LIVROs - Helena Trindade

Page 1














Acertar cor pelo fundo da foto ao lado



























36
















133%











Ressamplear a imagem 223%













































LISTA DE LAS OBRAS | LIST OF WORKS

BIBLIOTECA ENCARNADA | INCARNATE LIBRARY estênceis de letras + luzes e filtros vermelhos 20 m2 esténciles de letras + luces y filtros rojos letter stencils + red lights and filters

BIBLIOTECA NEGRA | BLACK LIBRARY foto do livro de Edgar Allan Poe destituído do conto A carta roubada + paredes e piso negros + espelho 19 m2 foto del libro de Edgar Allan Poe destituido del cuento La carta robada + paredes y piso negros + espejo photo of Edgar Allan Poe’s book devoid of the tale The Purloined Letter + black walls and floor + mirror

SALA EM BRANCO | SALA EN BLANCO | BLANK ROOM paredes e vidros revestidos de matéria-tinta 15m2 paredes y vidrios revestidos de matéria-tinta walls and glasses coated with paint-matter

CONVERSA NA ESCADARIA | CONVERSACIÓN EN LA ESCALINATA | CONVERSATION IN THE STAIRCASE teclas de máquinas de escrever 250 m teclas de máquinas de escribir typewriter keys

105


QUARTO DO ORÁCULO HABITACIÓN DEL ORÁCULO ROOM OF THE ORACLE 15 m2

ORÁCULO | ORACLE máquina de escrever destituída de teclas e tipos 10 x 30 x 30 cm máquina de escribir destituida de teclas y tipos typewriter devoid of keys and types

DIÁLOGO | DIALOGUE hastes de rolo de pintura + tipos de máquina de escrever 5 x 35 x 15 cm manguitos de rodillo de pintura + tipos de máquina de escribir paint roller handles + typewriter types

BABEL dicionários de latim e grego + matéria-tinta 7 x 45 x 33 cm diccionarios de latín y griego + matéria-tinta Latin and Greek dictionaries + paint-matter

106


TEMPO PARA COMPREENDER TIEMPO PARA COMPRENDER | TIME FOR UNDERSTANDING relรณgios com mostradores de letras, um deles funciona no sentido anti-horรกrio 20 x 40 x 2,5 cm relojes con mostradores de letras, uno funciona en sentido antihorario | clocks with letter dials, one working anticlockwise

POEMA A BORGES I | POEM FOR BORGES I gravura em relevo de labirinto de letras 60 x 45 cm grabado en relieve de laberinto de letras relief engraving of letter maze

POEMA A DERRIDA | POEM FOR DERRIDA arco de serra + tipos de mรกquinas de escrever 43 x 13 x 3 cm arco sierra + tipos de mรกquina de escribir bow saw + typewriter types

POEMA A BORGES II | POEM FOR BORGES II gravura em relevo de labirinto de letras 57 x 77 cm grabado en relieve de laberinto de letras relief engraving of letter maze

107


QUARTO DO SONHO HABITACIÓN DEL SUEÑO DREAM ROOM 15 m2

projeção sobre travesseiros dos vídeos: proyección sobre almohadas de los videos: video projection on pillows:

A CARTA ROUBADA LA CARTA ROBADA | THE PURLOINED LETTER câmera | cámara | camera: André Sheik; edição | edición | editing: Helena Trindade e Marcos Castilho; 3:31 min

A ORIGEM DA OBRA DE ARTE EL ORIGEN DE LA OBRA DE ARTE THE ORIGIN OF THE WORK OF ART câmera | cámara | camera: André Sheik; edição | edición | editing: Helena Trindade e Imagem Secreta; 3:54 min

QUARTO DO TEMPO HABITACIÓN DEL TIEMPO TIME ROOM 18 m2

projeção do vídeo: proyección del video: video projection:

IRONIA | IRONÍA | IRONY câmera | cámara | camera: André Sheik; edição | edición | editing: Helena Trindade e Marcos Castilho; 3:26 min 108


CORREDOR PARA A CARTA EVANESCENTE CORREDOR PARA LA CARTA EVANESCENTE CORRIDOR TO THE EVANESCENT LETTER Versos-inversos - Poema a Picabia vestígios de grafite resultantes da cópia de poema1 de Francis Picabia + voal nas janelas e portas 13 m2 vestigios de grafito resultantes de la copia del poema1 de Francis Picabia + tejido translúcido en las ventanas y puertas | vestiges of graphite resulting from the copy of a Francis Picabia’s poem1 + translucent fabric on windows and doors

VARANDA | BALCÓN | BALCONY Ar: painel de mensagem contínua

11 m2

Aire: panel de mensaje continuo Air: continuous message panel

CENTRO CULTURAL MUNICIPAL ODUVALDO VIANNA FILHO - CASTELINHO DO FLAMENGO construção de 1918, de estilo eclético, originalmente projetada para uso residencial e adaptada em 1992 edificio de estilo ecléctico de 1918, originalmente diseñado para uso residencial y adaptado en 1992 | 1918 eclectic style building, originally designed for residential use and tailored in 1992

1

Pensamentos sem linguagem, Lisboa; Hiena, 1990.

Pensamientos sin lenguaje, Madrid; Marova, 1981. “Thoughts without language” in I am a beautiful monster, Cambridge; The MIT PRESS, 2007.

109



Helena

Trindade



para Nestor e Pablo


114


LIBROs | BOOKs

I.

EM EXPOSIÇÃO LIBROs EN EXPOSICIÓN | BOOKs ON EXHIBITION

II. TEXTOS | TEXTS Alberto Saraiva (curador da exposição “Livros”) comisario de la exposición “Libros” | “Books” exhibition curator

I.

Helena o verbo é imagem LIVROSTrindade: EM EXPOSIÇÃO | LIVROS EM EXPOSIÇÃO

Helena Trindade: el verbo és imagen | Helena Trindade: the verb is image II. TEXTOS | TEXTOS

Tania Rivera Alberto Saraiva A casa da letra | La casa de la letra | The house of the letter (curador da exposição “Livros”) | (curador da exposição “Livros”) Cyriaco Lopes Helena Trindade: o verbo é imagem | Helena Trindade: o verbo é imagem A matéria-tinta, duas instâncias: fluxo e imobilização Tania Rivera dos instancias: flujo e inmovilización Matéria-tinta, A casa da letra | A casa da letra Matéria-tinta (paint-matter), two instances: flow and immobilization Cyriaco Lopes | Las palabras | Words As palavras A matéria-tinta, duas instâncias: fluxo e imobilização Máquinas de escrever | Máquinas de escribir | Writing machines

A matéria-tinta, duas instâncias: fluxo e imobilização

Helena Trindade As palavras | As palavras Escrever é… | Escribir es… | Writing is… Máquinas de escrever | Máquinas de escrever Marisa Flórido Cesar Helena Trindade A palavra roubada | La palabra robada | The stollen word Escrever é… | Escrever é… Luiz Eduardo Meira de Vasconcellos Marisa Cesar| Escribir en tránsito | Writing in transit EscreverFlórido em trânsito A palavra roubada | A palavra roubada III. LIVROs EM VÍDEO | LIBROs EN VIDEO | BOOKs IN VIDEO Luis Eduardo Meira |de Vasconcellos Fotografia | Fotografía Photography Escrever em trânsito | Escrever em trânsito NEVILLE D’ALMEIDA

1 117

BOOKs

1 119 150 125 150 150 137 142 147 150 153 150 171 150 185 150 150 197

III. ENTREVISTA LIVROS EM VÍDEO IV. A | INTERVIEW TO FOTOGRAFIA DE NEVILLE D’ALMEIDA GLÓRIA FERREIRA

o vazio Ceñir el vacío | Encircling the emptiness IV. Cingindo ENTREVISTA A |GLORIA FERREIRA A GLORIA FERREIRA | CHRONOLOGY | CRONOLOGÍA V. ENTREVISTA CRONOLOGIA Cingindo o vazio | Cingindo o vazio BIOGRAFIA | BIOGRAFÍA | BIOGRAPHY

253 150 262

V. BIBLIOGRAFIA CRONOLOGIA | CRONOLOGIA BIBLIOGRAFÍA | BIBLIOGRAPHY

150 263

213

115


116


II TEXTOS |TEXTOS TEXTS TEXTOS | TEXTS

117



TEXTOS | TEXTS

HELENA TRINDADE: O VERBO É IMAGEM Alberto Saraiva1 A genealogia da obra de Helena Trindade se origina pontualmente na imagem e na palavra. Na imagem via pintura, pela plasticidade da construção e suas especificidades materiais. Na palavra pela poesia, cuja entrada se dá pela modernidade de Apollinaire (1880–1918), que insuflou com seus caligramas um caminho que se propunha superar a disjunção clássica entre imagem e texto. A proximidade e o diálogo de Apollinaire com os pintores modernos permitiu essa abertura do poema para a imagem através das artes plásticas. Isso fica mais claro à medida que Mallarmé (1842–1898), de outro lado, com seu lance de dados, chega à imagem através da própria estrutura do poema: palavra e espaço da página em branco. Essa genealogia delineada proporciona cruzamentos e interseções históricas, que, no caso de Helena Trindade, vão diretamente ao encontro da produção de artistas/ poetas, como Joan Brossa e Nicanor Parra, cuja obra extrapola a dimensão do objeto/palavra ou do chamado poema-objeto. Segundo Adolfo Montejo Navas, trata-se de “una tridimesionalidad nueva de la poesía expandida,

TEIA, 1994 | TELARAÑA | WEB tinta escorrida sobre plástico transparente 107 x 107 cm tinta escurrida en plástico transparente paint dripped on transparent plastic

POEMA A BROSSA, 2009 POEM FOR BROSSA carta de baralho + carro de brinquedo de fricção carta de baraja + coche de juguete de fricción | playing card + friction toy car

Curador e artista visual graduado em Arte Educação e Museologia com especialização em Arte e Filosofia pela PUC-Rio. É curador de Artes Visuais do Oi Futuro Centro de Arte&Tecnologia. Na sua atividade curatorial recente destacam-se: “Intempérie: 2ª Bienal do Fim do Mundo” em parceria com Alfons Hug (2009); Marcos Chaves “É da sua natureza” (2008); “Frederico Dalton - Fotomecanismos” (2007); Projeto TechNô (2007/08); Vicente de Mello “Áspera imagem” (2006); Zalinda Cartaxo “Tecnocroma” FILE 2006; “Mostra VideoLab 2006: Cariocavídeo” em Coimbra e Varsóvia. Possui textos publicados em livros, catálogos e periódicos p.ex.: Intempérie: catálogo da 2ª Bienal do Fim do Mundo (2009); Papel das Artes; Obranome 2008; Marcos Chaves (Aeroplano, 2008); Relíquias & Ruínas (Contra Capa, 2007); Nam June Paik - vídeos de 1961/2000.

1

119


una suerte de escultura de pequeño formato casi siempre, una operación de cámara que vincula materiales e imaginarios, hecha de condensaciones e desplazamientos...” (Joan Brossa, desde Barcelona al Nuevo Mundo – “Entre la poesía y el objeto”, p. 73). A expectativa que o trabalho da artista cria é a de um prolongamento dessa reflexão que vem da pintura e do texto, e, muito embora isso nos pareça já um problema basicamente solucionado, ainda acredito haver mais e mais impasses que sempre culminam em situações de novos desdobramentos. Vide trabalhos como os de Luciano Figueiredo, Lenora de Barros, Jenny Holzer e Gary Hill. Entretanto, há na obra de Helena um conceitualismo que se eleva e decorre da convergência de imagem e texto: a ocupação com a ideia de livro, unidade básica da biblioteca, desperta a atenção sobre um universo que vai do livro à arquitetura e da arquitetura ao homem. O livro torna-se um elo da percepção do homem sobre o mundo, e, principalmente, sobre seus conteúdos de passagem entre realidades.

INSTALAÇÃO SESC, 1999 frottages sobrepostas de labirintos de letras frottages sobrepuestas de laberinto de letras overlaped frottages of letter maze

A construção conceitual do espaço vem sempre da ideia de que seus objetos e livros podem transformar o ambiente em que se instalam naquilo que tem a ver com sua natureza primeva. Daí que a intervenção tende a 120


reanimar os cômodos, retornar a eles, recriando-os: Biblioteca encarnada, Sala em branco, Biblioteca negra, Corredor para a carta evanescente, Quarto do oráculo, Varanda, Quarto do sonho, Quarto do tempo e Conversa na escadaria. É claro que poderíamos pensar em uma conversa que realmente aconteceu na casa, mas essa seria uma forma de memória, o que não é o caso. Melhor seria falar de sintoma, de um conjunto de falas ou relatos da própria casa, de inscrições simbólicas que brotam no corpo da casa: letra encarnada, com esse sentido de carnação/encarnação que a obra da artista promove num ambiente dado. A reconstrução dos cômodos de uma casa revela mecanismos sensíveis comuns a todas as casas habitadas. Esses mecanismos não viriam a priori apenas das relações interpessoais dos habitantes/família, mas também da forma como os cômodos se articulam e do modo pelos quais os espaços se organizam, um dado determinante sobre essas mesmas maneiras de se relacionar. Assim foi que o conceito moderno de residência que tornou os espaços mais ambíguos e transformáveis certamente afetou a disposição das relações humanas. Então, a variação de ocupação de um centro cultural casa, um museu ou um espaço adaptado receberá da artista tratamento diferenciado voltado para sua estrutura arquitetônica e de vida ou, ainda, para tipos de vida e ações de vida através dos quais aquele prédio pode adquirir existência.

BIBLIOTECA ENCARNADA, 2008 | INCARNATE LIBRARY

Rio de Janeiro, fevereiro de 2008 SALA EM BRANCO, 2008 | SALA EN BLANCO | BLANK ROOM

BIBLIOTECA NEGRA, 2008 | BLACK LIBRARY

121


HELENA TRINDADE: EL VERBO ES IMAGEN Alberto Saraiva1

HELENA TRINDADE: THE VERB IS IMAGE Alberto Saraiva1

La genealogía de la obra de Helena Trindade se origina puntualmente en la imagen y en la palabra. En la imagen, a través de la pintura, por la plasticidad de la construcción y por sus especificidades materiales. En la palabra, por la poesía, cuya entrada se da a través de la modernidad de Apollinaire (18801918), quien propulsó con sus caligramas un camino en el que se proponía superar la disyunción clásica entre texto e imagen. La proximidad y el diálogo de Apollinaire con los pintores modernos permitieron esa apertura del poema a la imagen a través de las artes plásticas. Ello queda claro a medida que Mallarmé (1842-1898), por otra vía, llega a la imagen con su golpe de dados a través de la propia estructura del poema: palabra y espacio de la página en blanco. Esta genealogía delineada ofrece cruces e intersecciones históricas que, en el caso de Helena Trindade, están en consonancia con la producción de artistas/poetas, como Joan Brossa y Nicanor Parra, cuya obra excede la dimensión del objeto/ palabra o del así llamado poema-objeto. Según Adolfo Montejo Navas, se trata de una “tridimensionalidad nueva de la poesía expandida, una suerte de escultura de pequeño formato casi siempre, una operación de cámara que vincula materiales e imaginarios, hecha de condensaciones y desplazamientos…” (Joan Brossa, desde Barcelona al Nuevo Mundo – “Entre la poesía y el objeto”, p.73).

The genealogy of Helena Trindade’s work has its origin punctually in the image and the word. In the image, via painting – through the plasticity of the construction and its material specificities. In the word, via poetry – its entrance being the modernity of Apollinaire (1880-1918), whose calligrams insufflated a way to get over the classical disjunction between image and text. Apollinaire’s proximity and dialogue with modern painters made it possible for the poem to become open to the image through the plastic arts. This becomes clearer as Mallarmé (1842-1898), on the other hand, with his throw of the dice, arrives at the image through the structure of the poem itself: the word and the space on the blank page. This outlined genealogy leads to historical crossings and intersections which, in Helena Trindade’s case, go directly along with the production of artists/poets such as Joan Brossa and Nicanor Parra, whose work extrapolates the dimension of the object/word or the so-called poem-object. According to Adolfo Montejo Navas, it’s “a new tridimensionality of the expanded poetry, a sort of sculpture that’s almost always small-shaped, a chamber operation which links the material and the imaginary, made of condensations and displacements…” (Joan Brossa, desde Barcelona al Nuevo Mundo – “Entre la poesía y el objeto”, p.73).

La expectativa que el trabajo de la artista crea es la de una prolongación de esa reflexión que viene de la pintura y del texto y, aunque esto nos parezca ya un problema básicamente solucionado, creo aún que hay más y más impasses que siempre culminan en Comisario y artista visual, graduado en Arte Educación y Museología con especialización en Arte y Filosofía por la PUC-Río. Es comisario de Artes Visuales de Oi Futuro Centro de Arte&Teconologia. Dentro de su actividad reciente como comisario, se destacan: “Intempérie: 2ª. Bienal do Fim do Mundo”, en colaboración con Alfons Hug (2009); Marcos Chaves “É de sua natureza” (2008); “Federico Dalton – Fotomecanismos” (2007), Proyecto TechNô (2007/08); Vicente de Mello “Áspera imagem” (2006); Zalinda Cartaxo “Tecnocroma” FILE 2006; “Mostra VideoLab 2006: Cariocavídeo”, en Coimbra y Varsovia. Posee textos publicados en libros y catálogos, entre los cuales cabe mencionar: Intempérie: catálogo da 2ª. Bienal do Fim do Mundo (2009); es colaborador del periódico Papel das Artes, y es autor de Obranome 2008; Marcos Chaves (Aeroplano, 2008); Relíquias & Ruínas (Contra Capa, 2007) y de Nam June Paik: videos 1961-2000.

1

122

The artist’s work creates an expectation of prolonging this reflection originated in the painting and the text, and, although this might seem to us like a problem that has already been solved, I believe there are always additional stalemates which invariably culminate in situations of new unfoldments. See works by Luciano Figueiredo, Lenora de Barros, Jenny Holzer, and Gary Hill. However, in Helena’s work, Curator and plastic artist graduated in Art Education and Museology with specialization in Art and Philosophy from PUC-Rio. He is the visual arts curator at Oi Futuro Center of Arts & Technology. Some of his recent curatorships are: “Intempérie: 2ª Bienal do Fim do Mundo”, in partnership with Alfons Hug (2009); Marcos Chaves “É da sua natureza” (2008); “Frederico Dalton – Fotomecanismos” (2007); TechNô Project (2007/08); Vicente de Mello’s “Áspera imagem” (2006); Zalinda Cartaxo’s “Tecnocroma” FILE 2006; “Mostra VideoLab 2006: Cariocavídeo”, in Coimbra and Warsaw. Some of his published texts are: Intempérie: catálogo da 2ª Bienal do Fim do Mundo (2009); collaborator in the periodical Papel das Artes; Obranome 2008; Marcos Chaves (Aeroplano, 2008); Relíquias & Ruínas (Contra Capa, 2007); Nam June Paik: vídeos 1961 - 2000. 1


situaciones de nuevos desdoblamientos. Véanse trabajos como los de Luciano Figueiredo, Lenora de Barros, Jeny Holzer y Gary Hill. Sin embargo, en la obra de Helena hay un conceptualismo que se eleva y deriva de la convergencia de imagen y texto: al ocuparse de la idea de libro, unidad básica de la biblioteca, alerta acerca de un universo que va del libro a la arquitectura y de la arquitectura al hombre. El libro se vuelve un eslabón de la percepción del hombre sobre el mundo, y, sobre todo, sobre sus contenidos de pasaje entre realidades. La construcción conceptual del espacio proviene siempre de la idea de que sus objetos y libros pueden devolver al ambiente en que se instalan algo de su naturaleza primigenia. De ello deriva que la intervención tiende a renovar las habitaciones, a volver a ellas, recreándolas: Biblioteca encarnada, Sala en blanco, Biblioteca negra, Corredor para la carta evanescente, Habitación del oráculo, Balcón, Habitación del sueño, Habitación del tiempo y Conversación en la escalinata. Está claro que podríamos pensar en una charla que realmente se produjo en la casa, pero ésa sería una forma de la memoria, y no se trata de ello. Sería mejor hablar de síntoma, de un conjunto de hablas o relatos de la propia casa, de inscripciones simbólicas que brotan en el cuerpo de la casa: letra encarnada, con ese sentido de carnación/encarnación que la obra de la artista promueve en determinado ambiente. La reconstrucción de las habitaciones de una casa revela mecanismos sensibles comunes a todas las casas habitadas. Esos mecanismos no provendrían a priori solamente de las relaciones interpersonales de los habitantes/familia, sino también de la forma cómo las habitaciones se articulan y del modo en que los espacios se organizan, un dato determinante sobre esas mismas formas de relacionarse. Fue así que el concepto moderno de residencia, que hizo a los espacios más ambiguos y transformables, ciertamente tuvo efectos sobre la disposición de las relaciones humanas. Entonces, la variación de ocupación de un centro cultural casa, un museo o un espacio adaptado recibirá de la artista un tratamiento diferenciado vuelto a su estructura arquitectónica y vital o, incluso, a tipos de vida y a acciones vitales a través de los cuales ese edificio puede adquirir existencia.

there’s a conceptualism that stands out, that stems out of the convergence between image and text: the focus on the idea of the book as the basic unit in a library directs the attention to a universe that goes from the book to architecture and from architecture to man. The book becomes a link in man’s perception of the world, and, more importantly, of the contents found in the passage between realities. The conceptual construction of space always comes from the idea that its objects and books have the ability to transform the environment where they are installed into that which relates to its primeval nature. Therefore the intervention tends to reanimate the rooms, going back to them, recreating them: Biblioteca encarnada (Incarnate library), Sala em branco (Blank room), Biblioteca negra (Black library), Corredor para a carta evanescente (Corridor to the evanescent letter), Quarto do oráculo (Room of the oracle), Varanda (Balcony), Quarto do sonho (Dream room), Quarto do tempo (Time room), and Conversa na escadaria (Conversation in the staircase). Of course, we could think of a conversation that really took place in the house, but this would be a type of memory, which is not the case. It would be better to talk about symptom, about a bunch of conversations or accounts of the house itself, about symbolic inscriptions that blossom in the body of the house: the incarnate letter, in this sense of carnation/incarnation that the artist’s work promotes in a given environment. The reconstruction of the rooms in a house reveals sensitive mechanisms that are common to all inhabited houses. These mechanisms would not only come before the interpersonal relationships of the inhabitants/family, but also before the way rooms are articulated and the way spaces are organized, a determinant factor in those same relationships. This is how the same modern concept of residence that made the spaces more ambiguous and transformable, certainly also affected the disposition of human relationships. Therefore, the different usage in a cultural center, a house, a museum, or an adapted space results in differentiated treatments by the artist, geared towards its architectural and life structure or, yet, towards lifestyles and actions through which that building may attain existence. Rio de Janeiro, February 2008

Río de Janeiro, febrero de 2008

123



(Imagino o texto em letras de datilografia antiga, Helena, com algumas letras meio apagadas, por falta de tinta, e algumas em vermelho, como num primeiro copião. Os espaços entre os parágrafos devem variar, não se sabe bem a relação entre eles.)

A CASA DA LETRA Tania Rivera1 A letra quer ir além da imagem. Desde que Mallarmé afirmou que o moderno desdenhava imaginar, buscamos na letra o suporte material para tentar sair da imagem e entrar no espaço – da página e, talvez, do mundo. Helena Trindade refaz da letra a matéria do mundo, da casa, do espaço expositivo. Tornada objeto, a letra fica opaca e resiste ao sentido. Jogando com a arquitetura do Castelinho do Flamengo, a letra assinala espaços, transforma cômodos e revê, corajosa ainda que sutil, questões centrais para a arte, a linguagem, o homem.

Entra-se em “Livros” por uma biblioteca, é claro. Uma biblioteca na qual nada se lê. As letras se embaralham querendo esposar a arquitetura do cômodo, cobrindo o piso em impossível labirinto, fechando suas janelas e tomando o espaço com sua luz vermelha. A carne do livro nos convida mas nos barra a passagem, nessa contraditória Biblioteca encarnada.

BIBLIOTECA ENCARNADA, 2008 INCARNATE LIBRARY

Psicanalista, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora bolsista do CNPq, é doutora em Psicologia pela Université Catholique de Louvain, Bélgica, com pós-doutorado na Escola de Belas-Artes da UFRJ. Autora de Cinema, imagem e psicanálise (2008), Guimarães Rosa e a psicanálise: ensaios entre imagem e escrita (2005) e Arte e psicanálise (2002), todos por Jorge Zahar Editor. Coorganizadora de Sobre arte e psicanálise (Escuta, 2006).

1

125


Antes símbolos da modernidade, os tipos de impressão tornaram-se sucata. As teclas das máquinas de escrever talvez ainda esperem nossos dedos, o gesto que produziria alguma escrita. Nesses curiosos pequenos objetos tomam lugar todas as palavras que não chegaram a se inscrever. Que rede seria capaz de capturá-las?

CONVERSA NA ESCADARIA, 2008 CONVERSACIÓN EN LA ESCALINATA CONVERSATION IN THE STAIRCASE

BIBLIOTECA NEGRA, 2008 BLACK LIBRARY

Um livro jamais escrito, que forma teria? As teclas da máquina de escrever que não o fixaram inscrevem-se elas próprias no espaço, numa teia dentada que se dispõe no vão da escadaria e obriga o olhar à escrita desse espaço, normalmente vazio. Que Conversa na escadaria tramam esses esqueletos de palavras?

A letra serra o sentido, o texto do mundo. Jacques Derrida mostra, ao querer desconstruir a estrutura do discurso, que a linguagem é feita de diferenças e intervalos, distâncias e espaçamentos que nos jogam em uma temporalidade. Todo texto se faz em um jogo de diferir e postergar – jogo que Helena Trindade materializa poeticamente em sua letra-serra (Poema a Derrida). Fazer disso que é um certo vazio, uma impossibilidade, um objeto: encarnar a operação de espaçamento. (Em um painel eletrônico inscreve-se: AR). O procedimento poético é preciso (“Ser mais preciso rasura / Tua vaga literatura”, diz Mallarmé em Toute l’âme résumée). Ele consegue a façanha de materializar a reflexão – mas a revira um tanto; ele só pode, talvez até à revelia, ser um tanto irônico. Ironia, informa a etimologia, vem do grego éiron: “interrogante”.

Qual o inverso do verso?

As letras se misturam formando um livro/labirinto no qual me perco – no qual me prendo. O livro absoluto, 126


total – para lembrar ainda Mallarmé (“O mundo existe para chegar a um livro”). Ele deve ser velado, coberto de matéria-tinta – esse composto de cola e carbonato que é caro à artista e já cobriu, em trabalhos anteriores, objetos, cadeiras, esculturas ou mesmo espaços, graças à filtragem da luz por esse material translúcido (como na Sala em branco). Sob tal véu que é tinta e matéria, o livro passa a ser um objeto ilisível, um enigma em que algo de definitivo, algo de essencial se esconde e nunca se vê, jamais se dará a ler. Oráculo banguela, impotente como a máquina de escrever sem letras. Escrita originária, perdida (tão cara a Borges). Palimpsesto semiapagado, carta jamais recebida, mágico caderno no qual traços permanecem, mas se escondem. A carta/letra me foi roubada, a carta passa de mão em mão, jamais é lida; talvez seja ela, estranhamente, que me lê. No célebre conto de Poe, A carta roubada é a principal personagem. Mas nunca se revela o que nela estava escrito. Aquele que a tem em mãos vê-se transformado, à revelia, tomado no jogo da carta/letra. Lacan sugere que a carta roubada é, para cada um, seu inconsciente.

O que poderia o sonho gravar no travesseiro?

Na delicada evanescência das letras pulsa o gesto que as inscreveu, repetidamente, marcando a presença de alguém. Versos-inversos – Poema a Picabia é o depósito do grafite decalcado em folha de papel sobre a qual se apoiavam outras folhas em que Helena repetidamente copiou um extenso poema do artista, usando frente e verso sucessivamente. A mão que copiou o texto virou e revirou as páginas do escrito; sua pressão sobre a superfície gravou no papel marcas imprevisíveis, materializando os resíduos superpostos de uma escrita.

QUARTO DO SONHO, 2008 HABITACIÓN DEL SUEÑO DREAM ROOM

127


O poema de Picabia2 tornou-se então poema a Picabia: apropriado por quem o inscreve, ele não é mais de seu autor. Tornado não mais que resto de escrita, porém, o poema retorna como um enigma e uma homenagem ao artista. O depósito do grafite é o avesso do poema, sua letra roubada. Bela escrita, estrangeira, delicada inscrição na qual somos convidados a entrar, em silêncio. É impossível decifrá-la: a mensagem se perdeu, mas a perda insiste e se transmite (a letra/carta chega sempre a seu destino, como diz Lacan). CORREDOR PARA A CARTA EVANESCENTE, 2008 CORREDOR PARA LA CARTA EVANESCENTE | CORRIDOR TO THE EVANESCENT LETTER

A ORIGEM DA OBRA DE ARTE, 2008 | EL ORIGEN DE LA OBRA DE ARTE | THE ORIGIN OF THE WORK OF ART vídeo 3:54 min

O livro nasce de suas páginas arrancadas.

A origem da obra de arte de Helena é um livro cujas folhas repetem seu título, sua promessa jamais cumprida. Em seu centro, seu miolo, duas páginas estão em branco. Não se trata mais de um livro, propriamente falando, mas de um objeto-clareira, encarnando em seu papel a vacuidade em que Heidegger situa a origem, a essência – da arte e do homem. Esse livro é um lugar vazio diante do qual só se pode fazer o gesto gratuito, e no entanto fundamental, de passar suas páginas, uma a uma, sem cessar – “a tarefa”, aponta Heidegger, “consiste em ver o enigma”; repetidamente –, para no final ser convidado, por sua capa duplicada, a refazer esse trajeto de ponta-cabeça, traçando com o livro uma fita de Moebius, aquela curiosa figura topológica que subverte o espaço por não ter distinção entre interior e exterior. Max Bill, Escher e outros trabalharam plasticamente essa lógica poética da fita, pela qual também caíram de amores Jacques Lacan e nossa Lygia Clark (ver seus Caminhando e Diálogo de mãos). Para Helena, interessa na fita o fato de, nela, começo e fim estarem em continuidade, o que destrói, ironicamente, qualquer possibi2

128

Pensamentos sem linguagem, Lisboa; Hiena, 1990.


lidade de se pensar em uma origem. Temos aqui um Caminhando sem papel e tesoura, mas com Heidegger. Como a proposição de Lygia, A origem da obra de arte de Helena ressalta a desmaterialização da obra em prol do ato capaz de retomar o enigma da experiência estética – mas pelo viés da impossibilidade de leitura. A fita de Moebius nos convida a não mais que um gesto, o de acompanhar com o dedo sua superfície. Ver, ter no corpo seu enigma. Em uma superfície bidimensional, esse gesto desenharia o oito invertido que designa o infinito. A arte, o sujeito: livro-gesto sem fim, furtando-se a toda leitura.

Em Ironia, o vertiginoso movimento do voo de um pequeno bando de pássaros traça no espaço um toro, essa figura topológica que também apaixonou Lacan e, mais próximo de nós, Tunga. O toro é um anel, uma superfície sem margem, que possui exterioridade periférica e exterioridade central. Lacan o define como uma organização do furo. Seu centro é exterior. Na palavra, enfatiza Lacan, há um centro “exterior à linguagem”, o que equivale a dizer que a linguagem não é capaz de garantir um centro para o sujeito, pois ela mesma é furada, ex-cêntrica. Isso é o que a letra não cessa de indicar: que a linguagem é furada ao mesmo tempo em que tem algo de matéria. “O O é um buraco não esburacado”, escreve Guimarães Rosa. Interessa a Helena romper, com o toro, a noção de centralidade. A poética apreensão do voo das aves dá vez, no vídeo, a um toro cuidadosa e didaticamente traçado, talvez tirado de um manual de topologia ou de um dos Seminários de Lacan. Essa figura se move pela superfície clara bem enquadrada que mais parece uma folha de papel, num certo bate-e-volta em suas extremidades, mas ela não pode realizar o movimento que a define no espaço tridimensional. Apenas o acaso

IRONIA, 2008 | IRONÍA | IRONY vídeo 3:26 min

129


do voo, o desenho dos pássaros no espaço, pode trazernos a vertigem, a reviravolta capaz de fazer do centro o exterior, do íntimo algo êxtimo.

Helena Trindade toma ao pé da letra a proposta de Joseph Kosuth de que a arte viria, na contemporaneidade, tomar o lugar da filosofia. Mas que lugar seria esse? Não é bem que a arte venha, depois da filosofia (fracassada), seguir seus passos como legítimo campo de reflexão sobre o homem. Não é, exatamente, que a arte dê as mãos à psicanálise e à filosofia para romper as fronteiras entre elas e proclamar um feliz conceitua­ lismo. Trata-se, antes, de materializar poeticamente o lugar da reflexão sobre o homem como inapreensível, como um vazio que nenhuma teoria, nenhum objeto, nenhuma casa poderia encerrar. Afinal, o homem, como há tanto tempo já sentenciou Freud, não é mais senhor em sua própria casa.

Há alguma lassidão, nessa empresa, como a afirmar, com Mallarmé, que “a carne é triste, sim, e eu li todos os livros”. O que resta? A letra, como diz Lacan com James Joyce, é lixo.

(P.S.: O texto devia ser um caligrama ao acaso, devia ser possível lançar seus elementos como um dado que fosse deixando na folha suas marcas, seus espaços. O propalado “tempo para compreender” de Lacan talvez seja capaz de desenhar, em nós, algum espaço para compreender.) Brasília, abril de 2008 130


(Imagino el texto en letras de dactilografía antigua, Helena, con algunas letras medio borradas por falta de tinta, y algunas en rojo, como en una primera copia. Los espacios entre los párrafos deben variar, no se sabe bien la relación entre ellos.)

(Helena, I imagine this text in letters typed in an old typewriter, with some of the letters faded for lack of ink, and some in red, like in a first draft. The spaces between the paragraphs should vary, we don’t know for sure the relationship between them.)

LA CASA DE LA LETRA Tania Rivera1

THE HOUSE OF THE LETTER Tania Rivera1

La letra quiere ir más allá de la imagen. Desde que Mallarmé afirmó que lo moderno desdeñaba el imaginar, buscamos en la letra el soporte material para intentar salir de la imagen y entrar en el espacio – de la página y, tal vez, del mundo.

The letter wants to go beyond the image. Since Mallarmé affirmed that the modern disdained imagining, we seek in the letter the material support to try to get out of the image and into the space – on the page, and, maybe, in the world.

Helena Trindade rehace desde la letra la materia del mundo, la materia de la casa, la del espacio expositivo. Vuelta objeto, la letra se opaca y se resiste al sentido. Jugando con la arquitectura del Centro Cultural Castelinho do Flamengo, la letra señala espacios, transforma habitaciones y revisita, valiente aunque sutil, cuestiones centrales para el arte, el lenguaje, el hombre.

Helena Trindade remakes with the letter the materiality of the world, the house, the exhibition space. When turned object, the letter becomes opaque and resists meaning. Playing with the architecture at Castelinho Cultural Center the letter marks spaces, transforms rooms and, with a subtle courage, reviews issues that are central to art, language, and man.

Se entra a “Libros” por una biblioteca, claro. Una biblioteca en la cual nada se lee. Las letras se entreveran como queriendo desposar la arquitectura de la habitación, cubriendo el piso en un laberinto imposible, cerrando sus ventanas y tomando el espacio con su luz roja. En esa contradictoria Biblioteca encarnada, la carne del libro nos invita pero nos impide el paso.

Antes símbolos de la modernidad, los tipos de impresión se tornaron chatarra. Las teclas de las máquinas de escribir tal vez esperen aún nuestros dedos, el gesto que produciría alguna escritura. En esos curiosos pequeños objetos toman lugar todas las palabras que no llegaron a inscribirse. ¿Qué red sería capaz de capturarlas? ¿Qué forma tendría un libro jamás escrito? Las teclas de la máquina de escribir que no lo fijaron se 1 Sicoanalista, profesora de la Universidade de Brasília e investigadora becaria del CNPQ, es doctora en Sicología por la Université Catholique de Louvain, Bélgica, con posdoctorado en la Escola de Belas-Artes de la UFRJ. Es autora de Cinema, imagen e psicoanálise (2008), Guimarães Rosa e a psicoanálise: ensaios entre imagen e escrita (2005), todos editados por Jorge Zahar Editor. Es coorganizadora de Sobre arte e psicoanálise (Escuta, 2006).

We enter “Livros” (“Books”) through a library, of course. A library where nothing is read. The letters are scrambled, desiring to espouse the architecture of the room, covering the floor with an impossible maze, closing its windows and taking over the space with its red light. The flesh of the book invites us but blocks our way, in this contradictory Biblioteca encarnada (Incarnate library).

Once symbols of modernity, printing types have become scrap metal. The typewriter keys might still wait for our fingers, the movement that would produce some sort of writing. These curious little objects encompass all the words that did not manage to be written. Which net would be able to capture them? A book that was never written, what shape would it have? The typewriter keys that never printed it Psychoanalyst, professor at the University of Brasília, researcher and scholarship holder at CNPQ, Tânia Rivera also holds a Doctors degree in Psychology from the Université Catholique de Louvain, in Belgium, and a Post-doctorate degree from the School of Fine Arts at UFRJ. She is the author of Cinema, imagem e psicanálise (2008), Guimarães Rosa e a psicanálise: ensaios entre imagem e escrita (2005), and Arte e psicanálise (2002), all published by Jorge Zahar Editor. Co-organizer of Sobre arte e psicanálise (Escuta, 2006).

1

131


inscriben ellas mismas en una tela dentada que se dispone en el vano de la escalinata y obliga a la mirada a escribir ese espacio normalmente vacío. ¿Qué Conversación en la escalinata traman esos esqueletos de palabras?

inscribed themselves in the space, in a toothed web that is placed in the hollow of the staircase, compelling the eyes to look at the writing in this usually empty space. What Conversation in the staircase are these word skeletons plotting to have?

La letra sierra el sentido, el texto del mundo. Al querer desconstruir la estructura del discurso, Jacques Derrida muestra que el lenguaje está hecho de diferencias e intervalos, distancias y espaciamientos que nos lanzan a una temporalidad. Todo texto se hace en un juego de diferir y postergar, juego que Helena Trindade materializa poéticamente en su letra-sierra (Poema a Derrida). Hacer un objeto de aquello que es un cierto vacío, una imposibilidad, encarnar la operación de espaciamiento. (En un panel electrónico se inscribe: AR2). El procedimiento poético es preciso (“Lo muy preciso tritura/Tu vaga literatura”, dice Mallarmé en Toute l’âme résumée). Él logra la hazaña de materializar la reflexión, pero la tuerce un poco; sólo puede, tal vez a regañadientes, ser algo irónico. Ironía, informa la etimología, viene del griego éiron: “interrogante”.

