OLD Nº 53

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expediente

revista OLD #número 53

equipe editorial direção de arte texto e entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki

capa fotografias

Diambra Mariani Danilo Luna, Diambra Mariani, Neto Macedo, Paula Pedrosa, Thiéle Elissa

entrevista email facebook

André Penteado revista.old@gmail.com www.facebook.com/revistaold

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índice

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livros fotos contam fatos exposição

diambra mariani por tfólio

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danilo luna por tfólio

thiéle elissa por tfólio

andré penteado entrevista

92 80 92 104

paula pedrosa por tfólio

neto macedo por tfólio

reflexões coluna



carta ao leitor

Começamos mais um ano, seja bemvindo, 2016! Aqui na OLD comemoramos a entrada do nosso sexto ano de atividades e a chegada da nosa 53ª edição, a qual, como não poderia ser diferente, está mais do que caprichada. Nesta primeira edição do ano buscamos trabalhos que lidam com questões introspectivas, formais e relacionadas ao contato com o outro, a como lidamos com os personagens que fotografamos. Estão presentes os trabalhos de Diambra Mariani, Danilo Luna, Tiéle Elissa, Paula Pedrosa e Neto Macedo. Dentro deste quinteto estão abordagens variadas para usar a fotografia como forma de expressar uma sensação ou contruir uma história.

Nossa entrevista também se fez especial neste mês. Conversamos com André Penteado, que viu seu livro Cabanagem ser citado em parte considerável das listas de melhores de 2015. André nos conta sobre sua carreira e sobre o complexo processo de produção de Cabanagem. Vale a pena ler a conversa com calma e atenção. Assim entramos em mais um ano esperando aprofundar cada vez mais nossas discussões sobre a fotografia brasileira.

por Felipe Abreu

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livros

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LAGO

de Ron Jude

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ago é uma viagem investigativa pela memória de seu autor, Ron Jude. Munido de sua câmera, Jude passou três anos fotografando o deserto californinano no qual passou sua infância. Seu olhar atual trabalha como o de um detetive, em busca de pistas de eventos passados e de marcas que o ajudem a entender quem ele é hoje. O livro, publicado pela MACK, apresenta uma viagem sensorial, de cores fortes e do sol ardido da Califórnia, em cinquenta e cinco fotografias produzidas entres os anos de 2011 e 2014. Longe de que querer chegar a uma narrativa fechada e conclusiva, Jude nos leva em uma busca por estruturas e padrões visuais, que constroem uma quebra-cabeças do desolado antigo lar do autor.

Disponível no site da MACK valor R$200 96 páginas 6


livros

MASS

de Hiroshi Takizawa

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iroshi Takizawa explora os detalhes, as frestas e as texturas das construções de grandes centros urbanos. Seu olhar foge do plano geral e se concentra nos pequenos detalhes que oferecem ricas histórias sobre a construção e a lógica das grandes cidades contemporâneas. Seu livro Mass é um mergulho nessa viagem sensorial, em que este universo de formas nos guia através da sua criação visual complexa e detalhista, diferente do que esperamos de um fotógrafo urbano. Publicado pela New Fave, Mass fica entre o limite do livro e da escultura. Cada página da obra é de um tamanho diferente, ajudando a construir a escala necessária para as fotografias de Takizawa e mostrando, mais uma vez, a arte fantástica que é a encadernação japonesa.

Disponível no site da New Fave valor R$280 76 páginas 7


exposição

8 Romy Pocztaruk


A FOTOGRAFIA ALÉM DA FOTOGRAFIA A exposição Fotos Contam Fatos explora e produção de artistas brasileiros que extrapolam os limites da imagem fotográfica

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á faz um certo tempo que a imagem fotográfica não se basta mais em si mesma. Em quase todas as esferas da fotografia o pensamento não termina mais no momento do clique, é na verdade ai que ele começa. Dentro de um cenário cada vez mais rico e complexo é essencial o papel de críticos e pesquisadores que busquem apresentar sentidos possíveis dentro deste universo. Buscar significados, técnicas e caminhos dentro da fotografia expandida é um caminho não só muito produtivo, mas essencialmente necessário. Denise Gadelha tomou para si parte

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desta responsabilidade e organizou a exposição Fotos Contam Fatos, que chega à sua última semana de apresentação na Sala 3 da Galeria Vermelho, em São Paulo. A mostra buscou artistas de sete capitais estaduais brasileiras, criando um panorama complexo não só artístico, mas também geográfico. Participam da mostra mais de cem artistas que apresentam em sua obras formas mais complexas e plurais de tratar a fotografia. Estão presentes instalações, esculturas, vídeos, textos teóricos, websites, além de uma rica coleção de obras impressas como

livros, jornais, zines e mais. Fotos Contam Fatos tem tudo para se tornar um marco dentro do estudo na fotografia no contexto da arte contemporânea. O trabalho de curadoria construiu um universo rico, complexo e convidativo: tudo o que precisamos para nos aprofundar na pesquisa e discussão sobre as imagens que produzimos hoje.

