais são os pontos de concentração de pessoas, onde uma notícia se espalha rápido, como um ponto de ônibus, uma rádio comunitária, um bar “badalado”, um local em que um outdoor é visível por muitas pessoas. Sempre pensei em mapear esses lugares de comunicação na minha cidade, locais onde podemos colocar cartazes, distribuir folhetos e oferecer este serviço para os parceiros da nossa Rede. Contrataríamos pessoas para realizar este trabalho, gerando renda complementar permanente. 45  Nosso mailing é a nossa maior riqueza. Quem a gente conhece e quem conhece a gente, este é o nosso tesouro. Tenha sempre de forma organizada os nomes, endereços e e-mails de pessoas que você conhece e conheceu. Aumente sempre este número. Estude os nomes, pense sobre eles, reserve um momento da semana para isto, faça ligações, comunique-se, mantenha o elo. Somos como uma gambiarra, ligados entre si, cada qual com a sua lâmpada, onde a única função é cumprir nosso papel de acender. Se cumprirmos esta missão, sentiremos a energia que passa pelo fio e nos liga aos parceiros da nossa Rede. Isto é fundamental na viabilização dos projetos. Algumas pessoas acreditam que são grandes transformadores, outras que são geradores de energia, e algumas, com muito ego, que são usinas. Na verdade, somos apenas pequenas lâmpadas, ligadas entre si, enfeitando uma festa ou uma simples árvore de Natal. Mantenha-se ligado às pessoas da sua Rede para que, na hora de se comunicar, seja muito mais fácil transmitir o que se deseja. Precisamos desenvolver nossa capacidade de mobilizar pessoas, construir para cada projeto, dentro de sua demanda específica, um mapeamento multiplicador de comunicação. Nunca despreze sua agenda de telefones, inclusive aquela antiga, saiba onde estão as pessoas. 46  Convite especial. Aqueles que trabalham em projetos socioculturais vivem de seus currículos, daquilo que realizaram e das relações profissionais e pessoais que firmaram. Na hora de comunicar um evento, de divulgar um projeto, não deixe de acreditar na sua rede de relacionamento. Procure convidar pessoas não de 18 > ENG ENHARIA CULTURAL


uma forma padronizada, mas buscando dar sempre um toque pessoal. Envie um e-mail personalizado. Mande uma carta-convite com um pequeno bilhete, telefone àquelas pessoas imprescindíveis. Crie uma corrente multiplicadora. 47  Mapeie os formadores de opinião: colunistas e editores, não apenas dos grandes veículos, mas os que atuam em segmentos específicos. Se possível, monte um Banco de Divulgação, reunindo contatos com revistas, house organs, publicações editadas por universidades, empresas, ONGs e informativos de sites. A soma de um trabalho de comunicação em todos esses veículos, mesmo que não sejam de grande circulação, dará excelentes resultados. Estude as colunas diárias dos jornais e revistas, analise a identidade delas e procure formular textos de comunicação específicos para cada uma. Escolha bem uma Assessoria de Comunicação, de preferência com conhecimento na área cultural e social. Esta pessoa precisa estar envolvida durante todo o processo, perceber a intensidade da inspiração inicial que fez brotar a energia necessária para a realização do projeto. Sua capacidade de abrir espaços na mídia depende desta sintonia. Uma boa Assessoria de Comunicação descobre no projeto os ganchos necessários de interesse de cada mídia. Precisa ser alguém ou um grupo envolvido com os veículos, com resultados positivos em projetos anteriores. Lembre-se de que o resultado da mídia espontânea tem um valor maior do que a mídia paga. Caso de sucesso Capítulo 8 > Comunicação inteligente O projeto de comunicação do Prêmio Cultura Nota 10 foi fundamental para o seu sucesso. Na fase de planejamento e na montagem da estratégia de engenharia cultural, previmos dois grandes desafios de comunicação. Primeiro: era preciso divulgar o Prêmio em todo o estado do Rio de Janeiro, para obter um número significativo de inscrições. Segundo: tínhamos que mobilizar os premiados e seus convidados para a festa de premiação. A solução foi contratar uma Assessoria de Comunicação, com experiência em divulgação no interior do Estado, realizar 10 Lançamentos do Prêmio nos municípios, reunindo grande número de secretários municipais de Cultura, produtores, artistas, agentes sociais, prefeitos e autoridades. Montamos ainda um sistema inteligente de telemarketing, utilizando as redes sociais, que contatou instituições, órgãos públicos e privados, artistas, produtores, grupos e pessoas identificadas com o perfil do Prêmio. Fizemos um trabalho especializado de mobilização que resultou no ano de 2003, em 312 inscrições. O dia e a hora da festa de premiação não eram favoráveis: segunda-feira, das 14 às 18 horas. Criamos um Comitê de Formadores de Opinião, independente do júri, composto de 50 personalidades do mundo cultural do Estado, para analisar as propostas dos 10 finalistas e fornecer a cada um deles, por