The letter saws the sense, the world’s text. In an attempt to de-construct the structure of the discourse, Jacques Derrida shows that language is made of differences and intervals, distances and spacings that propel us to a temporality. Every text is made through a game of deferring and putting off – a game which Helena Trindade poetically materializes in her letter-saw – Poema a Derrida (Poem for Derrida). Making an object out of what consists in a certain emptiness, an impossibility: to incarnate the spacing operation. (In an electronic panel it reads: AR2 ). The poetic procedure is precise (“The clear sense makes unsure/Your vague literature”, says Mallarmé in Toute l’âme résumée). It manages to materialize reflection – although it twists it a little; it can only be ironic, albeit unwillingly. The word irony, according to etymology, comes from the Greek éiron, also meaning “questioning”.

¿Qué es lo inverso del verso? What’s the inverse of the verse? Las letras se mezclan y forman un libro/laberinto en el cual me pierdo – al cual me prendo. El libro absoluto, total – para recordar aún a Mallarmé – (“Todo el mundo existe para convergir en un libro”). Éste debe ser velado, cubierto de matéria-tinta – ese compuesto de cola y carbonato que le es caro a la artista –, y que en trabajos anteriores ya cubrió objetos, sillas, esculturas o incluso espacios, gracias al filtrado de la luz por ese material translúcido (como en Sala en blanco). Bajo ese velo que es tinta y materia, el libro se convierte en un objeto ilisible, un enigma en que algo de definitivo, algo de esencial se esconde y nunca se ve, jamás se dará a leer. Oráculo desdentado, impotente como la máquina de escribir sin letras. Escritura originaria, perdida (tan cara a Borges). Palimpsesto semiborrado, carta jamás recibida, mágico cuaderno en el cual los trazos permanecen, pero se esconden. La carta/letra me fue robada, la carta pasa de mano en mano, jamás se lee; tal vez sea ella, extrañamente, quien me lee. En el célebre cuento de Poe, La carta robada es el personaje principal. Pero nunca se revela lo que está escrito en la misma. Aquél que la tiene en manos se 2

132

AIRE.

The letters get mixed up forming a book/maze where I get lost – where I become bound. The absolute and total book – to quote Mallarmé once again, “Everything in the world exists in order to end up as a book.” It must be veiled, covered by matéria-tinta (paint-matter) – this mixture of glue and carbonate that is dear to the artist, and which in previous works has covered objects, chairs, sculptures, and even spaces, thanks to the light filtering effect achieved by this translucent material – as in Sala em branco (Blank room). Under this veil made up of paint and solid matter, the book becomes an unreadable object, an enigma in which something definitive, something essential hides and is never seen, and will never be read. A toothless, impotent Oracle, like the typewriter with no letter keys nor types. An original, lost writing (so dear to Borges). A semi-faded palimpsest, a letter never received, a magical notebook in which the writing remains, but is hidden. The mail/letter was stolen from me, the letter moves from hand to hand, and it’s never read; maybe it’s the letter that, oddly, reads me. 2

AIR.


ve transformado a disgusto, tomado en el juego de la carta/letra. Lacan sugiere que para cada quien la carta robada es su inconsciente.

¿Qué podría grabar el sueño en la almohada?

En la delicada evanescencia de las letras pulsa el gesto que las inscribió repetidamente, marcando la presencia de alguien. Versos-inversos – Poema a Picabia es el depósito del grafito calcado en una hoja de papel sobre la cual se apoyaban otras hojas en que Helena repetidamente copió un extenso poema del artista, usando las dos caras sucesivamente. La mano que copió el texto mezcló y revolvió las páginas de lo escrito; su presión sobre la superficie grabó marcas imprevisibles en el papel, materializando así los residuos superpuestos de una escritura. El poema de Picabia3 se tornó, entonces, un poema a Picabia: hecho suyo por quien lo inscribe, éste no pertenece más a su autor. Vuelto nada más que resto de escritura, el poema retorna, sin embargo, como enigma y como un homenaje al artista. El depósito de grafito es el reverso del poema, su letra robada. Bella escritura, extranjera, delicada inscripción a la cual somos invitados a entrar en silencio. Es imposible descifrarlo: el mensaje se perdió, pero la pérdida insiste y se transmite (la letra/carta llega siempre a su destino, como dice Lacan). El libro nace de sus páginas arrancadas.

El origen de la obra de arte de Helena es un libro cuyas hojas repiten su título, su promesa jamás cumplida. En su centro, en su meollo, dos páginas están en blanco. No se trata más de un libro propiamente dicho, sino de un objeto-claro que encarna en su papel la vacuidad en la que Heidegger sitúa el origen, la esencia: del arte y del hombre. Ese libro es un lugar vacío ante el cual sólo se puede hacer el gesto gratuito y, sin embargo fundamental, de dar vuelta sus páginas una a una sin cesar; “la tarea”, señala Heidegger, “consiste en ver el enigma” repetidamente, para, al final, ser invitado por su tapa duplicada a rehacer el trayecto de cabeza para abajo, trazando con el libro una cinta de Moebius, aquella curiosa figura topológica que subvierte el espacio porque en ella no se distingue entre interior y exterior.

In Poe’s famous short story, The Purloined Letter is the main character. But what was written in it is never revealed. Whoever has the letter sees him/ herself transformed, unwillingly, sucked into the mail/letter game. Lacan suggests that the purloined letter represents each person’s unconscious.

What could the dream imprint on the pillow?

In the delicate evanescence of the letters pulses the gesture that inscribed them, repeatedly, marking someone’s presence. Versos-inversos – Poema a Picabia (Inverse-verses – Poem for Picabia) consists in vestiges of graphite transferred to a sheet of paper over which are placed other sheets where Helena repeatedly copied an extensive poem by the artist, using front and back, successively. The hand that copied the text turned the pages over and over again; its pressure over the surface imprinted unpredictable markings on the paper, materializing the superposed residues of the writing. Picabia’s poem3 then became a poem for Picabia: appropriated by the one who inscribes it, it no longer belongs to its author. Having been turned into no more than writing residue, however, the poem returns as an enigma and an ode to the artist. The graphite deposit is the reverse of the poem, its stolen letter. A fine writing, a foreign, delicate inscription into which we are silently invited. It’s impossible to decipher it: the message has been lost, but the loss insists and is transmitted (the letter/mail always arrives at its destination, as Lacan says). The book is born of its torn pages.

In Helena’s A origem da obra de arte (The origin of the work of art), the pages repeat the title, the never fulfilled promise. In its center, its middle, there are two blank pages. It’s no longer a book, in the proper sense, but an object-clearing, its pages incarnating the vacuity in which Heidegger places the origin, the essence – of art and man. This book is an empty place, faced with which one can only perform the pointless, yet fundamental gesture that is turning its pages, one by one, without ceasing – “the task”, says Heidegger, “consists in seeing the enigma”, repeatedly –, so that, in the end, one might be “Thoughts without language” in I am a beautiful monster, Cambridge; The MIT PRESS, 2007.

3 3

Pensamientos sin lenguaje, Madrid; Marova, 1981.

133


Max Bill, Escher y otros trabajaron plásticamente esa lógica de la cinta, por la cual también se derritieron Jacques Lacan y nuestra Lygia Clark (ver sus Caminhando y Diálogo de mãos). A Helena le interesa el hecho de que en la cinta el comienzo y el fin son continuos, lo que irónicamente destruye cualquier posibilidad de pensar en un origen. Tenemos aquí un Caminhando sin papel ni tijera, pero con Heidegger. Como la propuesta de Lygia, El origen de la obra de arte de Helena resalta la desmaterialización de la obra en pro del acto capaz de retomar el enigma de la experiencia estética, pero por el sesgo de la imposibilidad de lectura. La cinta de Moebius nos invita a un sólo gesto, el de recorrer con el dedo su superficie. A ver, a tener en el cuerpo su enigma. En una superficie bidimensional, ese gesto dibujaría el ocho invertido que designa el infinito. El arte, el sujeto: libro-gesto sin fin que se hurta a cualquier lectura.

En Ironía el vertiginoso movimiento del vuelo de una pequeña bandada de pájaros traza un toro en el espacio, esa figura topológica que también apasionó a Lacan y, más cerca de nosotros, a Tunga. El toro es un anillo, una superficie sin margen que posee una exterioridad periférica y una exterioridad central. Lacan lo define como una organización del agujero. Su centro es exterior. En la palabra, enfatiza Lacan, hay un centro “exterior al lenguaje”, lo que equivale a decir que el lenguaje no es capaz de garantizarle un centro al sujeto, pues él mismo está agujereado, ex-céntrico. Eso es lo que la letra no cesa de indicar: que el lenguaje está agujereado al mismo tiempo en que tiene algo de materia. “El O es un agujero no agujereado”4, escribe Guimarães Rosa. Con el toro, a Helena le interesa romper la noción de centralidad. En el video, la poética de la aprehensión del vuelo de las aves da lugar a un toro cuidadosa y didácticamente trazado, tomado, tal vez, de un manual de topología o de uno de los Seminarios de Lacan. Esa figura se mueve por la superficie clara, bien encuadrada, que parece más bien una hoja de papel, en un cierto ida y vuelta en sus extremidades, pero ésta no puede realizar el movimiento que la define en el espacio tridimensional. Sólo el azar del vuelo, el dibujo de los pájaros en el espacio, puede traernos el vértigo, el giro capaz de hacer del centro lo exterior, de lo íntimo algo éxtimo. 4 N. de T. Juego entre el artículo determinante “o” y la forma de la letra.

134

invited by its duplicated cover to retake this journey upside-down, tracing with the book a Moebius strip – that curious topological figure that subverts space, as there is no distinction between interior and exterior. Max Bill, Escher, and others worked plastically with the poetical logic of the strip, with which Jacques Lacan and our Lygia Clark also became infatuated – see Clark’s Caminhando (Walking) and Diálogo de mãos (Dialogue of hands). To Helena, what’s interesting in the strip is the fact that it has a continuity between the beginning and the end, which ironically destroys any possibility of thinking about an origin. We have here a Walking without paper or scissors, but with Heidegger. Like Clark’s proposition, Helena’s The origin of the work of art stresses the de-materialization of the work on behalf of the act that is capable of getting back to the enigma of the esthetic experience – but through the bias of the reading impossibility.

The Moebius strip invites us to no more than a gesture, that of following its surface with the finger – to see, to feel its enigma in our body. On a twodimensional surface, this gesture would draw an inverted eight which designates infinity. The arts, the subject: a never ending book-gesture, evading any reading. In Ironia (Irony), the vertiginous movement in the flight of a small flock of birds draws a torus in space, this topological figure that also captivated Lacan and, closer to us, Tunga. The torus is a ring, a surface without margins, which has a peripheral exteriority as well as a central exteriority. Lacan defines it as an organization of the hole. Its center is exterior. Lacan emphasizes that, in the word, there’s a center that’s “exterior to language”, which is the equivalent of saying that language cannot guarantee a center for the subject, because language itself has a hole, it is ex-centrical. This is what the letter never ceases to indicate: that language has a hole, while at the same time having something of materiality. “The O is a non-perfurated hole”, writes Guimarães Rosa. Helena is interested in using the torus to break the notion of centrality. In the video, the poetic apprehension of the birds’ flight gives way to a carefully and didactically traced torus, maybe one that was taken out of a manual of topology, or out of one of Lacan’s Seminars. This figure moves along a well


Helena Trindade toma al pie de la letra la propuesta de Joseph Kosuth acerca de que en la contemporaneidad el arte tomaría el lugar de la filosofía. ¿Pero cuál sería ese lugar? No significa exactamente que el arte venga, después de la filosofía (fracasada), a seguir sus pasos como legítimo campo de reflexión sobre el hombre. No significa exactamente que el arte les dé la mano al sicoanálisis y a la filosofía para romper las fronteras entre ellos y proclamar así un feliz conceptualismo. Antes bien, se trata de materializar poéticamente el lugar de la reflexión sobre el hombre como inaprensible, como un vacío que ninguna teoría, ningún objeto, ninguna casa podría encerrar. Al final, el hombre, como hace ya mucho tiempo sentenció Freud, nos es más señor en su propia casa.

Hay cierta lasitud en esa empresa, como la de afirmar con Mallarmé que “la carne es triste, ¡ay! y ya agoté los libros”. ¿Qué es lo que resta? La letra, como dice Lacan con James Joyce, es basura.

(P.S.: El texto debía ser un caligrama al azar, debía ser posible lanzar sus elementos como un dado que fuese dejando en la hoja sus marcas, sus espacios. Tal vez, el propalado “tiempo para comprender” de Lacan sea capaz de dibujar en nosotros algún espacio para comprender).

framed and clear surface that seems more like a sheet of paper, performing a certain rebound in its extremities, but unable to accomplish the movement which defines it in the tri-dimensional space. Only the unpredictability of the flight can bring us to the vertigo, the backspin that is able to make the center the exterior, the intimate the extimate.

Helena Trindade reads literally Joseph Kosuth’s proposal that art, in our days, would come to take the place of philosophy. But what would that place be? It’s not quite that art comes, after philosophy failure, following after its footsteps as a legitimate field of reflection upon man. It’s not quite that art goes hand in hand with psychoanalysis and philosophy, breaking the barriers between them, proclaiming a happy conceptualism. Rather, it’s a matter of poetically materializing the place of reflection upon man as inapprehensible, as an emptiness that no theory, no object, no house could contain. After all, man, as Freud has long said, is no longer lord in his own home.

There’s a certain lassitude in this enterprise, as if affirming, along with Mallarmé, that “the flesh is sad, alas! and all the books are read”. What else is left? The letter, as Lacan, along with James Joyce, says, is litter.

Brasilia, abril de 2008 (PS: The text should be a casual calligram; it should be possible to throw its elements like a die that began to leave its marks, its spaces, on the page. Maybe Lacan’s well known “time to comprehend” could draw, in us, a space to comprehend.) Brasília, April 2008

135



A matéria-tinta, duas instâncias: fluxo e imobilização Cyriaco Lopes Fluxo: uma procura pela forma. Camaleoa, sua aparência é também sua história, ela é por onde passou. As mudanças geradas em sua visualidade não alteram sua integridade. Seus obstáculos são episódios, ela é passagem. É reinvenção de si a partir do espaço, sua natureza é transformação. Imobilização: extensão material = dimensão temporal de sua criação. O aspecto formal é decorrência do percurso que resiste congelado. É tornar visível as várias etapas da ação, um Muybridge que pudesse ser um continuum. Um todo: um corpo para o tempo.

Texto concebido para exposição individual no Centro Cultural São Paulo (1997).   Cyriaco Lopes é artista e professor da City University of New York. É mestre em Image and Digital Art pela University of Maryland, Baltimore County e mestre em Linguagens Visuais pela Escola de Belas Artes – UFRJ.

137


MÁQUINADENÃOESCREVER Normógrafos,1997 normógrafos + espelhos + água + matéria-tinta 210 x 600 x 10 cm normografos + espejos + agua + matéria-tinta | lettering guides + mirrors + water + paint-matter

A INVISIBILIDADE: substância branca em paredes brancas, continuações. A parede, de suporte, vira continuidade no trabalho, um escorrer dos contornos. O olho não pode apreender distanciadamente, deve haver aproximação física que permita o destrinchamento. Os trabalhos, que brotam sutis brancos sobre branco, são pequenas aparições (bolhas d’água). A tensão entre o fluxo e o molde. NORMÓGRAFOS: a linguagem verbal como (não) conformadora da experiência, esta, derramamento. Um tanto, e um tão grande, e um tantas coisas, que se houvesse um nome para isso, seria o nome de todas as coisas. A matéria-tinta passa pelos orifícios em forma de letra do normógrafo mas não se torna letra. É capaz de atravessar as coisas, mas não se conforma nelas, se transforma por causa delas. A água (= a palavra): quase invisível, mas filtro. A água (= pensamento): envolve, sustenta e infiltra os normógrafos, mas estes, contidos, parecem mais claros que aquilo que os contém. Os espelhos: são as possibilidades de contato com a nossa própria aparência. Só que copiam o mundo ao contrário; somos fadados a conhecer a nós mesmos através de um informante não confiável. 138


Assim como fadados a usar as palavras, sabendo que nos trairão, que sua natureza é incapacidade. MA’AM: a matéria-tinta vem da parede para o espectador, um jorro, transborda o objeto, o bico-da-mamadeira-do-seio-da-chupeta. As alturas calculadas pelo parâmetro do corpo. É todo convite, um fluir de si para alimentar o outro, generosos (os seios berninianos eternamente pródigos). AS LUVAS: represadoras da carne, agora são o recheio. Sua elasticidade, que não servia ao conforto e aconchego, mas à máxima aderência, é testada ao absurdo. Querem segurar, empurrar, tensionar e o esforço parece que as vai consumindo, no gotejamento branco em que se dissolvem. Outras oram, silenciosas e crédulas (mas incongruentes).

MA’AM, 1997 bicos de mamadeira + matéria-tinta 210 x 600 x 10 cm tetinas de mamaderas + matéria-tinta | baby’s bottle nipples + paint-matter

A norma, o molde, a ordem, desfeitos. A expansão, o fluxo. As folhas que vão tomando as árvores geométricas de um jardim abandonado. Rio de Janeiro, agosto de 1997

LUVAS, 1997 GUANTES | GLOVES luvas cirúrgicas + ar + matéria-tinta guantes quirúrgicos + aire + matéria-tinta | surgical gloves + air + paint-matter

139


MATÉRIA-TINTA, DOS INSTANCIAS: FLUJO Y INMOVILIZACIÓN.11 Cyriaco Lopes2

MATÉRIA-TINTA (PAINT-MATTER), TWO INSTANCES: FLOW AND IMMOBILIZATION.1 1 Cyriaco Lopes2

Flujo: una búsqueda por la forma. Camaleona, su apariencia es también su historia, ella es por donde ella pasó. Los cambios generados en su visualidad no alteran su integridad. Sus obstáculos son episodios, ella es pasaje. Es reinvención de sí a partir del espacio, su naturaleza es la transformación.

Flow: a search for form. Chameleon, its appearance is also its history; it is where it has been. The changes generated in its visuality do not alter its integrity. Its obstacles are episodes, matéria-tinta (paint-matter) is transience. It is reinvention of itself through space, its nature is transformation.

Inmovilización: extensión material = dimensión temporal de su creación. El aspecto formal es consecuencia del recorrido que resiste congelado. Es hacer visible las varias etapas de la acción, un Muybridge que pudiese ser un continuum. Un todo: un cuerpo para el tiempo. LA INVISIBILIDAD: sustancia blanca en paredes blancas, continuaciones. La pared, de soporte se convierte en continuidad en el trabajo, en un escurrir de los contornos. El ojo no puede aprehender distanciadamente, debe haber un acercamiento físico que permita el desenredar. Los trabajos, que brotan sutiles blancos sobre blanco, son pequeñas apariciones (burbujas de agua).

INVISIBILITY: a white substance on white walls, continuations. The wall, from support is turned into continuity of the work: blurred boundaries. The eye cannot apprehend at a distance, there must be physical proximity to untangle the surfaces. The works, which subtly erupt white over white, are small apparitions (water bubbles).

La tensión entre el flujo y el molde.

The tension between the flow and the mold.

NORMOGRAFOS: el lenguaje verbal como lo que (no) conforma la experiencia, ésta, un derramamiento. Un tanto, y un tan grande, y un tantas cosas, que si hubiese un nombre para ello, sería el nombre de todas las cosas. La matéria-tinta pasa por los orificios en forma de letra del normografo pero no se vuelve letra. Es capaz de atravesar las cosas, pero no se conforma en éstas, se transforma a causa de éstas.

LETTERING GUIDES: verbal language that (does not) conform experience – experience as overflow. A “so much”, and a “so big”, and a “so many things” that, if there were a name for this, it would be the name of all things. The matéria-tinta (paint-matter) goes through the letter-shaped holes of the lettering guide, but does not become letter. It’s capable of crossing things, but it does not conform to them, it is transformed because of them.

El agua (= la palabra): casi invisible, pero un filtro. El agua (= pensamiento): envuelve, sostiene e infiltra los normografos, pero éstos, contenidos, parecen más claros que aquello que los contiene.

Water (= the word): almost invisible, but filter. Water (= thought): it involves, sustains, and infiltrates the lettering guides, but these, contained, seem clearer than that which contains them.

Texto concebido para la exposición individual en el Centro Cultural São Paulo (1997) 2 Cyriaco Lopes es artista y profesor en la City University of New York. Es máster en Image and Digital Art por la Universidad de Maryland y en Linguagens Visuais por la Escola de Belas Artes – UFRJ

Text written for the solo show at the São Paulo Cultural Center (1997). 2 Cyriaco Lopes is an artist and a professor at the City University of New York; he holds M.F.A.s from the University of Maryland, Baltimore County and from the Federal University of Rio de Janeiro.

1

140

Immobilization: material extension = temporal dimension of its creation. The formal aspect is a result of the route that resists, frozen. It is the making visible the several stages of the action, a Muybridge as continuum. A whole: a body for time.

1


Los espejos: son las posibilidades de contacto con nuestra propia apariencia. Sólo que copian el mundo al revés; estamos condenados a conocernos a través de un informante no confiable. Así como condenados a usar las palabras sabiendo que nos traicionarán, que su naturaleza es la incapacidad. MA’AM: la matéria-tinta viene de la pared al espectador un chorro desborda el objeto, la tetina-de-lamamadera-del-seno-del-chupete. Las alturas calculadas por el parámetro del cuerpo. Todo es invitación, un fluir de sí para alimentar al otro, generosos (los senos berninianos eternamente pródigos). LOS GUANTES: frenos de la carne, ahora son el relleno. Su elasticidad que no servía para reconfortar ni para abrigar, sino para la máxima adherencia, es probada al absurdo. Quieren prender, empujar, tensionar y el esfuerzo parece que los va consumiendo en el gotear blanco en que se disuelven. Otros oran, silenciosos y crédulos (pero incongruentes). La norma, el molde, el orden, deshechos. La expansión, el flujo. Las hojas que van tomando los árboles geométricos de un jardín abandonado.

The mirrors: the possibilities of contact with our own appearance. Only they copy a reversed world; we are fated to know ourselves through a non- trustworthy informant. As we are fated to use words, knowing that they will betray us, that their nature is one of incapability. MA’AM: the matéria-tinta (paint-matter) comes from the wall towards the spectator, a gush, it runs over the object, the baby-bottle-nipple-of-the-pacifier. Heights calculated by the parameters of the body. It’s all invitation, a flow of self to feed the other, generous (the eternally prodigal Berninian breasts). THE GLOVES: formerly the repressors of flesh, now they are the filling. Their elasticity, which did not serve to comfort or ease, but to achieve maximum adherence, is tested ad absurdum. They want to hold, to push, to tense up, and the effort seems to be consuming them, in the white trickling into which they are dissolved. Others pray, silent and faithful (yet incongruent). The norm, the mold, the order, undone. The expansion, the flow. The leaves that take over the geometrical trees of an abandoned garden. Rio de Janeiro, August 1997

Río de Janeiro, agosto de 1997

141


AS PALAVRAS1 Cyriaco Lopes VERSOS-INVERSOS Poema a Picabia, 1999 vestígios de grafite resultantes da cópia de poema2 de Francis Picabia vestigios de grafito resultantes de la copia del poema2 de Francis Picabia vestiges of graphite resulting from the copy of a Francis Picabia’s poem2

BABEL máquinadenãoescrever, 1999 estênceis das letras do alfabeto + matéria-tinta 100 x 10 x 12 cm esténciles de las letras del alfabeto + matéria-tinta | stencils of alphabet letters + paint-matter

Fila indiana: as letras, as sílabas, as palavras, as frases, os parágrafos, o texto. Comportas abertas em graus; filetes acumulando lagos. Mas o dique? Dos trabalhos diários de recuperação, revolta-se. É incapaz, mas finge. As fissuras são suas testemunhas.

A comunicação é para dois níveis: O que se sabia e se queria dizer. O que não se sabia (e não se queria dizer). E ambas as correntes não são puras (correntes: elos d’água).

Aqui o pensamento extroverte sua cápsula de incompreensível.

A máquinadenãoescrever é meticulosa. 1

2

Texto concebido para exposição no SESC Galeria Paulista (1999).

Pensamentos sem linguagem, Lisboa; Hiena, 1990.

Pensamientos sin lenguaje, Madrid; Marova, 1981. | “Thoughts without language” in I am a beautiful monster, Cambridge; The MIT PRESS, 2007.

142


Extrema concentração para manter a ordem das peças do discurso fora de sua natural imantação. Porque se seu destino maior seria traduzir o jorro ininterrupto, e se é na verdade seu dique fissurado, o que melhor que dissolver-se-catarata?

As palavras antes de serem, inchadas de possibilidades.

Se há comunicação sem palavras, por que elas existem? Elas têm sua própria missão, Mercúrio de mundos.

PABLO 1.6 caleidoscópio sonoro, 1999 as primeiras palavras de Pablo + caleidoscópio sonoro + espelho Ø 50 cm las primeras palabras de Pablo + caleidoscopio sonoro + espejo Pablo’s first words + sound kaleidoscope + mirror

A matéria-tinta transborda as letras. O caleidoscópio cego espalha-se. O Poema a Picabia amontoa-se sobre si mesmo, num acúmulo que faz silêncio. Todos acúmulos que subtraem.

O branco sobre o branco, as palavras escritas sobre as palavras, os desenhos sobre os desenhos, os sons superpostos em zumbido/música. As unidades do discurso decompondo uma fala possível, por uma massa que retorna do que ainda pode ser.

INSTALAÇÃO SESC,1999 frottage de labirintos de letras frottage de laberinto de letras frottage of letter maze

Helena chega à opacidade através de inúmeras membranas transparentes. Seus fonemas, palavras e formas, de portadores de significados, passam a coisas e, nesse estado de densidade, em que estão a “olhos vistos”, é que recuperam a mudez do texto misterioso que o mundo inscreve no corpo. Rio de Janeiro, outubro de 1999

143


LAS PALABRAS Cyriaco Lopes Fila india: las letras, las sílabas, las palabras, las frases, los párrafos, el texto. Compuertas abiertas en grados, filetes acumulando lagos. Pero ¿y el dique? Ante trabajos diarios de recuperación, se subleva. Es incapaz, pero finge. Las fisuras son sus testigos.

La comunicación es a dos niveles: Lo que se sabía y se quería decir. Lo que no se sabía (y no se quería decir). Y ambas cadenas no son puras (corrientes: eslabones de agua). Aquí el pensamiento extrovierte su cápsula de incomprensibilidad. La máquinadenonescribir es meticulosa. Una extrema concentración para mantener el orden de las piezas del discurso fuera de su natural imantación. Porque si su destino mayor sería traducir el chorro ininterrumpido, y si es en realidad su dique fisurado, ¿qué cosa mejor que disolverse en catarata? Las palabras antes de ser, henchidas de posibilidades. Si hay comunicación sin palabras, ¿por qué existen? Ellas tienen su propia misión, Mercurio de mundos.

La matéria-tinta desborda las letras. El caleidoscopio ciego se esparce. El Poema a Picabia se amontona sobre sí mismo, en una acumulación que hace silencio. Todas acumulaciones que sustraen.

El blanco sobre el blanco, las palabras escritas sobre las palabras, los dibujos sobre los dibujos, los sonidos superpuestos en zumbido/música. Las unidades del discurso descomponiendo una habla posible, por una masa que vuelve de lo que aún puede ser.

Helena llega a la opacidad a través de innúmeras membranas transparentes. Sus fonemas, palabras y formas, de portadores de significados se convierten en cosas y, en ese estado de densidad, en que saltan a la vista, es cuando recuperan la mudez del texto misterioso que el mundo inscribe en el cuerpo. Rio de Janeiro, octubre de 1999

1

144

Texto concebido para la exposición en el SESC Galeria Paulista (1999).


WORDS Cyriaco Lopes A queue: the letters, the syllables, the sentences, the paragraphs, the text. Floodgates opened by degrees; leaks accumulating into lakes. But the dam? It resents the daily maintenance works. It’s inept, but it pretends. The cracks are its witnesses.

Communication is for two levels: What was known and one wanted to say. What wasn’t known (and one didn’t want to say). And neither current is pure (currents: water links). Here thought extroverts its capsule of the insurmountable. Máquinadenãoescrever (Nonwritingtypewriter) is meticulous. Extreme concentration to keep the order of the parts of discourse out of their natural attraction. Because if its greater destiny was to translate the uninterrupted gush, but if it is in fact a cracked dam, what better than to dissolve-itself-cataract? Words before being, swollen with possibilities. If there’s communication without words, why do they exist? They have their own mission, Mercury of worlds.

The matéria-tinta (paint-matter) overflows the letters. The blind kaleidoscope spreads itself. Poem for Picabia piles up over itself, in an accumulation that makes silence. All accumulations that subtract.

White over white, words written over words, drawings over drawings, sounds superposed in buzz/music. The units of the discourse decomposing a possible speech, through a mass that returns from what it still can be.

Helena arrives at the opaqueness through innumerous transparent membranes. Her phonemes, words, and shapes, go from being bearers of meaning to things, and it’s in this state of density, in which they are all visibility, that they recover the muteness of the mysterious text that the world inscribes in the body. Rio de Janeiro, October 1999.

1

Text written for the exhibition at SESC Paulista Gallery (1999).

145



MÁQUINAS DE ESCREVER Cyriaco Lopes Gosto do nome em português, “máquina de escrever”. Promessa ambígua que refere tanto as palavras como o ato. Objeto obsoleto que marca fisicamente de preto o branco, mas cujo produto ultrapassa a soma das partes. A distância entre o gesto, o tangível e a idéia, ou sua complementaridade. Justamente um ótimo nome para os objetos de Helena Trindade, também máquinas de escrever. Esses objetos e instalações são síntese e expressão simultânea de termos contraditórios, fluxo (tempo) e matéria (espaço). Por exemplo, a matéria-tinta: uma substância que escorre por um aparato especial, uma espécie de escada, que, quando seca, congela sua trajetória. Os “degraus” espaçados de acordo com partituras musicais. O resultado (destacado do tal aparato) é um plano pictórico sem suporte, uma superfície tornada pele do espaço arquitetônico (lembro do Drip music no Solar Grandjean de Montigny em 1996). Mas também partitura, uma escrita que divide o tempo. A matéria-tinta é a memória visível de uma trajetória. As acumulações, os esgarçamentos nos contam a história do embate entre o tangível e o tempo, entre o ordenado e o caótico. Como o presente total de Muybridge.

DRIP MUSIC, 1995 Escola de Artes Visuais do Parque Lage matéria-tinta, pigmento e tinta escorridos sobre borracha matéria-tinta, pigmento y tinta escurridos en caucho | paint-matter, pigment and paint dripped on rubber

DERRAMPANTE, 1995 Casa de Cultura Laura Alvim RJ tinta escorrida sobre plástico transparente 2,55x 140 cm tinta escurrida en plástico transparente paint dripped on transparent plastic

147


A visão total e espacial do fluxo temporal, como na partitura, como na matéria-tinta, é uma das realizações mais sofisticadas de Trindade. Mais escrever do que texto. Poema a Picabia é exemplar: a delicadeza da sua renda de grafite, que parece cheia de omissões, é na verdade o resultado de acumulação (não a falta, mas o excesso). O ato físico da escrita como atividade temporal que oblitera a si mesma, como os minutos e horas a si mesmos. A página não contém uma “realidade virtual”, o texto, mas a memória material de uma ação, do escrever. Tempo para compreender, Diálogo, Poema a Derrida são instrumentos capazes de criar textos, mas textos opacos, que não se abstraem em linguagem, que permanecem obtusos e coisa.

VERSOS-INVERSOS Poema a Picabia, 1999 vestígios de grafite resultantes da cópia de poema1 de Francis Picabia 21 x 29,7 cm vestigios de grafito resultantes de la copia del poema1 de Francis Picabia vestiges of graphite resulting from the copy of a Francis Picabia’s poem1

Helena ultrapassa o cul-de-sac onde a única maneira de expressar que “Language is not transparent” (Mel Bochner, 1970) é através da linguagem. Para ela o texto permanece como possibilidade próxima, mas irrealizada. Por outro lado, os trabalhos são intertextuais, e sua miríade de referências abre possibilidades de interpretação. A intertextualidade do trabalho de Helena apareceu em lugar de certa forma inesperado, o Rio de Janeiro dos anos 90. Na época a crítica carioca guardava uma tendência modernista (autonomia da arte, formalismo). Penso que o trabalho de Helena Trindade se teria beneficiado do contexto internacional de trabalhos contemporâneos como os de Willem Boshoff e Xu Bing. Essa década também foi marcada no Rio por uma geração interessada na formação artística universitária, de novo disponível depois de um rebaixamento qualitativo pela ditadura militar. Helena possui formação tríplice, em arquitetura, arte e filosofia. Dos críticos, no entanto, poucos tinham formação acadêmica em arte. Esse fato 1

Pensamentos sem linguagem, Lisboa; Hiena, 1990.

Pensamientos sin lenguaje, Madrid; Marova, 1981. | “Thoughts without language” in I am a beautiful monster, Cambridge; The MIT PRESS, 2007.

148


não impediu a existência de trabalho crítico de alta qualidade no Rio da década passada, especialmente aquele voltado para o período que vai dos anos 50 aos anos 70, mas criou a tensão que sempre acompanha transições. Também não quero criar o mito da artista maldita, completamente impróprio neste caso. Trindade expôs em algumas das instituições mais respeitadas do país, como o Paço Imperial, o Centro Cultural São Paulo, o Sérgio Porto, etc. Cito o contexto histórico para reforçar a independência, o rigor e a coerência da sua pesquisa. Digo isso com a admiração de alguém que acompanha sua produção artística há 15 anos. DeLand, 30 de junho de 2008

TEMPO PARA COMPREENDER, DIÁLOGO, 2008 | DIALOGUE 2002 TIEMPO PARA COMPRENDER TIME FOR UNDERSTANDING

POEMA A DERRIDA, 2001 POEM FOR DERRIDA

149


MÁQUINAS DE ESCRIBIR Cyriaco Lopes

WRITING MACHINES Cyriaco Lopes

Me gusta el nombre en portugués, “máquina de escribir”. Promesa ambigua que se refiere tanto a las palabras como al acto. Objeto obsoleto que marca físicamente de negro el blanco, pero cuyo producto sobrepasa la suma de las partes. La distancia entre el gesto, lo tangible y la idea, o su complementariedad. Justamente un excelente nombre para los objetos de Helena Trindade, también, máquinas de escribir.

I like the Portuguese words for typewriter, something like “writing machine”. An ambiguous promise that refers both to words as to the very act of producing them. An obsolete object that physically dots black into white, producing something that goes beyond the sum of its parts: the distance between the gesture, the tangible, and the idea, or their complementariness. As it happens, an excellent name for Helena Trindade’s objects, also “writing machines”.

Esos objetos e instalaciones son síntesis y expresión simultánea de términos contradictorios, flujo (tiempo) y materia (espacio). Por ejemplo, la matéria-tinta: una sustancia que se escurre por un aparato especial – similar a una escalera –, y que, cuando se seca, congela su trayectoria. Los “escalones” espaciados como partituras musicales. El resultado (que se destaca de ese aparato) es un plano pictórico sin soporte, una superficie vuelta piel del espacio arquitectónico (me acuerdo do Drip music en el Solar Grandjean de Montigny en 1996). Pero también, partitura, una escritura que divide el tiempo. La matéria-tinta es la memoria visible de una trayectoria. Las acumulaciones, los rasgados nos cuentan la historia del embate entre lo tangible y el tiempo, entre lo ordenado y lo caótico. Como el presente total de Muybridge. La visión total y espacial del flujo temporal, como en la partitura, como en la matéria-tinta, es una de las realizaciones más sofisticadas de Trindade. Más acto de escribir que texto. El Poema a Picabia es ejemplar: la delicadeza de su encaje de grafito que parece lleno de omisiones, es, en realidad, el resultado de la acumulación (no de la falta sino del exceso). El acto físico de la escritura, como una actividad temporal que se oblitera a sí misma, como los minutos y horas a sí mismos. La página no contiene una “realidad virtual”, el texto, sino la memoria material de una acción, del escribir. Tiempo para comprender, Diálogo, Poema a Derrida son instrumentos capaces de crear textos, pero textos opacos, que no se abstraen en lenguaje, que permanecen poco nítidos y “cosa”. Helena rebasa el cul-de-sac, donde el único modo de expresar que “Language is not transparent” (Mel Bochner, 1970) es a través del lenguaje. Para ella el texto permanece como posibilidad cercana pero no realizada. Por otro lado, los trabajos son intertextuales, y su miríada de referencias abre posibilidades de interpretación.

150

These objects and installations are a synthesis and also simultaneous expression of contradictory terms, flow (time) and matter (space). Take the matéria-tinta (paint-matter): a substance that cascades through a special apparatus – similar to a ladder –, and that, when dry, freezes its trajectory. The “steps” are spaced like sheet music. The result (which is detached from the apparatus) is a pictorial plane without support, a surface turned skin of the architectural space (I remember Drip Music at the Solar Grandjean de Montigny building in 1996). It is also like writing music, a type of writing that slices time. Matéria-tinta (paint-matter) is the visible memory of a trajectory. The accumulations, the tearing up recount the collision between time and the tangible, between the ordered and the chaotic. Like Muybridge’s total present. A vision of the temporal flow that is spatial and total, as that of sheet music or of the matéria-tinta, is one of Trindade’s most sophisticated accomplishments. More about writing than text. Poem for Picabia is exemplary: the delicateness of its graphite lace, which seems full of omissions, is actually the result of accumulation (not lack, but excess). The physical act of writing as a temporal activity that obliterates itself, as minutes and hours do. The page doesn’t contain a “virtual reality”, the text, but the material memory of an action, of writing. Time for understanding, Dialogue, Poem for Derrida are tools capable of creating texts, opaque texts that cannot be abstracted into language, which remain obtuse and “thing”. Helena goes beyond the cul-de-sac where the only way to express that Language is not transparent (Mel Bochner, 1970) is through language. To her, text remains as close possibility, yet unrealized. On the other hand, the works are intertextual, and their myriads of references open different possibilities of interpretation.


La intertextualidad del trabajo de Helena surgió en el Río de Janeiro de los noventa; de cierta forma, en un lugar inesperado. En esa época la crítica carioca conservaba una tendencia modernista (autonomía del arte, formalismo). Pienso que el trabajo de Helena Trindade se habrá beneficiado del contexto internacional de trabajos contemporáneos, como los de Willem Boshoff y Xu Bing. En Río, esa década también estuvo marcada por una generación interesada en la formación artística universitaria, que estaba disponible nuevamente después de una disminución cualitativa causada por la dictadura militar. Helena tiene una triple formación: en arquitectura, en arte y en filosofía. Sin embargo, entre los críticos, pocos tenían formación académica en arte. Hecho que durante la década pasada no impidió que en Río existiese un trabajo crítico de gran calidad, en particular, aquél centrado en el período que va de los años cincuenta a los setenta, pero que generó la tensión que rodea siempre a las transiciones.