A Galeria Vermelho fica na Rua Minas Gerais, 350. Fotos Contam Fatos segue em cartaz até 16/01.


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DIAMBRA MARIANI El Nido Vacio

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l Nido Vacio é um diário visual sobre perda, amor e reencontro. Cada imagem tem o seu espaço e tamanho próprios, imersas em um mundo branco. Diambra Mariani quebra o limite de suas imagens, interfere sobre elas e cria novas narrativas e significados dentro delas. El Nido Vacio é um movimento de experimentações de sucesso, que libera a fotografia de seus rígidos quatro cantos.



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diambra mariani

Diambra, como surgiu seu interesse pela fotografia? Durante a minha infância e adolescência eu não fotografava, só escrevia muito. Foi só com 22 anos que comecei a me interessar pela fotografia. Eu fazia Direito na universidade mas eu não queria trabalhar como advogada e eu estava buscando algo diferente para o meu futuro. Freqüentei uma escola de fotografia e senti que era exatamente o que eu queria fazer. Nos conte sobre a criação de El Nido Vacio. Eu queria me sentir livre para contar algo muito pessoal, de uma forma muito íntima, sem limites, misturando digital, analógico e polaroids, cor

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e branco e preto, fotografia e sinais gráficos. É minha tentativa de resumir os dois últimos anos da minha vida, desde que me mudei para viver no exterior. Precisava meditar sobre meus sentimentos e sobre o que tinha mudado e o fiz através da fotografia. Eu me lembro claramente de alguém, muitos anos atrás, lendo um romance que escrevi, me dizendo que não era bom o suficiente porque eu não tinha conseguido contar uma história, somente evocar uma atmosfera. Isso é algo com que luto por muitos anos. Estou tentando aceitar o fato de que eu realmente gosto de evocar atmosfera e que às vezes isso é verdade, não consigo criar uma história, mas eu gosto do processo de

Eu queria participar mais, decidir se a fotografia seria grande ou pequena, deixar a fotografia continuar fora do seu quadro, marcar alguns detalhes. criar coisas, de qualquer forma. Você usa tanto o espaço em branco como intervenções visuais nesta série. Como esta estética foi desenvolvida? Como El Nido Vacio é um diário visual, eu senti que era necessário ganhar espaço, como se eu tivesse muitas folhas de papel em branco. Não queria o quadro inteiro preenchido com uma imagem. Eu queria participar mais, decidir se a fotografia seria grande ou pequena, deixar a fotografia continuar fora do seu quadro, marcar alguns detalhes.


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Quais são os papeis da intimidade e da distância na criação deste trabalho? Gosto da metáfora de dois porcos-espinhos apaixonados: se eles ficarem muito longe um do outro eles sentem frio, mas se eles ficarem muito perto sentem dor. O ponto é encontrar a distância certa e isso é difícil e não só falando sobre amor. As fotografias, de alguma forma, falam sobre isso.

grafia representa, então eu só espero que alguém, as vendo juntos, consiga reconhecer uma atmosfera ou ao mesmo sentir um pouco de empatia.

Como você busca traduzir coisas abstratas como memória, amor e intimidade em fotografias? Uso símbolos pessoais e de intimidade: coisas que significam muito para mim, que algumas vezes são muito claras, como uma cama vazia, mas as vezes não são. Eu não acho que seria interessante explicar o que cada foto-

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DANILO LUNA Revoada do Vaga-lume

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evoada do Vaga-lume é uma busca constante pela construção de associações e conflitos visuais entre suas imagens. Livre de uma narrativa fechada, a série de Danilo Luna se desenvolve a partir de seus aspectos visuais, suas formas, texturas e luz. Dessa forma, Revoada do Vaga-lume está livre para se transformar constantemente em uma eterna metamorfose em busca de nova e mais complexas aproximações visuais.



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danilo luna

Danilo, nos conte sobre seu começo na fotografia. O começo é um lugar complexo de se colocar. Acredito que se faz interessante pensar, que os variados suportes imagéticos existentes, de alguma maneira me atravessaram, e continuam a me atravessar, mesmo que afastados de um fazer artístico pontualmente fotográfico, ou seja, não saboto as experiências visuais mais abstratas, que são pequenas partes desse indefinido processo, que pode ser lido como um outro tipo de começo. Não indico um início na fotografia, mas sim, fluxos de interesse pelas imagens, que foram alimentados e incentivados, hora mais, hora menos, durante minha existência. Portanto, o que posso realmen-

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te apontar é que em dado momento, acionei novos modos de raciocínio do pensar, e do encarar a arte, e isso se deu mais especificamente na faculdade de Artes Visuais. Desse processo a fotografia é uma das mídias “tradutoras ” do pensamento criativo, mas não a única. Como foi o desenvolvimento da série Revoada do Vaga-lume? Eu retiraria o foi da questão, pelo fato, de que o trabalho continua em desenvolvimento só que em outras esferas, ganhando acúmulos sob outras perspectivas e recortes. Digo também que o processo está aberto, e que esse conjunto pode vir a ganhar ou até mesmo perder imagens. O processo até agora, não se deu de