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escrito, suas opiniões, que serviriam para enriquecer os respectivos currículos. Sabíamos que os formadores de opinião multiplicariam a existência do Prêmio e certamente compareceriam ao evento, pois não tinham sido convidados apenas para assistir, mas igualmente para participar. Foi um sucesso: mais de mil pessoas no evento.

O público

48  O projeto vai acontecer. Contamos os dias para nos encontrar com o público, aquele que vislumbramos lá atrás, quando tivemos a inspiração, a ideia, passamos pela pesquisa e chegamos ao projeto. Montamos nossa estratégia de Engenharia Cultural e encontramos parceiros patrocinadores e, com uma equipe de qualidade, produzimos a obra. Esta é a grande magia do nosso trabalho: transformar uma visão, uma ideia, em realidade. Um sentimento de criação, de realização, de renovação das energias para continuar na nossa missão de produtores de arte e cultura nas comunidades. É preciso agora ter coragem de mostrar os resultados, de todos que atuaram neste percurso pelo Ciclo da Produção Cultural, para um público de gente como a gente. Neste ponto, percebemos que somos apenas um instrumento da obra que está prestes a acontecer na realidade do mercado. Por trás das cortinas, vemos o público entrar, sentar nas poltronas – isto é mágico! Na Galeria, tudo pronto... Começam a chegar os convidados para a inauguração que programamos com muito carinho. São aqueles que entram na livraria para a noite de autógrafos, os que se juntam na praça à espera da Folia de Reis ou da Banda que começa a se posicionar no coreto, afinando seus instrumentos. A sala que escurece para começar o filme, o primeiro impacto com o público. Este é o grande momento em que toda a equipe sorri, uma noite com certeza na qual todos vão dormir bem e acordar com energia de sobra para continuar este trabalho fantástico de despertar emoções, belezas e sentimentos. Parabéns! Missão Cumprida! Não tenha vergonha de ser feliz! 49  Receba o público na porta, esteja lá na saída, para agradecer a presença. Cadastre as pessoas que vieram, todas que puder, analise depois como souberam do evento, mapeie seu público e organize bem este mailing para convites posteriores. Pergunte se sabem quem patrocinou o evento. É uma forma de dar retorno posterior ao patrocinador. Fotografe tudo, filme se possível, documentar é fundamental. Reúna as matérias que saíram na imprensa, elabore um Relatório de Atividades com fotos e dados, para prestar contas ao patrocinador e apoiadores. Seja profissional. 50  Balanço dos resultados. Ao final do projeto, evento, temporada, faça um balanço dos resultados. Percorra o Ciclo da Produção Cultural e verifique onde você acertou ou errou. Reúna as pessoas que trabalharam, converse com o patrocinador, estimule as críticas. Faça uma prestação de contas perfeita. Ela depende 20 > ENG ENHARIA CULTURAL