The intertextuality of Helena’s work appeared in a somewhat unexpected place, the Rio de Janeiro of the 1990s. At that time, local critics still shared a modernist tendency (autonomy of art, formalism). I think that Helena Trindade’s work would have benefited from the international context of contemporary works such as that of Willem Boshoff’s and Xu Bing’s. In Rio, that decade was also marked by a generation that became interested again in the pursuit of university art degrees, which became attractive again after a period of lower academic standards caused by the military dictatorship (19641986). Helena has a three faceted academic education: in architecture, art, and philosophy. Few critics, however, had any formal academic training in art. This fact did not preclude the production of critical writing of great quality in Rio in the last decade, especially that directed towards the period between the 1950s and the 1970s, but it did create the tension that always comes along with transitions.

No quiero crear el mito de la artista maldita, totalmente inadecuado en este caso. Trindade expuso en algunas de las instituciones más respetadas del país, como el Paço Imperial, el Centro Cultural São Paulo, el Sérgio Porto, etc. Cito el contexto histórico para reforzar la independencia, el rigor y la coherencia de su investigación. Digo esto con la admiración de alguien que sigue su producción artística desde hace quince años.

I do not wish to create the myth of the cursed artist, which would be entirely inappropriate in this case. Trindade exhibited her work at some of the most respected institutions in the country, such as Paço Imperial (Imperial Palace), the São Paulo Cultural Center, Sérgio Porto, etc. I mention the historical context in order to reinforce the independence, rigor, and coherence of her research. I say this with the admiration of someone who has followed her artistic production for the past 15 years.

DeLand, 30 de junio de 2008

DeLand, June 30, 2008

151


DRIP MUSIC, 1996

152

vídeo de Cyriaco Lopes e Fábio Carvalho 6:20 min


ESCREVER É…1 Helena Trindade Acabamos de ver dois vídeos; o primeiro, de 1996, chama-se Drip Music e é de autoria dos artistas plásticos Cyriaco Lopes e Fábio Carvalho; o segundo, bem recente, chama-se Livros e é do cineasta e também artista plástico Neville D’Almeida.

1. A primeira diz respeito a escritos propriamente. Como todos sabem, não é incomum que artistas escrevam, dos mais variados modos, sobre seus trabalhos, sobre teoria, crítica e história da arte. Como nos mostrou Cecilia Cotrim, aqui no LUGAR do mês passado, existe ainda um campo riquíssimo de escritos de artistas, em que o viés vivencial, político-libertário e principalmente poético é contemplado. 1 Texto apresentado por Helena Trindade, a convite da escola lacaniana de psicanálise Letra Freudiana. Escrever é… é o tema dos encontros em que artistas, escritores, poetas, editores, jornalistas, etc. falam de suas experiências com a escrita.

LIVROS, 2008 | LIBROS | BOOKS vídeo de Neville D’Almeida

Segundo os termos da poética que venho desenvolvendo, existem pelo menos três instâncias que atendem à ação de escrever:

15:26 min

Como pretendo dar a ver ao final desta fala, não foi por acaso que decidi mostrar meu trabalho através do olhar e das palavras de outros artistas. Essa escolha tem a ver com o tema deste encontro: Escrever é…

153


O trabalho que venho desenvolvendo tem mantido em relação a seus escritos uma dinâmica de projeto aberto. Esse projeto vai sendo elaborado à medida que vai sendo realizado plasticamente. Assim ele vai reunindo experiências para novas exposições, que passam, por sua vez, a interferir na leitura das anteriores. Na verdade, melhor é dizer que esse projeto ora se antecipa a suas realizações plásticas, como a indicar a direção de algo a ser alcançado, ora dá conta retrospectivamente de trabalhos já realizados. Nada é sincrônico ou consecutivo. Tanto o texto redireciona incessantemente a dinâmica das exposições, quanto a forma como o trabalho plástico vai-se desenvolvendo apela por uma reinvenção das narrativas a ele relacionadas.

SOB(RE) O OLHAR, 2005 SOBRE/BAJO LA MIRADA ABOUT THE GAZE Narciso de Caravaggio em acetato em forma de banda de Moebius + espelho ø150 cm 50 x 90 x 50 cm Narciso de Caravaggio en acetato en forma de banda de Moebius + espejo Caravaggio’s Narcissus on acetate with the Moebius band form + mirror

154

Não pretendo me estender mais sobre esse aspecto do escrever, uma vez que, tendo em vista a natureza de meu trabalho plástico, me interessa muito mais delinear o que, dentro do vasto campo da linguagem, assume, através de minha ação, consistência singular; saber se seria possível supor algo da ordem da imagem para o funcionamento da estrutura simbólica que meu trabalho aborda; pensar uma possível topologia entre verbo e imagem. Depois, se houver interesse, alguns dos escritos que integram o projeto aberto ao qual me referi, na forma de monografia, dissertação e ensaio, podem ficar à disposição de vocês aqui na biblioteca da Letra. 2. O segundo aspecto do mesmo tema Escrever é… pode ser deduzido de minha poética pela abordagem que faço dos espaços expositivos. Cada projeto de exposição se desenvolve no sentido de estabelecer estreita e vigorosa ‘inter-ação’ com o espaço de sua realização, entendido como espaço arquitetônico e principalmente simbólico. Pois, cada local apresenta um ‘com-texto’ que é tratado enquanto dado dinamizador do projeto. Dessa forma, cada exposição fica impregnada do embate com a


presentificação das condições específicas de cada lugar, assim transformado em espaço de experimentação. Então, acho que nessa instância de minha poética, a ação de escrever já não deságua num texto (estrito senso), e sim numa “construção conceitual do espaço”, como diz Alberto Saraiva. É preciso destacar, ainda, que tantas letras, estênceis, tantas teclas, ali, não produzem palavra. A ação de escrever redunda, como diz Cyriaco Lopes, em “acúmulos (de letras) que subtraem (as palavras)”, estas, “antes de serem, inchadas de possibilidades.” Impuro alarido surdo em que, “se houvesse um nome para isso, seria o nome de todas as coisas.” Diante dessas observações, fico pensando se neste ponto, a ação de escrever, identificada à “construção conceitual do espaço”, já não se torna busca de uma consistência de imagem que encene essa falta no nível da palavra. A imagem entraria dando consistência imaginária, mas não preencheria esse vazio; escancararia, antes, esse vazio. É como se ela pudesse fazer este trabalho, de cingir o vazio da letra. E a imagem posta a trabalhar é verbo, é ação. Porque me interessa muito mais o vazio que a letra deixa do que propriamente o que ela diz, o que um dado espaço expositivo dá a ler, o que ele mesmo já disse importa enquanto uma maneira de abordar como a falta flui no tempo. Depois, fiquei pensando em como cada cômodo do Castelinho poderia ser pensado como um livro dentro de um livro maior, que seria a casa. Mas um livro que, como disse Tania Rivera, nasceria “de suas páginas arrancadas”, decerto do vazio deixado por elas.

DRIP MUSIC, 1996

projeto para o Solar Grandjean de Montigny | proyecto para el Solar Grandjean de Montigny | project for the Solar Grandjean de Montigny

PROJETO CAMPO MINADO, 2002 | MINEFIELD projeto para o Palácio Gustavo Capanema | proyecto para el Palacio Gustavo Capanema | project for the Gustavo Capanema Palace

Tendo em vista minha abordagem do espaço expositivo, acho que a ação de escrever aí seria busca de uma arquitetura em trânsito, de um mesmo lugar nômade. 155


Seria destacar a infiltração da falta que sustenta a consistência daquilo que escapa. Silêncio entregue ao trabalho das imagens.

NARCISO & ECO, 2005 NARCISSUS & ECHO

Oi Futuro Centro de Arte e Tecnologia videoinstalação video instalación | video instalation

3. A terceira possibilidade de minha poética abordar o tema Escrever é… está mais ligada à dinâmica de meu trabalho plástico com seu público. O que se vem delineando como de meu mais vivo interesse é a dinâmica que põe em obra no outro os índices de minhas escolhas. Essas escolhas que, é necessário frisar, se precipitam a toda e qualquer certeza são eficazes à medida que logram causar algo no outro. No caminho de prospecção dessa dinâmica, acredito não ser despropositado acompanharmos Marcel Duchamp em alguns trechos de seu texto O ato criador. Ele começa assim:

CARTA ROUBADA, 2000 CARTA ROBADA PURLOINED LETTER Centro Cultural São Paulo labirinto de letras em baixo-relevo 22 m2 laberinto de letras en bajorrelieve maze of letters in bas-relief

Consideremos dois importantes fatores, os dois polos da criação artística: de um lado o artista, do outro, o público que mais tarde se transforma na posteridade. Aparentemente, o artista funciona como um ser mediúnico que, de um labirinto situado além do tempo e do espaço, procura caminhar até uma clareira. Ao darmos ao artista os atributos de um médium, temos de negar-lhe um estado de consciência no plano estético sobre o que está fazendo, ou por que o está fazendo. Todas as decisões relativas à execução artística do seu trabalho permanecem no domínio da pura intuição e não podem ser objetivadas numa auto-análise, falada ou escrita, ou mesmo pensada. (Duchamp, 1986, p. 71-72)

Tendo em vista o conhecido gosto de Duchamp por estratégias alegóricas e jogos de palavras, suspeito que, por trás de uma aparente simplicidade, esse texto urde algumas questões mais complexas. Desempenharia o artista uma função de mediação entre “labirinto” e “clareira”? Até que ponto “um labirinto além do tempo e do espaço” pode ter algo a ver com o inconsciente? O que pensar desta “clareira” e daquela 156


do léxico de Heidegger? Seria esta como a outra o âmbito de aparição verídica daquilo que é? Não seríamos nós arremessados de volta a um labirinto toda vez que perguntamos o que é uma obra de arte? E, principalmente, não é disto que se trata um ato criador: procurar um caminho entre “labirinto” e “clareira”? Mais adiante Duchamp acrescenta:

Se o artista, como ser humano, repleto das melhores intenções para consigo mesmo e para com o mundo inteiro, não desempenha papel algum no julgamento do próprio trabalho, como poderá ser descrito o fenômeno que conduz o público a reagir criticamente à obra de arte? Em outras palavras, como se processa esta reação? Este fenômeno é comparável a uma transferência do artista para o público, sob a forma de uma osmose estética, processada através da matéria inerte, tais como a tinta, o piano, o mármore. (Duchamp, 1986, p. 72-73)

Duchamp agora aborda o que, para mim, é a questão crucial do texto: o que “conduz o público a reagir criticamente à obra de arte?” Quanto aos termos “fenômeno”, “transferência”, “osmose” – de que campos Duchamp teria apropriado esses significantes? O quê, na transferência, o público capta na “osmose estética”? O que dizer da plasticidade de uma osmose? Osmos em grego pode ter o sentido de impulso. Nesse caso, qual seria a natureza de um impulso que põe em obra a faculdade de julgar? Mais adiante Duchamp propõe seu “coeficiente artístico”:

OBJETO DOADO, 1995 OBJETO DONADO OBJECT DONATED Casa de Cultura Laura Alvim bolsas de coleta de sangue + matéria-tinta 250 x 150 x 100 cm bolsas de colecta de sangre + matéria-tinta | blood collecting bags + paint-matter

No ato criador, o artista passa da intenção à realização, através de uma cadeia de reações totalmente subjetivas. Sua luta pela realização é uma série de esforços, sofrimentos, satisfações, recusas, decisões que também não podem e não devem ser totalmente conscientes, pelo menos no plano estético. 157


O resultado deste conflito é uma diferença entre a intenção e a sua realização, uma diferença de que o artista não tem consciência. Por conseguinte, na cadeia de reações que acompanham o ato criador falta um elo. Esta falha que representa a inabilidade do artista em expressar integralmente a sua intenção: esta diferença entre o que quis realizar e o que na verdade realizou é o “coeficiente artístico” pessoal contido na sua obra de arte. Em outras palavras, o “coeficiente artístico” pessoal é como que uma relação aritmética entre o que permanece inexpresso embora intencionado, e o que é expresso não-intencionalmente. (Duchamp, 1986, p. 73)

Então, acho que podemos depreender do coeficiente artístico duchampiano que nenhum projeto que não seja ele mesmo obra, por mais abrangente que se pretenda, está apto a dar conta da complexidade de seu trabalho. Isso talvez se deva ao fato de a obra de arte comportar um excesso constituinte que é, paradoxalmente, percebido enquanto incompletude. Trata-se de sua exterioridade, cuja escritura Duchamp tão bem compreendeu enquanto falta de um elo.

LEGENDAS, 1999 SUBTÍTULOS | SUBTITLES mosaicos de estênceis de letras mosaico de esténciles de letras mosaics of letter stencils

Se minha intuição procede, essa falta é operativa. Estranha ao conhecimento, ela põe em marcha um jogo. Seria esse o jogo da carta/letra roubada? Nesse sentido, poderíamos afirmar que uma obra de arte transborda o que é da ordem do subtraído, justamente porque ela se encadeia nesse jogo. E o segredo estando tanto na chave quanto na fechadura faz com que quem olha recrie aquilo dado a ver, sem que se precise entender ou querer dizer, uma vez que é um segredo ignorado que aciona “os dois polos da criação artística”. Da mesma forma que, suponho, algo que segue faltando em seu lugar escreve o conto de Edgar Allan Poe. Sem dúvida, o texto de Duchamp, assim como sua obra, dá muito a pensar ao mesmo tempo que se furta à clareza. Se nesse texto conspiram arte, filosofia e psicanálise não é certo. No entanto, ao trazer para o

158


primeiro plano o discurso desse artista, quero afirmar que é do próprio ato criador que se trata, quando se quer pensar algo comum a esses campos. No que me diz respeito, a partir das leituras que faço do mundo, desenvolvo propostas que querem envolver o outro e sua formulação singular de sentidos. Assim, suponho que seja possível acionar o ‘sujeito-artista’ latente em cada um, sendo esse processo de capital importância na determinação das dimensões éticas de minha poética. A meu ver, a natureza da ética que comanda as escolhas no ato criador não é positiva ou edificante. Ela comporta a confluência de construção e destruição, o que me leva a pensar na natureza de algo da ordem de um ‘impulso artístico’. Um ‘impulso artístico’ é insondável, pode ser um impulso vertiginoso, estranho e precipitador de espessa e avassaladora angústia. Talvez por ser um impulso de destruição das situações estabelecidas, das relações causais programáveis e garantidas, dos estereótipos, do consenso das categorias e sistemas. Seria comparável, portanto, à pulsão de destruição, “que põe em causa tudo o que existe”, mas que é, igualmente, “vontade de criação a partir de nada, vontade de recomeçar”, como afirma Lacan no Seminário 7. (Lacan, 1988, p. 258-259) Em certa medida aceita-se o risco de tanta ruína justamente para favorecer o ímpeto em direção à experimentação, à imprevisibilidade, à contingência, à transitoriedade, à abertura das proposições. Considerando a violência e a brutalidade com que o real se abate sobre todos, um impulso como esse não constitui nenhum refúgio; integra, isso sim, a correnteza caótica da própria existência, privilegiando o envolvimento da arte nos processos vivenciais singulares do homem, em detrimento da homogeneização dos processos meramente informacionais do sistema cultural, com suas interconexões entre poder e conhecimento.

IN-OUTDOOR, 2003 serigrafia padrão outdoor serigrafía estándar outdoor outdoor standart serigraph

EVA, 2001 | EVE Espaço Cultural dos Correios moldagem de dois funis em matéria-tinta 20 x 190 x 80 cm moldeado de dos embudos en matéria-tinta | casting of two funnels in paint-matter

159


Formular um ‘impulso artístico’ implica abordarmos um campo que se estende para além da intenção do artista em direção à misteriosa causalidade que se pode estabelecer entre obra e espectador. A ponto de podermos afirmar que é nisso que se dá como avesso à consciência, como a “falta de um elo”, como partilha de um segredo inacessível aos dois polos do ato criador, que o “coeficiente artístico” duchampiano elabora sua verdade: a obra é, parafraseando Mallarmé, um lance de dados que jamais abolirá o acaso. E o artista desdenha vigorosamente do olhar trivial dirigido àquilo que se chama indulgentemente de realidade. Ele usa a força desagregadora do acaso para destacar do cotidiano aquilo que poderia permanecer despercebido ou, mesmo, o que não é muito diverso, para inventar o que não existia antes. CAMPO MINADO A95, 2002 MINEFIELD A95 Espaço Cultural Sérgio Porto

160

O público, em geral, julga, valida ou não e principalmente tece a rede de significações que sustenta um lugar no campo da arte para o que lhe é proposto. O grande desafio de um projeto aberto consiste em instigar o público a se autorizar, a se investir da autoria dos possíveis sentidos da arte. É o público na condição de ‘múltiplo da função de artista’. Essa estratégia de mobilização do público não pretende estabelecer com ele relações apriorísticas, uma vez que a ‘função de artista’, por princípio, passa a não possuir fixidez segura. A realização da ‘função de artista’ se dá circunstancialmente, isto é, na busca de espaços fortuitos em que se alcance produzir, de forma eficaz, um espaço aberto ao participante. Uma poética que leve em conta a inscrição do público potencializa a ideia de disponibilidade e abrangência do campo da arte para além do limite institucional e em direção à vida. Na verdade, de cada indivíduo se espera que, impregnado de suas próprias experiências, se inscreva com tão imprescindível bagagem quanto a de qualquer um que se aventure, pois a entrada a ele deve ser franqueada e lá estar, tão disponível a sua vivência quanto a de qualquer outro. Por que,


afinal, como colocou Hélio Oiticica, “para quem faz o artista a sua obra?”. Nesse caminho, pensar a efetividade da arte passa pela formulação coletiva de um texto poético-crítico. Esse texto deve acollher as ambiguidades, ausências, falhas como agentes performativos de sua dinâmica. A transmissão desse texto se dá sem que no entanto se possa apreender a totalidade daquilo que ele sempre tem que reescrever. A eficácia desse texto é verificável no ímpeto em direção à experimentação, à improvisação e no desapego pelas situações estabelecidas e consagradas. A natureza desse texto excede, em muito, o refúgio das soluções programáticas, e sua concepção não se encontra preservada da torrente tortuosa da vida. Todos podem ser autores desse texto, uma vez que o potencial de ressignificação e invenção latente em todos é um saber que prescinde de qualquer conhecimento objetivo sobre qualquer matéria. Esse saber pode ser ativado sem que no entanto seja necessário que se estabeleçam determinantes causais estanques nesse sentido. Em suma, se o público chega a ponto de querer percorrer as indagações que a obra de arte nunca cessa de colocar, se o público quer inventar da obra proposta a sua própria, é sinal de que o trabalho de arte está trabalhando e que uma torção pôde acontecer. Só então e simples assim: escrever é ser lida (lida = trabalho / lida= ser objeto de leitura). Obrigada!

LIVROS, 2008 LIBROS | BOOKS Neville D’Almeida foto Ana Tavares

EXPOSIÇÃO A95, 1999 Luiz Cavalheiros e Babel – máquinadenãoescrever

CAMPO MINADO A95, 2002 MINEFIELD A95 Pablo Torralbas foto Luiz Cavalheiros

Rio de Janeiro, 9 de setembro de 2008

161


ESCRIBIR ES…1 Helena Trindade

WRITING IS…1 Helena Trindade

Acabamos de ver dos videos: el primero, de 1996, se llama Drip Music y sus autores son los artistas plásticos Cyriaco Lopes y Fábio Carvalho; el segundo, bien reciente, se llama Libros y es del cineasta y también artista plástico Neville D’Almeida.

We’ve just finished watching two videos: the first one, from 1996, entitled Drip Music was made by plastic artists Cyriaco Lopes and Fábio Carvalho; the second, very recent, is called Livros (Books), and was made by filmmaker and visual artist Neville D’Almeida.

Como pretendo mostrar al final de esta charla, no es casual que haya decidido presentar mi trabajo a través de la mirada y de las palabras de otros artistas. Esa elección se vincula al tema de este encuentro: Escribir es…

As I intend to point out at the end of this lecture, it was not by chance that I decided to show my work through the eyes and the words of other artists. This choice has to do with the theme of this meeting: Writing is…

De acuerdo con los términos de la poética que vengo desarrollando, existen, por lo menos, tres instancias que atienden a la acción de escribir:

According to the terms in the poetics I’ve been developing, there are at least three instances that relate to the act of writing:

1. La primera se refiere específicamente a escritos. Como todos saben, no es algo raro que los artistas escriban de las formas más variadas sobre sus trabajos, sobre teoría, crítica e historia del arte. Como nos mostró Cecilia Cotrim aquí, en el LUGAR del mes pasado, existe aún un campo riquísimo de escritos de artistas, en los que el sesgo vivencial, político libertario y, principalmente poético, está contemplado.

1. The first one concerns the writings themselves. As everyone knows, it is not uncommon for artists to write in several different ways about their works, about theory, critic, and art history. As Cecilia Cotrim showed us last month here at LUGAR, there is still a very rich field of artists’ writings, in which the experiential, politicized-libertarian, and mainly poetic bias is contemplated.

En relación a sus escritos, el trabajo que vengo desarrollando ha mantenido una dinámica de proyecto abierto. Ese proyecto se elabora a medida que se realiza plásticamente. Así, va reuniendo experiencias para nuevas exposiciones que, por su parte, comienzan a interferir en la lectura de las anteriores. En realidad, es más apropiado decir que ese proyecto, ya se anticipa a sus realizaciones plásticas – en el sentido de que señala la dirección de algo que se quiere alcanzar –, ya da cuenta retrospectivamente de trabajos realizados. Nada es sincrónico ni consecutivo. El texto redirecciona incesantemente la dinámica de las exposiciones, y la forma como el trabajo plástico se va desarrollándo apela a una reinvención de las narrativas relacionadas con el mismo. Texto presentado por Helena Trindade por invitación de la escuela lacaniana de sicoanálisis Letra Freudiana. Escribir es… es el tema de los encuentros en que artistas, escritores, poetas, editores, periodistas, etc. hablan de sus experiencias con la escritura.

1

162

The work I’ve been developing has maintained an open project dynamics in relation to its writings. This project is elaborated while it is being carried out plastically. This way, it gathers experiences for new exhibitions, which in turn begin to interfere in the reading of the previous ones. In fact, it is better to say that this project sometimes precedes its plastic accomplishments, as if to indicate the direction of something to be reached, while at other times looks back on works already carried out. Nothing is synchronized or consecutive. The text incessantly redirects the dynamics in the exhibitions, and the way the plastic work is developed appeals to a reinvention of its narratives. I don’t intend to speak long about this aspect of writing, since, considering the nature of my plastic This text by Helena Trindade was commissioned by the school of psychoanalysis Letra Freudiana. Writing is… is the theme of the meetings in which artists, writers, poets, editors, journalists, etc. speak of their experiences with writing.

1


No pretendo extenderme más sobre ese aspecto del acto de escribir, dado que, por la naturaleza de mi trabajo plástico, me interesa mucho más delinear lo que dentro del vasto campo del lenguaje asume, a través de mi acción, una consistencia singular; saber si sería posible suponer algo del orden de la imagen para el funcionamiento de la estructura simbólica que mi trabajo aborda; pensar una posible topología entre verbo e imagen. Si hay interés, algunos de los escritos que integran el proyecto abierto al que me referí, como la monografía, la tesis y el ensayo, pueden quedar a disposición de ustedes aquí en la biblioteca de la Letra. 2. El segundo aspecto del mismo tema Escribir es... se puede deducir de mi poética por medio del abordaje que hago de los espacios expositivos. Cada proyecto de exposición se desarrolla en el sentido de establecer una estrecha y vigorosa ‘inter-acción’ con el espacio de su realización, entendido como espacio arquitectónico y principalmente simbólico. Pues, cada lugar presenta un ‘con-texto’ que es tratado en tanto dato dinamizador del proyecto. De esa forma, cada exposición queda impregnada del embate con la presentificación de las condiciones específicas de cada lugar, transformado, así, en espacio de experimentación. Entonces, creo que en esa instancia de mi poética, la acción de escribir ya no desagua en un texto (en sentido literal), sino en una “construcción conceptual del espacio”, como dice Alberto Saraiva. Es necesario destacar aún que allí, tantas letras, esténciles, tantas teclas no producen palabra. Como dice Cyriaco Lopes, la acción de escribir redunda en “acumulaciones (de letras) que sustraen (las palabras)”, éstas, “antes de ser, henchidas de posibilidades.” Impuro alarido sordo en el que, “si hubiese un nombre para eso, sería el nombre de todas las cosas.” Frente a esas observaciones, pienso, si en este punto, la acción de escribir, identificada con la “construcción conceptual del espacio”, no se vuelve ya la búsqueda de una consistencia de imagen que ponga en escena esa falta a nivel de la palabra. La imagen entraría dando consistencia imaginaria, pero no llenaría ese vacío; antes bien, lo descubriría. Es como si ésta pudiese hacer el

work, I’m much more interested in outlining that which, within the vast field of language, takes on a unique consistency through my action; in knowing if it would be possible to suppose something about the image as it relates to the functioning of the symbolic structure my work addresses; in thinking of a possible topology between verb and image. Later, if anyone is interested, some of the writings that are part of the open project I just referred to – monograph, dissertation, and essay – will be made available for consultation at the library. 2. The second aspect of the theme Writing is… can be inferred from my poetics in the way I approach the exhibition spaces. Each exhibition project is developed with the purpose of establishing a close and vigorous ‘inter-action’ with the exhibition location, understood as an architectural and especially symbolic space. That’s because each site has a ‘con-text’ that is treated as a dynamizing factor in the project. This way, each exhibition faces the conflict with the unique conditions each place presents, thus transforming it in an experimentation space. Therefore, I think that, in this instance in my poetics, the act of writing no longer leads to a text (stricto sensu), but to a “conceptual construction of space”, as Alberto Saraiva said. It’s also necessary to stress that so many of the letters, stencils, and keys there do not produce words. The act of writing, as Cyriaco says, results in “accumulations (of letters) that subtract (the words)” which, “before being, (are) swollen with possibilities.” A deaf, impure racket in which, “if there were a name for this, it would be the name of all things.” In face of these observations, I begin to wonder if, at this point, the act of writing, identified as the “conceptual construction of space”, doesn’t become a search for a consistency of image that might stage this lack at the word level. The image would come in to lend an imaginary consistency, but it wouldn’t fill this emptiness; it would unveil this emptiness instead. It’s as if it could do this work, as if it could encircle the emptiness in the letter. And when the image begins to work, it’s verb, it’s action. Because I’m much more interested in the emptiness left by the letter than strictly in what it has to say,

163


trabajo de ceñir el vacío de la letra. Y la imagen puesta a trabajar es verbo, es acción. Porque me interesa mucho más el vacío que la letra deja que propiamente aquello que dice, aquello que determinado espacio expositivo da a leer, aquello que él mismo ya dijo importa en tanto un modo de abordar cómo la falta fluye en el tiempo. Después, pensé en cómo cada habitación del Castelinho podría pensarse como un libro dentro de un libro más grande, que sería la casa. Pero un libro que, como dijo Tania Rivera, nacería “de sus páginas arrancadas”, ciertamente del vacío dejado por ellas. Teniendo en cuenta mi abordaje del espacio expositivo, creo que ahí la acción de escribir sería una búsqueda de una arquitectura en tránsito, de un mismo lugar nómade. Sería destacar la infiltración de la falta que sostiene la consistencia de aquello que escapa. Silencio entregado al trabajo de las imágenes. 3. La tercera posibilidad de mi poética para abordar el tema Escribir es… está más vinculada a la dinámica de mi trabajo plástico con su público. Lo que se viene perfilando como aquello que más me interesa es la dinámica que los índices de mis elecciones ponen en funcionamiento en el otro. Esas elecciones que, hay que subrayar, se precipitan a toda y cualquier certeza, son eficaces en la medida en que logran causar algo en el otro.

what a given exhibition space lets the spectator read, what it’s already said matters as a means to approach how lack flows in time. Later, I began to think about how each room at Castelinho could be thought of as a book inside a bigger book, which would be the house. But a book that, as Tania Rivera has said, would be born “of its torn pages”, certainly out of the emptiness left by them. Considering my approach of the exhibition space, I think that the act of writing there would be the search for an architecture in transit, for a same nomadic place. It would be stressing the infiltration of the lack that lends support to the consistency of that which escapes. Silence left to the work of the images. 3. The third possibility of my poetic approach of the theme Writing is… is more connected to the dynamics of my plastic work with the public. What has turned out to be one of my greatest interests is the dynamics that put the indexes of my choices to work in the spectator. These choices which, I must stress, precede all certainty are efficient, as they manage to provoke something in the spectator. As we search for these dynamics, I believe it’s not inappropriate to follow Marcel Duchamp in some passages from his text “The creative act”. He starts like this: Let us consider two important factors, the two poles of the creation of art: the artist on the one hand, and on the other the spectator who

En el camino de prospección de esa dinámica, creo que no es un despropósito que sigamos a Marcel Duchamp en algunos pasajes de su texto “El acto creador”. Comienza así:

later becomes the posterity. To all appearances, the artist acts like a mediumistic being who, from the labyrinth beyond time and space, seeks his way out to a clearing.

Consideremos dos factores importantes, los

If we give the attributes of a medium to the

dos polos de la creación artística: por un lado,

artist, we must then deny him the state of con-

el artista, por otro, el público que más tarde se

sciousness on the esthetic plane about what he

transforma en la posteridad.

is doing or why he is doing it. All his decisions in

Aparentemente, el artista funciona como un

the artistic execution of the work rest with pure

ser mediúmnico que, desde un laberinto situado

intuition and cannot be translated into a self-

más allá del tiempo y del espacio, busca caminar

analysis, spoken or written, or even thought out.

hasta un claro.

(Duchamp, 1986, p. 71-72)

Al darle al artista los atributos de un médium, tenemos que negarle un estado de conciencia sobre lo que hace en el plano estético, o sobre

164

Considering Duchamp’s well known preference for allegorical strategies and word games, I suspect


por qué lo hace. Todas las decisiones relativas a la ejecución artística de su trabajo permanecen en el

that, behind an apparent simplicity, this text addresses a few more complex issues.

dominio de la pura intuición y no pueden ser objetivadas en un autoanálisis, hablado o escrito, o incluso pensado. (Duchamp, 1986, p. 71-72)

Teniendo en cuenta el conocido gusto de Duchamp por estrategias alegóricas y juegos de palabras, sospecho que, tras una aparente simplicidad, ese texto urde algunas cuestiones más complejas. ¿El artista desempeñaría una función de mediación entre el “laberinto” y el “claro”? ¿Hasta qué punto “un laberinto más allá del tiempo y del espacio” puede tener algo que ver con el inconsciente? ¿Qué pensar de este “claro” y de aquél del léxico de Heidegger? ¿Sería éste, como el otro, el ámbito de aparición verídica de aquello que es? ¿No seríamos nosotros lanzados de vuelta a un laberinto cada vez que preguntamos qué es una obra de arte?

Would the artist take on the function of mediator between the “labyrinth” and the “clearing”? To what point may a “labyrinth beyond time and space” have something to do with the unconscious? What to think of this “clearing” and of the one in Heidegger’s lexicon? Would this one, like Heidegger’s, be the ambit of the true appearance of what is? Wouldn’t we be thrown back into a labyrinth every time we ask what a work of art is? And, mainly, isn’t this what the creative act is about: looking for a path between the “labyrinth” and the “clearing”? Later Duchamp adds: If the artist, as a human being, full of the best intentions toward himself and the whole world, plays no role at all in the judgment of

Y, principalmente, ¿un acto creador no consiste justamente en buscar un camino entre el “laberinto” y el “claro”?

his own work, how can one describe the phenomenon which prompts the spectator to react critically to the work of art? In other words, how does this reaction come about?

Más adelante, Duchamp agrega:

This phenomenon is comparable to a trans-

Si el artista, como ser humano repleto de las

ference from the artist to the spectator in the

mejores intenciones para consigo mismo y para

form of an esthetic osmosis taking place through

con el mundo entero, no desempeña ningún pa-

the inert matter, such as pigment, piano or mar-

pel en el juicio del propio trabajo, ¿cómo podría

ble. (Duchamp, 1986, p. 72-73)

describirse el fenómeno que conduce al público a reaccionar críticamente ante la obra de arte? En otras palabras: ¿cómo se procesa esta reacción? Este fenómeno es comparable a una transferencia del artista al público, bajo la forma de una osmosis estética, procesada a través de la materia inerte, tal como la tinta, el piano, el mármol. (Duchamp, 1986, p. 72-73)

Ahora bien, Duchamp aborda lo que para mí es la cuestión crucial del texto: ¿qué es lo que “lleva al publico a reaccionar críticamente ante la obra de arte?” En cuanto a los términos “fenómeno”, “transferencia”, “osmosis”, ¿de qué campos Duchamp habrá tomado esos significantes? En la transferencia, ¿qué capta el público en la “osmosis estética”? ¿Qué decir de la plasticidad de una osmosis? Osmos en

Duchamp now touches that which, to me, is the crucial issue in the text: what “prompts the spectator to react critically to the work of art?” As to the terms “phenomenon”, “transference”, “osmosis” – from which fields would Duchamp have appropriated these signifiers? What, during the transference, does the public capture through the “esthetic osmosis”? What to say about the plasticity of an osmosis? Osmos in Greek can mean drive. In this case, what would be the nature of a drive that puts to work the faculty of judging? Later Duchamp proposes his “art coefficient”: In the creative act, the artist goes from intention to realization through a chain of totally subjective reactions. His struggle toward the

165


griego puede tener el sentido de impulso. En ese caso, ¿cuál sería la naturaleza de un impulso que pone en obra la facultad de juzgar?

realization is a series of efforts, pains, satisfaction, refusals, decisions, which also cannot and must not be fully self-conscious, at least on the esthetic plane.

Más adelante, Duchamp propone su “coeficiente artístico”: En el acto creador, el artista pasa de la inten-

The result of this struggle is a difference between the intention and its realization, a difference which the artist is not aware of.

ción a la realización, a través de una cadena de

Consequently, in the chain of reactions ac-

reacciones totalmente subjetivas. Su lucha por la

companying the creative act, a link is missing.

realización consiste en una serie de esfuerzos, su-

This gap, representing the inability of the artist

frimientos, satisfacciones, negaciones, decisiones

to express fully his intention, this difference be-

que, por lo menos en el plano estético, tampoco

tween what he intended to realize and did real-

pueden ni deben ser totalmente conscientes.

ize, is the personal ‘art coefficient’ contained in

El resultado de este conflicto es una dife-

the work.

rencia entre la intención y su realización, una di-

In other words, the personal ‘art coefficient’

ferencia de la que el artista no tiene conciencia.

is like an arithmetical relation between the un-

Por consiguiente, en la cadena de reacciones

expressed but intended and the unintentionally

que acompañan al acto creador falta un eslabón.

expressed. (Duchamp, 1986, p. 73)

Esa falla que representa la inhabilidad del artista para expresar integralmente su intención, esta diferencia entre lo que quiso realizar y lo que en realidad realizó es el “coeficiente artístico” personal contenido en la obra de arte. En otras palabras, el “coeficiente artístico” personal es una suerte de relación aritmética entre lo que permanece no expresado aunque intencionado, y lo que es expresado no-intencionalmente. (Duchamp, 1986, p. 73).