Coloco em evidência um intenso trabalho de edição, que desemboca nas diversas camadas de referências e problematizações do trabalho. modo em que a escolha de um tema, ou de um lugar especifico seriam características fundamentais para a fruição da série, pelo contrário, o trabalho apresenta-se dos diferentes choques passiveis entre imagens variadas. Coloco em evidência um intenso trabalho de edição, que desemboca nas diversas camadas de referências e problematizações do trabalho. Há um jogo constante de mostrar e esconder, sempre com um elemento central nas imagens da série. Como se dá a sua escolha de cada uma dessas


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imagens? E como você desenvolve a busca por elas? Me agrada bastante o uso das palavras, mostrar e esconder, creio que um dos lugares, em que o trabalho se apresenta, permeia tais campos. Ao pensar a História da Arte ou da Fotografia, lida-se com presenças e ausências, um revelar que constantemente oculta. O trabalho segue quase como um discurso irônico de tais contextos, onde as interpretações estão sempre passíveis de contaminações. Todo o processo de escolha e feitura das imagens, caminham em uma dinâmica errática, evidenciando no processo de edição, caminhos e camadas interpretativas, que não apontam um fechamento. A figura do vaga-lume se faz muito simbólica nesse sentido, pois ao mesmo tempo que te aproxima de vislumbrar algo,

ou de entender algo em seu momento de luz, ao apagar sabota-se todo o processo dado, ou seja, o breu é pausa, é intervalo, mas também é imagem. Qual a importância da sequência e da construção narrativa no seu trabalho fotográfico? Especificamente nesse trabalho, a sequência narrativa não se dá fixa, o próprio modo de encadeamento para a apresentação na revista se faz diferente de outros momentos. Na minha pesquisa, a sequência e a narrativa se fazem diferentes a cada trabalho, isso depende muito das nuances que busca-se permear, por vezes, pode ser algo fragmentário e poético, ou até mesmo uma tentativa de um certo direcionamento na leitura, por vezes pode se aproximar de outras

linguagens como cinema ou música etc., portanto, creio que o mais interessante não é ficar buscando modos bem definidos de construir a narrativa, pois sua dinâmica está nesse ato de imersão nas imagens, de se deixar sensível para os diferentes choques poéticos que podem surgir, o ato de construção da narrativa se faz muito importante e um do mais instigantes na constituição de uma obra fotográfica, vale ressaltar que metade do processo está colocado ao fotógrafo, a outra metade cabe o espectador construir. 

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THIÉLE ELISSA apto 202

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iéle Elissa faz parte de um grupo de fotógrafos promissores vindos do Rio Grande do Sul. Ela está próxima de Tiago Coelho e Marco A.F., dentro do grupo de estudos de fotografia da Galeria Mascate. Grupo que, aliás, vem apresentando uma produção constante e de qualidade. Nesta edição da OLD, Tiéle apresenta uma série que começou na faculdade e foi continuar seu desenvolvimento no grupo. Apto 202 conta parte da história de Diná, tia da fotógrafa, e seu apartamento.



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Mas algumas pessoas ficam um pouComo começou seu interesse pela fotografia? Começou quando eu tinha uns 14 anos. Era aquela época em que o Flickr estava bombando. Comecei e a me interessar pelo assunto e passava horas explorando galerias por lá. Ai comecei a aprender algumas coisas, entender quais eram os segmentos, as técnicas, os modelos de equipamento, entre outras coisas. Descobri fotógrafos que sou fã e amiga até hoje. Nessa época comecei a fotografar o meu universo, o jardim da minha casa no interior e também o cotidiano de cidades maiores pelas quais passava de vez em quando. Fotografava com uma câmera digital compacta muito ruim, que quase não tinha recursos. O foco dela era no infinito, pra focar

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o primeiro plano comecei a inventar umas gambiarras com lupas e lentes de binóculos quebrados. Não que ficasse bom, risos, mas foi uma fase legal, de experimentação e sinceridade muito grande. Pouco depois comprei minha dslr e comecei a faculdade de fotografia, depois de passar um tempinho cursando jornalismo. Nos conte sobre o desenvolvimento da série apto 202. Esse trabalho surgiu na disciplina de retratos, na faculdade, em 2014. O professor era o Tiago Coelho, com quem faço estágio hoje e é uma grande influência para mim. A ideia era produzir um trabalho de retratos e eu escolhi retratar minha tia Diná e o seu apartamento. Para mim eles re-

co incomodadas. Já me disseram que esse formato é sufocante. presentavam uma relação interessante e ambígua de ser e ao mesmo tempo não ser, uma vez que ela é como se fosse minha segunda mãe e o espaço como se fosse minha segunda casa. Então, escolhi trabalhar com trípticos de objetos que são característicos desse ambiente, da personalidade dela ou que fizessem parte da minha memória de infância. Juntando-os com retratos dela, surgiu a primeira fase do Apto 202. Você faz parte do grupo de estudos da Galeria Mascate, coordenado pelo Marco A. F. e pelo Tiago Coelho. Como


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esta experiência transformou sua produção?

que ter mais opiniões é fundamental dentro do processo criativo.