de uma boa planilha, preparada bem antes, na fase de orçamento. Compare os valores orçados com os valores reais gastos e aproprie-se deste conhecimento. Esteja sempre em sintonia com um bom contador durante todo o processo. Prepare um arquivo com todos os documentos do projeto, começando com o texto inicial de criação da ideia. Saiba que a “Consolidação Bancária” (transcrição do extrato da conta do projeto com informações sobre entradas e despesas) é que será avaliada pelos órgãos de governo, quando o projeto for incentivado. Prepare um belo book de resultados, um documento sintético: fotos, retorno social, matérias na imprensa tradicional, alternativa e nas redes sociais, medição em reais da mídia espontânea. Se puder, vá além, calcule o PIB do projeto (todos os dividendos diretos e indiretos, empregos, oportunidades de trabalho geradas e renda). Seja sempre transparente. Caso de sucesso Capítulo 9 > Resultados finais Por cinco anos seguidos realizamos o Prêmio Cultura Nota 10 com o patrocínio da Embratel, em parceria do nosso Instituto Cultural Cidade Viva com a Secretaria de Estado de Cultura, a UNESCO (que entrou no projeto em 2004), a FUNARJ (pela cessão do Teatro João Caetano) e o apoio do SEBRAE/ RJ e do Conselho Estadual de Cultura (a partir de 2006). Foram 1.422 ações inscritas nesses anos de trabalho. Alcançamos a participação de 100% das prefeituras municipais em 2007. Tivemos 105 ações destacadas, 50 finalistas e 25 vencedores. O simples reconhecimento público em relação às ações empreendedoras do estado do Rio de Janeiro tem ajudado os grupos e pessoas premiadas a avançar em seus sonhos, conquistando mais espaços para concretização de seus projetos. A cada ano em que é realizado o Prêmio, nossa rede de parcerias cresce e, ao longo do tempo, temos auxiliado e acompanhado os trabalhos de muitos finalistas que nos procuram. Caso de sucesso Capítulo 10 > O Prêmio em 2009 e depois Em 2008, a nova presidência da Embratel estabeleceu uma nova política de patrocínio e não conseguimos realizar o Prêmio. De toda sorte, continuamos trabalhando. Vânia, autora da ideia original, deixou a secretaria de estado de Cultura e assumiu a vice-presidência do RIOSOLIDARIO – entidade social, parceira do Governo do Estado – a convite de Daniela Pedras, diretora presidente da instituição, grande profissional e conhecedora do Prêmio. Fizemos algumas reuniões de alinhamento desenvolvendo um cunho mais social para o projeto. Tentamos outros caminhos em outros estados, através da nossa rede de profissionais. Inscrevemos o projeto em algumas empre-

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sas, mostrando os resultados obtidos até então. Enviamos o mesmo à CEG, através da amiga Pamina Millewski, ex-aluna nossa, que conhecia o Prêmio e acabava de assumir naquela empresa uma função na área de patrocínios. O foco da CEG era mais voltado à área social. Conseguimos uma carta de apoio do RIOSOLIDARIO e anexamos ao projeto. Em junho de 2009, Daniela Pedras teve uma reunião com o Presidente da CEG e falou da importância do projeto. Pamina também estava presente nesse encontro. O projeto foi aprovado para 2009, continuou em 2010 e foi aprovado em 2011, com o apoio de Fernanda Amaral, responsável pela área de comunicação da CEG. A festa de entrega do Prêmio 2010, que foi realizada em março de 2011, teve a presença do governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e outras autoridades. No dia 30 de maio de 2012 foi realizada a terceira solenidade de entrega do Prêmio Rio Sociocultural, tendo nesta edição o apoio de divulgação da TV Record e a parceria de sempre do SEBRAE RJ. O projeto foi aprovado por mais um ano e terá sua próxima solenidade de entrega de prêmios em 2013. Nos últimos três anos obteve 758 ações inscritas, distribuiu 165 mil reais em prêmios, atingindo a totalidade dos 92 municípios do estado do Rio de Janeiro e 90 mil pessoas ligadas direta e indiretamente às ações vencedoras. Nosso sonho agora é criar o Prêmio Brasil Sociocultural.

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