Creo, entonces, que podemos deducir del coeficiente artístico duchampiano que ningún proyecto que no sea él mismo una obra, por más abarcador que se pretenda, está apto para dar cuenta de la complejidad de su trabajo. Tal vez ello se deba al hecho de que la obra de arte soporta un exceso constitutivo que es, paradójicamente, percibido en tanto incompletud. Se trata de su exterioridad, cuya escritura Duchamp tan bien comprendió en tanto falta de un eslabón. Si mi intuición es correcta, esa falta es operativa. Extraña al conocimiento, la misma pone en marcha un juego. ¿Sería ése el juego de la carta/letra robada? En ese sentido, podríamos afirmar que una obra de arte desborda lo que es del orden de lo sustraído, justamente porque se encadena en ese juego. Y el secreto, al estar tanto en la llave, como en la cerradura, trae como consecuencia que quien mira recree aquello dado a ver, sin que se necesite

166

So, I think that what we may conclude from Duchamp’s art coefficient is that no project that is not the work in itself is apt to deal with the complexity of its work, no matter how inclusive it intends to be. This might be due to the fact that in the work of art there is room for a constituent excess which is paradoxically perceived as incompleteness. It has to do with its exteriority, which was so well understood by Duchamp as a missing link. If my intuition is right, then this lack is operative. Foreign to knowledge, it starts off a game. Would this be the stolen mail/letter game? In this sense, we could affirm that a work of art runs over that which pertains to the subtracted, precisely because it associates itself to this game. And the fact that the secret is in the key as well as in the lock causes the onlookers to recreate that which allows itself to be seen, without the need to understand or import anything, since this is an ignored secret that sets in motion “the two poles of the creation of art”. The same way that, I suppose, something that remains missing from its place writes Edgar Allan Poe’s short story. No doubt, Duchamp’s text, like his work, is food for thought, while it evades clarity at the same time. Whether art, philosophy, and psychoanalysis conspire in this text is not certain. However, when I put the spot light on this artist’s discourse, I’m affirming that this is a matter of the creative act itself, when


entender o querer decir, dado que es un secreto ignorado que acciona “los dos polos de la creación artística”. De la misma forma que, supongo, algo que sigue faltando en su lugar escribe el cuento de Edgar Allan Poe. Sin duda, al mismo tiempo en que se hurtan a la claridad, el texto de Duchamp, así como su obra, hacen pensar mucho. No es seguro que en ese texto conspiren el arte, la filosofía y el sicoanálisis; sin embargo, al traer a un primer plano el discurso de este artista, quiero afirmar que, cuando se quiere pensar algo común a esos campos, se trata del propio acto creador. En lo que a mí respecta, a partir de las lecturas que hago del mundo desarrollo propuestas que quieren involucrar al otro y a su formulación singular de sentidos. Así, supongo que es posible accionar al ‘sujeto-artista’ latente en cada uno, y ese proceso es de capital importancia para la determinación de las dimensiones éticas de mi poética. Desde mi punto de vista, la naturaleza de la ética que comanda las elecciones en el acto creador no es positiva ni edificante. Comporta la confluencia de construcción y destrucción, lo que me lleva a pensar en la naturaleza de algo del orden de un ‘impulso artístico’. Un ‘impulso artístico’ es insondable, puede ser un impulso vertiginoso, extraño y precipitador de espesa y avasalladora angustia. Tal vez porque es un impulso de destrucción de las situaciones establecidas, de las relaciones causales programables y garantizadas, de los estereotipos, del consenso de las categorías y sistemas. Sería comparable, por lo tanto, a la pulsión de destrucción, “que pone en causa todo lo que existe”, pero que es igualmente “voluntad de creación a partir de la nada, voluntad de recomenzar”, como afirma Lacan en el Seminario 7 (Lacan, 1988, p. 258-259). En cierta medida se acepta el riesgo de tanta ruina, justamente para favorecer el ímpetu en dirección a la experimentación, a la imprevisibilidad, a la contingencia, a la transitoriedad, a la abertura de las proposiciones. Considerando la violencia y la brutalidad con que lo real se abate sobre todos, un impulso como ése no constituye ningún refugio; integra, sí, la corriente caótica de la propia existencia,

we wish to think of something that is common to these fields. As for me, from the readings I make of the world, I develop proposals that want to involve the spectator and his/her personal formulation of senses. This way, I assume that it’s possible to activate the latent ‘subject-artist’ in each individual, this process being of capital importance in determining the ethical dimensions in my poetics. To me, the nature of the ethics that command the choices during the creative act is not positive or edifying. It contains the confluence of construction and destruction, which leads me to think about the nature of something like an ‘artistic drive’. An ‘artistic drive’ is unsearchable; it may be a vertiginous, strange, and precipitating drive, filled with a thick and overwhelming anguish. Maybe that’s because it’s an impulse to destroy established situations, the programmable and guaranteed causal relationships, the stereotypes, the consensus of categories and systems. It would be comparable, therefore, to the destruction drive, “which challenges everything that exists”, but which is, at the same time, “a will to create from zero, a will to begin again”, as Lacan says in his Seminar 7. (Lacan, 1988, p. 258-259) To a certain extent, we accept the risk of so much ruin precisely to favor the impetus towards the experimentation, the unpredictability, the contingence, the fleetingness, the opening of proposals. Considering the violence and brutality with which reality comes down on everyone, a drive like this does not constitute any refuge; rather, it integrates the chaotic current of existence itself, privileging the involvement of art in man’s experiential processes, to the detriment of the homogenization of the merely informational processes of the cultural system, with their interconnections between power and knowledge. Formulating an ‘artistic drive’ implies approaching a field that extends beyond the artist’s intention to include the mysterious causality that can be established between work and spectator. So much so that it’s possible to affirm that this is where it takes place as the reverse of the conscious, as the missing link, as the sharing of a secret that’s

167


privilegiando el involucramiento del arte en los procesos vivenciales singulares del hombre, en detrimento del arte en los procesos meramente informacionales del sistema cultural, con sus interconexiones entre poder y conocimiento. Formular un ‘impulso artístico’ presupone abordar un campo que se extiende más allá de la intención del artista en dirección a la misteriosa causalidad que se puede establecer entre obra y espectador. Al punto de que podemos afirmar que es en eso que se da como opuesto a la conciencia, como la “falta de un eslabón”, como partición de un secreto inaccesible a los dos polos del acto creador, que el “coeficiente artístico” duchampiano elabora su verdad: parafraseando a Mallarmé, la obra es un golpe de dados que jamás abolirá el azar. Y el artista desdeña vigorosamente la mirada trivial dirigida a aquello que se llama indulgentemente realidad. Él usa la fuerza disgregadora del azar para destacar de lo cotidiano aquello que podría pasar desapercibido o, incluso, lo que no es muy diverso, para inventar lo que no existía antes. El público, en general, juzga, convalida o no y, principalmente, teje la red de significaciones que sostiene un lugar en el campo del arte para aquello que le es propuesto. El gran desafío de un proyecto abierto consiste en instigar al público a autorizarse, a investirse de la autoría de los posibles sentidos del arte. Es el público en la condición de ‘múltiplo de la función de artista’. Esa estrategia de movilización del público no pretende establecer con él relaciones apriorísticas, una vez que, por principio, la ‘función de artista’ pasa a no tener una fijeza segura. La realización de ‘la función de artista’ se da circunstancialmente, es decir, en la búsqueda de espacios fortuitos en que se alcance a producir de forma eficaz un espacio abierto al participante. Una poética que tenga en cuenta la inscripción del público potencializa la idea de disponibilidad y abarcabilidad del campo del arte, más allá del límite institucional y en dirección a la vida. En realidad, de cada individuo se espera que, impregnado por sus propias experiencias, se inscriba en tan imprescindible bagaje como el de cualquiera que se aventure, pues la entrada al mismo debe ser franqueada y estar tan disponible a su vivencia como a la de cualquier otro. Porque,

168

inaccessible to the two poles of the creative act; this is where Duchamp’s “art coefficient” elaborates its truth: the work is, to paraphrase Mallarmé, a throw of the dice that will never abolish chance. And the artist vigorously disdains the trivial look directed towards that which is indulgently called reality. The artist uses the disaggregating force of chance to point out in everyday life that which could go unnoticed, or even, which is not very diverse, to invent that which did not exist before. Usually, the public judges, validates or not, and especially spins the web of significations that sustains a place in the art field for that which has been proposed. The great challenge of an open project consists in instigating the spectators to become authors, to clothe themselves with the authorship of the possible meanings of art. Spectators take upon themselves the task of becoming ‘multiples of the artist’s function’. This participatory mobilization strategy doesn’t intend to establish aprioristic relationships with spectators, since the ‘artist’s function’, by definition, no longer has a secure fixity. The fulfillment of the ‘artist’s function’ happens circumstantially, that is, in the search for fortuitous spaces that effectively achieve the production of an open space to the participant. Poetics that take into consideration the public’s enrollment potentialize the idea of availability and inclusiveness in the art field, taking it beyond the institutional limit, and towards life. In reality, it is expected that each individual, impregnated by their own experiences, might enroll him/herself, taking with them a contribution that is as indispensable as that of anyone else who ventures, since their entrance must be granted and must be there, as available to their experiences as to anyone else’s. After all, as Hélio Oiticica puts it, “who does the artist do his/her work for?”. This way, thinking the effectiveness of art implies the collective formulation of a poetic-critical text. This text must welcome ambiguities, absences, and errors, as performing agents in its dynamics. The transmission of this text takes place in spite of the fact that it’s not possible to apprehend the totality of what it always has to rewrite. The efficiency of this text can be verified by its impetus towards experimentation, towards improvisation,


al final, como señaló Hélio Oiticica, ¿”para quién hace el artista su obra?”. En ese camino, pensar la efectividad del arte pasa por la formulación colectiva de un texto poético crítico. Ese texto debe acoger las ambigüedades, ausencias, fallas como agentes performativos de su dinámica. La transmisión de ese texto se da sin que, sin embargo, se pueda aprehender la totalidad de aquello que el mismo siempre tiene que reescribir. La eficacia de ese texto es verificable en el ímpetu en dirección a la experimentación, a la improvisación y en el desapego por las situaciones establecidas y consagradas. La naturaleza de ese texto excede en mucho el refugio de las soluciones programáticas, y su concepción no se encuentra preservada del torrente tortuoso de la vida. Todos pueden ser autores de ese texto, una vez que el potencial de resignificación e invención latente en todos es un saber que prescinde de todo conocimiento objetivo sobre cualquier tema. Ese saber puede ser activado sin que, sin embargo, sea necesario que se establezcan determinantes causales estancos en ese sentido.

and by its indifference towards the established and consecrated situations. The nature of this text considerably exceeds the refuge of programmatic solutions, and its conception is not preserved from life’s tortuous torrent. Everybody can be an author of this text, since the potential for re-signification and invention that is latent in all of us is a wisdom that dispenses with any objective knowledge of any matter. This wisdom must be activated without the need to establish stiff causal determinants in this sense. In summary, if the participants gets to the point where they want to pursue the questions the work of art never ceases to pose, if they want to invent out of the proposed work their own, that’s a sign that the work of art is working, and that a twist was able to take place. Only then, and simple as this:to write is to be read (being read= work / being read= being an object of reading).2 Thank you! Rio de Janeiro, September 9, 2008

En suma, si el público llega al punto de querer recorrer las indagaciones que la obra de arte nunca cesa de plantear, si el público quiere inventar a partir de la obra propuesta su propia obra, es señal de que el trabajo de arte está trabajando y que una torsión se puede producir. Sólo entonces, y es así de sencillo: escribir es ser leída (lidia=trabajo / leída=ser objeto de lectura).2 ¡Gracias! Río de Janeiro, 9 de setiembre de 2008.

2 N. de T.: En el texto original “Só então e simples assim: escrever é ser lida.” hay un juego de palabras intraducible entre “lida” (sustantivo) = lidia y “lida” (participio del verbo leer).

2 The original text “Só então e simples assim: escrever é ser lida.” carries an untranslatable play of words between “lida” (noun) = a work, a task and “lida” (past participle of the verb to read).

169



A PALAVRA ROUBADA Marisa Flórido Cesar1 Páginas arrancadas de um livro retornam, uma a uma, a seu lugar de origem. Apenas ouvimos o som – ao revés – do rasgar e amassar das folhas. Apenas vemos as mãos no movimento de devolução das páginas. Sabemos, ao final do vídeo, de que se trata: do conto A carta roubada, de Edgar Allan Poe. Vemos a última (primeira) página – aquela que traz o título como índice de seu conteúdo e o nome do autor que o assina – enfim restituída. Mas restituída apenas virtualmente, na reversão do vídeo. A página roubada retornada somente em sonho.

OLHO MÁGICO, 2009 OJO MÁGICO | MAGIC EYE travesseiro infantil + visor de porta almohada infantil + visor de seguridad | infant pillow + door eye

No Quarto do sonho, como foi batizado por Helena Trindade um dos cômodos do Centro Cultural Castelinho do Flamengo, outro vídeo, sobre outro livro, acompanha A carta roubada, ambos projetados sobre pilhas de travesseiros. Várias mãos e vozes folheiam e comentam um livro como uma Babel que aos poucos projeta sua suave ruína. O livro, A origem da obra de arte, reproduz a edição portuguesa do livro de Heidegger, mas dele Crítica de arte e curadora independente, é doutora em História e Crítica de Arte pela EBA/UFRJ. Curadora das exposições “Arte e Música” em parceria com Luisa Duarte, 2008 (Caixa Cultural do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília). Possui textos publicados em catálogos e livros, entre os quais: “A partilha paradoxal do indeterminado” in Nova Arte Nova [org. Paulo Venancio. Rio de Janeiro: CCBB, 2008] e “Fronteiras móveis” in Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas [org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006]. 1

171


foram retirados as referências a seu autor e o conteúdo de suas páginas: apenas a capa, que traz o título da obra, repete-se em seu interior.

IN-OUTDOORS Você não está só, 2003 IN-OUTDOORS - Usted no está solo IN-OUTDOORS - You’re not alone

Helena Trindade vem concentrando sua investigação artística na materialidade da escrita, na tensão entre o enunciável e o visível, no intervalo em que se tramam e desarticulam palavra e coisa, imagem e texto, opacidades e transparências. Uma falha que expõe a inexistência de um laço originário e natural entre o nome e aquilo que ele significa, a inexistência de um Texto original que nos assegurasse uma tradução precisa do homem e do mundo que ele habita, tal como anunciou Nietzsche, tal como constatou a palavra fragmentada desenhando a página branca de Mallarmé. “No fundo, o mundo foi feito para acabar num belo Livro”, disse o poeta. Ao procurar a palavra que encerrasse todo discurso possível, a origem do ato de nomear, Mallarmé encontrou o acaso. Roubar o privilégio dos deuses, a origem do ato de nomear: assim poderíamos definir a escrita que, em muitos mitos, nasce do sonho de subtrair dos deuses o poder de revelação, de saquear-lhes a palavra que desvendasse os segredos, de conjurar efemeridades e silêncios. Foi assim que Cage Jie, na China, ao desenhar os primeiros caracteres, despertou a fúria dos deuses. Ou que Moisés, ao descer do Monte Sinai e deparar-se com o Bezerro de Ouro, destruiu o ídolo e quebrou as Tábuas da Lei. Dádiva divina imediatamente retirada: a escrita, retornando à ilegibilidade, exigia um legislador e devolvia à Voz sua ascendência. Estar próximo à Voz é estar em presença da origem, é garantir o lugar de enunciação, a autenticidade de quem fala, a destinação inequívoca e sem desvios do sentido àquele a quem se fala. Eis o prestígio da origem: se nada a antecede, justifica-se em si mesma.

172


Dádiva dos deuses ou transgressão de um interdito, a escrita encerra ilegibilidades de fundo ou, se preferirmos, silêncios. O risco desse desconhecimento levaria Platão à condenação da escrita em Fedro. Para Sócrates, ao contrário do discurso falado que “observa as características dos futuros ouvintes”, a escrita “não sabe diante de quem convém falar ou calar-se”. Distante da origem, do lugar seguro de sua enunciação, o texto escrito conduziria a um número ilimitado de interpretações, com duvidosos sentidos. Em vez de auxiliar a memória, conduziria ao esquecimento da Verdade. Em sua falácia, os dois simulacros, a escrita e a pintura, permanecem gravemente calados, são irmãos na mesma “eloquência bastarda”.

S-E-N-T-I-D-O, 2009 | S-E-N-S-E ratoeira + tipos de máquina de escrever ratonera + tipos de máquina de escribir | mousetrap + typewriter types

A alusão da artista aos dois livros – A carta roubada e A origem da obra de arte – explicita o caráter dúbio da escrita: ser a transgressão de um interdito, desejar apoderar-se da revelação da Palavra originária, mas permanecer eternamente ilegível. O conto de Poe constrói-se em torno de uma carta roubada de uma provável aristocrata (e o soberano, como sabemos, é o representante divino na terra) que encerra um perigoso segredo, de sua recuperação e devolução. Ainda que o desvio seja corrigido ao final do conto, o conteúdo e o legítimo proprietário daquela carta permanecem velados. Ainda que as páginas do livro sejam devolvidas no vídeo de Helena Trindade, o retorno à página inicial, a devolução a seu contexto de origem não é mais que um artifício do vídeo, não é mais que um devaneio da arte. Confrontar as páginas subtraídas em um vídeo é cotejar a consistência enigmática da palavra dobrando-se sobre si mesma no outro vídeo/livro (A origem da obra de arte): qualquer decifração é anulada no reflexo repetido das páginas. Os duplos da representação, a linguagem e a arte, interiorizando a própria duplicidade. Repetição que não nos conduz a qualquer revelação originária – quem fala, o que fala, 173


para quem? –, mas reenvia-se, dobrando-se e perdendo-se em sua própria armadilha. Uma interrogação atravessa o Quarto do sonho: como pensar a origem já que não se pode virar a página da metafísica? Como pensá-la evitando o prolongamento e a presença de um fundamento, que permaneceria recalcado apesar dos discursos de seu fim? Como repensá-la sem devolver-lhe um valor fundador, que segue alimentando seus espectros? BIBLIOTECA ENCARNADA, 2008 | INCARNATE LIBRARY

BIBLIOTECA NEGRA, 2008 | BLACK LIBRARY

CONVERSA NA ESCADARIA, 2008 | CONVERSACIÓN EN LA ESCALINATA | CONVERSATION IN THE STAIRCASE

174

A artista nomeou cada cômodo do Centro Cultural espacializando a palavra: na Biblioteca encarnada, letras vermelhas enchem a lareira e cobrem o solo de um ambiente que nos engole como uma garganta lúgubre e asfixiante, como se a Palavra Encarnada em sua dupla natureza, voz e ícone, invisibilidade visível, se perdesse pervertendo-se no próprio balbucio. Chama-se “inferno”, aliás, o local, de acesso restrito nas bibliotecas, onde estão encerradas obras de conteúdo licencioso e proibido. Na Biblioteca negra, sobre as paredes pretas, a fotografia do livro de Poe com as páginas do conto arrancadas e o espelho que a reflete desdobram ausência e luto. Na Conversa na escadaria, teclas de máquinas de escrever constroem uma rede de letras que ecoam sua tagarelice – visual – no vão da escadaria. No Quarto do oráculo, objetos curiosos, como peças retiradas de máquinas de escrever obsoletas e similares, tecem, com a palavra que o intitula, jogos repletos de humor. Na combinação inusitada entre os signos visuais e linguísticos, quimeras vêm povoar o edifício: Oráculo é uma boca banguela em que as teclas de uma máquina de datilografia foram arrancadas, incapacitando qualquer escrita ou som de teclar; Poema a Derrida é um serrote cujos dentes são letras, alusão ao perigo cortante de uma escrita recalcada pelo


fonocentrismo e logocentrismo na cultura ocidental como disse o filósofo: a escrita arranca a interioridade da fala – a consciência do sujeito, o pensamento do Ser, o significado transcendental manifestam-se por excelência na voz. O “Penso, logo existo” cartesiano é ouvir a consciência de si, é ouvir-se falar. Recalcada e secundária, concluiu Derrida, a escrita tornou-se, no Ocidente, a tradutora de uma fala originária, plenamente presente: presente a si mesma, ao significado, a quem fala. No Castelinho do Flamengo, Helena Trindade arquiteta uma Babel às avessas, uma Babel que se regozija com seu colapso. Afinal, para Derrida, o filósofo referido pela artista, a linguagem universal que o Ocidente sonhou não é o projeto da torre de Babel. A própria filosofia nasce de seu colapso, da falha fundamental que a metafísica por tentativas diversas tentará reparar. Reencontrar a origem e sua verdade, a “tradução” perfeita – esse seria o objetivo da metafísica. O topos unívoco de Babel tampouco é o corpo da linguagem, da filosofia ou mesmo da arte, acrescentaríamos. A universalidade é um desejo. O ideal de um edifício acabado esteve suspenso em uma reconstrução interminável, em que os princípios filosóficos seriam deslocados recorrentemente, os modelos artísticos seriam repropostos continuamente: em discursos ambíguos, em traduções que alteram e subvertem os textos originais, nas querelas e disputas infindáveis da arte.

LABIRINTO DE LETRAS, 1999 LABERINTO DE LETRAS LETTER MAZE

Em torno desse colapso, aventuram-se as escritas e as artes, confrontam-se as inumeráveis leituras, do texto, que o acendem, as incontáveis cintilações que fulguram no horizonte da visualidade. Explorar esse colapso, essa falha fundamental entre o que se vê e o que se fala, foi também o que fizeram Magritte e Duchamp, a poesia concreta e a arte conceitual. Se 175


DESLOCANDO O VAZIO, 2009 DESPLAZANDO EL VACÍO DISLOCATING THE VOID quebra-cabeças modificados rompecabezas modificados modified puzzles

Magritte interrogou linguagem em sua relação com o que as imagens pictóricas representam, Duchamp questionou o objeto e a própria definição de arte em relação à linguagem. Mais do que expor a aleatoriedade do signo, Duchamp radicalizaria essa interrogação ao definir a “arte” por um ato de nomeação de um objeto qualquer: a obra de arte não se funda sobre condições a priori, mas como uma nomeação a ser acordada durante sua recepção a posteriori. Ao tornar o ato de nomeação ostensivamente arbitrário, mas potente, Duchamp desqualifica a construção da verdade da obra de arte, expondo a inexistência de uma articulação natural entre a verdade das coisas e a verdade dos discursos. É nessa genealogia que Helena Trindade se inscreve. A artista invade as artes visuais com a escrita para desvelar os pontos cegos que as sobressaltaram, as opacidades que as artes por séculos tentaram recalcar. A artista invade a escrita com as exterioridades da arte para fazer emergir as ilegibilidades que a assombram: como o segredo da palavra roubada (não o inconfesso do autor, mas a espessura silenciosa e sem sentido da palavra secularizada), como a ausência de uma origem na repetição que apaga o Sujeito enunciador, como a eterna diferenciação que insurge dessa repetição sem fim. À interrogação que atravessa o Quarto do sonho – como evitar o pensamento de origem, que segue como espectro prolongando a presença de um fundamento, já que não podemos virar a página da metafísica? – Helena responde engajando novas relações entre os termos dialéticos. Sem privilegiar um ou outro, explora o “entre” e seus “indecidíveis” como diria Derrida: entre voz e escrita, entre palavra e coisa, imagem e texto, opacidades e transparências. O que também significa dizer: nem um, nem outro, mas o intervalo entre eles. O intervalo onde se aloja o ilegível que

176


abre a escrita à legibilidade infinita. O intervalo que acolhe as opacidades para abrir a arte aos encontros ilimitados entre o visível e o enunciável. Um intervalo de indeterminação e casualidade, que confidencia, na arbitrariedade geral dos signos, a cesura ou a complexa urdidura entre ver e falar. Rio de Janeiro, dezembro de 2008

LEGENDAS, 1999 SUBTÍTULOS | SUBTITLES mosaicos de estênceis de letras mosaicos de esténciles de letras mosaics of letter stencils

177


LA PALABRA ROBADA Marisa Flórido Cesar1

THE STOLLEN WORD Marisa Flórido Cesar1

Una a una, las páginas arrancadas de un libro retornan a su lugar de origen. Sólo escuchamos el sonido – al revés – del rasgar y arrugarse de las hojas. Sólo vemos las manos en el movimiento de devolución de las páginas. Al final del video, sabemos de qué se trata: del cuento La carta robada de Edgar Allan Poe. Vemos la última (primera) página – aquélla que trae el título como índice de su contenido y el nombre del autor que lo firma – finalmente restituida. Pero restituida sólo virtualmente, en la reversión del video. La página robada retornada solamente en sueño.

Torn pages of a book are returned, one by one, to their place of origin. All we hear is the sound – in reverse – of the pages being torn and crushed. All we see are the hands moving to return the pages. By the end of the video, we know what it’s all about: the short story The Purloined Letter, by Edgar Allan Poe. We see the last (the first) page – the one that shows the title as evidence of its content and the name of the author who signs it – finally restored. But only virtually restored, in the original reverse play of the video. The stolen page returned only in dream.

En la Habitación del sueño, como lo bautizó Helena Trindade, una de las habitaciones del Centro Cultural Castelinho do Flamengo, otro video, sobre otro libro, sigue a La carta robada, ambos son proyectados sobre pilas de almohadas. Varias manos y voces hojean y comentan un libro como una Babel que de a poco proyecta su suave ruina. El libro, El origen de la obra de arte, reproduce la edición portuguesa del libro de Heidegger, pero a éste le fueron retirados las referencias a su autor y el contenido de sus páginas: sólo la tapa, que trae el título de la obra, se repite en su interior.

In Quarto do Sonho (Dream room), as Helena Trindade baptized one of the rooms at Castelinho Cultural Center, another video, about another book, is shown along with The purloined letter, both projected on piles of pillows. Several hands and voices turn pages and make comments about a book, like a Babel that little by little projects its ruin. The book is a reproduction of the Portuguese edition of Heidegger’s The Origin of The Work of Art, but both the references to the author and the content of its pages have been removed: only the cover, which shows the title of the work, is repeated inside.

Helena Trindade viene concentrando su investigación artística en la materialidad de la escritura, en la tensión entre lo enunciable y lo visible, en el intervalo en que se traman y desarticulan palabra y cosa, imagen y texto, opacidades y transparencias. Una falla que expone la inexistencia de un lazo originario y natural entre el nombre y su significado, la inexistencia de un Texto original que nos garantice una traducción precisa del hombre y del mundo que él habita, tal como lo anunció Nietzsche, tal como

Helena Trindade concentrates her artistic investigation on the materiality of writing, on the tension between the enunciable and the visible, on the gap where word and thing, image and text, opaqueness and transparences are weaved and disarticulated. A flaw that exposes the inexistence of an original and natural bond between the name and its meaning, the inexistence of an original Text that would assure us a precise translation of man and the world he inhabits, as Nietzsche announced, as

Crítica de arte y comisaria independiente, es doctora en Historia y Crítica de Arte por la EBA/UFRJ. Comisaria de las exposiciones “Arte e música”, en conjunto con Luisa Duarte, 2008 (Caixa Cultural de Río de Janeiro, São Paulo y Brasilia). Publicó textos en catálogos y libros, entre los cuales cabe mencionar: “A partilha paradoxal do indeterminado”, en Nova Arte Nova [org. Paulo Venancio. Río de Janeiro, CCBB, 2008] y “Fronteiras móveis”, en Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas [org. Glória Ferreira. Río de Janeiro, Funarte, 2006].

1

1

178

Art critic and independent curator, Marisa holds Doctors degree in History and Art Critic from EBA/UFRJ. Recently, she was the curator of the exhibitions “Arte e Música”, in partnership with Luisa Duarte, 2008 (Caixa Cultural do Rio de Janeiro, São Paulo and Brasília). Marisa signs texts that have been published in catalogs and books, including: “A partilha paradoxal do indeterminado” in Nova Arte Nova [org. Paulo Venancio. Rio de Janeiro: CCBB, 2008] and “Fronteiras móveis” in Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas [org. Glória Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte, 2006].


lo constató la palabra fragmentada que diseña la página blanca de Mallarmé. “En el fondo, el mundo fue hecho para acabar en un bello Libro”, dijo el poeta. Al buscar la palabra que encerrase cualquier discurso posible, que encerrase el origen del acto de nombrar, Mallarmé encontró el azar.

ascertained by Mallarmé’s fragmented word drawing a blank page. “Everything in the world exists in order to end up as a book”, the poet said. In his search for the word that would contain all possible discourse, the origin of the act of naming, Mallarmé found chance.

Robar el privilegio de los dioses, el origen del acto de nombrar: así podríamos definir la escritura que, en muchos mitos, nace del sueño de quitarles a los dioses el poder de revelación, de saquearles la palabra que revele los secretos, de conjurar lo efímero y el silencio. Fue así que en China, cuando Cage Jie dibujó los primeros caracteres, despertó la furia de los dioses. O que Moisés, cuando bajó del Sinaí y se encontró con el Becerro de Oro, destruyó el ídolo y rompió las Tablas de la Ley. Dádiva divina inmediatamente retirada: la escritura, retornando a la ilegibilidad, exigía un legislador y devolvía a la Voz su ascendencia. Estar cerca de la Voz es estar en presencia del origen, es garantizar el lugar de enunciación, la autenticidad de quien habla, la destinación inequívoca y sin desvíos del sentido a aquél a quien se habla. He ahí el prestigio del origen: si nada lo antecede, se justifica en sí mismo.

Stealing a privilege of the gods, the origin of the act of naming: this is how we could define the writing that, in several myths, is born out of the dream of subtracting from the gods the power of revelation, of taking from them the word that would unveil the secrets, of conjuring ephemeralities and silences. That’s how, in China, Cage Jie stirred up the wrath of the gods when he drew the first characters. Or how Moses, as he came down from Mount Sinai and saw the Golden Calf, destroyed the idol and broke the Tablets of the Law. A divine gift immediately taken away: writing, going back to illegibility, demanded a legislator, turning back to the Voice its ascendancy. Being close to the Voice is being in the presence of the origin, it’s guaranteeing the place of enunciation, the speaker’s authenticity and, to whom one speaks to, the unequivocal destination of undiverted sense. This is the prestige of the origin: if nothing precedes it, it’s justified in itself.

Dádiva de los dioses o transgresión de un interdicto, la escritura encierra una ilegibilidad de fondo o, si lo preferimos así, silencios. El riesgo de ese desconocimiento llevaría a Platón a la condena de la escritura en Fedro. Para Sócrates, al contrario del discurso hablado que “observa las características de los futuros oyentes”, la escritura “no sabe ante quién conviene hablar o callarse”. Distante del origen, del lugar seguro de su enunciación, el texto escrito conduciría a un número ilimitado de interpretaciones con sentidos dudosos. En lugar de ayudar a la memoria, conduciría al olvido de la Verdad. En su falacia, los dos simulacros, la escritura y la pintura, permanecen gravemente callados, son hermanos en la misma “elocuencia bastarda”. La alusión de la artista a los dos libros – La carta robada y El origen de la obra de arte – explicita el carácter ambiguo de la escritura: ser la transgresión de un interdicto, desear apoderarse de la revelación de la Palabra originaria, pero permanecer eternamente ilegible.

A gift from the gods or the transgression of an interdiction, writing contains background illegibilities, or silences, if we prefer to call it that. The risk in this lack of knowledge would lead Plato to condemn writing in Phaedrus. To Socrates, contrary to the spoken discourse which “considers the attributes of future hearers”, writing “doesn’t know to whom it befits to speak or to remain silent”. Far from the origin, from the safe place of its enunciation, the written text would lead to an unlimited number of interpretations, with dubious senses. Instead of helping the memory, it would lead us to forget Truth. In their fallacy, these two simulacra, writing and painting, remain gravely silent, brothers of the same “bastardly eloquence”. The artist’s allusion to these two books – The Purloined Letter and The Origin of The Work of Art – makes the dubious character of writing clear: being the transgression of an interdiction, wanting to seize control of the revelation of the original Word, yet remaining eternally illegible.

179


180

El cuento de Poe se construye alrededor de una carta robada, de su recuperación y de su devolución a una probable aristócrata; y el soberano, como sabemos, es el representante divino en la tierra. Esta carta encierra un peligroso secreto. Aunque el desvío se corrija al final del cuento, el contenido y el legítimo propietario de aquella carta permanecen velados. Aunque las páginas del libro sean devueltas en el video de Helena Trindade, el retorno a la página inicial, la devolución a su contexto de origen no es más que un artificio del video, no es más que un devaneo del arte. Confrontar las páginas retiradas en un video es cotejar la consistencia enigmática de la palabra doblándose sobre sí misma en el otro video/libro (El origen de la obra de arte): cualquier desciframiento se anula en el reflejo repetido de las páginas. Los dobles de la representación, el lenguaje y el arte interiorizan la propia duplicidad. Repetición que no nos lleva a ninguna revelación originaria – ¿quién habla, qué dice, a quién le habla? –, sino que se reenvía, doblándose y perdiéndose en su propia trampa.

Poe’s short story is built around a letter stolen from a probable aristocrat (and the sovereign, as we know, is the divine representative on earth) which contains a dangerous secret, its recovery and devolution. Although the diversion is corrected at the end of the short story, the content and the legitimate owner of the letter remain veiled. Although the pages of the book are returned in Helena Trindade’s video, the return to the first page, the devolution to its original context is no more than a artifice in the video, no more than one of art’s reveries. Confronting the subtracted pages in a video is collating the enigmatic consistency of the word bending over itself in the other video/book (A origem da obra de arte – The origin of the work of art): any decipherment is nullified in the repeated reflection of the pages. The doubles of representation, language, and art, internalizing duplicity itself. A repetition that doesn’t lead us to any original revelation – who is speaking, what is being spoken, to whom? –, but resends itself, bending and losing itself in its own trap.

Una interrogación atraviesa la Habitación del sueño: ¿cómo pensar el origen ya que no se puede dar vuelta la página de la metafísica? ¿Cómo pensarla evitando la prolongación y la presencia de un fundamento, que permanecería reprimido a pesar de los discursos sobre su fin? ¿Cómo pensarla nuevamente sin devolverle un valor fundador, que sigue alimentando sus espectros?

An interrogation crosses the Dream room: how do we think the origin since we cannot turn the page of metaphysics? How do we think it while avoiding the continuance and presence of a fundament, which would remain repressed in spite of the discourses about its end? How do we rethink it without giving it back a founding value, which goes on feeding its specters?

La artista nombró cada habitación del Centro Cultural espacializando la palabra: en la Biblioteca encarnada, letras rojas llenan la chimenea y cubren el suelo de un ambiente que nos traga como una garganta lúgubre y asfixiante, como si la Palabra Encarnada en su doble naturaleza, de voz e ícono, de invisibilidad visible, se perdiese, pervirtiéndose en el propio balbuceo. Es más, el lugar de acceso restringido en las bibliotecas, donde están encerradas obras de contenido licencioso y prohibido se llama “infierno”.

The artist named each room in the Cultural Center spatializing the word: in Biblioteca encarnada (Incarnate library), red letters crowd the fireplace and cover the floor, in an environment that swallows us up like a lugubrious and asphyxiating throat, as if the Incarnate Word, in its double nature – voice and icon, visible invisibility – got lost, perverting itself in its own babble. Actually, “hell” is the name given to library rooms with restricted access, where works of licentious and forbidden content are kept.

En la Biblioteca negra, sobre las paredes negras, la fotografía del libro de Poe con las páginas del cuento arrancadas y el espejo que la refleja desdoblan ausencia y duelo. En la Conversación en la escalinata, las teclas de máquinas de escribir construyen

On the black walls of the Biblioteca negra (Black library), a picture of Poe’s book with the pages of the short story torn out and a mirror that reflects it redouble absence and mourning. In Conversa na escadaria (Conversation in the staircase),


una red de letras que hacen eco a su cháchara – visual – en el vano de la escalinata. En Habitación del oráculo, objetos curiosos, como piezas retiradas de máquinas de escribir obsoletas y similares, tejen con la palabra que les da título juegos repletos de humor. En la combinación inusitada entre signos visuales y lingüísticos, quimeras vienen a poblar el edificio: Oráculo es una boca desdentada en que las teclas de una máquina de dactilografía fueron arrancadas imposibilitando cualquier escritura o sonido de teclas; Poema a Derrida es un serrucho cuyos dientes son letras, alusión al peligro cortante de una escritura reprimida por el fonocentrismo y logocentrismo en la cultura occidental; como dijo el filósofo: la escritura arranca la interioridad del habla – la conciencia del sujeto, el pensamiento del Ser, el significado trascendental se manifiestan por excelencia en la voz. El “Pienso, luego existo” cartesiano es escuchar la conciencia de sí, es escucharse hablar. Reprimida y secundaria – concluyó Derrida –, en Occidente la escritura se volvió la traductora de un habla imaginaria, plenamente presente: presente para sí misma, para el significado, para quien habla. En el Castelinho do Flamengo, Helena Trindade arquitecta una Babel al revés, una Babel que se regocija con su colapso. Al final, para Derrida, el filósofo referido por la artista, el lenguaje universal que el Occidente soñó no es el proyecto de la torre de Babel. La propia filosofía nace de su colapso, de la falla fundamental que la metafísica trataría de reparar a través de diversos intentos. Reencontrar el origen y su verdad – la “traducción” perfecta – sería el objetivo de la metafísica. Diríamos que el topos unívoco de Babel tampoco es el cuerpo del lenguaje, de la filosofía ni, incluso, del arte. La universalidad es un deseo. El ideal de un edificio acabado estuvo suspendido en una reconstrucción interminable, en la que los principios filosóficos se desplazarían recurrentemente, los modelos artísticos se volverían a proponer continuamente: en discursos ambiguos, en traducciones que alteran y subvierten los textos originales, en las querellas y disputas interminables del arte.

typewriter keys build a letter net that echoes the – visual – blabber of the letters in the hollow of the staircase. In Quarto do oráculo (Room of the oracle), curious objects, like parts taken out of obsolete and similar typewriters, weave humor filled games with the word that entitles it. In the strange combination between the visual and linguistic signs, chimeras come to populate the building: the Oracle is a toothless mouth where the keys have been pulled out of a typewriter, disabling any writing or sound of typing; Poema a Derrida (Poem for Derrida) is a handsaw where the teeth are letters, an allusion to the cutting danger of a writing that is repressed by western culture’s phonocentrism and logocentrism, as the philosopher said: writing rips the interiority of speech – the consciousness of the subject, the thought of the Being, and the transcendental meaning manifest themselves par excellence in the voice. The Cartesian “I think, therefore I exist” is listening to self-consciousness, it’s listening to yourself speaking. Derrida came to the conclusion that writing, being repressed and secondary, has become in the West the translator of an original, wholly present speech: present to itself, to the meaning, to the speaker. At Castelinho Cultural Centre, Helena Trindade constructs a reverse Babel, a Babel that rejoices at its own collapse. After all, for Derrida – the philosopher the artist refers to –, the universal language dreamed of by the West is not the project of the Tower of Babel. Philosophy itself is born of its collapse, of the fundamental flaw that metaphysics will try to repair through various means. Finding again the origin and its truth, the perfect “translation” – this would be the goal of metaphysics. The unequivocal Babel topos is not the body of language, philosophy, or even art, we might add. Universality is a desire. The ideal of a finished building remained suspended in an unending reconstruction, in which philosophical principles would be recurrently displaced, the artistic models continually re-proposed: in ambiguous discourses, in translations that alter and subvert the original texts, in art’s never-ending disputes and quarrels.

181


En torno de este colapso se aventuran las escrituras y las artes, se confrontan las innumerables lecturas del texto que lo encienden, los incontables destellos que fulguran en el horizonte de la visualidad. Explorar ese colapso, esa falla fundamental entre lo que se ve y lo que se dice, fue también lo que hicieron Magritte y Duchamp, la poesía concreta y el arte conceptual. Si Magritte interrogó al lenguaje en su relación con lo que las imágenes pictóricas representan, Duchamp cuestionó el objeto y la propia definición de arte en relación al lenguaje. Más que exponer la aleatoriedad del signo, Duchamp radicalizaría esa interrogación al definir el “arte” por un acto de nominación de un objeto cualquiera: la obra de arte no se funda sobre condiciones a priori, sino como una nominación a ser acordada durante su recepción a posteriori. Al volver el acto de nominación ostensiblemente arbitrario pero potente, Duchamp descalifica la construcción de la verdad de la obra de arte, y expone la inexistencia de una articulación natural entre la verdad de las cosas y la verdad de los discursos. Es en esa genealogía que Helena Trindade se inscribe. La artista invade las artes visuales con la escritura para develar los puntos ciegos que las sobresaltaron, las opacidades que durante siglos las artes intentaron reprimir. La artista invade la escritura con las exterioridades del arte para hacer emerger las ilegibilidades que la espantan: como el secreto de la palabra robada (no lo inconfeso del autor sino la espesura silenciosa y sin sentido de la palabra secularizada), como la ausencia de un origen en la repetición que borra al Sujeto enunciador, como la eterna diferenciación que emerge de esa repetición sin fin. A la interrogación que atraviesa la Habitación del sueño – ¿cómo evitar el pensamiento de origen –, que sigue como un espectro prolongando la presencia de un fundamento, ya que no podemos dar vuelta la página de la metafísica? – Helena la responde comprometiendo nuevas relaciones entre los términos dialécticos. Sin privilegiar uno o otro, explora el “entre” y sus “indecidibles”, como diría Derrida: entre la voz y la escritura, entre la palabra y la cosa, entre la imagen y el texto, entre opacidades y transparencias. Lo que también significa decir: ni uno, ni otro, sino el intervalo entre ambos. El intervalo

182

Writing and the arts venture around this collapse, they confront the innumerable readings of the text that ignite it, the uncountable scintillations that glisten on the horizon of visuality. Magritte, Duchamp, concrete poetry, conceptual art – they all explored this collapse, this fundamental gap between what is seen and what is said. If Magritte questioned language in its relation to what pictorial images represent, Duchamp questioned the object and the definition of art itself in relation to language. More than exposing the arbitrariness of the sign, Duchamp would radicalize this interrogation when he defined “art” by an act of naming any given object: the work of art is not founded upon a priori conditions, but as a naming to be agreed upon during its a posteriori reception. By rendering the act of naming ostensively arbitrary, yet potent, Duchamp disqualifies the construction of truth in the work of art, exposing the inexistence of a natural articulation between the truth of things and the truth of discourses. Helena Trindade fits in this genealogy. The artist invades visual arts with writing in order to unveil the blind spots that have alarmed them, the opaqueness that for centuries art has attempted to repress. The artist invades writing with art’s exteriority, bringing to surface the illegibilities that have haunted it: like the secret of the stolen word (not the author’s unconfessed secret, but the silent and senseless density of the secularized word), like the absence of an origin in the repetition that obscures the enunciating Subject, like the eternal differentiation that emerges from this unending repetition. Helena answers the question that permeates the Dream room – how do we avoid the thought of origin, which, like a specter, keeps on extending the presence of a fundament, since we cannot turn the page of metaphysics? – by engaging new relationships between the dialectic terms. Without privileging one or the other, she explores the “between” and its “undecidables”, as Derrida would say: between voice and writing, between word and thing, image and text, opaqueness and transparencies. Which is also to say: neither one, nor the other, but the gap between them. The gap where is lodged the illegibility that opens the writing to infinite legibility. The gap that shelters the


donde se aloja lo ilegible que abre la escritura a la legibilidad infinita. El intervalo que acoge las opacidades para abrir el arte a los encuentros ilimitados entre lo visible y lo enunciable. Un intervalo de indeterminaci贸n y casualidad, que confidencia, en la arbitrariedad general de los signos, la cesura o la compleja urdimbre entre ver y hablar.

opaqueness, so that art may be open to unlimited encounters between the visible and the enunciable. A gap of indetermination and casualty, which confides, in the general arbitrariness of the signs, the rupture or the complex warp between seeing and speaking. Rio de Janeiro, December 2008

R铆o de Janeiro, diciembre de 2008

183


LETRA EM TRÂNSITO, 2009 LETRA EN TRÁNSITO | LETTER IN TRANSIT livro de envelopes vazios e em branco libro de sobres vacíos y en blanco book of empty and blank envelopes

184


Escrever em trânsito Luiz Eduardo Meira de Vasconcellos Na entrevista a Glória Ferreira reproduzida neste livro, cuja forma de grafar o título, como se dirá adiante, pode ser lida sob os efeitos tanto da construção quanto do que esteve em jogo na exposição que realizou no Castelinho do Flamengo de março a junho de 2008, Helena Trindade enumera três instâncias ou qualidades ligadas à ação de escrever a sua obra plástica. A primeira delas diz respeito à redução de seu discurso poético para a forma escrita, no sentido de separar ou desagregar algo que vem ao mundo de maneira compósita. De onde germinam palavra e imagem decanta-se um modo próprio, retroativo e prospectivo, de escrever os trabalhos realizados. O que Helena escreve não só se dirige a e modifica o que já fez, como também norteia e ilumina o que pretende fazer ou fará. A segunda qualidade, já grávida de uma determinada exposição, alude ao fato de que ela, ao pôr algo à vista de outros, leva em conta a arquitetura do espaço onde essa exposição se dará, isto é, partes e elementos conformados e edificados de uma forma que, embora constitua algo único, não elimina por completo sua dispersão original, perenemente latente. Salas, quartos,   Editor. Nos últimos anos, tem acompanhado e escrito sobre as obras de Adriano de Aquino, Gianguido Bonfanti, Gonçalo Ivo, Luciano Figueiredo, Manfredo de Souzanetto e Walter Vasconcelos.