O grupo é muito bom pra discutir ideias, encontrar caminhos de edição e compartilhar as crises que vão surgindo. Comecei no grupo com algumas ideias que não fluíam. Decidi então concluir o apto 202, até porque ainda estava muito presa a ele e achava que não estava pronto. O Marco e o Tiago foram fundamentais para essa edição que é um pouco diferente da inicial. Saíram vários trípticos e entraram mais fragmentos de objetos sozinhos, que conversam com os retratos em que a personagem também aparece dessa forma mais fragmentada. Eles são ótimos, sugerem caminhos e a gente vai tentando encontrar juntos a melhor maneira de conduzir o projeto. Além do fato de

Você opta por um formato super wide para suas imagens. Como esta opção contribui para sua narrativa? Esse formato surgiu como uma forma de otimizar os trípticos, mas para criar uma unidade maior optei por fazer todas as fotos nesse formato. Então na hora de fotografar já o fazia pensando que depois a imagem sofreria esse corte brusco. Foi um exercício muito bom. Eu particularmente gosto desse formato, que pode mudar dependendo da plataforma em que eu o for expor, mas acho que nesse início funcionou. Tem também o fato desse formato ser meio cinematográfico e diferente do que estamos acostumados dentro da fotografia.

Particularmente gosto de quebrar um pouco esses estereótipos de formatos. Mas algumas pessoas ficam um pouco incomodadas. Já me disseram que esse formato é sufocante. Concordo, mas também acho que isso faz parte, uma vez que a minha relação com o tema também é um pouco sufocante, como todas as relações humanas. 

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André Penteado foi o grande nome da fotografia brasileira em 2015. Seu livro Cabanagem figurou em parte considerável das listas de melhores do ano ao redor do mundo. Além disso, sua produção recente - Cabanagem em especial - foi apontada como marco na qualidade e no pensamento dentro da fotografia brasileira. Para começar 2016 com o pé direito, conversarmos com André para conhecer mais sobre sua criação fotográfica. André, como começou seu interesse pela fotografia? A fotografia sempre fez parte da minha família. Acho que essa é a resposta mais lugar comum de todos os fotógrafos [risos]. A minha tia Gilda foi uma grande fotógrafa amadora durante a década de 70, acabei até herdando uma parte da sua coleção de livros de técnica e linguagem fo-

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tográfica, meu pai também tinha uma relação próxima com a fotografia e acabei herdando sua câmera e lentes no final dos anos 80, quando comecei a me interessar por fotografia. Na minha casa sempre teve álbuns de família, sempre se tirou muitas fotos, tem álbuns de família muito antigos, até da primeira metade do século XX. Por conta dessa atmosfera, a fotografia sempre foi muito presente para mim. Quando estava na faculdade, no final dos anos oitenta, fiz dois cursos básicos de fotografia e passei a fotografar, com uma certa regularidade, com a câmera do meu pai. No final da faculdade fui ser trainee em uma consultoria e percebi que não tinha jeito para aquilo. Depois de três meses pedi demissão e fui ser assistente no estúdio de fotografia da Editora Abril, que ainda tinha um super time

fixo de fotógrafos, produzindo para todas as revistas da editora. Depois disso vaguei por algum tempo entre trabalhos de administração e em uma agência de publicidade. Por conta de cortes na agência acabei sendo demitido, o que foi muito duro na época, mas foi a melhor coisa que poderia acontecer. Essa demissão foi o que me deu o empurrão para entrar de vez para a fotografia, mesmo sem ter um plano certo, eu sabia que iria trabalhar com fotografia. Com essa postura, começaram a aparecer trabalhos para mim. Comecei minha carreira como fotógrafo trabalhando em casamentos, eventos, festas de criança, depois comecei a fotografar para a Abril, a fazer trabalhos corporativos e afins. Esse período durou cerca de dez anos. De novo eu me senti insatisfeito porque minha carreira estava resumida a essa

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produção comercial, não tinha trabalhos autorais fortes, como eu gostaria de fazer. Então, em 2005, me mudei para Londres para me dedicar à fotografia autoral, acompanhado pela minha esposa na época. Comecei com projetos pequenos até que, em 2010, ganhei uma espécie de bolsa e passei o ano seguinte inteiro me concentrando em terminar vários projetos pessoais que estavam em aberto. Foi isso que deu corpo à minha produção. Finalizei durante este período o projeto que realizei depois da morte do meu pai, uma série de retratos de empregadas domésticas, um projeto sobre motéis, fora poder revisitar meu acervo e encontrar novas propostas dentro dele. Em 2012 volto para o Brasil, inscrevo O Suicídio do meu Pai no prêmio Pierre Verger, ele é escolhido como ganhador, faço a exposição e começo