185


REPUBLICANDO, 1997 Museu da República salão ministerial + matéria-tinta 150 m2 salón ministerial + matéria-tinta ministerial hall + paint-matter

banheiros, cozinhas, sótãos, mas também janelas, portas, vigas e tijolos se revestem de um acabamento que demarca um enfim construído, sem que se apague a história que preside a própria construção. Entre eles, como no forro, que habita entre o teto e o telhado, se depositarão alegrias e angústias tanto de moradores quanto de visitantes. Em face disso, Helena reconhece, de um lado, que sua escrita é, necessariamente, uma ficção a respeito do que terá se passado e se passará em tal espaço revelado por ela; de outro, que a recepção de sua mostra está subordinada à presença viva e, portanto, indeterminada daqueles que chegam para conhecê-la, cuja participação, ainda que por vezes asséptica ou aparentemente imparcial, reescreve textos diversamente lidos. Enfim, a terceira instância apresentada pela artista, a que mais lhe interessa, condiciona suas proposições à autenticação daqueles que as testemunham. Só assim, como diz, pode saber que conseguiu escrever algo ou que seu jeito próprio de escrever se torceu, virou livro e chegou a ser lido. Passam à cena afetos, isto é, a capacidade de sermos afetados por palavras e imagens, e também uma categoria que permanece incômoda em seu discurso, ao menos na entrevista a que me refiro: a verdade, cujo acento do público deve recair não sobre a aparência dela, suposta e cambiante, e sim sobre a estrutura que ela carrega e é decididamente ficcional. Do encontro entre afecção e algo de fato ficcional, porém nem certo, nem errado, depreende-se que a originalidade de sua obra, mais do que a origem, provém do público, entendido como o auditório capaz de pressenti-la, intuí-la e, no melhor dos casos, escutá-la, assentindo de modos sempre singulares à sua recepção. *** Há em toda obra de arte – não me refiro a objetos de arte – um misto de matéria e espírito, cujas mani-

186


festações são multimorfes e apreensíveis apenas indiretamente. Seus efeitos podem surgir a despeito de sua concretude, por exemplo, quando se manifestam após a sua contemplação, o que é mais comum, ou em meio a sensações contaminadas de estranhamentos, que só reconhecemos como nossos, se mantidos numa relativa exterioridade. Somos afetados pelo que presenciamos, mas só nos damos conta disso na ausência do que partilhamos como realidade, inclusive aquela a que se tem chamado de virtual. Por vezes, chegamos a adentrar num estado em que fala e silêncio são ambos consistentes: pode-se tentar delimitar o que se manifesta por intermédio da obra de arte com palavras, num diálogo com alguém ou mesmo com o próprio artista, assim como se pode deixar que a ausência dos sons em que as palavras se reconhecem se explique em nosso íntimo. Ao visitar a Biblioteca encarnada, assim que as letras vermelhas deixam de ser o que são em sua serena solidão e tomam vulto por se superporem umas às outras, o livro surgido e, portanto, encarnado continua a ser vermelho? A encarnação é apenas uma imagem de cor vermelha ou a palavra remodelada em seu sentido também opera nos destinos projetados à sombra de um verdor, de um viço renovado por novos leitores? Diz-se que tanto letras quanto livros têm corpo – num caso, medida; noutro, cadernos alceados à espera de seu revestimento –, e que a reunião de ambos, palavra ou biblioteca, se imbui do poder de transumanar coisas até então desarrumadas pelo mundo. Sabe-se menos, contudo, sobre o que se incorpora entre uns e outras, nessa passagem em que a leitura, assentada como o que se lê em conjunto, traz consigo a possibilidade de reconverter sentidos pretéritos, finitos e ilimitados.

CAMPO MINADO EM AÇÃO, 2002 | CAMPO MINADO EN ACCIÓN | MINEFIELD IN ACTION Palácio Gustavo Capanema logo da FUNARTE + teclas de máquina de escrever 340 x 340 cm logo de la FUNARTE + teclas de máquina de escribir | FUNARTE’S logo + typewriter keys

De modo análogo, em Corredor para a carta evanescente, retorna até nós o que restou da escrita, algo já feito depósito e, de certo modo, imóvel, ou a evaporação 187


188

LEGENDAS, 1999 | SUBTÍTULOS | SUBTITLES

mosaicos de estênceis de letras | mosaicos de esténciles de letras | mosaics of letter stencils

de uma energia aplicada pela artista ao copiar o poema e que parece emanar do véu interposto entre o corredor e a carta, deixando-nos imersos no calor da hora? Onde situar a distância entre palavras e coisas: no que corre de uma parte a outra ou no que evanesce entre a escrita e a leitura? A esse respeito, resta à meditação o que difere entre a recepção do poema reescrito pela artista em tal contexto e sua apreensão, já emoldurado, num museu, sob condições térmicas estáveis. *** Como fui o último a entrar neste livro, tive a oportunidade de ler as demais contribuições reunidas. Há intencionalmente em meu texto palavras nascidas de outras letras, isto é, algo desencarnado e reencarnado, tornado carne com o sangue alheio, que se deixa sustentar num passado com sede de novos mundos. Seu principal objetivo é ajudar a tornar perceptível algo, por si só, inapreensível, porém passível de ser indicado pela experiência de se deparar com a poética de Helena Trindade. Trata-se, sobretudo, de repassar a mais um leitor pequenas coisas indiretamente percebidas, às quais se chega vivendo a vida como ela é, vale dizer, nem sempre de maneira razoável, e que não se ressentem de uma abordagem crítica ou estética, embora me pareça claro que a artista não quer e não sente necessidade de abrir mão de sua pesquisa estética, em detrimento de eventuais adequações a ditames “curatoriais” ou “mercadológicos”. A fala que se dirige a objetos eleitos, não necessariamente específicos ou determinados, tem de lidar com algo que, neste ou por meio deste objeto, resiste. Tal resistência, todavia, não precisa ser vencida, uma vez que é parte essencial ao jogo, em que se percebe aquilo que o mantém de pé. Não há oposição entre fala e ato, e nesses termos o discurso do artista, mais do que deficiente em não realizar por inteiro o que pretendeu,


Na escrita do título deste livro-em-exposição, a letra que indica a flexão de número sugere seu próprio apagamento. Ao que, de imediato, entenderíamos como um acréscimo se adiciona-e-une um efeito secundário de movimento e, por extensão, de retirada. Não é preciso que o “s” esteja apagado, em fading ou noutra cor para que tal efeito se revele. A súbita contradição entre efeito plural e redução de seu corpo basta para que, num átimo, sejamos ligeiramente tocados por uma subtração, cuja importância merece ser investigada. Tal qual a experiência de visitar a exposição de Helena Trindade no Castelinho do Flamengo, destaca-se algo não diretamente apreensível, todavia passível de ser indicado desta maneira: de mais-de-um-livro surge menos-alguma-coisa. Uma adição de livros – sugerida pela ideia da artista de fazer de cada cômodo da casa um livro ou uma página de livro, mas também pelas leituras de todos que por lá passaram, entre as quais aquelas compiladas nesta publicação – se transfigura e não se mostra como esperado, deixando ver que, mesmo no livro LIVROs, resta algo fora de cena. A encadernação de tais páginas ou livros por certo enquadra e guarnece certo número de leituras, projetando, em seus limites, a trajetória da artista. Isso serve a vários usos e é capaz, inclusive, de arquitetar suas relações com o mundo das ofertas, demandas e

frottages sobrepostas de labirintos de letras | frottages sobrepuestas de laberinto de letras | overlaped frottages of letter maze

***

INSTALAÇÃO SESC, 1999

é eficaz em servir como um imperativo negativo: ou ele ou a obra criada, outra maneira de dizer que um e outro não têm como coincidir ou se igualar. Assim, é justo na distância entre eles que se torna possível localizar o referente do que se trama em público, contexto no qual o testemunho de outros aciona, num único tempo, ausências e restos.

189


negociações, passando a operar como uma chave com que se abrem disputas e acordos. No banal das constatações, um livro basta para conferir reconhecimento ao trabalho do artista, bem como atrai para seus confins a encastelada sonolência do bem-acabado. Nos livros aqui ajuntados, todavia, não se trata apenas, nem prioritariamente disso. Além de repousar ativamente numa história inventada e incompleta, esses livros deixaram que se destacasse, em sua periferia, uma letra “s”, cujo arranjo serve para mediar com o que chegamos a dizer o irrealizável presente no seio de centelhas, fagulhas, fiapos de memória e restos de idéias ou pensamentos. Nem pedra nos sapatos, nem exéquias de matéria em decomposição, nesses lampejos se abordam aparições efêmeras, transitórias, portavozes de uma precariedade que não só mantém a lida sobre a obra de Helena em curso, como também impede que suas ausências ou lacunas se ausentem, salvo em raros momentos de uma singela transcendência, na qual a humanidade que cabe em nós ultrapassa a reversibilidade do tempo e se mantém, acesa, como um caroço em torno do qual nos deixamos gravitar. Rio de Janeiro, janeiro de 2009

190


ESCRIBIR EN TRÁNSITO Luiz Eduardo Meira de Vasconcellos1

WRITING IN TRANSIT Luiz Eduardo Meira de Vasconcellos1

En la entrevista a Glória Ferreira, reproducida en este libro, cuya forma de escribir el título – como se dirá más adelante – puede leerse bajo los efectos, tanto de la construcción, como de lo que estuvo en juego en la exposición que realizó en el Castelinho do Flamengo entre marzo y junio de 2008, Helena Trindade enumera tres instancias o cualidades vinculadas a la acción de escribir su obra plástica. La primera se refiere a la reducción de su discurso poético a la forma escrita, en el sentido de separar o disgregar algo que viene al mundo de modo compuesto. De donde germinan palabra e imagen se decanta un modo propio, retroactivo y prospectivo, de escribir los trabajos realizados. Lo que Helena escribe no sólo se dirige a y modifica lo que ya hizo, sino también da rumbo e ilumina lo que pretende hacer o lo que hará.

In the interview to Glória Ferreira reproduced in this book – in which the way the title is written, as we shall mention later, can be read under the influence of both the construction and that which was at stake during the exhibition at Castelinho Cultural Center between March and June 2008 –, Helena Trindade lists three instances or qualities related to the act of writing her visual work. The first one refers to the reduction of her poetic discourse into the written form, in the sense of separating or disaggregating something that comes into the world in a composite way. A unique, retroactive, and prospective way of writing down her previous works emerges from where word and image germinate. What Helena writes not only is directed towards and modifies what she has already done, but it also steers and illuminates what she intends to do or will do.

La segunda cualidad, ya plena de una determinada exposición, alude al hecho de que ella, al mostrar algo a los demás, tiene en cuenta la arquitectura del espacio donde esa exposición se dará, es decir, las partes y elementos conformados y edificados de una forma que, aunque constituya algo único, no elimina por completo su dispersión original, perennemente latente. Livings, cuartos, baños, cocinas, desvanes, pero también ventanas, puertas, vigas y ladrillos se revisten de un acabado que demarca algo finalmente construido, sin que se borre la historia que preside la propia construcción. Entre estos, como en el cielorraso que habita entre el techo y el tejado, se depositarán alegrías y angustias, tanto de los habitantes, como de los visitantes. Ante ello, Helena reconoce, por un lado, que su escritura es necesariamente una ficción al respecto de lo que habrá pasado y pasará en ese espacio revelado por ella; por otro, que la recepción de su muestra está subordinada a la presencia viva y, por lo tanto indeterminada, de aquellos que llegan para conocerla, cuya participación, aunque a veces sea aséptica o aparentemente imparcial, reescribe textos diversamente leídos.

The second quality, already pregnant with another exhibition, alludes to the fact that, by making something visible to others, Helena takes into consideration the architecture of the space where the exhibition will take place, that is, parts and elements conformed and edified in a way that, in spite of being something unique, does not completely eliminate its original, perennially latent dispersion. Living rooms, bedrooms, bathrooms, kitchens, attics, but also windows, doors, columns, and bricks are covered by a finish that delimits them as finally built, without dimming the history that presides over the construction itself. In them, as in the garret that lies between the ceiling and the roof, residents and visitors’ joys and anguishes will be deposited. In face of this, Helena recognizes that, on the one hand, her writing is necessarily a fiction about that which will have transpired and which will yet transpire in that space revealed by her; on the other hand, she realizes that the response to her exhibition is subject to the live and, therefore, undetermined presence of those who come to see it, whose participation, albeit aseptic or apparently impartial at times, rewrites texts diversely read.

Finalmente, la tercera instancia presentada por la artista, la que más le interesa, condiciona sus propuestas a la autenticación de aquellos que las

Finally, the third instance presented by the artist, the one that interests her most, conditions her propositions to the authentication of those who

Editor. Durante los últimos años ha seguido las obras de Adriano de Aquino, Gianguido Bonfanti, Gonçalo Ivo, Luciano Figueiredo, Manfredo de Souzanetto y Walter Vasconcelos y ha escrito sobre las mismas.

1

1

Editor. In the last few years, he has followed and written texts about works by Adriano de Aquino, Gianguido Bonfanti, Gonçalo Ivo, Luciano Figueiredo, Manfredo de Souzanetto and Walter Vasconcelos.

191


atestiguan. Sólo así, como dice, puede saber que logró escribir algo o que su propia forma de escribir se torció, se convirtió en libro y llegó a ser leída. Pasan a ocupar la escena los afectos, es decir, la capacidad de que nos afecten palabras e imágenes y también una categoría que permanece incómoda en su discurso, al menos en la entrevista a la que me refiero: la verdad, cuyo acento público debe recaer no sobre su apariencia, supuesta y cambiante, sino sobre la estructura que carga y es decididamente ficcional. Del encuentro entre afección y algo de hecho ficcional, ni correcto ni equivocado, sin embargo, se deduce que la originalidad de su obra, más que el origen, proviene del público, entendido como el auditorio capaz de presentirla, intuirla y, en el mejor de los casos, escucharla, demostrando de modos siempre singulares su recepción.

witness them. Only then, as she says, can she know whether she has succeeded in writing something, whether her particular way of writing was turned, became a book, and was read. Affections enter the scene, that is, our ability to be affected by words or images, and also a category that remains uncomfortable in her discourse, at least in the interview I’m referring to: the truth, where the accent of the public must fall not upon its supposed and everchanging appearance, but upon the structure it carries, which is definitively fictional. From the encounter between affection and something indeed fictional, yet not right nor wrong, we gather that the originality of her work, more than its origin, comes from the public, understood as the audience capable of foreseeing it, intuitively apprehending it, and at best, hearing it, assenting, always in unique ways, to its reception.

*** *** En toda obra de arte – no me refiero a objetos de arte – hay una mezcla de materia y espíritu, cuyas manifestaciones son multiformes y aprehensibles sólo indirectamente. Sus efectos pueden surgir a despecho de su concreción; por ejemplo, cuando se manifiestan después de su contemplación, lo que es más común, o en medio a sensaciones contaminadas de extrañamientos, que sólo reconocemos como nuestros si los mantenemos en una relativa exterioridad. Somos afectados por lo que presenciamos, pero sólo nos damos cuenta de ello en la ausencia de lo que compartimos como realidad, inclusive aquélla a la que se ha llamado de virtual. A veces, llegamos a entrar en un estado en que ambos, el habla y el silencio son consistentes: se puede intentar delimitar lo que se manifiesta por intermedio de la obra de arte con palabras, en un diálogo con alguien o incluso con el propio artista, así como se puede dejar que la ausencia de los sonidos en que las palabras se reconocen se explique en nuestro interior. Al visitar la Biblioteca encarnada, así que las letras rojas dejan de ser lo que son en su serena soledad y toman cuerpo al superponerse unas sobre otras, ¿el libro surgido y, por lo tanto encarnado, continúa siendo rojo? ¿La encarnación es sólo una imagen de color rojo o la palabra remodelada en su sentido también opera en los destinos proyectados a la sombra de un verdor, de una lozanía renovada por nuevos lectores? Se dice que tanto las letras, como los libros tienen cuerpo – en un caso, medida; en el otro, cuadernos agrupados a la espera de su revestimiento – y que la reunión de ambos

192

In every work of art – and I’m not referring to objects of art – there is a mixture of matter and spirit, with multiform manifestations that can only be indirectly apprehended. Its effects may appear in spite of its concreteness, for instance, when they are manifested after its contemplation, which is more common, or amidst sensations that are contaminated by a strangeness – which we only recognize as our own when maintained at a relatively exterior level. We are affected by what we witness, but we only realize this in the absence of that which we share as reality, including what has become known as virtual. At times, we manage to enter a state in which speech and silence are both consistent: we can try to delimit with words what is manifested through the work of art, in a dialogue with someone or even with the artist him/herself, the same way we can let the absence of the sounds in which words recognize themselves be explained in our innermost being. As we visit the Biblioteca encarnada (Incarnate library), as soon as the letters cease to be what they are in their serene loneliness, taking on shape by overlaying each other, does the emerging and, therefore, incarnate book remain red? Is the incarnation just a red colored image, or does the word remodeled in its sense also operate in the destinies projected under the shade of a verdure, of an exuberance renewed by new readers? It is said that both letters and books have a body – in the first, a size; in the latter, sewn quires that await their cover –, and that both collectives, word or library, are imbued with the power to transhumanize things until


palabra o biblioteca, se imbuye del poder de humanizar cosas hasta entonces desordenadas por ahí. Con todo, se sabe menos sobre lo que se incorpora entre unos y otras en ese pasaje en que la lectura, asentada como lo que se lee en conjunto, trae consigo la posibilidad de reconvertir sentidos pretéritos, finitos e ilimitados. De modo análogo, en Corredor para la carta evanescente, ¿retorna a nosotros lo que restó de la escritura – algo ya hecho depósito y, de cierto modo, inmóvil –, o la evaporación de una energía aplicada por la artista al copiar el poema y que parece emanar del velo interpuesto entre el corredor y la carta, dejándonos inmersos en el calor del momento? Al respecto, resta a la meditación lo que difiere entre la recepción del poema reescrito por la artista en ese contexto y su aprehensión, ya enmarcada en un museo, bajo condiciones térmicas estables.

then disarrayed by the world. We know less, however, about what is incorporated between the ones and the others – in this passage where the reading, made clear by what is settled as a whole, brings along with it the possibility of reconverting past, finite, and unlimited senses. In an analogous way, in Corredor para a carta evanescente (Corridor to the evanescent letter), comes back to us what was left of the writing – something that is already deposited and, in a way, immobilized –, or is it the evaporation of an energy applied by the artist as she copied the poem, and which seems to emanate from the veil interposed between the corridor and the letter, leaving us immersed in the heat of the hour? In this respect, what differs between the spectators’ response to the poem rewritten by the artist in that context and its already framed apprehension in a museum, under stable thermal conditions, is cause for further meditation.

*** *** Como fui el último en entrar a este libro, tuve la oportunidad de leer las demás contribuciones reunidas. Intencionalmente, en mi texto hay palabras nacidas de otras letras, es decir, algo desencarnado y reencarnado, vuelto carne con la sangre ajena, que se deja sostener en un pasado con sed de nuevos mundos. Su principal objetivo es ayudar a que sea perceptible algo de por sí sólo inaprensible, aunque pasible de ser indicado por la experiencia de toparse con la poética de Helena Trindade. Se trata, sobre todo, de transferir a un lector más pequeñas cosas indirectamente percibidas, a las cuales se llega viviendo la vida como ella es, es decir, no siempre de modo razonable, cosas que no se resienten de un abordaje crítico o estético, aunque me parece claro que la artista no quiere o no siente necesidad de dejar de lado su investigación estética, en detrimento de eventuales adecuaciones a dictámenes “comisariales” o “mercadológicos”.

As I was the last to write in this book, I had the opportunity to read the other writings. My text intentionally includes words born of other letters, that is, something disincarnated and reincarnated, turned flesh with the blood of others, which lets itself be sustained in a past that thirsts for other worlds. Its main goal is to help make perceptible something in itself inapprehensible, albeit capable of being indicated by the experience of being confronted by Helena Trindade’s poetics. It’s mainly about passing on to another reader little things that are indirectly perceived, at which we arrive by living life as it is, we should say, not always in a reasonable way, and not lacking a critical or aesthetical approach, although it is clear to me that the artist doesn’t want and does not feel the need to let go her esthetic research, to the detriment of eventual accommodations to “curatorial” or “market” dictates.

El habla que se dirige a objetos elegidos, no necesariamente específicos o determinados, tiene que lidiar con algo que, en este o por medio de este objeto, resiste. Con todo, esa resistencia no necesita ser vencida, dado que es parte esencial del juego, en que se percibe aquello que lo mantiene en pie. No hay oposición entre habla y acto, y en esos términos el discurso del artista, más que deficiente por no realizar completamente lo que pretendió, es eficaz al servir como imperativo negativo: o él o la obra creada, otro modo de decir que uno y otro no tienen como coincidir ni igualarse. Así, es justo en la sepa-

The speech that is directed towards chosen objects – which are not necessarily specific or determined – has to deal with something that, in this or by means of this object, resists. Such resistance, however, needs not be overcome, since it is an essential part of the game in which one perceives that which keeps the game itself standing. There’s no opposition between speech and act, and in these terms the artist’s discourse, more than being deficient for not accomplishing entirely what it intended to, is efficient in serving as a negative imperative: either the artist or the created work, which is another

193


ración entre ambos que se hace posible localizar el referente de lo que se trama en público, contexto en el cual el testimonio de otros acciona, en un único tiempo, ausencia y restos. *** En la escritura del título de este libro-en-exposición, la letra que indica la flexión de número sugiere su propio borramiento. A lo que de inmediato, entenderíamos como un acrecentamiento, se le suma-y-une un efecto secundario de movimiento y, por extensión, de retirada. No es necesario que la “s” esté borrada, en fading o en otro color para que ese efecto se revele. La súbita contradicción entre efecto plural y reducción de su cuerpo basta para que en un instante seamos ligeramente tocados por una sustracción, cuya importancia merece ser investigada. Así como la experiencia de visitar la exposición de Helena Trindade en el Castelinho do Flamengo, se destaca algo no directamente aprehensible, aunque pasible de ser indicado de esta manera: de másde-un-libro surge menos-algo. Una adicción de libros – sugerida por la idea de la artista de hacer de cada habitación de la casa un libro o una página de libro, pero también por las lecturas de todos lo que pasaron por allá – entre ellas, las que están compiladas en esta publicación – se transfigura y no se muestra como lo que se espera, dejando ver que, incluso en el libro LIBROs, resta algo fuera de escena. Por cierto, la encuadernación de esas páginas o libros enmarca y guarnece determinado número de lecturas, proyectando en sus límites la trayectoria de la artista. Ello sirve para varios usos e inclusive es capaz de tramar sus relaciones con el mundo de las ofertas, demandas y negociaciones, comenzando a operar como una clave con la que se abren disputas y acuerdos. En lo banal de las constataciones, un libro basta para conferir reconocimiento al trabajo del artista, así como atrae a sus confines la encastillada somnolencia de lo bien acabado. Sin embargo, en los libros aquí reunidos no se trata sólo ni prioritariamente de ello. Además de reposar activamente en una historia inventada e incompleta, esos libros dejaron que se destacase en su periferia una letra “s”, cuya disposición sirve para mediar entre aquello con lo que llegamos a decir lo irrealizable, presente en el seno de centellas, chispas, hilachas de memoria y restos de ideas o pensamientos.

194

way of saying that one and the other don’t have to coincide or be equal. Thus, it is precisely in the separation between them that it’s possible to locate the referent of what is plotted in public, a context in which the testimony of others triggers, at the same time, absences and vestiges. *** In the writing of the title of this book-in-exhibition, the letter that indicates the number inflection suggests its own erasure. To that which, at first, we would understand as an increase a secondary effect of movement, and, by extension, of removal, is added-and-joined. It’s not necessary for the “s” to be erased, in fading or any other color, in order for this effect to be revealed. The sudden contradiction between the plural effect and the reduction of its font is enough for us to, in an instant, be slightly touched by a subtraction, the importance of which deserves investigation. Like the experience of visiting Helena Trindade’s exhibition at the Castelinho Cultural Center, something stands out that is not directly apprehended, even though it may be indicated this way: out of more-than-a-book emerges something-less. A compilation of books – suggested by the artist’s idea of making each room in the house a book or a page in a book, but also by the readings of everyone who’s been there, among which are those compiled in this publication – transfigures and doesn’t show itself as expected, letting us see that, even in the book BOOKs, something’s left out of the scene. The bookbinding of such pages or books certainly accommodates and allows a certain number of readings, projecting, in its limits, the artist’s trajectory. This fits several uses, and it is capable, also, of constructing relationships with the world of offers, demands, and negotiations, operating as a key with which disputes and agreements are settled. Regarding commonplace conclusions, a book is enough to grant recognition to the artist’s work, as well as to attract to its confines the secured somnolence of the well-finished. Concerning the books assembled here, however, it’s not just nor primarily the case. Besides actively reposing upon an invented and incomplete history, these books allowed to stand out, in their periphery, a letter “s”, the arrangement of which can be used to mediate, with what we manage to say, the unattainable that is present in the bosom of memory


Ni piedra en los zapatos, ni exequias de materia en descomposición, en esos destellos se abordan apariciones efímeras, transitorias, portavoces de una precariedad que no sólo mantiene la lidia sobre la obra de Helena en curso, sino que también impide que sus ausencias o lagunas se ausenten, salvo en raros momentos de una sencilla trascendencia, en la cual la humanidad que nos cabe sobrepasa la reversibilidad del tiempo y se mantiene encendida como un carozo en torno al cual nos dejamos gravitar.

sparks, scintillas, threads, and remains of ideas and thoughts. Neither rocks in the shoes, nor obsequies of decomposing matter, in these sudden flashes of light are addressed ephemeral, fleeting apparitions, heralds of a precariousness that not only maintains the labor over Helena’s work on course, but also keeps its absences or omissions from being absent, except in rare moments of simple transcendence, in which the humanity that is contained in us goes beyond time and remains alive, like a core around which we allow ourselves to gravitate.

Río de Janeiro, enero de 2009

Rio de Janeiro, January 2009

195


196


III LIVROs EM VÍDEO LIBROs EN VIDEO | BOOKs IN VIDEO FOTOGRAFIA FOTOGRAFÍA | PHOTOGRAPHY NEVILLE D’ALMEIDA

197


198


194% 187% 199


200


201



203


204


205


206


207


208


209


210


211


212


IV ENTREVISTA A | INTERVIEW TO GLÓRIA FERREIRA CINGINDO O VAZIO CEÑIR EL VACÍO | ENCIRCLING THE EMPTINESS

213



ENTREVISTA | INTERVIEW

CINGINDO O VAZIO Entrevista de Helena Trindade a Glória Ferreira1

Glória Ferreira – Minha primeira questão é sobre algo que me deixou curiosa: o fato de você ter sugerido o formato de entrevista. Qual a sua idéia e expectativa sobre uma entrevista?

Helena Trindade – Pois é, sempre que vejo um livro de artista, a primeira coisa que leio é a entrevista, porque acho muito... é uma letra viva, não é? A entrevista, quando bem conduzida, traz muita coisa que, se não fosse aquela oportunidade de a pessoa falar, não aconteceria. A fala se precipita à certeza. A escrita é uma coisa atrás da outra, tem muita edição, vai e volta. E a fala está mais contaminada pelo ato falho, pelo lapso. E assim que vislumbrei a possibilidade de fazer o livro pensei numa entrevista. E a primeira pessoa em quem pensei foi você, porque já tínhamos um laço. 1 Glória Ferreira é doutora em História da Arte pela Sorbonne. Professora da EBA/ UFRJ de 1996 a 2007, é crítica de arte e curadora independente. Entre suas curadorias destacam-se: “Arte como questão - anos 70” (2007); “Trilogias. Nelson Felix” (2005); “Situações: arte brasileira - anos 70” (2000); “Ecco. Artistas italianos por artistas brasileiros” (1999); “Hélio Oiticica e a cena americana” (1998); “Luciano Fabro” (1997); “Amílcar de Castro, retrospectiva” (1989) e “Hélio Oiticica e Lygia Clark” (1986). Organizou diversos livros, como Trilogias. Conversas entre Nelson Felix e Glória Ferreira (2005); Wilton Montenegro. Notas do observatório (2006) e a coletânea Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas (Funarte, 2006). Coorganizou as coletâneas Clement Greenberg e o debate crítico (1997) e Escritos de artistas 1960/1970 (2006), Jorge Zahar Editor. Foi coeditora da revista Arte&Ensaios, de 1997 a 2006. Dirige a coleção Arte +, Jorge Zahar Editor. Publica em diversas revistas nacionais e internacionais.

215


PABLO 1.6 Caleidoscópio sonoro, 1999 as primeiras palavras de Pablo + caleidoscópio sonoro + espelho Ø 50 cm | las primeras palabras de Pablo + caleidoscopio sonoro + espejo | Pablo’s first words + sound kaleidoscope + mirror

Podemos pensar a entrevista como uma fala do artista; pelo menos uma fala que não estaria subordinada a um julgamento, a uma avaliação crítica. E isso é interessante. É mais conversa. A entre-vista cria uma relação entre o que é da ordem da fala e o que é da ordem da escrita. Cria um intermezzo. Já há algum tempo, com quase 15 anos de produção, seu trabalho tem-se pautado pela relação entre a imagem e a linguagem ou, talvez, por esse momento indefinido. Talvez não seja bem “indefinido”, mas de uma relação que não é passível de ser dissociada e, ao mesmo tempo, não é a mesma coisa. Como você situaria, hoje, essa questão da relação entre imagem e linguagem no seu trabalho: de uma quase-desconstrução da linguagem para chegar à imagem, mas uma imagem que remete à linguagem?

É... Cyriaco Lopes, no texto “Máquina de escrever” (2008), fala que o meu trabalho seria mais escrever e menos texto. Quer dizer, há uma ação aí. Em um texto que fiz, ainda no mestrado, como monografia para Carlos Zilio “Uma consistência para a linguagem” (2001), eu dizia que o que daria consistência à linguagem seria uma imagem para seu funcionamento. Segundo os termos da poética que venho desenvolvendo, existem pelo menos três instâncias que atendem à ação de escrever: A primeira é aquela da escrita stricto sensu, que de vez em quando você vai, sintetiza e escreve. Faz, por exemplo, suas monografias, seus ensaios. Às vezes sinto o que está sendo escrito como um olhar que avalia o que já se fez; às vezes, é como algo que ainda pode vir a acontecer, como algo que norteia. Aquela ideia vem, e você escreve, e ainda não é o trabalho, mas é por onde o trabalho vai caminhar. Há outro sentido do escrever que, para mim, é essa abordagem do espaço em que vou fazer a exposição. Quando entro no espaço, eu o vejo física, arquitetônica e, sobretudo, simbolicamente – o que aquele espaço já diz, o que ele já foi. Por exemplo, lá no Castelinho, na exposição “Livros”, no início deste ano, aquele

216


espaço era uma casa. Como resgatar esse dado, sem ser memória? Até porque podem entrar vários dados de ficção, entrar coisas inventadas... Abordar o espaço dessa forma, querendo saber um pouco da história, mas sem estar presa à memória, seria um pouco como se eu quisesse inventar um sintoma para aquele espaço, a encarnação de um texto, de fragmentos dele. No texto curatorial dessa exposição, “O verbo é imagem” (2008), Alberto Saraiva chama isso de “construção conceitual do espaço”. O terceiro aspecto do escrever é o que mais me interessa. Sinto que com meu trabalho plástico escrevo algo, mas esse algo só é passível de eu verificar através do outro. Então, sinto que escrevi quando o outro me dá o retorno daquilo que ele viu, ou ele continua a história, ou aquilo o levou para outro espaço de sua memória ou de sua imaginação. Quando o trabalho afeta o outro é porque aconteceu algo ligado à escrita, uma torção pôde acontecer – escrever é ser lida. Isso porque fico pensando sempre no “coeficiente artístico” do Duchamp. O que o trabalho faz em uma pessoa, o que desperta seu espírito crítico? O que faz com que ela se detenha é algo que nunca se vai descobrir... É curioso porque Duchamp fala no texto “O ato criador” (1957) que a escritura do que desperta o outro é a falta de um elo; é o coeficiente artístico como a falta de um elo que vai detonar essa história em outra pessoa. Então, isso, para mim, é escrever; é o que está ligado ao funcionamento da linguagem. E é o que me interessa.

CARTA ROUBADA, 2000 CARTA ROBADA | PURLOINED LETTER labirinto de letras em baixo-relevo 22 m2 laberinto de letras en bajorrelieve maze of letters in bas-relief

Parece-me que na relação que você estabelece nesse momento meio indivisível, entre a imagem e a linguagem, há uma linguagem que se espacializa. Alberto Saraiva, na genealogia que traça de seu trabalho, remete a Mallarmé etc. Acho, porém, que, além da própria referência ao trabalho de Mallarmé, há uma imagem espacializada. Uma imagem que se poderia remeter aos hieróglifos, ao início da linguagem. Ao mesmo tempo, essa

217


BABEL máquinadenãoescrever, 1999 estênceis das letras do alfabeto + matéria-tinta 100 x 10 x 12 cm esténciles de las letras del alfabeto + matéria-tinta | stencils of alphabet letters + paint-matter

CLAUSURA, 2005 | ENCLOSURE Oi Futuro Centro de Arte e Tecnologia plotter do Narciso de Caravaggio + recorte para vista externa 475 x 330 cm plotter of the Caravaggio’s Narcissus + external view cut

imagem é temporalizada. É como se você jogasse com esses dois elementos que foram considerados antitéticos durante muito tempo na arte. Mas, mais do que isso, também me parece que seu trabalho, e talvez seja essa a minha questão, remete a esse momento – e Derrida, em Des tours de Babel (1987) diz isso muito bem – em que essa linguagem unificada é implodida, digamos com a destruição da Torre de Babel. Questão, aliás, presente em seu trabalho, Babel, de 1999, a máquinadenãoescrever. Cyriaco Lopes, referindo-se a esse trabalho, diz uma coisa muito bonita: “as palavras antes de serem, [estão] inchadas de possibilidades”. Quer dizer, é esse momento em que essas línguas vão precisar encontrar termos de tradução, de transcrição, de relação.

É. Há uma frase da Mira Schendel em que ela diz “fixar o próprio instante, no qual a vivência se derrama para o símbolo, no caso, para a letra.”2 Acho que é isso, um pouco o que você está dizendo, que o antes é esse momento. Em seu texto ao qual se referiu há pouco, “Uma consistência para a linguagem” (2001), você fala que seria possível supor algo da ordem de uma consistência para o funcionamento da estrutura simbólica que o trabalho aborda. O que seria essa consistência? O que você pretende com essa ideia de consistência?

Acho que a consistência entra aí como imagem mesmo. Uma consistência de imagem, imaginária. Como quando no “estádio do espelho” (segundo Lacan) o que dá consistência àquele emaranhado de sensações é uma imagem. A imagem da criança em frente ao espelho organiza aquele turbilhão de sensações, e isso tem uma consequência. Talvez seja isso, não sei, mal comparando...

2 Mira Schendel in No vazio do mundo [org. Sonia Salzstein. São Paulo: Marca D’Água, 1996] p. 256.

218


Você se refere muito à ideia do simbólico. Uma referência a Lacan, à psicanálise?

É. Fico pensando no real, simbólico e imaginário... no mundo dos seres falantes... acho que me acostumei a essa terminologia. Pensar o real como algo que não se consegue apreender narcisicamente. É algo que todos abate; não dá para encarar o real. Tem que haver muitas veladuras. O imaginário se refere à imagem, à imaginação, ao especular, à forma. E o simbólico trata da fala e da escrita, vamos dizer assim. Então, quando vou analisar o espaço simbólico de um determinado espaço expositivo, penso na história do lugar, imagino um espaço carregado de vivências e, enfim, se é uma instituição, se não é, se era uma casa, se não era, se é um espaço adaptado, se não é. Tudo isso vou levando em conta. Interessante no que se refere ao simbólico em sua démarche é o fato de as evocações simbólicas – evocações que remeteriam às questões simbólicas, aos arquétipos, etc. – serem muito restritas, nesse sentido estrito. Ao mesmo tempo, há todo um trabalho de esgarçamento da linguagem, por exemplo, nos trabalhos com as teclas de máquinas de escrever, os normógrafos, os estênceis de letras..., ou seja, a idéia do esgarçamento da linguagem...

De fato, interessa-me muito mais o vazio que a letra deixa do que propriamente o que ela diz. Poema a Picabia (1999), por exemplo, é um acúmulo de sobreposições de fragmentos de escrita em que nada se lê. Ou quando uso os estênceis, o que me chama atenção no estêncil de letra é o buraco da letra. Então, acho que está muito mais relacionado com o vazio, aquela metáfora do vaso na formulação lacaniana – você dá um contorno àquele vazio, até transformar um nada em vazio, o que é diferente. POEMA A PICABIA / BABEL, 1999 POEMA FOR PICABIA / BABEL Centro Cultural Cândido Mendes 219


Explica melhor essa transformação, em seu trabalho, do nada em vazio....

Às vezes fico pensando... há vários níveis: o nada não tem sequer conformação; o vazio precisa de algo em volta para se configurar como tal. Então, quando se vai cingindo o espaço de forma a criar esse vazio, se cria o vazio, mas tem ali muita ação, muito trabalho. Esse vazio ao qual você se refere seria um vazio da linguagem, preenchido com a imagem? Ele não se daria nessa relação?

IN-OUTDOOR Este é o problema, 2003 IN-OUTDOOR – Este es el problema IN-OUTDOOR – This is the problem

A ORIGEM DA OBRA DE ARTE, 2004 EL ORIGEN DE LA OBRA DE ARTE THE ORIGIN OF THE WORK OF ART livro 21,5 x 13,5 cm libro | book

É, talvez se tenha chegado a esse ponto de a imagem poder dar a ver esse vazio. Ela entra sempre dando consistência imaginária, mas não preenche esse vazio, escancara mesmo esse vazio. Ele é o que está entre. Acho que é isso: a imagem entra para dar consistência ao vazio, como se ela pudesse fazer esse trabalho, de cingir o vazio da letra, no que a letra ‘des-completa’ a imagem. Essa idéia de “cingir o vazio” poderia ser um bom título para nossa entrevista... Sobre seu vídeo A origem da obra de arte, 2008, o que seria essa origem? A impossibilidade de se chegar a essa origem?

Se tivesse que procurar a origem em algum lugar, procuraria no público, não procuraria nem na obra, nem no artista. Agora, sei que não iria encontrar, mas iria procurar lá... e creio que o vídeo passa um pouco isso que eu quis dizer. A origem da obra de arte é procurar a origem da obra de arte, nunca encontrá-la, e é uma sobreposição desse nunca encontrar e sempre procurar que está nas mãos do público. Sua referência direta é Heidegger...

Sim. Esse vídeo partiu de um livrinho que fiz. Aparentemente, ele é igual à edição portuguesa de A origem da obra de arte [1992] de Heidegger. No entanto, ao folheá-lo, deparamo-nos repetidamente com a imagem da capa: A origem da obra de arte, A origem da obra de 220


arte, A origem da obra de arte, até a metade do livro. Nesse ponto o livro se abre em duas páginas em branco. Daí para a frente acontece um reviramento, e tudo se repete de cabeça para baixo, de forma que o livrinho possui externamente duas capas iguais, mas de pontacabeça uma em relação à outra. Já o vídeo mostra as mãos das pessoas manipulando esse livro. Inicialmente uma pessoa, depois sobreponho as imagens da segunda, da terceira, etc. até ficar bem saturado de mãos manipulando os livrinhos simultaneamente. No final todos fecham os livros e os deixam sobre a mesa ao mesmo tempo. Li o livro de Heidegger com o Paulo César (Duque Estrada) lá na PUC. Havia uma coisa que me incomodava realmente: achar que Heidegger não dá importância, não fala muito do público. Fala que o artista é a origem da obra, que a obra é a origem do artista, vai de um ao outro... E eu ficava muito surpresa, porque de alguma forma ele era contemporâneo também do Duchamp. Acho que ele não tinha acesso a isso. Mas tudo o que ele vai falando sobre o objeto, o utensílio e a coisa está muito bem trabalhado nos readymades do Duchamp... enfim, ele preferiu falar sobre os sapatos no quadro do Van Gogh e sobre o templo grego. Quem sou eu, não é? Mas fiquei com vontade de fazer então esse outro livro, no qual pudesse dizer o que para mim é essa estória de origem. Depois do Derrida ficou todo mundo com pudor de falar de origem. Hoje se fala mais assim... a centralidade da coisa... porque isso é central, isso não é central... Quando percebi isso, me veio aquela história do toro [o vídeo Ironia, de 2008]. O toro tem um centro, mas não como o da esfera, que é interior à esfera; o centro do toro fica fora do toro. Na verdade, num espaço em que confinam interior e exterior. No que diz respeito ao vídeo A origem da obra de arte (2008), existem pessoas que acham que falo a mesma coisa que o Heidegger, outras acham que estou falando outra coisa, e eu acho que é assim mesmo que tem que ser.

QUARTO DO TEMPO, 2008 HABITACIÓN DEL TIEMPO TIME ROOM projeção do vídeo Ironia proyección del video Ironía Ironia video projection

221


Nesse vídeo, ao questionar o que seria início ou fim, você coloca em xeque a ideia de eclosão da verdade, da obra de arte como eclosão da verdade. É nesse ponto, parece-me, que sua conversa com Heidegger se dá de maneira mais forte.

... sinceramente, acho que a verdade não interessa muito aos artistas. Você não vê artistas catando verdades por aí. Era uma coisa que me incomodava muito, quando comecei a estudar filosofia, essa obsessão pela verdade. Claro, tudo isso é tratado com muito mais refinamento e erudição, mas, alto lá, essa é uma questão deles. Dizer que a obra de arte engendra a verdade, até a coloca num patamar muito digno, mas engessa... Acho que engessa e desarma. Então, havia esse mal-estar, vamos dizer assim, em relação à verdade e, com certeza, isso é muito mais uma questão da filosofia. Lembro-me sempre do Kosuth, quando ele fala que filósofos são como “bibliotecários da verdade”,3 acho engraçado. Mas não quero falar mal dos filósofos não. Até porque, assim como a psicanálise e a literatura, a filosofia coloca questões em relação ao pensamento e à linguagem que estão presentes na minha poética. MATÉRIA-TINTA | PAINT-MATTER

Parece-me que, de certa maneira, essa mesma torção que você faz em relação à questão da origem da obra de arte faz também em sua Carta roubada (foto de 2002 e vídeo de 2008), porque, se a carta roubada, no conto de Poe, está exatamente na nossa cara, você desaparece com ela. E esse desaparecer...

Com relação a meu livro A origem da obra de arte, 2004, que é manipulado no vídeo, é interessante você chamar de torção, porque realmente na hora que reviro – da metade do livro em diante – há um reviramento... fico pensando que foi uma torção moebiana que aconteceu ali. As coisas vinham e, de repente, recomeçam pelo final ou terminam num reinício. Há Joseph Kosuth. “Art after philosophy” in Conceptual art: a critical anthology. [org. Alexander Alberro & Blake Stimson. Cambridge: The MIT Press, 1969] p. 159.

3

222


uma torção. Quanto à Carta roubada, existe a foto de um livro com algumas páginas arrancadas, que é bastante literal. A carta roubada é uma coisa que não está ali, falta em seu lugar, se presentifica pela ausência. Então já é uma torção. E a outra questão é em relação ao vídeo homônimo, que é feito de trás para a frente. A filmagem da mão arrancando e amassando as páginas do conto A carta roubada do livro de Edgar Allan Poe é montada de trás para a frente, em slow motion e com um efeito que deixa um “fantasma” da mão em movimento. Assim, ela dá a impressão de estar recolocando ritualisticamente as folhas de volta no livro. E a pessoa vai olhando, e no final ela vê, só depois, a posteriori é que ela vê que se tratava da carta roubada porque o título do conto só aparece no final. Realmente eu acho que há nesses trabalhos uma torção, que me faz lembrar muito a torção moebiana mesmo. Porque há uma continuidade entre início e fim, e, se se quiser extrapolar, entre imagem e escrita – não tem sentido falar em origem, em fora e dentro. Gostaria de me remeter a esse material que você usa, a matéria-tinta. Embora seja sem cor, translúcida, pela denominação que você deu, por sua maleabilidade, por esse escorrer, parece-me que essa matéria-tinta guarda uma relação com o vazio, ao qual você se referiu ainda há pouco. A matéria-tinta preenche, ao mesmo tempo apresenta o vazio, recobre...

A matéria-tinta surgiu de modo muito intuitivo, experimentando coisas. Fui usando vários materiais até chegar a essa consistência fluida e espessa. Lançada sobre suportes plásticos que recobrem escadas, a matéria-tinta, sob a ação da gravidade, percorre esse trajeto alternando ritmicamente acúmulos matéricos e ‘rastro-desenhos’. Depois de seca, ela se torna elástica e destacada do suporte plástico, deforma-se alongando-se. Na exposição “Drip music” (1996) usei a arquitetura da sala circular do Solar Grandjean de

MATÉRIA-TINTA | PAINT-MATTER lançada sobre plástico que recobre escada lanzada sobre plástico que recubre escalera | launched on plastic that covers ladder

REPUBLICANDO, 1997 Museu da República salão ministerial + matéria-tinta salón ministerial + matéria-tinta ministerial hall + paint-matter

223


Centro Cultural São Paulo; Eva de Victor Brecheret + matéria-tinta | Eve Victor Brecheret’s sculpture + paint-matter MATRIX (performance), 2000 224

Montigny como suporte para a morfologia elástica das extensas “peles” de matéria-tinta. Essas peles continham índices dos derramamentos ocorridos quando, no estado fluido, a matéria-tinta era lançada do alto das escadas. Além de achar muito bonito vê-la escorrer, tinha a impressão de que estava escrevendo. Agora, a matéria-tinta foi com o tempo assumindo isso mesmo, encobrir uma determinada coisa, para mostrá-la. Foi assim no Centro Cultural São Paulo (exposição “Iniciativas” em 2000); no Museu da República, no Salão Ministerial (exposição “Republicando” em 1997). Era essa a sua função. Até porque as coisas de repente ficam invisíveis, se toda hora você as vê, as encontra, se toda hora elas já estão lá, elas somem. Foi muito engraçado no Centro Cultural São Paulo, quando encobri com matéria-tinta a escultura Eva (1919) de Victor Brecheret. No dia da abertura, fizemos uma performance em que a descobríamos. Nesse momento o público exclamou: “Oh!” Alguns perguntavam: “Será que foi ela que fez (a escultura)?”. Mas essa escultura já estava ali desde sempre, quer dizer... aí começa o trabalho. Há também o fato de a matéria-tinta não se conformar a um molde; ela escorre, pinga... Você a utiliza em diversas circunstâncias...

Sim, em diversas circunstâncias, para isto: presentificar pela ausência. Algo que chama atenção pela expressividade da matéria que é muito forte, devido aos derramamentos rítmicos, aos escorridos... Escorrido que também remete à questão da linguagem...

Eu acho, embora não saiba explicar isso direito. Por exemplo, no trabalho Normógrafo (1997), em que a matéria-tinta vai-se infiltrando pelos orifícios das letras, aquilo eu vejo mesmo como o Cyriaco escreveu (“Matéria-tinta”, 1997), a tensão entre o molde da letra e o fluxo, sei lá, da vida, dos corpos, da matéria, da coisa transitória da fala...


E da linguagem...

É... quando fazia o trabalho utilizando a escada, também. Podia variar as distâncias entre os degraus e a quantidade de matéria-tinta derramada. Havia ali algo que ia determinando um ritmo. E ritmo tem a ver com linguagem. Ritmo é uma palavra grega que deriva de reo, fluir. Engraçado, não é? Quando li isso, em um texto de Lorenzo Mammí, “Deus cantor”,4 achei muito curioso porque o que eu estava fazendo ali era fazer fluir ritmicamente a matéria. Atualmente acho que alguns trabalhos com matéria-tinta propõem também materialidade para o som musical e da fala, a partir da analogia que eles estabelecem entre o modo como a matéria-tinta flui no tempo e o modo como supõem que os sons o fazem: por infiltração e transbordamento, por exemplo. Helena, fala um pouquinho sobre o início do seu trabalho. Você veio da arquitetura...

Comecei minha formação como arquiteta, estudei na UFRJ e cheguei a trabalhar uns 10 anos com arquitetura, tive escritório, etc. Mas chegou um determinado momento em que realmente eu não estava feliz com essa situação. Via meus colegas entusiasmados e tal, e tinha uma profissão, mas não era apaixonada por aquilo. Sempre soube que o que queria fazer mesmo era desenhar, pintar, mas não deu. No meu ambiente familiar arte era hobby. Então, quando as coisas não estavam mais se sustentando, estava totalmente infeliz, fui para o Parque Lage. Caí ali e, parecia pinto no lixo, como se diz... porque tinha aula com professores artistas...

MÁQUINADENÃOESCREVER Normógrafos, 1997 normógrafos + espelhos + matéria-tinta | normografos + espejos + matéria-tinta | lettering guides + mirrors + paint-matter

Com quem você teve aula?

Com muita gente. Fiquei seis anos direto estudando no Parque. Tive aula com John Nicholson, Daniel Senise, Gianguido Bonfanti, Milton Machado, Fernando Cocchiarale, Katie Scherpenberg, Reynaldo Roels, Charles Watson, Marcos Veloso, Suzana Queiroga, Lia 4 Lorenzo Mammi. “Deus Cantor” in Artepensamento [org. Adauto Novaes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994] p. 46.

225


BELO-OLEB - Reflexões Kant com Caravaggio, 2005 BELLO-OLLEB – Reflexiones Kant con Caravaggio

BEAUTIFUL-LUFITUAEB – Kant with Caravaggio’s Reflections

226

do Rio, Ricardo Basbaum, Iole de Freitas... Gostava muito disso, de poder fazer o meu caminho dentro da escola, não havia ninguém me dizendo, agora isso aqui você faz primeiro do que isso aqui... Fiz meu caminho naquela escola, e gostava muito porque via o trabalho de outros alunos, e era tudo mesmo misturado, pessoas que tinham mais trajetória, pessoas que não tinham, que nunca iam ter, mas estavam lá. Achava tudo muito bom. Acho até hoje, aliás. Era tudo muito estimulante. Em 1994, comecei a fazer exposições. Momento em que senti necessidade de ir mais além nos meus estudos. Viajei para Nova York, onde fiz alguns cursos. Cursos rápidos, de três meses. Cursos teóricos, sendo um na New York University, e dois na School of Visual Arts. Fui fazer também técnicas de impressão na Arts Students League só porque era a escola em que Pollock havia estudado... achava que tinha que ir lá de qualquer jeito. Foi a escola mais parecida com o Parque Lage que encontrei: eram pessoas do mundo inteiro, vários níveis, e lá as pessoas escolhiam os cursos que queriam fazer, na hora que podiam fazer... Quando voltei de Nova York, senti necessidade de fazer o mestrado. Já assistia a suas aulas e, junto com Cyriaco, ia experimentando como ouvinte. Aquilo tudo abria um outro mundo para mim. Era muita informação, me deparava com pessoas muito interessantes. Gostava muito daquela estória. Depois fiz o mestrado, que para mim foi muito importante, porque adorava fazer aqueles exercícios práticos, e ver o processo criativo das outras pessoas. Era fascinante. E começar esse exercício da escrita foi penoso mesmo, por ser, para mim, muito difícil. Mas comecei a ver que era importante essa reflexão, fazer essa reflexão sobre o que eu já havia feito, e meio que colocar a questão: e daqui para diante, como é que seria, e tal. Então, aí, acho que perdi o medo de escrever. Talvez ainda não escreva tão bem, mas... sabe? é mais pelo efeito que isso traz para mim. Depois fui para a PUC, onde fiz a pós de Arte e Filosofia,


que é mais de filosofia moderna, ligada à estética, e terminei agora a pós de Filosofia Antiga, que é muito bacana também. No ano que vem vou começar a de Filosofia Contemporânea. Então tem essa coisa também no meu trabalho, que vou buscar nos textos... Por exemplo, antes do mestrado, já vinha lendo Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois, e achava o máximo o fato de eles sempre se reportarem a Lacan, a Freud. Para mim aquilo era uma novidade, nunca havia visto em livros acadêmicos a psicanálise como meio de pensar arte. Esta era outra pergunta que eu ia fazer: qual a sua relação com a psicanálise?

É uma questão delicada, porque, quando você abre a boca para dizer Lacan..., as pessoas acham logo que você leu tudo, que você sabe à beça e, olha, não é o caso. Não leio nada visando à erudição, ao acúmulo de conhecimento, fazer pesquisa, não rola assim comigo. Leio até o ponto em que aquilo me causa uma inquietação, me mobiliza porque acho poético, porque acho que comporta muita indeterminação. Alguns textos têm tanta carga de indeterminação, que acabam se tornando poéticos. É como se eles interrogassem a pessoa nesse sentido de completar aquele texto, de dar sua contribuição àquele texto. Então, minha relação com a psicanálise é essa. Faço análise, que foi importante para mim na passagem que acabei de mencionar, da arquitetura para a arte. Sozinha teria sido muito difícil fazer essa virada na minha vida e..., bom, meu marido é psicanalista. Então disponho de uma biblioteca enorme. Aí vou assuntar, vou pegar. Tem uma hora que pego e não consigo mais largar, começo a ler e achar interessante. Tem também esse estímulo de quem escreve sobre arte estar agora se referindo muito a essa questão, a um dos grandes pensadores do século, Freud, enfim.

CIRCULAR Topologia das luvas, 1998 CIRCULAR - Topología de las guantes CIRCULAR - Topology of the gloves luvas cirúrgicas + matéria-tinta guantes quirúrgicos + matéria-tinta surgical gloves + paint-matter

227


Em que medida a questão da psicanálise está presente em seu trabalho?

TEMPO PARA COMPREENDER, 2002 | TIEMPO PARA COMPRENDER TIME FOR UNDERSTANDING relógios com mostradores de letras + fonemas resultantes da combinação de cada letra com todas as outras relojes con mostradores de letras + fonemas resultantes de la combinación de cada letra con todas las demás | clocks with letter dials + phonemes resulting from the combination of each letter with all others

228

Tenho certo pudor de dizer, porque acho que quem tem que dizer é o outro (psicanalistas...). Mas está presente naquilo que me mobiliza, naquilo que me dá uma ideia, que me traz uma interrogação. Então, vou nessa trilha. Li algo que achei poético ou intrigante, ou então é uma coisa que não consigo entender... e fico, leio, e aquilo não tem uma resolução para mim. É porque aquilo vai virar um trabalho. A psicanálise – apesar dos desencontros históricos com a arte – comporta indefinição, como a arte. Comporta um pensamento que não é esse pensamento da verdade propriamente, mas um pensamento que toma em consideração o descentramento, a falha... Enfim, o vazio, o buraco, tudo isso é encarado como algo operativo, como algo produtivo. Então talvez seja isso o que me chama a atenção. E sua relação com o mercado?

Ah, não existe, não é? Você parece transitar em sua pesquisa e seu trabalho com muita liberdade...

Felizmente posso fazer isso. Porque, por exemplo, um site specific, faço-o levando em consideração o espaço. Uma vez ou outra ‘pinga’ um objeto, que vai aparecendo na minha poética, mas um site specific, como vai se vender isso? Acho que ninguém vai ter interesse. Não tenho galerista, e até para participar dos salões, nem acho que se chama mais salão, mas, enfim, é complicado, não é? Geralmente para um salão você manda um trabalho fechado, um objeto, um vídeo, uma instalação, etc. Agora começam a ter essa flexibilidade de você poder inventar uma coisa específica para um espaço... Quer dizer, tenho consciência de que sou muito desconhecida, sabe? Várias pessoas que foram ver minha última exposição falaram: “poxa, você não expõe”. Respondo que exponho sim, trabalho. Só que não exponho em galeria comercial


e sim mais em instituições que me oferecem um espaço para desenvolver com liberdade meu trabalho. Pelo fato de você trabalhar com a questão da linguagem, em uma relação estreita com a imagem, com o esgarçamento de um e de outro, em que medida a arte conceitual, o viés conceitual, está presente em seu trabalho?

A arte conceitual que você diz é a histórica? Essa mesmo depois de Duchamp... Pois é, comecei a ter mais contato com Duchamp nos cursos que fiz em Nova York. Depois, no mestrado tentei estudar mais profundamente. Mas nunca sei exatamente quais são os caminhos dessas coisas que estudo, leio ou escrevo. Qual é o caminho que isso faz para alcançar o trabalho, se transformar num trabalho.... Claro que, no que se refere à obra, a arte conceitual deu uma liberdade muito grande ao artista, ou pelo menos considero assim, de poder trabalhar em diversas mídias, vídeo, desenho, objeto... Mas esse viés conceitual não estaria presente no fato de enfatizar o vazio, de desqualificar a forma como motor do trabalho, privilegiando muito mais sua aparição? Talvez essa tenha sido a grande contribuição do viés conceitual. Mais uma questão: seus trabalhos estão carregados de narrativas, de remissões a várias coisas. É necessário ao público, a que você se dirige, ter ideia mínima do que seria A carta roubada? Ou do que seria A origem da obra de arte? São narrativas que estão presentes...

CAMPO MINADO, 2003 MINEFIELD Paço Imperial teclas de máquinas de escrever ø 6m h= 225 cm 100 m2 teclas de máquinas de escribir typewriter keys

A CARTA ROUBADA, 2002 LA CARTA ROBADA THE PURLOINED LETTER livro de Edgar Allan Poe destituído do conto A carta roubada libro de Edgar Allan Poe destituido del cuento La carta robada | Edgar Allan Poe’s book devoid of the tale The Purloined Letter

Bom, posso estar iludida, mas sempre tenho a esperança de que, por exemplo, uma pessoa que nunca leu A origem da obra de arte, ou que não sabe nem quem é Heidegger, ainda assim possa usufruir do trabalho. A experiência que tenho das pessoas me falando é de que elas entendem, a origem da obra de arte pode ser... a carta roubada e um texto rasgado podem ser... então, tenho sempre essa esperança, ilusão, convicção de que o trabalho tem várias camadas e que pode ser apreciado em vários níveis também. A pessoa pode ter uma noção 229


mais geral ou mais aprofundada. E acho que, talvez, a pessoa muito erudita não fique tão aberta a outras possibilidades; acha, por exemplo, que o trabalho está muito grudado com Edgar Allan Poe, com Lacan ou com Heidegger, quando essas referências foram só o motor do trabalho. Penso que as pessoas não têm que saber isso tudo. Interessa-me muito o retorno das pessoas, e muitas vezes me surpreende; é aí que é legal, quando a gente se surpreende com aquilo que fez, e como aquilo atingiu o outro. Então, quanto à arte conceitual, à questão do projeto, acho que vai ter sempre aquilo que escapa... a tal da fratura, do desencontro. Refiro-me muito menos a uma arte conceitual, digamos canônica, Kosuth, Art&Language, etc. e muito mais a esse viés conceitual, da presença muito forte da linguagem em todos os seus níveis em seu trabalho. A linguagem como uma certa matéria de seu trabalho, como narrativa, a linguagem como sonho. Em várias instâncias ela está presente em seu trabalho. S-E-N-T-I-D-O, 2009 | S-E-N-S-E ratoeira + tipos de máquina de escrever ratonera + tipos de máquina de escribir | mousetrap + typewriter types

Claro, como você falou, a arte conceitual deixou acontecer essa infiltração da linguagem na imagem. Isso com certeza. Agora, aquela coisa, isso é arte porque eu digo que é, isso para mim não faz muito sentido; isso aí talvez seja uma parte canônica... ... ou que a arte seria uma definição da arte...

Isso também não faz muito sentido, não me mobiliza. Agora um Duchamp falar no “coeficiente artístico” me mobiliza, acho o máximo. E acho muito interessante que ele lance isso, e da forma como lança: alegoricamente. Não vamos esquecer que se ele lança, esse lançamento foi visto pelos outros olhares...

Pelos outros olhares? O texto, você diz? Não só os textos, mas as próprias ideias de Duchamp precisaram, de uma certa maneira, de um campo cultural 230


específico para que elas pudessem ser pensadas. Algo que, a meu ver, vem junto com a arte conceitual, e para ser mais precisa, com esse viés conceitual, é o fato de permitir quebrar com a ideia de autonomia da arte que estaria voltada para si mesma. Daí que entra a questão do site specific, da relação com o espaço e com os outros dados da situação expositiva. Parece-me, por exemplo, particularmente em sua exposição do Castelinho, que além da questão do site specific você incorpora algo que talvez tenha a ver com sua experiência anterior como arquiteta, que é a ideia da casa. Você trata o espaço como uma casa. É como se a ideia da casa estivesse interna a sua própria ideia de site specific, embora não me pareça ali que você remeta imediatamente às particularidades de cada espaço. Você faz uma outra casa...

É como se eu reanimasse os cômodos, embora eu não saiba se tal espaço era uma biblioteca, uma sala, se era um quarto mesmo. Trata-se de outra casa. Realmente a arquitetura foi produtiva no sentido dessa abordagem do espaço. Mas a atenção maior é para o simbólico, o que aquele espaço pode representar, qual a carga de histórias... Depois fiquei pensando que cada cômodo daquele – e esse é um conceito que vou utilizar neste livro – pode ser encarado como um livro. Um livro dentro de um livro maior, que seria a casa. Então cada sala, cada cômodo seria um livro que eu poderia reanimar como imagem. Trazer como imagem a experiência do espaço para a página do livro.

DERRAMPANTE, 1995 tinta escorrida sobre plástico transparente tinta escurrida en plástico transparente paint dripped on transparent plastic

Voltando à questão da genealogia. Você se refere em seu trabalho a Duchamp, ao Dada, a Picabia, e Mira Schendel seria uma figura central. Para você, como se dão essas eleições? São afetivas?

Totalmente, porque também tem o Pollock. Lembro bem, quando comecei o trabalho com a matéria-tinta, tinha dois artistas em mente: Pollock e Duchamp. Quer dizer, normalmente, canonicamente, ninguém iria grudar uma coisa na outra, são polos opostos, sei lá. 231


Mas eu comecei a ver que, para mim, tinha a ver. É um pouco uma costura... Lembro-me de que o trabalho com a escada começou como um exercício que a Suzana (Queiroga) propôs: desenvolver o conceito de movimento e o conceito de equilíbrio. Quando comecei a desenvolver o conceito de movimento, dois trabalhos me vieram à cabeça: os drippings [1947-50] do Pollock, óbvio, e a pintura Nu descendo a escada [1912] do Duchamp. Como um ainda era uma representação do movimento, e como Pollock era o próprio movimento dado a ver. E me deu uma vontade muito grande de fazer uma síntese louca entre essas duas coisas, e acabou que resultou na matéria-tinta descendo a escada. Trata-se de seu trabalho Drip music exposto em 1996 no Solar (Grandjean de Montigny), não é? Achei muito curiosa a referência à Madonna del parto [1460], de Piero della Francesca, no vídeo de Cyriaco Lopes e Fábio Carvalho... SNAKES END LADDERS, 1995 moldagem de escadas em matéria-tinta 400 x 100 cm moldeado de escaleras en matéria-tinta | casting of ladders in paint-matter

Acho que foi Milton Machado quem chamou nossa atenção para essa pintura; nessa época todos nós estudávamos lá no Parque Lage, e Milton dava aula. A sala em que fiz essa instalação lá no Solar é redonda, como a tenda em que a Madonna aparece. Tenda essa que remete aos painéis de matéria-tinta como veladuras, à fresta da roupa dela que se abre só um pouquinho... Acho que eles acharam que tinha a ver... E realmente nessa época eu também estava grávida. No vídeo até aparecem imagens da ultrassonografia de meu filho... Hubert Damish escreveu um belo livro, Un souvenir d’enfance par Piero della Francesca (1997), só sobre esse quadro.

Ah, mentira! (Risos) Preciso ler... Nesse vídeo parece pairar, de certa maneira, a questão “de onde viemos”... O que me remete, concluindo nossa conversa, a seu trabalho e ao título de sua monografia do 232


mestrado: “Campo minado”, 2003. O que seria esse campo minado? Ainda é uma questão que permanece para você?

Em “Campo minado” havia a questão da ambiguidade das minas. Minas enquanto riquezas e/ou perigos. Na verdade, pensei na questão do erro. O erro, o ato falho, o lapso têm uma riqueza muito grande. Você pode rastrear esse erro e encontrar questões centrais que estavam ali totalmente escondidas. “Campo minado” tinha essa referência para mim, havia também o texto de Rosalind Krauss, “Escultura no campo ampliado” (1978), sobre instalações e... “Campo minado” não teria também relação com a ideia da desarticulação da linguagem?

Isso, sim! Desarticulação, é bem colocado... Porque não é só o ato falho...

Toda essa Babel...

Realmente: é isso. Parece-me que é assim que funciona. E como foram a experiência com grupo A95 e sua parceria, por exemplo, com Cyriaco?

Foi uma época ótima, maravilhosa. A gente se organizou em grupo – quando nem existia muito essa prática de as pessoas se associarem –, nos encontrávamos semanalmente para ler textos, conversar e discutir um o trabalho do outro. Até que culminou em exposições que fizemos juntos. Acho que aí os trabalhos estavam mesmo contaminados, e foi uma experiência muito legal com Cyriaco, Luiz Cavalheiros e também Fábio Carvalho. Fábio saiu do grupo antes de o grupo terminar; mais tarde, Cyriaco viajou. Faço alguns trabalhos com

DRIP MUSIC, 1996 vídeo de Cyriaco Lopes e Fábio Carvalho

Quando se fala desarticulação, há todo um campo de coisas que excedem... porque o funcionamento do inconsciente tem essa tendência ao engano, e o ato falho é só um deles. Há momentos em que o silêncio é eloquente, momentos em que o desencontro, toda essa...

6:20 min

O ato falho como uma desarticulação...

233


Luiz Cavalheiros (por exemplo, os vídeos ISSO,5 de 2001, e Baixo Rocinha,6 de 2006), nos falamos até hoje. Temos muita intimidade um com o trabalho do outro. E gostavámos muito disso, de fazer os trabalhos e não dizer de quem era, ou fazer os trabalhos juntos mesmo. Isso me lembrou um pouco esse trabalho de curadoria com o Alberto [Saraiva], sabe? Me remeteu totalmente a essa experiência do grupo de artistas, porque no grupo um influenciava o trabalho do outro, um escrevia sobre o trabalho do outro.

ISSO, 2001 | DAS ES

vídeo de Helena Trindade e Luiz Cavalheiros 10:50 min

Quando é que começa?

234

Em 95, no Parque Lage, ainda. Eu, Luizinho e Cyriaco estávamos terminando o aprofundamento em pintura, tínhamos o ateliê lá, mas eu trabalhava em casa também. Fizemos, então, nossa exposição de formatura. No início, o A95 era todo mundo daquela turma e o Fábio, mas as pessoas com outros interesses foram saindo, e nós fomos ficando. Logo depois Cyriaco passou para o mestrado e trazia muita coisa, textos que discutíamos. Depois me convidou para assistir a suas aulas... Foi uma época muito interessante, e o que acho mais interessante é que me abriu para essa coisa participativa. Para mim é muito bom estar trabalhando com outra pessoa, sabe? Assim como aconteceu com Alberto. Você fala uma coisa, a pessoa potencializa aquilo que você falou; dá-se exibicionalidade ao trabalho, pensa-se uma montagem. Tudo isso, para mim, é muito estimulante, e muito bom para o trabalho. Esse isolamento que se tende a ter não é desejável. Acho bacana poder trocar, influir no trabalho do outro. Não acho que as ideias que tenho sejam intocáveis, que não possam ser mexidas, transformadas. Pelo contrário: se se chega a ponto de outra pessoa querer interferir nesse trabalho, é porque o trabalho está trabalhando! Rio de Janeiro, 05 de agosto de 2008 Verme passeia sobre labirinto de letras. Mercado popular da Rocinha registrado por duas filmadoras fixadas ao corpo do artista. 5 6


235

BAIXO ROCINHA, 2007 | ALREDEDORES DE LA ROCINHA | ROCINHA’S ENVIRONS

vídeo de Helena Trindade e Luiz Cavalheiros 3:09 min


CEÑIR EL VACÍO Entrevista de Helena Trindade a Glória Ferreira1 Glória Ferreira – Mi primera pregunta es sobre algo que me dejó curiosa: el hecho de que hayas sugerido el formado de entrevista. ¿Cuál es tu idea y expectativa sobre una entrevista? Helena Trindade – Bueno, siempre que veo un libro de artista, la primera cosa que leo es la entrevista porque me parece muy…, es una letra viva, ¿no? La entrevista, cuando está bien llevada, trae muchas cosas que, si no fuese por aquella oportunidad que tiene la persona de hablar, no se producirían. El habla se anticipa a la certeza. La escritura es una cosa atrás de la otra, tiene mucha edición, va y vuelve. Y el habla está más contaminada por el acto fallido, por el lapsus. Y así que vislumbré la posibilidad de hacer el libro pensé en una entrevista. Y la primera persona en la que pensé fue en ti, porque ya teníamos un vínculo. Podemos pensar la entrevista como un habla de artista; por lo menos un habla que no estaría subordinada a un juicio, a una evaluación crítica. Y eso es interesante. Es más una charla. La entre-vista crea una relación entre lo que es del orden del habla y lo que es del orden de la escritura. Crea un intermezzo. Hace ya algún tiempo, con casi quince años de producción, tu trabajo se ha pautado por la relación entre la imagen y el lenguaje o, tal vez, por ese momento indefinido. Tal vez no sea exactamente “indefinido”, sino una relación que no es pasible de ser disociada y, al mismo tiempo, no es Glória Ferreira es Doctora en Historia del Arte por la Sorbona. Fue profesora de la EBA/UFRJ entre 1996 y 2007, es crítica de arte y comisaria independiente. Entre sus comisariados se destacan: “Arte como questão – anos 70” (2007); “Trilogias. Nelson Felix” (2005); “Situações: arte brasileira – anos 70” (2000); “Ecco. Artistas italianos por artistas brasileiros” (1999); “Hélio Oiticica e a cena americana” (1998); “Luciano Fabro” (1997); “Amílcar de Castro, retrospectiva” (1989) y “Hélio Oiticica e Lygia Clark” (1986). Organizó diversos libros, como Trilogias. Conversas entre Nelson Felix e Glória Ferreira (2005); Wilton Montenegro. Notas do observatório (2006) y la compilación Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas (Funarte, 2006). Coorganizó las compilaciones Clement Greenberg e o debate crítico (1997) y Escritos de artistas 1960/1970 (2006), Jorge Zahar Editor. Fue codirectora de la revista Arte&Ensaios, entre 1997 y 2006. Dirige la colección Arte+, de la editorial Jorge Zahar. Publica en diversas revistas nacionales e internacionales.