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a trabalhar no projeto Rastros, Traços e Vestígios, do qual Cabanagem é o primeiro capítulo. Eu gosto de contar a minha trajetória inteira porque muitas vezes as pessoas romantizam o processo, acham que você “virou artista”, vêem um livro publicado, destacado em listas de melhores do ano e esquecem que eu fiz muito casamento, muita festa de criança para chegar até aqui. Como foi o processo de produção do ensaio Cabanagem? Desde trabalhos mais antigos, como o do meu pai, eu sempre tentei entender como esta folha de papel, que é uma fotografia, e parece reproduzir tão fielmente o mundo e a gente, como fotógrafo, sabe que é uma mera construção que engana as pessoas e as faz acreditar que aquilo é uma realidade. Eu acho isso, no momento, o

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ponto mais interessante de ser discutido dentro do meu trabalho. Acho até que a fotografia seja a mais conceitual das artes, porque ela só existe no conceito que você está criando, muito mais do que um documento da realidade, ela é um conceito que você tem da realidade. Se ela não tem esse conceito, ela não é nada, ela é uma imagem vazia. Sempre me interessei por história e comecei a pensar em fazer um projeto ligado a este tema. Logo depois de eu voltar para o Brasil, explodiram as manifestações de Julho de 2013. Parecia um conflito na lógica de um povo dócil como o brasileiro. Fugi desse estereótipo e fui pesquisar na nossa história e encontrei uma lista enorme de revoltas populares na história brasileira. A partir disso pensei em fazer uma série de cinco trabalhos sobre revoltas no Brasil, mas para

complexificar um pouco o trabalho, decidi abordar somente revoltas que tenham acontecido antes da invenção da fotografia. Dessa forma não há uma memória fotográfica dos eventos, o que parece um desafio interessante para um artista. Dentro dessa pesquisa a Cabanagem pulou na minha frente. Se não me engano é a maior revolta que já aconteceu no Brasil, os revoltados realmente tomaram o poder, não eram separatistas, queriam a transformação da região deles, com o fim dos privilégios dos portugueses - mesmo depois da independência - e queriam um governo local. A revolta durou cerca de cinco anos e morreram 30.000 pessoas, um terço da população da Amazônia na época. E ninguém fala sobre isso. Talvez em um outro país eles fossem heróis, que tentaram melhorar a sua situação de


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vida. É uma revolta em que um grupo de fazendeiros brasileiros se junta às massas - ribeirinhos, negros fugidos, brancos fugidos do exército - com um grande fundo religioso e invadem Belém, matam o governador e assim começa uma luta pelo poder na região, dentro do próprio grupo rebelde. Com esse cenário em mente, pensei o projeto Rastros, Traços e Vestígios. Me aprofundando no projeto, decidi que serão cinco livros, mas nem todos sobre revoltas. Os três primeiros livros já estão definidos: o primeiro é sobre a Cabanagem, o segundo sobre a Missão Francesa e o terceiro sobre a Farroupilha, que eu quero usar como um contraponto à Cabanagem. Há uma forte criação simbólica e metafórica no ensaio. Você pensa e produz as imagens que necessita ou sai

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em uma busca intuitiva atrás delas? O procedimento é assim: escolho meu tema, no caso a Cabanagem, faço uma extensa pesquisa, vou filtrando o que é bom e o que é ruim, leio bastante, para conhecer profundamente meu tema. Não como um pesquisador ou historiador, mas na busca de sensações e pensamentos. O que vem na minha cabeça são lugares a visitar e imagens possíveis. Essas imagens não são exatamente as que acabo por fazer, mas sim uma lista de lugares e temas relacionados a eles que acabam por construir o universo de fotografias que vou produzir. Quando vou aos lugares já pesquisados, o acaso se apresenta. Por exemplo: o facão - ou terçado no Pará - foi a principal arma usada durante a revolta. Em uma das igrejas que visitei encontrei um facão apoiado na parede do lado de fora e o fotografei. Este tipo de coisa não tem

como prever. É este tipo de acaso que ajuda a construir o ensaio. Essa preparação, essas ideias e o acaso nem sempre funcionam, então fiz 16.000 fotos para a Cabanagem. Passei dois meses e meio em Belém, fiz as imagens e quando voltei me vi perdido dentro desse imenso acervo. Como ele daria conta da Cabanagem? O que ficou dela nas imagens? Porque, na realidade, eu estou usando fatos históricos para refletir sobre o Brasil de hoje. Ficou muito na minha cabeça a ideia de camadas, de elementos que se repetem na nossa história, por exemplo a religião, que foi um elemento super importante na Cabanagem e agora se faz presente no nosso Congresso, de uma forma bastante complexa. Além disso, nos dois meses que passei no Pará, vi todos os dias fotos de pessoas mortas na periferia no jornal local, ou seja, morre-