1

236

ENCIRCLING THE EMPTINESS An interview with Helena Trindade by Glória Ferreira1 Glória Ferreira – My first question is about something that made me curious: the fact that you suggested the interview as our format. What are your ideas and expectations of an interview? Helena Trindade – Well, every time I look at an artist’s book, the first thing I read is the interview, because I think it’s very… it’s a living account, isn’t it? When well conducted, the interview brings out a lot of things that, had it not been for that person having the opportunity to speak, wouldn’t have happened. The spoken word precedes certainty. The written word is a thing after another, there’s too much editing, it comes and goes. But speech is more contaminated by slips of the tongue, by involuntary lapses. And as soon as I envisioned the possibility of making the book, I thought about being interviewed. And the first person I thought about was you, because you and I already had a bond. We may think of the interview as a speech by the artist; at least a speech that would not be subject to any judgment, any critical evaluation. And this is interesting. It’s more conversational. The inter-view creates a relationship between that which pertains to the spoken word and that which pertains to the written word. It creates an intermezzo. With almost 5 years of production, and for a while now, your work has been based on the relaGlória Ferreira holds a Doctors Degree in Art History from Sorbonne. She was a professor at EBA/UFRJ from 1996 to 2007; she is an arts critic as well as an independent curator. Some of her curatorships are: “Arte como questão – anos 70” (2007); “Trilogias. Nelson Felix” (2005); “Situações: arte brasileira - anos 70” (2000); “Ecco. Artistas italianos por artistas brasileiros” (1999); “Hélio Oiticica e a cena americana” (1998); “Luciano Fabro” (1997); “Amílcar de Castro, retrospectiva” (1989), and “Hélio Oiticica e Lygia Clark” (1986). She has organized several books, such as Trilogias. Conversas entre Nelson Felix e Glória Ferreira (2005); Wilton Montenegro. Notas do observatório (2006) and the collection Critica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas (Funarte, 2006). She has also co-organized the collections Clement Greenberg e o debate crítico (1997) and Escritos de artistas 1960/1970 (2006), published by Jorge Zahar Editor. She was the co-editor of Arte&Ensaios magazine from 1997 to 2006. She oversees the collection Arte +, Jorge Zahar Editor. She has published articles in several national and foreign magazines. 1


lo mismo. ¿Cómo situarías, hoy, esa cuestión de la relación entre imagen y lenguaje en tu trabajo? ¿como una cuasi desconstrucción del lenguaje para llegar a la imagen, pero a una imagen que remite al lenguaje? Sí… Cyriaco Lopes en el texto “Máquina de escribir” (2008) dice que mi trabajo sería más escribir y menos texto. Es decir, hay una acción ahí. En un texto que hice, todavía durante la maestría, como monografía para Carlos Zilio – “Una consistencia para el lenguaje” (2001) – , decía que lo que le daría consistencia al lenguaje sería una imagen para su funcionamiento. Según los términos de la poética que vengo desarrollando existen, por lo menos, tres instancias que atienden a la acción de escribir: La primera es aquella de la escritura en sentido estricto, que de vez en cuando uno va, sintetiza y escribe. Por ejemplo, hace sus monografías, sus ensayos. A veces siento lo que está siendo escrito como una mirada que evalúa lo que ya se hizo; a veces es como algo que aún puede ocurrir, como algo que traza un rumbo. Una idea llega y uno escribe y aún no es el trabajo, pero es por donde va a andar el trabajo. Existe otro sentido del escribir que, para mí, es ese abordaje del espacio en que voy a hacer la exposición. Cuando entro al espacio, lo veo física, arquitectónica y, sobre todo, simbólicamente – lo que aquel espacio ya dice, lo que ya fue. Por ejemplo, en el Castelinho, en la exposición “Libros”, al comienzo de este año, aquel espacio era una casa. ¿Cómo rescatar ese dato sin ser memoria? Incluso porque pueden entrar varios datos de ficción, entrar cosas inventadas… Abordar el espacio de esa forma, queriendo saber un poco de la historia, pero sin estar atada a la memoria, sería un poco como si yo quisiera inventar un síntoma para aquel espacio, la encarnación de un texto, de sus fragmentos. En el texto de presentación de esa exposición, “El verbo es imagen” (2008), Alberto Saraiva llama ese proceso de “construcción conceptual del espacio”. El tercer aspecto del escribir es el que más me interesa. Siento que con mi trabajo plástico escribo algo, pero ese algo sólo puedo verificarlo a través del otro. Entonces, siento que escribí cuando el otro me hace una devolución de aquello que vio, o cuando continúa la historia, o aquello lo llevó a otro espacio de su memoria o de su imaginación. Cuando el trabajo afecta al otro es porque se produjo algo vinculado a la escritura, una torsión puede producirse – escribir es ser leída. Eso, porque siempre pienso en el “coeficiente artístico” de Duchamp. ¿Qué le produce el trabajo a una persona? ¿Qué despierta su espíritu crítico? Nunca se va a descubrir lo que

tionship between image and language or, perhaps, on this undefined moment. It might not be exactly “undefined”, but it has to do with a relationship that is not susceptible of being dissociated but that, at the same time, is not the same thing. Today, how do you see this issue concerning the relationship between image and language in your work: as a quasi linguistic deconstruction that attempts to attain the image, but an image that also points back to language? Well… In the text “Máquinas de escrever” (“Writing machines”, 2008), Cyriaco Lopes says that my work in fact is more about writing than text. That is, there’s an action there. In a text I wrote as a monograph for Carlos Zilio, while I was doing my Masters – “Uma consistência para a linguagem” (“A consistency in language”, 2001) –, I said that the way we impart consistency to language is by giving its functioning an image. According to the poetic terms I have developed, there are at least three instances that fit into the act of writing: The first one is the stricto sensu writing, which is the kind where once in a while you synthesize and write. You may write your theses, your essays, for example. Sometimes I see what is being written as a look that evaluates what has already been done; other times, it’s like something that still might happen, as something that shows the way. The idea comes, and you write it, and that’s not the work yet, but it’s the path the work is going to take. There’s another sense of writing which, to me, is the way I approach the space where I’m going to have an exhibition. When I get to the space, I see it physically, architecturally and, above all, symbolically – what that space is already saying, what it has already been. For example, at Castelinho, where the “Livros” (“Books”) exhibition took place in the beginning of this year, that space used to be a house. How could this information be recovered, other than as a memory? Because several fictional bits of information could be included, invented things… To consider the space in this manner, trying to know a little about its history, yet not being bound by memory, would be a little as if I wanted to invent a symptom for that space, the incarnation of a text, of fragments of a text. In the curatorial text of this exhibition, “O verbo é imagem” (“The verb is image”) (2008), Alberto Saraiva calls this the “conceptual construction of space”. The third aspect of writing is the one I’m most interested in. I feel that I’m writing something with my plastic work, but that something can only be verified when I see it through the spectator. Thus, I feel that I’ve written something when the spectator

237


hace que alguien se detenga… Es curioso porque Duchamp en “El acto creador” (1957) dice que la escritura de aquello que despierta al otro es la falta de un eslabón; es el coeficiente artístico como la falta de un eslabón que va a hacer que esa historia estalle en otra persona. Para mí, entonces, eso es escribir; es lo que está ligado al funcionamiento del lenguaje. Y es lo que me interesa. Me parece que en la relación que estableces en este momento medio indivisible, entre la imagen y el lenguaje, hay un lenguaje que se espacializa. Alberto Saraiva, en la genealogía que traza de tu trabajo, lo remite a Mallarmé y etc. Sin embargo, creo que más allá de la propia referencia al trabajo de Mallarmé, hay una imagen espacializada. Al mismo tiempo, esa imagen es temporalizada. Es como si jugases con esos dos elementos que durante mucho tiempo fueron considerados antitéticos en el arte. Pero más que eso, también me parece que tu trabajo y, tal vez sea ésta mi pregunta, remite a ese momento – y Derrida en Des Tours de Babel ( 987) lo dice muy bien – en que ese lenguaje unificado sufre una implosión, digamos que con la destrucción de la Torre de Babel. Un tema, por otra parte, presente en tu trabajo Babel, de 999 – la máquinadenoescribir. Cyriaco Lopes dice una cosa muy linda sobre ese trabajo: “Las palabras antes de ser, [están] henchidas de posibilidades.” Quiere decir que es en ese momento en que esas lenguas van a necesitar encontrar términos de traducción, de transcripción, de relación. Sí. Hay una frase de Mira Schendel en que ella dice “fijar el propio instante, en el cual la vivencia se derrama hacia el símbolo, en este caso, hacia la letra.”2 Creo que eso es un poco lo que estás diciendo, que el antes es ese momento. En tu texto, al que aludiste hace poco, “Una consistencia para el lenguaje” (200 ), dices que sería posible suponer algo del orden de una consistencia para el funcionamiento de la estructura simbólica que el trabajo aborda. ¿Qué sería esa consistencia? ¿Qué pretendes con esa idea de consistencia? Creo que la consistencia entra ahí precisamente como imagen. Una consistencia de imagen, imaginaria. Como cuando en el “estadio del espejo” (según Lacan) lo que da consistencia a esa mezcla de sensaciones es una imagen. La imagen del niño ante el espejo organiza aquél torbellino de sensa2 Mira Schendel. No vazio do mundo. [org. Sonia Salzstein. São Paulo: Marca D´Água, 1996] p. 256.

238

gives me feedback on what he saw, or when he continues the story, or is taken to another space in his memory or imagination by what he saw. When the work impacts the spectator, it is because something happened that was connected to writing, a twisting managed to occur – to write is to be read. This is why I always think about Duchamp’s “art coefficient”. How can one describe the phenomenon which prompts the spectator to react critically to the work of art? In other words, how does this reaction come about? This is something we shall never know… It’s curious because, in the text The Creative Act (1957) Duchamp says that the writing of what prompts the spectator’s reaction is a missing link; the art coefficient as a missing link is what will trigger this story in the other person. Therefore, to me, this is writing; it’s what is linked to the linguistic process. And that’s what I’m interested in. It seems to me that, in this sort of indivisible moment in which you establish the relation between image and language, there’s a language that becomes spatial. In the genealogy he traces for your work, Alberto Saraiva points to Mallarmé, etc. However, I think that, besides the reference to Mallarmé’s work itself, there’s an image that’s spatialized. An image that could take us back to hieroglyphs, to the beginning of language. At the same time, this image is temporalized. It’s as if you played with these two elements that were considered antithetic for a long time in art. Notwithstanding, more than this, it also seems to me that your work, and this might be my point, brings us to this moment – and Derrida, in Des Tours de Babel ( 987) says this very well – in which this unified language is imploded, let’s say, by the destruction of the Tower of Babel. An issue, by the way, that was present in your work Babel, máquinadenãoescrever (Babel, nonwritingtypewriter), ( 999). When referring to this work, Cyriaco Lopes says something very beautiful: “Words before been, [are] swollen with possibilities.” That is, this is the moment when these languages will need to find terms of translation, transcription, relationship. Yes. There’s a quote by Mira Schendel that says, “to secure the instant when the experience pours itself into the symbol, in this case, the letter.”2 I think that’s it, a little like what you’re saying, that the aforetime is that moment.

2 Mira Schendel. No vazio do mundo. [org. Sonia Salzstein. São Paulo: Marca D´Água, 1996] p. 256.


ciones, y eso tiene una consecuencia. Tal vez sea eso, no sé, para hacer una mala comparación… Aludes mucho a la idea de lo simbólico. ¿Es una referencia a Lacan, al sicoanálisis? Sí. Pienso en lo real, simbólico e imaginario… en el mundo de los seres hablantes… creo que me acostumbré a esa terminología. Pensar lo real como algo que no se logra aprehender narcisistamente. Es algo que nos derrumba a todos; no se puede encarar lo real. Tienen que existir muchas veladuras. Lo imaginario se refiere a la imagen, a la imaginación, a lo especular, a la forma. Y lo simbólico trata del habla y de la escritura, digamos. Entonces, cuando voy a analizar el espacio simbólico de un determinado espacio expositivo, pienso en la historia del lugar, imagino un espacio cargado de vivencias y, finalmente, si es una institución, si no lo es, si era una casa, si no lo era, si es un espacio adaptado, si no lo es. Tengo en cuenta todo eso. En lo que se refiere a lo simbólico, es muy interesante el hecho de que las evocaciones simbólicas – evocaciones que remitirían a las cuestiones simbólicas, a los arquetipos, etc. sean muy restrictas en lo que se refiere a lo simbólico, en ese sentido estricto. Al mismo tiempo, hay todo un trabajo de rasgado del lenguaje, por ejemplo en los trabajos con las teclas de máquinas de escribir, los normografos, los esténciles de letras…, o sea, la idea del rasgado del lenguaje… De hecho, me interesa mucho más el vacío que la letra deja que propiamente lo que dice. Poema a Picabia (1999), por ejemplo, es una acumulación de superposiciones de fragmentos de escritura en los que nada se lee. O cuando uso los esténciles, lo que me llama la atención en el esténcil de letra es el agujero de la letra. Entonces, creo que está mucho más relacionado con el vacío, con aquella metáfora del florero en la formulación lacaniana; le das un contorno a aquel vacío, hasta transformar una nada en vacío, lo que es diferente. Explica mejor esa transformación en tu trabajo, de la nada en vacío… A veces pienso… hay varios niveles: la nada no tiene siquiera conformación; el vacío necesita algo alrededor para configurarse como tal. Entonces, cuando se va ciñendo el espacio de tal forma que cree ese vacío, se crea el vacío, pero allí hay mucha acción, mucho trabajo. ¿Ese vacío al cual te refieres sería un vacío del lenguaje, llenado con la imagen? ¿No se daría en esa relación?

In the text you referred to a while ago, “Uma consistência para a linguagem” (“A consistency in language”) (200 ), you say that it would be reasonable to suppose something like a consistency in the functioning of the symbolic structure that the work explores. What would this consistency be? What do you want to get at with this idea of consistency? I think consistency fits there as an image. A consistency of image, an imaginary one. Like in Lacan’s mirror stage, the image is what gives consistency to that entanglement of sensations. The image of the child in front of the mirror brings order to that maelstrom of sensations, and that has a consequence. Maybe that’s what it is, if we were to compare it. You often refer to the idea of the symbolic. Is that a reference to Lacan, to psychoanalysis? Yes. I keep thinking about the real, the symbolic, and the imaginary… about the world of talking beings… I guess I’ve gotten used to this terminology. To thinking the real as something one cannot learn in a narcissistic way. It’s something that affects everyone; we cannot face the real. There needs to be a lot of veiling. The imaginary refers to the image, the imagination, the specular, the form. And the symbolic deals with what is spoken and written, so to speak. So, when I begin to analyze the symbolic space of a given exhibition space, I think about the history of that place, I imagine a space that is charged with experiences, and, finally, whether it’s an institution or not, whether it used to be a house or not, whether it’s an adapted space or not. I take all that into consideration. What’s interesting to notice, when it comes to the symbolic in your démarche, is the fact that symbolic evocations – evocations that would point to symbolic issues, archetypes, etc. – are very few, in this strict sense. At the same time, there’s all the effort to tear up language, for instance, in the works with the typewriter keys, the lettering guides, the letter stencils…, in other words, the idea of tearing up language. In fact, I’m a lot more interested in the emptiness left by the letter than in what it says. Poema a Picabia (Poem for Picabia),1999, for example, is an accumulation of super-positioned written fragments in which nothing is read. Or when I use the stencils, what calls my attention in the letter stencil is the hole of the letter. Therefore, I think it is much more related to the emptiness, to that vase metaphor in the Lacanian formulation – you give that emptiness an outline, until the nothingness is transformed into emptiness, which is a different thing.

239


Sí, tal vez se haya llegado a ese punto de que la imagen puede dar a ver ese vacío. Ella entra siempre dando consistencia imaginaria, pero no llena ese vacío. El vacío es lo que está entre. Creo que es así: la imagen entra para dar consistencia al vacío, como si pudiese hacer ese trabajo de ceñir el vacío de la letra, en lo que la letra ‘des-completa’ la imagen. Esa idea de “ceñir el vacío” podría ser un buen título para nuestra entrevista… Sobre tu video El origen de la obra de arte, 2008, ¿qué sería ese origen? ¿La imposibilidad de llegar a ese origen? Si tuviese que buscar el origen en algún lugar, lo buscaría en el público, no lo buscaría ni en la obra, ni en el artista. Ahora bien, sé que no lo encontraría, pero lo procuraría allí… y creo que el video transmite un poco eso que quise decir. El origen de la obra de arte es buscar el origen de la obra de arte, nunca encontrarlo, y es una superposición de ese nunca encontrar y siempre buscar lo que está en manos del público. Tu referencia directa es a Heidegger… Sí. Ese video surgió de un libro que hice. Aparentemente, es igual a la edición portuguesa de El origen de la obra de arte [1992] de Heidegger. Sin embargo, al hojearlo nos encontramos repetidamente con la imagen de la tapa: El origen de la obra de arte, El origen de la obra de arte, El origen de la obra de arte, hasta la mitad del libro. En ese punto el libro se abre en dos páginas en blanco. De ahí en adelante se produce un viraje, y todo se repite cabeza abajo, de tal forma que el librito tiene externamente dos tapas iguales pero invertidas una en relación a la otra. Por su parte, el video muestra las manos de las personas manipulando ese libro. Inicialmente una persona, después superpongo las imágenes de la segunda, de la tercera, etc., hasta que queda bien saturado de manos que manipulan los libritos simultáneamente. Al final, todos cierran los libros y los dejan sobre la mesa al mismo tiempo. Leí el libro de Heidegger con Paulo César (Duque Estrada) en la PUC. Había algo que me incomodaba realmente: creer que Heidegger no le da importancia, no habla mucho del público. Dice que el artista es el origen de la obra, que la obra es el origen del artista, va de uno a otro… Y me sorprendía mucho, porque de alguna forma él era contemporáneo de Duchamp. Creo que no tenía acceso a eso. Pero todo lo que dice sobre el objeto, el utensilio y la cosa está muy bien trabajado en los readymades de Duchamp… finalmente, prefirió hablar sobre los zapatos en el cuadro de Van Gogh y sobre el templo

240

Could you further clarify this transformation of nothingness into emptiness in your work…? Sometimes I begin to think… there are different levels: the nothingness doesn’t even have a configuration; the emptiness needs something around it in order to be configured as such. Thus, when you begin to encircle the space so as to create this emptiness, the emptiness is created, but there’s a lot of action there, a lot of work. This emptiness you refer to, would it be a linguistic emptiness filled with the image? Wouldn’t it come about this way? Yes, maybe we’ve gotten to this point where the image might make this emptiness visible. The image always comes in to impart this imaginary consistency, but it does not fill this emptiness; rather, it makes it more evident. The emptiness is what lies between. I think it’s like this: the image comes in to give the emptiness consistency, as if it could accomplish this, as if it could encircle the emptiness of the letter, where the letter ‘un-completes’ the image. This idea of “encircling the emptiness” would be a great title for our interview… About your video A origem da obra de arte (The origin of the work of art), 2008, what would this origin be? The impossibility of arriving at this origin? If I were to look somewhere for this origin, I would look for it in the public, and not in the work or the artist. Now, I know I wouldn’t find it, but that’s where I would look… and I believe that the video conveys a little of what I wanted to say. The origin of the work of art is looking for the origin of the work of art, never finding it; the superposition of this never finding it and always looking for it is what’s in the hands of the public. Heidegger is your direct reference... Yes. This video came from a little book I made. Apparently, it’s the same as the Portuguese edition of Heidegger’s The Origin of the Work of Art, 1992. However, when we leaf through its pages, we repeatedly come face to face with the image on its cover: The origin of the work of art, The origin of the work of art, The origin of the work of art, all the way until the middle of the book. At this point, the book shows two empty pages. From then on, there’s a twist, and everything is repeated upside-down, so that the little book has two covers that are exactly the same, but upside-down in relationship to each other. Now, the video shows people’s hands manipulating the book. One person at first, and then superposing the images of the second person, the third,


griego. ¿Quién soy yo? ¿no? Pero, entonces, me quedé con ganas de hacer ese otro libro, en el cual pudiese decir lo que para mí es esa historia del origen. Después de Derrida todo el mundo tuvo pudor de hablar de origen. Actualmente se dice más así… la centralidad de la cosa… porque eso es central, eso no es central. Cuando me di cuenta, me vino aquella historia del toro [el video Ironía, de 2008]. El toro tiene un centro, pero no como el de la esfera, que es interior a la esfera – el centro del toro queda fuera del toro. En realidad, en un espacio en que convergen interior y exterior. En lo que respecta al video El origen de la obra de arte (2008), existen personas que piensan que digo lo mismo que Heidegger, otras creen que digo otra cosa, y yo creo que es así como tiene que ser. En ese video, al cuestionar lo que sería inicio o fin, pones en jaque la idea de eclosión de la verdad, de la obra de arte como eclosión de la verdad. Es en ese punto, me parece, que tu conversación con Heidegger se da de manera más fuerte. … sinceramente, creo que la verdad no les interesa mucho a los artistas. Uno no ve muchos artistas buscando verdades por ahí. Era una cosa que me incomodaba mucho cuando comencé a estudiar filosofía, esa obsesión por la verdad. Claro, todo eso es tratado con mucho más refinamiento y erudición pero, ojo, ése es un asunto de ellos. Decir que la obra de arte engendra la verdad, la coloca incluso en un nivel muy digno, pero la enyesa… Creo que la enyesa y la desarma. Entonces, había ese malestar, vamos a decirlo así, en relación a la verdad y, ciertamente, eso es mucho más una cuestión de la filosofía. Me acuerdo siempre de Kosuth, cuando dice que los filósofos son como “bibliotecarios de la verdad”,3 me parece gracioso. Pero no quiero hablar mal de los filósofos. Incluso porque, así como el sicoanálisis y la literatura, la filosofía propone preguntas en relación al pensamiento y al lenguaje que están presentes en mi poética. Me parece que, de cierto modo, esa misma torsión que haces en relación al tema del origen de la obra de arte la haces también en tu Carta robada (foto de 2003 y video de 2008) porque, si la carta robada en el cuento de Poe está exactamente delante de nuestros ojos, tú desapareces con ella. Y ese desaparecer… Con relación a mi libro El origen de la obra de arte, de 2004, que es hojeado en el video, es interesante 3 Joseph Kosuth. “Art after philosohy” in Conceptual art: a critical anthology [org. Alexander Alberro & Blake Stimson. Cambridge: The MIT Press, 1969] p. 159.

and so on, until everything is thoroughly saturated with hands simultaneously handling the little books. At the end, everyone closes the books, leaving them on the table, all at the same time. I read Heidegger’s book together with Paulo César (Duque Estrada) at PUC University. There was something that really bothered me: the impression that Heidegger does not care much, does not talk much about the public. He says that the artist is the origin of the work, that the work is the origin of the artist, he goes from one to the other… And I was really surprised, because somehow he was also Duchamp’s contemporary. I don’t think he had access to this. But everything he says about the object, the utensil and the thing is dealt with very well in Duchamp’s readymades… anyway, instead, he decided to talk about the shoes in Van Gogh’s painting and about the Greek temple. Who am I, right? But I felt that I wanted to do this other book, where I could say what this issue of origin is to me. After Derrida everybody became too shy to talk about origin. Nowadays people talk more about… the centrality of things, because this is central, that’s not central… When I noticed that, I got the idea of the torus – in the 2008 video Ironia (Irony). The torus has a center, but not like that of the sphere, which is inside the sphere – the center of the torus is outside the torus. Actually, in a space where interior and exterior are bordering. About the video The origin of the work of art (2008), there are people who think that I’m talking about the same thing Heidegger did, while others think I’m talking about something else, and I think that’s exactly the way it should be. In this video, when you ask where the beginning or the end should be, you question the idea of the emergence of truth, of the work of art as the emergence of truth. It’s at this point, I think, that your conversation with Heidegger takes place on a deeper level. … honestly, I think that artists are not that interested in truth. You don’t see artists searching for truth everywhere. This is something that used to bother me a lot, when I began to study philosophy, this obsession with truth. Of course, all this is treated with a lot more refinement and erudition, but, wait a minute, this is their issue. To say that the work of art engenders truth, this might even place it on a more dignified plane, but it also paralyzes… I think it puts it in a cast, and it also disarms it. So, I had this discomfort, so to speak, concerning truth, and this is certainly much more an issue to philosophy. I always remember Kosuth, when he says that philosophers

241


que lo hayas llamado de torsión, porque realmente en el momento que hago la inversión – desde la mitad del libro en adelante – hay una inversión… pienso que fue una torsión moebiana la que se produjo allí. Las cosas venían y, de repente, recomienzan por el final o terminan en un reinicio. Hay una torsión. En cuanto a la Carta robada, existe la foto de un libro con algunas páginas arrancadas, que es bastante literal. La carta robada es una cosa que no está allí, falta en su lugar, se presentifica por la ausencia. Entonces ya es una torsión. Y la otra cuestión es en relación al video homónimo, que está hecho de atrás para adelante. La filmación de la mano que arranca y arruga las páginas del cuento La carta robada del libro de Edgar Allan Poe está montada de atrás para adelante, en slow motion y con un efecto que deja un “fantasma” de la mano en movimiento. Así, da la impresión de que está recolocando ritualísticamente las hojas de vuelta en el libro. Y la persona mira y sólo después, a posteriori, es que ve que se trataba de la carta robada porque el título del cuento sólo aparece al final. Realmente creo que en esos trabajos hay una torsión, que me recuerda mucho la torsión moebiana. Porque hay una continuidad entre inicio y fin y, si se quiere extrapolar, entre imagen y escritura; no tiene sentido hablar de origen, de adentro y afuera. Me gustaría remitirme a ese material que usas, la matéria-tinta. Aunque no tenga color, aunque sea translúcida, por la denominación que le diste, por su maleabilidad, por ese escurrirse, me parece que esa matéria-tinta tiene una relación con el vacío, al cual te referiste hace poco. La matériatinta llena, al mismo tiempo presenta el vacío, recubre… La matéria-tinta surgió de modo muy intuitivo, probando cosas. Fui usando varios materiales hasta llegar a esa consistencia fluida y espesa. Lanzada sobre soportes plásticos que recubren escaleras, la matéria-tinta, bajo la acción de la gravedad, recorre ese trayecto alternando rítmicamente acumulaciones matéricas y ‘rastro-dibujos’. Después de seca se vuelve elástica y se destaca del soporte plástico, se deforma alargándose. En la exposición “Drip music” (1996) usé la arquitectura de la sala circular del Solar Grandjean de Montigny como soporte para la morfología elástica de las extensas “pieles” de matéria-tinta. Esas pieles contenían índices de los derramamientos ocurridos cuando, en el estado fluido, la matéria-tinta era lanzada desde lo alto de las escaleras. Además de encontrar que era muy lindo verla escurrirse, tenía la impresión de que estaba escribiendo. Ahora bien, la matéria-tinta fue con el

242

are like “librarians of the truth”,3 I think that’s funny. But I don’t want to bash philosophers. Because, like psychoanalysis and literature, philosophy raises questions about thought and language that are present in my poetics. It seems to me that, in a way, this same twisting you accomplish in the issue of the origin of the work of art, you also accomplish in A carta roubada (The purloined letter - photo, 2002, and video, 2008), because, if the purloined letter in Poe’s short story is right in our face, you make it disappear… And this disappearance… Concerning my book The origin of the work of art (2004), which is handled in the video, the fact that you called it a twisting is very interesting, because when I turn it – starting from the middle of the book – there is an upside-down turn… I keep thinking that what happened there was a Moebian twist. Things were moving along, when, all of a sudden, they restart from the end or end at a restart. There’s a twist. As for The purloined letter, there’s a photo of a book with a few pages torn, which is quite literal. The purloined letter is something that’s not there, it’s missing from the place it should be, it becomes present through its absence. Then it’s already a twist. And the other issue relates to the homonymous video, which is done in reverse. The take of the hand ripping the pages of the short story The Purloined Letter from Edgar Allan Poe’s book – and crumpling them – is edited in reverse, in slow motion, with an effect that shows a “ghost” of the moving hand. This way, it leaves the impression that the hand is ritualistically putting the pages back in the book. The person keeps looking, but only at the end they are able to see, only later, only a posteriori do they see that it was The Purloined Letter, as the title of the short story appears only at the end. I really think that there’s a twist in those works, which reminds me of the Moebian twist. Because there’s continuity between the beginning and the end, and if we want to go further, between image and writing – therefore, it makes no sense to speak about origin, about inside and outside. I’d like to talk about this material you use, the matéria-tinta (paint-matter). Even though it has no color, it’s translucent – considering the name you gave it due to its malleability, to its dripping –, it seems to me that this matéria-tinta is related to 3 Joseph Kosuth. “Art after philosohy” in Conceptual art: a critical anthology [org. Alexander Alberro & Blake Stimson. Cambridge: The MIT Press, 1969] p. 159.


tiempo asumiendo eso mismo, encubrir una determinada cosa para mostrarla. Fue así en el Centro Cultural São Paulo (exposición “Iniciativas” en 2000); en el Museu da República, en el Salón Ministerial (exposición “Republicando” en 1997). Ésa era la función. Incluso, porque las cosas de repente se vuelven invisibles; si en todo momento las ves, las encuentras, si en todo momento ya están allí, desaparecen. Fue muy gracioso en el Centro Cultural São Paulo cuando encubrí con matéria-tinta la escultura Eva (1919) de Victor Brecheret. El día de la apertura hicimos una performance en la que la descubrimos. En ese momento el público exclamó: “¡Oh¡”. Algunos preguntaban: “¿La habrá hecho ella (a la escultura?)”. Pero esa escultura ya estaba allí desde siempre, quiere decir… ahí comienza el trabajo. Está también el hecho de que la matéria-tinta no se conforma a un molde; escurre, chorrea… La utilizas en diversas circunstancias… Sí, en diversas circunstancias, para esto: presentificar por la ausencia. Algo que llama la atención por la expresividad de la materia que es muy fuerte, debido a los derramamientos rítmicos, a los escurridos… Escurrido que también remite a la cuestión del lenguaje… Yo creo que sí, aunque no sé explicarlo bien. Por ejemplo, en el trabajo Normografo (1997), en el que la matéria-tinta se va infiltrando por los orificios de las letras, aquello lo veo tal como lo escribió Cyriaco (“Matéria-tinta”, 1997), la tensión entre el molde de la letra y el flujo, no sé, de la vida, de los cuerpos, de la materia, de la cosa transitoria del habla… Y del lenguaje… Sí… cuando hacía el trabajo utilizando la escalera, también. Podía variar las distancias entre los escalones y la cantidad de matéria-tinta derramada. Había ahí algo que determinaba un ritmo. Y ritmo tiene que ver con lenguaje. Ritmo es una palabra griega que deriva de reo, fluir. Gracioso, ¿no? Cuando leí eso en un texto de Lorenzo Mammi, “Deus cantor”,4 lo encontré muy curioso, porque lo que yo estaba haciendo allí era fluir rítmicamente la materia. Actualmente creo que algunos trabajos con matériatinta proponen también materialidad para el sonido musical y el del habla, a partir de la analogía que establecen entre el modo como la matéria-tinta fluye en el 4 Lorenzo Mammi, “Deus cantor”, in Artepensamento [org. Adauto Novaes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994] p. 46.

the emptiness, to which you’ve referred just now. The matéria-tinta fills the emptiness, while at the same time displaying and re-covering it… The matéria-tinta first came about in a very intuitive way, as I experimented with things. I began to use different materials until I arrived at this fluid and thick consistency. When applied over plastic supports that cover staircases, the matériatinta – under the force of gravity –, follows this path, rhythmically alternating between material accumulations and ‘trail-drawings’. After it dries, it becomes elastic and peels off from the plastic support, becoming deformed and stretched. At the “Drip music” exhibition (2006), I used the architecture of the circular room at the Solar Grandjean de Montigny building as a support for the elastic morphology of the extensive “skins” of matéria-tinta. These skins had traces of the dripping that had taken place when, in its fluid state, the matéria-tinta was poured from the top of the staircase. Besides thinking it was a beautiful sight to see it pour, I felt like I was writing. Now, with time the matéria-tinta began to take on this character, it covered something, only to reveal it. That’s what happened at the São Paulo Cultural Center (“Iniciativas” exhibition, 2000); at Museu da República, in the Ministerial Hall (“Republicando” exhibition, 1997). This was its function. Also because all of a sudden things become invisible, if you see them all the time, if you find them, if they are always there, they tend to disappear. At the São Paulo Cultural Center, it was really funny when I covered with matéria-tinta the sculpture Eva (Eve), by Victor Brecheret (1919). On opening day, we had this performance when we uncovered it. In that moment, the spectators exclaimed: “Oh!” Some people asked: “Was she the one who made it (the sculpture)?” But the sculpture had always been there, so… that’s where the work begins. There’s also the fact that the matéria-tinta cannot be shaped into a mold; it drips, it trickles. You use it in several circumstances... Yes, in many circumstances, with this goal: to render presence through absence. Something that catches the attention because of the expressiveness of the substance, which is very strong, due to the rhythmic pouring, the drippings… Drippings that also point to the issue of language... I think so, although I can’t quite explain that. For instance, in the work Normógrafo (Lettering guide, 1997), in which the matéria-tinta slowly penetrates the orifices of the letters – I see that just like what

243


tiempo y el modo como se supone que los sonidos lo hacen: por infiltración y desborde, por ejemplo. Helena, háblame un poquito sobre el comienzo de tu trabajo. Viniste de la arquitectura… Comencé mi formación como arquitecta, estudié en la UFRJ, llegué a trabajar durante unos diez años con arquitectura, tuve estudio, etc. Pero llegó un determinado momento en que realmente no estaba feliz con esa situación. Veía a mis colegas entusiasmados y eso, y tenía una profesión, pero no sentía pasión por aquello. Siempre supe que lo que quería hacer realmente era dibujar, pintar, pero no se dio. En mi ambiente familiar el arte era un hobby. Entonces, cuando las cosas no estaban sosteniéndose más, estaba totalmente infeliz, fui al Parque Lage. Recaí ahí, parecía un chico con juguete nuevo, como se dice… porque tenía clases con profesores artistas… ¿Con quién tuviste clase? Con mucha gente. Estuve seis años estudiando en el Parque. Tuve clase con John Nicholson, Daniel Senise, Gianguido Bonfanti, Milton Machado, Fernando Cocchiarale, Katie Scherpenberg, Reynaldo Roels, Charles Watson, Marcos Veloso, Suzana Queiroga, Lia do Rio, Ricardo Basbaum, Iole de Freitas… Me gustaba mucho eso, poder hacer mi camino dentro de la escuela, no había nadie diciéndome ahora haces esto antes que aquello… Hice mi camino en esa escuela, y me gustaba mucho porque veía el trabajo de los otros alumnos, y era todo mezclado, personas que tenían más trayectoria, personas que no tenían, que nunca tendrían pero que estaban en ese lugar. Todo me parecía muy bueno. Es más, hasta hoy me sigue pareciendo. Era todo muy estimulante. En 1994 comencé a hacer exposiciones. Un momento en que sentí necesidad de ir más allá en mis estudios. Viajé a Nueva York, donde hice algunos cursos. Cursos rápidos, de tres meses. Cursos teóricos; uno en la New York University, y dos en la School of Visual Arts. Hice también técnicas de impresión en la Arts Students League, sólo porque era la escuela en la que Pollock había estudiado…, me parecía que tenía que ir a cualquier costo. Fue la escuela más parecida al Parque Lage que encontré: eran personas del mundo entero, de varios niveles y, allá, las personas elegían los cursos que querían hacer, en el momento en que podían hacerlos… Cuando volví de Nueva York sentí necesidad de hacer la maestría. Ya iba a las clases con Cyriaco, estaba probando como oyente. Todo aquello me abría otro mundo. Era mucha información, me

244

Cyriaco wrote (“Matéria-tinta”, 1997), the tension between the letter mold and the flow, I don’t know, of life, of bodies, of the substance, of that transitory nature of speech… And of language... Yes… and also when I used the staircases. I could vary the distance between the steps and the amount of matéria-tinta I poured. There was something there that determined a rhythm. And rhythm has to do with language. The word rhythm comes from the Greek word reo, which means to flow. Isn’t that funny? When I read that in a text by Lorenzo Mammí entitled “Deus cantor” (“The Singing God”),4 I thought it was very curious – because what I was trying to do there was to make the substance flow rhythmically. I presently think that some of the works using matéria-tinta also point to a materiality that exists in the sounds of music and speech, a materiality that originates in the analogy these works establish between the way the matéria-tinta flows in time and the way they assume that the sounds do: by infiltration and overflowing, for instance. Helena, would you talk a little bit about the beginning of your career? You started in the field of architecture… I started as an architect, I graduated from UFRJ and worked with architecture for about 10 years, I had an office and everything. But at some point I realized that I was not happy doing that. I saw my colleagues excited and all, and I did have a career, by I was not in love with that. I always knew that what I really wanted to do was to draw, to paint, but it just didn’t happen. Where I grew up, art was considered a hobby. So, when I couldn’t take it anymore, when I saw that I was totally unhappy, I began to take art classes at Parque Lage. There I felt that I had found my niche, as I had lessons with artists… Who did you study under? A lot of people. I took classes at Parque Lage for 6 straight years. I had classes with John Nicholson, Daniel Senise, Gianguido Bonfanti, Milton Machado, Fernando Cocchiarale, Katie Scherpenberg, Reynaldo Roels, Charles Watson, Marcos Veloso, Suzana Queiroga, Lia do Rio, Ricardo Basbaum, Iole de Freitas... I really liked that, the possibility of making my own way through an art school, with nobody telling Lorenzo Mammi, “Deus cantor”, in Artepensamento [org. Adauto Novaes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994] p. 46.

4


topaba con personas muy interesantes. Me gustaba mucho aquella historia. Después hice la maestría, que para mí fue muy importante, porque adoraba hacer aquellos ejercicios prácticos, y ver el proceso creativo de las otras personas. Era fascinante. Y comenzar ese ejercicio de la escritura fue realmente penoso, porque para mí era muy difícil. Pero comencé a ver que era importante esa reflexión, hacer esa reflexión sobre lo que ya había hecho, y medio que plantear la cuestión: y de aquí en adelante, cómo sería, cosas de ese tipo. Entonces, en ese punto, creo que perdí el miedo de escribir. Tal vez todavía no escriba tan bien, pero ¿sabes? Es más por el efecto que eso me trae. Después fui para la PUC donde hice el posgrado de Arte y Filosofía, que es más filosofía moderna, vinculada a la estética, y terminé ahora el posgrado de Filosofía Antigua, que es muy interesante también. El año que viene voy a comenzar el de Filosofía Contemporánea. Entonces también está eso en mi trabajo, que voy a buscar en los textos… Por ejemplo, ya venía leyendo a Rosalind Krauss, a Yve-Alain Bois, y me parecía bárbaro el hecho de que ellos siempre se remitiesen a Lacan, a Freud. Para mí aquello era una novedad, nunca había visto en libros académicos al sicoanálisis como un medio de pensar el arte. Esa era otra pregunta que iba a hacerte: ¿cuál es tu relación con el sicoanálsis? Es un tema delicado, porque cuando uno abre la boca para decir Lacan…, la gente cree enseguida que uno leyó todo, que uno sabe un montón y, mira, no es mi caso. No leo nada apuntando a la erudición, a la acumulación de conocimiento, a hacer una investigación, no va conmigo. Leo hasta el punto en que aquello me causa una inquietud, me moviliza porque lo encuentro poético, porque encuentro que comporta mucha indeterminación. Algunos textos tienen tanta carga de indeterminación, que acaban volviéndose poéticos. Es como si ellos interrogasen a la persona en ese sentido de completar aquel texto, de dar su contribución a aquel texto. Entonces, mi relación con el sicoanálisis es ésa. Hago análisis, que fue importante para mí en el pasaje que acabé de mencionar, de la arquitectura al arte. Sola habría sido muy difícil hacer ese viraje en mi vida y…, bien, mi marido es sicoanalista. Entonces dispongo de una biblioteca enorme. Ahí voy a reparar, voy a tomar algo. Hay un momento en que lo agarro y no logro soltarlo más, comienzo a leer y a encontrarlo interesante. Está también ese estímulo de que quien escribe sobre arte se está refiriendo mucho a ese tema, a uno de los grandes pensadores del siglo, a Freud, en fin.

me “look, you have to do this first, and then you do that…” I made my own way in that school, and I really liked that because I was able to see the works of other students, everything was mixed together, there were people who had worked with art for a long time, others who had not, others who would not last, but they were all there. I thought everything there was really fine. I still do. Then there came a time when I felt that I needed to go further in my studies. So I went to New York, enrolled in a few programs, short term programs that lasted three months. Theoretical programs, one of which I took at the New York University, and the other two at the School of Visual Arts. I also took a program of printing techniques at the Arts Students League – just because that was the school Pollock had attended… I thought that I had to go there no matter what. That was the school most similar to Parque Lage I fond: there were people from all over the world, all at different levels, and people could chose which programs they wanted to take there, adapt classes to their own schedule… When I came back from New York, I felt that I needed a Masters Degree. I then began to attend your classes as a guest student, together with Cyriaco. That opened up a whole new world to me. It was a lot of information, I got to meet a lot of interesting people. I really liked that experience. After that I took the Masters program, which to me was very important, as I loved to do those practical exercises, and I got to see the creative process of other artists. It was fascinating. And beginning this writing exercise was really painful, as it was very difficult for me. But I began to realize that this reflection was important, going through this process of reflecting upon what I had already done, and kind of posing the question: where do I go from here, what’s going to happen now, and all that. That’s when I think I got over the fear of writing. Maybe I still can’t write very well, but, you know what? I do it mostly because of what it brings to me. Then I went to PUC, where I enrolled at the postgraduate program in Art and Philosophy, which was more of a modern philosophy, connected to Aesthetics, and recently I finished my other postgraduate program in Ancient Philosophy, which was very cool as well. Next year I’m going to begin taking Contemporary Philosophy. So, there’s also this thing about my work, the thing I search for in the books… For example, before I took the Masters program, I was already reading Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois, and I thought it was really great that they always referred back to Lacan, to Freud. To me, that was new. I had never seen psychoanalysis as a tool to think about art in any academic book before.

245


¿En qué medida el tema del sicoanálisis está presente en tu trabajo? Tengo cierto pudor de decirlo porque me parece que quien tiene que decirlo es el otro (los sicoanalistas…). Pero está presente en aquello que me moviliza, en aquello que me da una idea, que me trae una pregunta. Entonces voy en esa senda. Leí algo que me pareció poético, o entonces es una cosa que no logro entender… y permanezco, leo, y aquello no tiene una resolución para mí. Es porque aquello va a convertirse en un trabajo. El sicoanálisis – a pesar de los desencuentros históricos con el arte – comporta indefinición, como el arte. Comporta un pensamiento que no es ese pensamiento de la verdad propiamente, sino un pensamiento que tiene en consideración el descentramiento, la falla… En fin, el vacío, el agujero, todo eso es encarado como algo operativo, como algo productivo. Entonces, tal vez sea eso lo que me llama la atención. ¿Y tu relación con el mercado? Ah, no existe, ¿no? Tú pareces transitar por tu investigación y por tu trabajo con mucha libertad… Felizmente puedo hacer eso. Porque, por ejemplo, un site specific lo hago tomando en cuenta el espacio. Una u otra vez ‘gotea’ un objeto, que va apareciendo en mi poética, pero un site specific, ¿cómo se va a vender eso? Creo que nadie va a tener interés. No tengo galerista, y hasta para participar en los salones, ni creo que haya más salón, pero, en fin, es complicado ¿no? Generalmente, a un salón uno manda un trabajo cerrado, un objeto, un video, una instalación, etc. Ahora comienzan a tener esa flexibilidad, de que puedes instalar una cosa específica para un espacio… Es decir, tengo conciencia de que soy muy desconocida, ¿sabes? Varias personas que fueron a ver mi última exposición dijeron: “pucha, tú no expones”. Respondo que sí expongo, que trabajo. Sólo que no expongo en galerías comerciales y, sí, más, en instituciones que me ofrecen un espacio para desarrollar mi trabajo con libertad. Por el hecho de que trabajas con el tema del lenguaje, en una relación estrecha con la imagen, con el rasgado de uno y de otro, ¿en qué medida el arte conceptual, el sesgo conceptual, está presente en tu trabajo? ¿El arte conceptual al que te refieres es el histórico? Ese mismo después de Duchamp… Sí, comencé a tener más contacto con Duchamp en los cursos que hice en Nueva York. Después, en la maestría traté de estudiar más profundamente. Pero nunca

246

This was another question I wanted to ask: what is your relationship with psychoanalysis? It’s a delicate question, because, when you open your mouth to say Lacan…, people immediately think that you’ve read everything, that you know a lot and, look, that’s not the case. I don’t read anything to attain erudition, to pile up knowledge, or to do research, that’s not how it happens with me. I read until the text makes me uneasy, until I feel mobilized because it’s poetic, because I think it deals with a lot of indetermination. Some writings have such a weight of indetermination that they become poetic. It’s as if they provoked the readers to complete the text, to give their contribution to it. So, that’s my relationship with psychoanalysis. I’m in analysis, which has helped me in this journey I just mentioned, from architecture to art. It would have been difficult for me to go through this turnabout in my life on my own, and… well, my husband is a psychoanalyst. I have access to a huge library, so I’m always seeking, always browsing books. Sometimes I pick up a book and can’t put it down, I start reading it, and get hooked. There’s also this added motivation, the fact that people who write about art these days tend to refer to this issue a lot, to one of the great thinkers of the 20th century, to Freud, finally. To what extent is the issue of psychoanalysis present in your work? I feel a little shy about saying this, because I think it’s the other guys (the psychoanalysts) who should be saying it… But it’s present in that which mobilizes me, that which gives me an idea, which puzzles me. So, I follow that path. If I read something that I find poetic or intriguing, or if it’s something I don’t understand… I stay, and I read, and if, to me, that still doesn’t get resolved, then it’s because that’s going to become a work. In spite of its historical clashes with art, psychoanalysis has room for indefiniteness, as does art. It has room for a thought that’s not necessarily this thought of truth, but a thought that takes into consideration the de-centering, the error… In other words, the emptiness, the hole, all this is seen as an operating thing, a productive thing. So maybe that’s what calls my attention. How about your relationship with the market? Well, it doesn’t exist, does it? You seem to move about with a lot of freedom both in your research and in your work. Fortunately I can do that. Because, for example, a site-specific, I do it taking the space in consideration.


sé exactamente cuáles son los caminos de esas cosas que estudio, leo o escribo. ¿Cuál es el camino que hizo eso para alcanzar el trabajo, para transformarse en un trabajo…? Claro que, en lo que se refiere a la obra, el arte conceptual le dio una libertad muy grande al artista, o por lo menos lo considero así, de poder trabajar en diversos medios, video, dibujo, objeto… ¿Pero ese sesgo conceptual no estaría presente en el hecho de enfatizar el vacío, de descalificar la forma como motor del trabajo, privilegiando mucho más su aparición? Tal vez esa haya sido la gran contribución del sesgo conceptual. Una pregunta más: tus trabajos están cargados de narrativas, de remisiones a varias cosas. ¿Es necesario que el público al que te diriges tenga una idea mínima de lo que sería La carta robada? ¿O de lo que sería El origen de la obra de arte? Son narrativas que están presentes… Bueno, puedo estar equivocada, pero siempre tengo la esperanza de que, por ejemplo, una persona que nunca haya leído El origen de la obra de arte, o que ni sabe quién es Heidegger, aún así pueda usufructuar del trabajo. La experiencia que tengo de las personas hablándome es que entienden; el origen de la obra de arte puede ser… la carta robada y un texto rasgado pueden ser… entonces, tengo siempre esa esperanza, ilusión, convicción de que el trabajo tiene varias capas y que puede ser apreciado en varios niveles también. La persona puede tener una noción más general o más profunda. Y creo que, tal vez, la persona muy erudita no esté tan abierta a las posibilidades; cree, por ejemplo, que el trabajo está muy pegado a Edgar Allan Poe, a Lacan o a Heidegger, cuando esas referencias, en realidad, fueron sólo el motor del trabajo. Pienso que las personas no tienen que saber todo eso. Me interesa mucho la devolución de las personas, y muchas veces me sorprende; es en ese punto que vale la pena, cuando uno se sorprende con aquello que hizo y con cómo aquello tocó al otro. Entonces, en cuanto al arte conceptual, a la pregunta sobre el proyecto, creo que va a existir siempre aquello que escapa… esa fractura, ese desencuentro. Me refiero mucho menos a un arte conceptual, digamos canónico, a Kosuth, al Art&Language, etc. y mucho más a ese sesgo conceptual, de la presencia muy fuerte del lenguaje en todos sus niveles en tu trabajo. El lenguaje como una especie de materia de tu trabajo, como narrativa, el lenguaje como sueño. En varias instancias está presente en tu trabajo.

Once in a while an object “trickles”, it shows up in my poetics, but a site-specific, how are you going to sell that? I don’t think anybody will have any interest. I don’t have an agent, and even for me to take part in salons, I don’t even think you call it that anymore, but anyway, it’s complicated, isn’t it? What the artist usually sends to a salon is a closed work, an object, a video, an installation, etc. Now they’re beginning to have this flexibility, and you may invent something specifically for a given space… That is, I am aware that I’m largely unknown, you know? A lot of the people who went to see my last exhibition said: “gee, you hardly ever display your work”. I tell them that I do display my work. Only not in commercial galleries, but rather in institutions that offer me a space to develop my work with freedom. The fact that you work with the issue of language, in close relationship with the image, with the tearing up of one and the other, to what extent is conceptual art, conceptual bias present in your work? The conceptual art you’re referring to, is it the historical one? The one after Duchamp… That’s right, I began to have more contact with Duchamp during the programs I took in New York. Later, while I was doing my Masters, I tried to study this subject on a deeper level. But I never know exactly the trajectories of these things that I study, read, or write. Which path does this take to reach the work, to become a work… Naturally, when it comes to the work, conceptual art gave artists a lot of freedom, or at least I think it did, freedom to work through different media – video, drawing, object… But wouldn’t this conceptual bias be present in the fact of emphasizing the emptiness, of disqualifying the form as the motor of the work, favoring much rather its emergence? Maybe that was the great contribution of the conceptual bias. Another question: your works are charged with narratives, with references to several things. Does the public you’re addressing need to have at least an idea of what The Purloined Letter is? Or of what The Origin of The Work of Art is? These narratives are present… Well, maybe I’m fooling myself, but I’ve always hoped that, for instance, someone who has never read The Origin of The Work of Art, or who doesn’t even know who Heidegger is, can still enjoy the work. The experience I have is that people tell me what they understand: the origin of the work of art may be… the purloined letter and a torn text may be… so, I always have this hope, this illusion, this conviction that the work has several layers, and that it can be appreciated on many levels too. The person may have a more

247


Claro, como dijiste, el arte conceptual dejó que ocurriese esa infiltración del lenguaje en la imagen. Eso, sin duda. Ahora, hay que ver, eso es arte porque yo digo que lo es, eso para mí no tiene mucho sentido; tal vez eso sea una parte canónica… O que el arte sería una definición del arte… Eso tampoco tiene mucho sentido, no me moviliza. Ahora, que un Duchamp hable de “coeficiente artístico” me moviliza, me parece bárbaro. Y me parece muy interesante que él lance eso, y de la forma como lo lanza: alegóricamente. No vamos a olvidarnos que si él lo lanza, ese lanzamiento lo vieron las otras miradas… ¿Otras miradas? ¿El texto, dices? No sólo los textos, sino las propias ideas de Duchamp necesitaron, de cierta forma, un ambiente cultural específico para que pudiesen ser pensadas. Algo que, para mí, viene junto con el arte conceptual, y para ser más exacta, con ese sesgo conceptual, es el hecho de permitir romper la idea de la autonomía del arte que estaría dirigido hacia sí mismo. En ese punto entra la cuestión del site specific, de la relación con el espacio y con los otros datos de la situación expositiva. Me parece, por ejemplo, particularmente con tu exposición en el Castelinho, que además de la cuestión del site specific tú incorporas algo que, tal vez, tenga que ver con tu experiencia anterior como arquitecta, que es la idea de casa. Tú tratas el espacio como una casa. Es como si la idea de la casa fuese interna a tu propia idea de site specific, aunque no me parezca que ahí tú remitas inmediatamente a las particularidades de cada espacio. Tú haces otra casa… Es como si yo reanimase las habitaciones, aunque no sepa si ese espacio era una biblioteca, un living, si era un cuarto. Se trata de otra casa. Realmente la arquitectura fue productiva en el sentido de ese abordaje del espacio. Pero la atención más grande es para lo simbólico, para lo que ese espacio puede representar, cuál es la carga de historias… Después pensé que cada habitación de aquellas – y ese es un concepto que voy a utilizar en este libro – puede encararse como un libro. Un libro dentro de un libro más grande, que sería la casa. Entonces cada sala, cada habitación sería un libro que yo podría reanimar como imagen. Traer como imagen la experiencia del espacio para la página del libro. Volviendo al tema de la genealogía. En tu trabajo aludes a Duchamp, a Dada, a Picabia, y Mira

248

general or a deeper notion. And I think that, maybe, the very scholarly person might not be open to the other possibilities; they may think, for instance, that the work is excessively bound to Edgar Allan Poe, Lacan or Heidegger, when these references were only the motor of the work. I think that people don’t need to know all that. I’m more interested in their feedback, and this sometimes amazes me; that’s what’s cool, when we become amazed at what we’ve done, at how that touched the spectator. So, as for conceptual art, the issue of the project, I think there will always be that something that escapes… the socalled rupture, the clash. I’m talking a lot less about a conceptual art that is, let’s say, canonical, Kosuth, Art&Language, etc., and much more about this conceptual bias, this very strong presence of language in all the levels of your work. Language as a sort of substance of your work, as narrative, language as dream. A lot of times this is present in your work. Of course, like you said, conceptual art allowed this language infiltration into the image. That’s for sure. Now, for someone to say “this is art because I said so”, to me that doesn’t make a lot of sense; that might be a bit canonical… … or that art would be a definition of art… This doesn’t make much sense either, it doesn’t mobilize me. Now, when Duchamp talks about the “art coefficient”, that mobilizes me, I think that’s awesome. And I think it’s very interesting that he proposed this, and also the way he did it: allegorically. Let’s not forget that if he proposes, this proposal has been seen by other eyes… By other eyes? You mean, the texts? Not just the texts, but Duchamp’s ideas themselves, in a way, needed a specific cultural field in order to be thought out. One thing that, to me, goes along with conceptual art, and, to be more specific, with this conceptual bias, is the fact of allowing the rupture of this idea of an autonomous art that would be involved solely with itself. That’s where the site-specific idea comes in, the relationship with the space and with other factors involved in the circumstances of the exhibition. It seems to me that, for instance, and particularly during your exhibition at Castelinho, in addition to the sitespecific approach, you incorporate something that perhaps is related to your previous experience as an architect, which is the idea of a house. You treat the space as a house. It’s as if the idea of a house


Schendel sería una figura central. ¿Cómo se dan esas elecciones para ti? ¿Son afectivas? Totalmente, porque también está Pollock. Recuerdo bien que cuando comencé el trabajo con la matéria-tinta tenía dos artistas en mente: Pollock y Duchamp. Es decir, normalmente, canónicamente, nadie relacionaría una cosa con otra, qué se yo, son polos opuestos. Pero empecé a ver que, para mí, tenía que ver. Es un poco una costura… Me acuerdo que el trabajo con la escalera empezó como un ejercicio que Suzana (Queiroga) propuso: desarrollar el concepto de movimiento y el concepto de equilibrio. Cuando empecé a desarrollar el concepto de movimiento, dos trabajos me vinieron a la cabeza: los drippings [1947-50] de Pollock, obvio, y la pintura Desnudo bajando la escalera [1912] de Duchamp. Cómo uno todavía era una representación del movimiento, y cómo Pollock era el propio movimiento dado a ver. Y me dieron muchas ganas de hacer una síntesis loca entre esas dos cosas, y acabó dando por resultado la matéria-tinta bajando la escalera. Se trata de tu trabajo Drip music expuesto en el Solar (Grandjean de Montigny) en 996, ¿no? Me pareció muy curiosa la referencia a la Madonna del parto [ 460] de Piero della Francesca en el video de Cyriaco Lopes y Fábio Carvalho. Me parece que fue Milton Machado quien nos alertó en relación a esa pintura; en esa época todos nosotros estudiábamos allá en el Parque Lage, y Milton daba clase. La sala en la que hice esa instalación en el Solar es redonda, como la tienda en la que la Madonna aparece. Tienda ésta que remite a los paneles de matéria-tinta como veladuras, a la abertura de su ropa que se separa sólo un poquito… Creo que ellos pensaron que tenía que ver… Y realmente en esa época yo también estaba embarazada. En el video aparecen incluso imágenes de la ecografía de mi hijo… Hubert Damish escribió un bello libro, Un souvenir d´enfance par Piero della Francesca ( 997), sólo sobre ese cuadro. ¡Ah, no lo puedo creer! (Risas). Tengo que leerlo… En ese video parece flotar, en cierto modo, la pregunta “de dónde venimos”… Lo que me remite, para terminar nuestra charla, a tu trabajo y al título de tu monografía de maestría: “Campo minado”, 2003. ¿Qué es ese campo minado? ¿Es una pregunta que aún está presente para ti? En “Campo minado” estaba el tema de la ambigüedad de las minas. Minas, en tanto riquezas y/o peligros. En realidad, pensé en el tema del error. El

were inserted into your site-specific idea, although I don’t believe that in this case you’re pointing to the particularities of each space. You make another house… It’s as if I reanimated the rooms, even though I don’t know if that particular space used to be a library, a living room, or even a bedroom. It’s a different house. Architecture was indeed useful in the sense that it helped me with this approach of space. But I give greater attention to the symbolic, to what that space might represent, to the weight of the stories… Later, I kept thinking that each one of those rooms – and this is a concept I intend to use in this book – could be seen as a book. A book inside a bigger book, which would be the house. So each room would be a book that I could reanimate as an image. Bringing the experience of the space to the page of the book as an image. Back to the issue of genealogy. In your work you refer to Duchamp, to Dada, to Picabia, and Mira Schendel would be a central figure. To you, how are these choices made? Are they affective? Totally, because there’s also Pollock. I remember very well, when I first started to work with matériatinta, I had two artists in mind: Duchamp and Pollock. I mean, normally, canonically, nobody would glue one thing to the other, they’re opposite poles, I don’t know. But I began to see that, to me, it made sense. It’s a little like sewing… I remember that the work with the staircases started as an exercise proposed by Suzana Queiroga: developing the concepts of movement and balance. When I began to develop the concept of movement, two works came to mind: Pollock’s Drippings (1947-1950), of course, and Duchamp’s painting Nude Descending a Staircase (1912). I thought about how Duchamp’s painting was still a representation of movement, while Pollock was a display of the movement itself. And I really felt like making a crazy synthesis of these two things, and it all ended up resulting in the matériatinta descending the staircase. You’re talking about your work Drip music, exhibited in 996 at the Solar Grandjean de Montigny, aren’t you? I thought it very curious that the video by Cyriaco Lopes and Fábio Carvalho about the exhibition referred to the painting Madonna del Parto ( 460), by Piero della Francesca… I believe Milton Machado was the one who called our attention to this painting – at that time we were all students at the Parque Lage, and Milton was one of our teachers. The room where I put this installation at the Solar is round, like the tent the Madonna

249


error, el acto fallido, el lapsus tienen una riqueza muy grande. Uno puede rastrear ese error y encontrar cuestiones centrales que allí están totalmente escondidas. Campo minado, tenía también esa referencia para mí, estaba también el texto de Rosalind Krauss, “Escultura en el campo ampliado” (1978), sobre instalaciones y… ¿Campo minado no tendría también relación con la idea de la desarticulación del lenguaje? ¡Eso, sí! Desarticulación está bien dicho… Porque no se trata sólo del acto fallido… El acto fallido como una desarticulación… Cuando se dice desarticulación, hay todo un campo de cosas que la exceden… porque el funcionamiento del inconsciente tiene esa tendencia al equívoco, y el acto fallido es sólo uno de ellos. Hay momentos en que el silencio es elocuente, momentos en que el desencuentro, toda esa… Toda esa Babel… Realmente, es eso. Me parece que es así que funciona. ¿Y cómo fueron la experiencia con el grupo A95 y tu sociedad, por ejemplo, con Cyriaco? Fue una muy buena época, maravillosa. Nos organizamos en grupo – cuando ni existía mucho esa práctica de que las personas se asocien – nos encontrábamos semanalmente a leer textos, conversar y discutir sobre los trabajos de todos. Hasta que culminó en exposiciones que hicimos juntos. Creo que ahí los trabajos estaban realmente contaminados, y fue una experiencia muy buena, con Cyriaco, Luiz Cavalheiros y también con Fábio Carvalho. Fábio salió del grupo antes de que el grupo terminase; más tarde, Cyriaco viajó. Hago algunos trabajos con Luiz Cavalheiros (por ejemplo, los videos ISSO, de 2001, y Alrededores de la Rocinha,6 de 2006) – nos hablamos hasta el día de hoy. Uno tiene mucha intimidad con el trabajo del otro. Y eso nos gustaba mucho, hacer los trabajos y no decir de quién era, o hacer los trabajos juntos. Eso me recordó un poco ese trabajo de comisariado con Alberto [Saraiva], ¿sabes? Me remitió totalmente a esa experiencia del grupo de artistas, porque en el grupo uno influenciaba el trabajo del otro, uno escribía sobre el trabajo del otro. Passeo de un gusado en un laberinto de letras. Mercado popular de la Rocinha (favela más grande en América Latina) grabado por dos cámaras fijas en el cuerpo del artista.

5 6

250

is in. This tent points to the matéria-tinta panels as veils, like the slit in the Madonna’s dress that is open just a tiny bit… I guess they thought that had something to do with my work… And actually, I was also pregnant at the time. They even showed some ultrasound pictures of my son in the video… Hubert Damish wrote a beautiful book about this painting, Un souvenir d’enfance par Piero della Francesca (A Childhood Memory by Piero della Francesca). You’re kidding! (Laughter) I’ve got to read that… This video seems to touch on the issue of “where we came from”… Which brings me to, to wrap up our conversation, your work and the title of your Masters dissertation “Campo Minado” (“Minefield”), written in 2003. What would this minefield be? Is this a question that still remains for you? In “Minefield”, there was the issue of the ambiguity of the mines. Mines as riches and/or dangers. Actually I thought about the error. The error, the slips, the lapse, these are all very rich. You can trace this error and find central issues that were entirely hidden there. To me, “Minefield” had this reference; there was also a 1978 text by Rosalind Krauss entitled “Sculpture in the Expanded Field”, about installations and… Wouldn’t “Minefield” also be connected to the idea of de-articulation of language? Now, that’s true! De-articulation, you put it quite well… Because it’s not just the slip of the tongue… The slip of the tongue as de-articulation… When we talk about de-articulation, there’s a whole field of things that overreach… because the way the unconscious works, it has this tendency to mislead, and the slip of the tongue is just one of the aspects. There are times when silence is eloquent, times when the clashes, and all this… All this Babel… Exactly: that’s it. I believe that’s how it works. And how was the experience with the A95 Group and your partnership, for instance, with Cyriaco? It was a great, a wonderful time. We organized ourselves in a group – when it wasn’t even common for people to become associated like this –; we would meet weekly to read texts, talk, and discuss each other’s works. Until it all culminated in exhibitions we did together. I think that at that point the works were really contaminated, and it was a very cool


¿Cuándo comienza eso? En el ’95, en el Parque Lage, todavía. Luzinho, Cyriaco y yo estábamos terminando la profundización en pintura; teníamos el atelier allá, pero yo trabajaba también en casa. Entonces hicimos nuestra exposición de colación de grado. Al comienzo, el A95 era todo el mundo de aquel grupo y Fábio; pero las personas con otros interesses fueron saliendo, y nosotros nos quedamos. Enseguida Cyriaco comenzó la maestría y traía mucha cosa, textos que discutíamos. Después me invitó a ir a sus clases… Fue una época muy interesante, y lo que me parece más interesante es que me abrió a esa cosa participativa. Para mí es muy bueno trabajar con otra persona ¿sabes? Así como ocurrió con Alberto. Uno dice algo, la persona potencia aquello que dijiste, se da exibicionalidad al trabajo, se piensa en un montaje. Para mí, todo eso es muy estimulante, y muy bueno para el trabajo. Ese aislamiento que se tiende a tener no es deseable. Creo que es bueno poder intercambiar, influir en el trabajo del otro. No creo que las ideas que tengo sean intocables, que no puedan ser transformadas. ¡Al contrario: si se llega al punto de que otra persona quiera interferir en ese trabajo, es porque el trabajo está trabajando! Río de Janeiro, 5 de agosto de 2008

experience – with Cyriaco, Luiz Cavalheiros, and also Fábio Carvalho. Fábio left the group before it ended; later, Cyriaco moved abroad. I did some work with Luiz Cavalheiros (for instance, the videos Isso (Das es, 2001), and Baixo Rocinha6 (Rocinha’s Environs, 2006) – and we still keep in touch. We are very intimate with each other’s work. And we’ve always liked that, working on some projects and never telling who the author really was, or simply doing work together. This reminds me a little of the curatorship of Alberto Saraiva, you know? It really brought me back to that experience with the group, because in the group everybody ended up influencing each other’s work, we wrote about each other’s work. When did it start? In 1995, while we were still at Parque Lage. Luizinho, Cyriaco, and I were finishing the advanced painting program – we had our studio there, but I always worked at home too. So, we had our graduation exhibition. At first, A95 was made up of everyone in that class plus Fábio, but as other interests came up, people began to leave the group, but we stayed. Right after that, Cyriaco began his Masters program, and he would bring a lot of things to us, texts for us to discuss. Then he invited me to attend your classes as a guest… That was a very exciting time, and what I think was the most interesting aspect of it all is that it helped me open up to this participatory thing. It’s really good for me to work with someone else, you know? That’s how it happened with Alberto Saraiva too. You say something, the other person potentializes what you said in order to make the work more displayable, and you end up creating a whole set up. All that, to me, is very exciting, and very good for the work. This isolation artists tend to get themselves into is not really desirable. I think it’s good to be able to exchange ideas, to influence each other’s work. I don’t believe my ideas are untouchable, that they should not be changed, transformed. On the contrary: if you get to a point where someone else wants to interfere in your work, it’s because the work is working! Rio de Janeiro, August 5, 2008

Worm walks through a maze of letters. Rocinha’s popular marketplace, located in the biggest slum of Latin America, registered by 2 video cameras attached to the body of the artist.

5 6

251


252


V CRONOLOGIA CRONOLOGíA | CHRONOLOGY

253



CRONOLOGÍA | CHRONOLOGY

• 1994 CONJUNTO INICIAL | INICIAL SET tinta escorrida sobre borracha 200 x 120 cm tinta escurrida sobre caucho paint dripped on rubber

1994 • CONJUNTO 01 | SET 01 matéria-tinta, pigmento e tinta escorridos sobre borracha 285 x 165 cm matéria-tinta, pigmento y tinta escurridos sobre caucho | paint-matter, pigment and paint dripped on rubber

• 1994 ESCALA INICIAL | INICIAL SCALE tinta escorrida sobre plástico transparente 200 x 70 cm tinta escurrida sobre plástico trasparente paint dripped on transparent plastic

255


• 1994 ATRAVESSE | ATRAVIESE | TRAVERSE Centro Cultural Paschoal Carlos Magno RJ matéria-tinta, pigmento e tinta escorridos 25m2 matéria-tinta, pigmento y tinta escurridos paint-matter, pigment and paint dripped

1995 • DRIP MUSIC Escola de Artes Visuais do Parque Lage RJ matéria-tinta, pigmento e tinta escorridos sobre borracha 330 x 135 x 80 cm matéria-tinta, pigmento y tinta escurridos sobre caucho | paint-matter, pigment and paint dripped on rubber

• 1995 DRIP MUSIC Casa da Cultura Laura Alvim RJ matéria-tinta, pigmento e tinta escorridos 26 m2 matéria-tinta, tinta y pigmento escurridos paint-matter, pigment and paint dripped

256


1995 • NOVÍSSIMOS 95 Instituto Brasil-Estados Unidos IBEU RJ Conjunto deformável 06 matéria-tinta e pigmento 258 x 120 cm Conjunto deformable 06 matéria-tinta y pigmento Deformable set 06 paint-matter and pigment

• 1996 DRIP MUSIC Solar Grandjean de Montigny PUC-Rio painéis de matéria-tinta 23m2 paneles de matéria-tinta paint-matter panels

1997 • REPUBLICANDO Palácio da República RJ salão ministerial + matéria-tinta 150 m2 salón ministerial + matéria-tinta ministerial hall + paint-matter

257


1997 • EXPOSIÇÃO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO Máquinadenãoescrever Máquinadenoescribir Nonwritingtypewriter

normógrafo + espelho + matéria-tinta 10 x 43 x 10 cm normografo + espejo + matéria-tinta lettering guide + mirror + paint-matter

• 1998 EXPOSIÇÃO ESPAÇO CULTURAL DOS CORREIOS RJ matéria-tinta (paint-matter) 97 m2

1999 • EXPOSIÇÃO A 95 C.C. Cândido Mendes RJ Pablo 1.6 Caleidoscópio sonoro Pablo 1.6 Caleidoscopio sonoro Pablo 1.6 Sound kaleidoscope

as primeiras palavras de Pablo + espelho + caleidoscópio sonoro Ø 50 cm las primeras palabras de Pablo + espelho + caleidoscopio sonoro | Pablo’s first words + mirror + sound kaleidoscope

258


1999 • EXPOSIÇÃO SESC SP Babel - Máquinadenãoescrever Babel - Máquinadenoescribir Babel - Nonwritingtypewriter

estênceis das letras do alfabeto + matéria-tinta 100 x 10 x 12 cm esténciles de las letras del alfabeto + materia-tinta stencils of alphabet letters + paint-matter

• 2000 INICIATIVAS GRUPO A 95 Centro Cultural São Paulo Matrix Eva de Victor Brecheret + matéria-tinta Eva Victor Brecheret’s sculpture + paint-matter

2002 • CAMPO MINADO GRUPO A95 MINEFIELD A95 GROUP Espaço Cultural Sérgio Porto RJ Rede | Red | Web teclas de máquina de escrever 97 m2 teclas de máquina de escribir | typewriter keys

259


• 2002 LINGUAGENS VISUAIS LENGUAJES VISUALES | VISUAL LANGUAGES Palácio Gustavo Capanema FUNARTE RJ Campo minado em ação Campo minado en acción | Minefield in action logo da FUNARTE + teclas de máquina de escrever 340 x 340 cm logo de la FUNARTE + teclas de máquina de escribir | FUNARTE’S logo + typewriter keys

2003 • IN-OUTDOORS Escola de Belas Artes UFRJ serigrafias padrão outdoor 72 m2 / 3 x 5 m / 2.60 x 4 m serigrafías estándar outdoor outdoor standart serigraph

• 2003 CAMPO MINADO | MINEFIELD Paço Imperial RJ teclas de máquina de escrever Ø 6 m h = 2.25 m 133 m2 teclas de máquina de escribir typewriter keys

260


2005 • SOB(RE) O OLHAR SOBRE/BAJO LA MIRADA | ABOUT THE GAZE Oi Futuro Centro de Arte e Tecnologia RJ Abismo | Abism anamorfose do Narciso de Caravaggio + espelho Ø 150 cm anamorfosis del Narciso de Caravaggio + espejo anamorphosis of Caravaggio’s Narcissus + mirror

2006 • LINGUAGENS VISUAIS LENGUAJES VISUALES | VISUAL LANGUAGES Centro de Arte Hélio Oiticica RJ Sob(re) o olhar | Sobre/bajo la mirada | About the gaze impressão do Narciso de Caravaggio em acetato com a forma de banda de Moebius 110 x 80 x 15 cm Narciso de Caravaggio impreso en acetato com la forma de la banda de Moebius | Caravaggio’s Narcissus print on acetate with the Moebius band form

• 2008 LIVROS | LIBROS | BOOKS Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho RJ Conversa na escadaria Conversación en la escalinata | Staircase talk

teclas de máquina de escrever

250 m

teclas de máquinas de escribir | typewriter keys

261


BIOGRAFÍA | BIOGRAPHY Helena Trindade vive e trabalha no Rio de Janeiro. Graduada em arquitetura, iniciou livre formação artística na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde participou dos núcleos de Pintura, Desenho, Escultura e Teórico. Helena formou com Luiz Cavalheiros, Cyriaco Lopes e Fábio Carvalho o grupo A95 de pesquisas artísticas. Cursou Gravura na Art Students League, Contemporary Art Theories na School of Visual Arts e na New York University. Em 2003 concluiu mestrado em Linguagens Visuais na Escola de Belas Artes da Universidade Federal, sob a orientação de Gloria Ferreira, com destaque para a qualidade do trabalho plástico apresentado na dissertação e exposição “Campo minado”. Em 2006 inicia seus estudos em Filosofia na PUC-Rio, onde se pós-graduou em Arte e Filosofia com a monografia “Sob(re) o olhar”. Sua produção compreende instalações, site specifics, poemas-objeto, vídeo, fotografia, desenhos e gravuras. Desde 1992 Helena vem realizando, no Brasil e no exterior, exposições coletivas e individuais fora do circuito comercial. Helena Trindade vive y trabaja en Río de Janeiro. Graduada en arquitectura, inició su formación artistica en la Escola de Artes Visuais del Parque Lage, donde participó de los núcleos de pintura, dibujo, escultura y teoría. Helena formó con Luiz Cavalheiros, Cyriaco Lopes e Fábio Carvalho el grupo A95 de investigación artística. Cursó grabado en la Art Students League, Contemporary Art Theories de la School of Visual Arts y en la New York University. En el año 2003 se recibió de Master en Lenguajes visuales por la Escola de Belas Artes de la Universidade Federal. Su tesis de maestría, bajo la tutoría de Gloria Ferreira, se destacó por la cualidad de “Campo minado”, el trabajo plástico presentado y expuesto. En el año 2006 inició sus estudios en Filosofía en la Pontifícia Universidade Católica de Río de Janeiro, donde hizo un posgrado en Arte y Filosofía, aprobado con la monografía “Sob(re) o olhar”.1 Su producción engloba instalaciones, site specifics, poemas-objeto, video, fotografía, dibujos y grabados. Desde 1992 Helena viene realizando exposiciones colectivas e individuales fuera del circuito comercial, tanto en Brasil, como en el exterior.

1 Sob(re) o olhar: juego de palabras que reúne “bajo y sobre” la mirada.

262


Helena Trindade lives and works in Rio de Janeiro. Graduated in Architecture, she began her artistic training at Visual Arts School of Parque Lage, where she participated in the activities of the Painting, Drawing, Sculpture and Theory departments. Helena formed with Luiz Cavalheiros, Cyriaco Lopes e Fábio Carvalho the group A95 of artistic research. She also studied Engraving at the Art Students League, Contemporary Art Theories at the School of Visual Arts and at the New York University. In 2003 she was awarded the Master of Fine Arts in Visual Languages degree of the Federal University, under the guidance of Gloria Ferreira and with praise on the quality of the visual work presented by the dissertation and exhibition “Minefield”. In 2006 she concluded the Art and Philosophy postgraduate course in PUC – Rio with the monograph “About the gaze”. Helena works with instalations, site specifics, object poems, video, photography, drawings and engraving. Since 1992 she has been exhibiting in Brazil and abroad, outside the comercial art circuit.

TRINDADE, Helena. “Um museu como ponte moebiana”. “Mostra Concurso Pampulha”, Museu da Pampulha, Belo Horizonte, 2003. MONOGRAFIAS E DISSERTAÇÕES | MONOGRAFÍAS Y DISERTACIONES | MONOGRAPHS AND DISSERTATIONS TRINDADE, Helena. “Campo minado”. Dissertação de mestrado em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ, 2003. TRINDADE, Helena. “Sob(re) o olhar”. Monografia para a pós-graduação em Arte e Filosofia, PUCRio, 2007. PERIÓDICOS | PERIÓDICOS | PERIODICALS ARAÚJO, Roberta. “O Rio se rende às artes”. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 11/06/2003. COUTINHO, Wilson. “Um pouco do mundo no Paço”. O Globo, Rio de Janeiro, 21/06/2003. LIMA, Roni. “Aprofundamento em Pintura mostra o trabalho dos novos”. Folha de S. Paulo, 06/08/1996. MOTA, Angélica. “Palavras que inspiram a arte”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 07/03/2008.

BIBLIOGRAFÍA | BIBLIOGRAPHY CATÁLOGOS DE EXPOSIÇÕES | CATÁLOGOS DE EXPOSICIONES | EXHIBITIONS CATALOGS CAVALCANTI, Lauro – “O fio e o espaço”. “Campo minado”, Paço Imperial, Rio de Janeiro, 2003. Escola de Artes Visuais do Parque Lage. “Aprofundamento”, Rio de Janeiro, 1996. Espaço Cultural dos Correios. “Cristina de Pádula, Helena Trindade e Tania Queiroz”, Rio de Janeiro, 1997. IBEU – Instituto Brasil-Estados Unidos. “Novíssimos 95”, Galeria do IBEU Copacabana, Rio de Janeiro, 1995. LOPES, Cyriaco – “A matéria-tinta, duas instâncias: fluxo e imobilização”. “Mostra do programa de exposições”, Centro Cultural São Paulo, 1997. _____ . “As palavras”. “Cristina de Pádula e Helena Trindade”, Galeria SESC Paulista, 1999. _____ . “A95”. “Iniciativas”, Centro Cultural São Paulo, 2000. Programa de pós-graduação em artes visuais da Escola de Belas-Artes, UFRJ. “Linguagens Visuais”, Palácio Gustavo Capanema, FUNARTE, Rio de Janeiro, 2002. QUEIROGA, Suzana. “Cristina de Pádula, Helena Trindade e Tania Queiroz”, Solar Grandjean de Montigny, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 1996. REIS, Paulo; CHAGAS, Mário de Souza. “Território do Imutável”; “Republicando Artes & Manhãs”. “Republicando”, Museu da República, Rio de Janeiro, 1997.

MIRANDA, Cláudia. “O consagrado e o novo no circuito”. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 11/07/1995. ––––– . “Os novos pupilos do Parque Lage”. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 06/08/1996. NAME, Daniela. “Termômetro para a arte”. O Globo, Rio de Janeiro, 26/06/2002. ––––– . “Time jovem na defesa da arte contemporânea”. O Globo, Rio de Janeiro, 11/06/2003. OLIVEIRA, Roberta. “Artistas interferem no Palácio”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, julho/1997. PENNAFORT, Roberta. “Livros faz brotar toda a poesia das palavras”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 27/02/2008. SARAIVA, Alberto. “Helena Trindade – o verbo é imagem”. Papel das Artes #6, Rio de Janeiro, março / 2008. VALÉRIA, Paula. “Helena Trindade”. Revista Esfera, São Paulo, 1999. VIGNA, Elvira. “Jogos narcísicos”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16/09/2005. _____ . “Helena Trindade”. Aguarrás, São Paulo, 21/03/2008. FILMOGRAFIA | FILMOGRAFÍA | FILMOGRAPHY D’ALMEIDA, Neville – Livros. LOPES, Cyriaco; CARVALHO, Fábio – Drip music.

263


EXPOSIÇÃO | EXPOSICIÓN | EXHIBITION

versão para o inglês versión para el inglés | English translation

projeto | proyecto | project Helena Trindade

Renato Rezende

curador | comisario | curator Alberto Saraiva

English and Spanish revision

fotografia | fotografía | photography Beto Felicio

impressão | impresión | printing Pancrom

revisão das traduções | revisión de las traduciones Helena Trindade e Cyriaco Lopes

coordenação de produção e montagem coordinación de producción y montaje production and set up coordinator

VÍDEO | VIDEO | VIDEO

Marcos André Ganzenmüller Sampaio

roteiro, direção e fotografia | guión, dirección y fotografía | screenplay, direction and photography Neville D’Almeida

LIVROs | LIBROs | BOOKs projeto e conceito | disegño y concepto | design and concept

Helena Trindade coordenação editorial coordinación editorial | editorial coordinator

Helena Trindade e Alberto Saraiva projeto gráfico e pré-impressão | diseño gráfico y pre-prensa | graphic design and pre-press Susan Johnson coordenação de produção | coordinación de producción | production coordinator

Susan Johnson fotografia | fotografía | photography Beto Felicio (todas as fotos, com exceção dos stills de vídeos e das fotos abaixo:) Neville D’Almeida, p.196 a 211 Ana Tavares, p.161 foto 1 Helena Trindade, p.119 foto 2; p.139 fotos 2 e 3; p.171; p.173; p175; p.176; p.184 e p.230 Luiz Cavalheiros, p.161 foto 3 e p.217 tratamento de imagem tratamiento de imagen | image treatment

Trio Studio revisão | revisión | revision Maria Helena Torres Damião Nascimento versão para o espanhol versión para el español | Spanish translation

Adriana Kanzepolsky 264

imagem e montagem imagen y montage | image and assembly

Ana Tavares edição | edición | editing Imagem Secreta produção | producción | production Aimara Produções

AGRADECIMENTOS AGRADECIMIENTOS | ACKNOWLEDGEMENTS Glória Ferreira Neville D’Almeida Ana Tavares Fábio Carvalho Cyriaco Lopes Luiz Cavalheiros Roberta Alencastro Guimarães Elisa de Castro Lima Lourdes Ganzenmüller Donald Bessa

Copyright © Helena Trindade, 2009 2009 Contra Capa Livraria Ltda atendimento@contracapa.com.br Rua de Santana, 198 – Centro 20230-261– Rio de Janeiro – RJ Tel [55 21] 2508.9517 Fax [55 21] 3435.5128 www.contracapa.com.br






Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.