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ram 30.000 na cabanagem, mas continuam morrendo aos montes hoje em dia. Por conta dessa quantidade tão grande de imagens eu levei um ano para editar o livro, que entrou em um processo de depuração. Primeiro olhei todas as fotos e cheguei em uma seleção de 400. As imprimi em 10x15cm e dei uma primeira ordem a elas. Depois disso, comecei a trabalhar alguns pdfs de livros no InDesign para ver o que estava funcionando. Eu cheguei a voltar às 16.000 fotos umas três ou quatro vezes no processo. À medida que eu ia vendo o que eu tinha feito, eu entendia melhor o meu acervo e ia voltando, buscando imagens que tinham ficado para trás. É interessante comentar que muitas das fotos que ficaram no livro eu já peguei na primeira edição. Mas tinham muitas pessoas e rostos, que acabaram su-

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mindo do resultado final. Nem mesmo os santos tem rostos, estão sempre com a cabeça desfigurada. É um processo racional de leitura, que gera uma lista de locais e possí veis imagens, que são tomados pelo acaso e assim produzo minhas fotografias. No final das contas, não gosto de explicar as imagens que estão no livro, mas todas as fotos tem alguma ligação, em algum grau, com a história da Cabanagem. O livro é muito mais sobre uma sensação do que sobre a história da revolta em si. Como artista, eu acho muito interessante colocar na mesa uma coisa que deixe várias dúvidas e as pessoas sem entender, mas comunicando, certamente, uma sensação, com a qual a pessoa vai ter que trabalhar dentro dela o porquê daquilo, construir um sentido próprio para o trabalho.

Como foi o processo de produção do livro? Porque você optou por três peças diferentes? Os retratos foram sempre uma dúvida dentro do projeto. Eu gosto muito de fazer retratos, mas, apesar de serem bons, não são a coisa mais forte do trabalho. Eles fazem sentido dentro da minha caminhada, pois apresentam pessoas que eu encontrei durante a criação do trabalho e que, muitas vezes, me contaram suas versões sobre a revolta. Durante um período, uma parte dos retratos estava dentro do livro de lugares, mas quando você coloca um retrato próximo ou ao lado de uma outra imagem, sempre se constrói uma associação de que aquele lugar ou coisa fala do retratado. Discutindo a edição com outras pessoas percebi que os retratos mereciam um lugar, mas não era esse. Assim ficou decidi-

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do que um livro seria só de lugares. Desse desejo de manter os retratos surgiu o segundo livro, menor, para complementar o projeto. Como o projeto discute bastante a questão desse labirinto que é a burocracia e a política no Brasil, decidimos fazer então três peças, um quebra cabeça que deve ser montado pelo leitor. A última peça é o texto escrito pela historiadora Magda Ricci. Na primeira versão, o texto fazia muita referência às fotografias que estão no livro. Pedi para a Magda esquecer isso. A ideia não é explicar o trabalho, mas sim dar mais uma ferramenta para o leitor poder construir a história através do quebra cabeça que o projeto apresenta. Quando eu vou a uma exposição eu tento primeiro ver o trabalho, criar uma narrativa minha, para depois ler o texto e levar essas ideias para um

outro lugar. Para Cabanagem pensei em criar uma obra que exigisse um certo esforço do leitor, que o fizesse buscar e compreender por si próprio o que está sendo apresentado para ele. Assim, o livro vai se revelando aos poucos para o leitor, com os objetos, os retratos, as legendas, o texto, construindo aos poucos essa história. Como você pensou a sequência das fotografias no livro? Você usou algum processo narrativo específico? Sempre tem uma narrativa. Eu não tenho o costume de escrever um roteiro para o fotolivro, não consigo trabalhar assim. Trabalho de uma forma mais intuitiva, que vai passando por várias ideias de roteiro para contar a história. Sempre começo com uma sequência, que é a pior de todas, que é a cronológica. O trabalho como um diário de viagem, do lugares que eu

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fui da Cabanagem, mas isso não dava conta. Em uma conversa com o Iatã Cannabrava, ele apontou os temas que se repetem ao longo do trabalho - como a morte, a natureza, a burocracia, a igreja, a violência - e a ideia de que a selva poderia estar no começo e no final de tudo. Conforme fui trabalhar com essas ideias em mente cheguei a uma equação matemática, uma estrutura fixa para o livro, que é a seguinte: sempre começa com uma porta, uma sequência dos temas trabalhados no livro (burocracia, igreja, coisas velhas, etc.), uma morte, uma natureza e uma nova porta, começando um novo ciclo, começando tudo de novo. Fiz uma edição bem fechada, contando o número de fotos que se repetia entre cada porta, só que na hora de refinar o material com a ajuda do Felipe Russo, do Walter Costa e do Ivan Padovani - minha querida e-

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Para Cabanagem pensei em criar uma obra que exigisse um certo esforço do leitor, que o fizesse buscar e compreender por si próprio o que está sendo apresentado para ele. Assim, o livro vai se revelando aos poucos para o leitor, com os objetos, os retratos, as legendas, o texto, construindo aos poucos essa história.

quipe de apoio durante o projeto - o Felipe tirou sete fotos, que estavam desde o começo, e o livro fechou. Isso mudou um pouco a contagem, mas funcionou. E a ideia de começar e terminar com a selva acabou virando só o começo, para construir uma expectativa no leitor que depois é quebrada ao longo do livro. Sempre pensei os livros com tamanhos diferentes, algo que foi refinado pelo designer, que fez com que o livro menor “encaixasse” no tamanho

do maior. O verde da capa já veio do boneco e o vermelho veio pela ideia de trabalhar com violência e sangue e assim chegamos ao produto final. O processo é bem intuitivo, de escolher as imagens que me dizem alguma coisa, depois tentar criar uma narrativa, que se encerra no plástico preto que cobre tudo e encerra o livro. 


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PAULA PEDROSA Jardim Europa

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aula Pedrosa apresenta em Jardim Europa o questionamento entre os limites da paisagem natural e da paisagem construída no bairro de mesmo nome na capital paulista. O bairro, um dos mais caros da cidade, faz alusão à Europa, misto de qualidade de vida e parca preservação do que é natural. Assim, com esta referência em mente e com a realidade do Jardim Europa à sua disposição, Paula apresenta a maneira com que o homem força a natureza a se encaixar em seus padrões de desenvolvimento e espaço. A série se coloca como uma crítica visual ao desenvolvimento extremo e desorganizado que presenciamos nos grandes centros urbanos.



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Paula, nos conte sobre seu começo na fotografia. Sempre gostei de olhar os álbuns de família. Quando fui me tornando mais independente, quis formar meu próprio álbum. Ao entrar no curso de ciências biológicas, na universidade, me interessei cada vez mais em fotografar. No começo mais as viagens, depois as coisas do meu cotidiano também. Fui me aprofundando no assunto e meus objetivos foram mudando ao longo dos anos. Hoje creio ter encontrado meu caminho na fotografia, desenvolvendo projetos autorais que buscam unir meus questionamentos e curiosidades sobre o mundo ao meu redor. Como se deu o desenvolvimento da sé-

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rie Jardim Europa? Como bióloga, sempre reparei na paisagem com olhar curioso. A forma como alteramos o ambiente para enquadrá-lo às necessidades humanas, físicas e psicológicas, é um tema que me intriga, em todas as escalas. A série começou a se desenvolver por acaso, simplesmente observando meu caminho as imagens surgem. Meu processo de criação e produção não é linear, e geralmente estou trabalhando em projetos paralelamente. No caso desta série, todas as fotografias foram feitas no meu bairro e adjacências. Já a categorização destas fotos como uma série, foi praticamente um trabalho edição. Selecionar e alinhar as imagens mais afins em termos de conceito e estética.

A construção da narrativa foi basicamente estética, buscando fotos que fossem graficamente semelhantes, já que o conceito estava alinhado previamente. Há um embate constante entre homem e natureza na série. Quais seus objetivos com a exposição deste conflito? Eu tendo a observar a cidade como parte do ambiente natural. Apesar da distinção óbvia entre cidade e natureza, prefiro não fazer esta classificação. Para mim a paisagem urbana é simplesmente um reflexo da natureza humana, e meu objetivo com esta série, na verdade com todo meu trabalho, é justamente mostrar não o conflito, mas sim aquilo que não percebemos, não reparamos e aceitamos como sendo o padrão sem questionar, simplesmente porque faz e sem-


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pre fez parte do nosso ambiente cotidiano. Como você busca construir a narrativa visual nesta série? Em geral eu busco por imagens simples e objetivas, o que neste ensaio foi realmente levado a sério e determinante. A construção da narrativa foi basicamente estética, buscando fotos que fossem graficamente semelhantes, já que o conceito estava alinhado previamente. Você vê São Paulo como uma cidade que não sabe lidar com a sua natureza? Temos chance de ter uma cidade que equilibre bem o construído e o natural? Só de olhar os rios Pinheiros e Tietê temos a certeza que São Paulo não sabe lidar com a sua natureza. Mas

não sei se há alguma cidade no mundo que saiba, que utilize os recursos naturais de forma limpa e eficiente e ao mesmo tempo lide com os descartes sem impacto. Difícil atingir este equilíbrio em uma época industrial e capitalista. Há vários exemplos de modelos bem aplicados a um ou outro problema pontual, mas um equilíbrio entre o construído e o natural é pouco provável. Acho arrogante o ser humano achar que consegue controlar alguma coisa, não controlamos nem a humanidade, muito menos a natureza. 

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Vida sobre as águas

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eto Macedo teve apenas 7 dias para produzir seu ensaio. Criado durante uma viagem pautada por uma organização sem fins lucrativos, Neto construiu seu olhar pessoal pelas margens do que lhe tinha sido pautado. Desse mundo diferente da maior parte do Brasil e de uma complexidade ímpar, surgiu uma série de fotografias delicadas, que contam, através de seus detalhes, um pouco da rotina desta comunidade ribeirinha.



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Neto, nos conte sobre seu começo na fotografia. Eu nunca parei pra pensar nisso, mas você perguntou a sério e eu gastei um tempo aqui pensando como foi. Cheguei à conclusão que a primeira vez que me vi como fotógrafo, alguém planejando as imagens e procurando histórias, foi em uma viagem solitária pela Dinamarca. Sobrou bastante tempo pra brincar com uma câmera de pilhas que eu tinha em mãos. Percebi que uma chave “girou” dentro do cérebro e a dinâmica do ato de fotografar mudou um pouco na minha cabeça. Acho que passei a me identificar pelo termo “fotógrafo” quando comecei a observar as coisas com aquele olhar diferente, típico de quem vive em busca de imagens.

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Como foi criado o ensaio Vida Sobre as Águas? Fui convidado para participar de uma expedição de uma organização sem fins lucrativos e documentar o trabalho que eles iriam desenvolver na Ilha de Marajó (parte fluvial), no Município de Bagre e algumas outras comunidades próximas. Fiz várias reuniões com eles e nestas reuniões percebi que todos tinham um carinho grande pela população de lá. Não seria a primeira visita e eles citavam nomes de alguns moradores, contavam histórias e casos das outras vezes que tinham ido oferecer as mesmas coisas: atendimento médico, odontológico e jurídico, oficinas de artes e esportes, apoio espiritual, etc. Como eu tinha somente 7 dias para

A ideia de mostrar como era viver rodeado de água ganhou força porque era algo completamente novo para mim. produzir um vídeo mais fotografias sobre o projeto e ainda conseguir imagens para os meus objetivos pessoais, tentei seguir à risca o roteiro que preparei, mas nunca desligando o “faro” e mantendo a atenção para coisas interessantes que não pudessem ser planejadas. Como você buscou traduzir as histórias de seus personagens em suas fotografias? Na minha pele foi como estar em outro país dentro do Brasil. Um lugar fantástico! Ao mesmo tempo que fiquei completamente apaixonado


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pelo modo de vida das pessoas, suas casas, sua culinária, cultura, sotaque e o modo como vivem. A ideia do Vida Sobre as Águas surgiu lá, porque foi o que mais me chamou a atenção. Sou mineiro do Norte de Minas Gerais e aqui não temos uma cultura de morar e viver do rio como eles têm lá (apesar de termos o São Francisco, não é a mesma coisa). A ideia de mostrar como era viver rodeado de água ganhou força porque era algo completamente novo para mim. Vi coisas absolutamente fantásticas lá: crianças de 6 anos pilotando canoas motorizadas em um rio cuja margem oposta se perde de vista no horizonte, jovens brincando sobre e sob as pontes de palafita, vivendo suas vidas em casas construídas sobre as águas. Um lugar onde muita gente toma vários banhos ao dia, devido ao

calor, simplesmente saindo de casa e entrando no rio com um sabonete nas mãos. Um lugar completamente plano, onde o sol nasce e se põe no fim do rio, com seu formato redondo refletido na água. Eu não queria imagens estáticas e retratos inertes das pessoas, por isso na medida em que me foi possível eu busquei fotografar as pessoas durante suas atividades. Eu senti que estava em um lugar cheio de vida e queria que isto transparecesse nas fotografias. Como a escola de fotografia documental influencia sua produção? Diferentemente de vários fotógrafos que eu gosto, que buscam não interferir em nada com as pessoas fotografadas, eu faço o contrário. Tento interagir com as pessoas por acreditar que as minhas ações vão gerar

reações diferentes das que eu obteria só levantando a câmera e pedindo uma foto. Se eu fotografo uma família descascando mandioca em uma usina de farinha artesanal eu não peço a foto, peço para me ensinarem a descascar também. E me sento com eles. E gasto alguns minutos. E então tudo foi esquecido e eu sou parte do grupo, não mais um completo estranho. O que você deseja deixar no seu espectador após o contato com a série? Para resumir bem: meu desejo maior é que ao olhar a foto do menino que salta na água, o espectador pensasse “queria estar lá e saltar junto”. 

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BOA SORTE Revi o livro Luces de Montaña de Galen Rowell nesses últimos dias e trouxe dali a inspiração para este texto. Tratei de ressaltar a articulação feita pelo fotógrafo de aspectos do ato de se tomar fotos, ou seja, um conhecimento técnico, um compromisso ético e o manejo da luz. Foi interessante pensar a fotografia a partir dessas ideias alinhadas em livro de 1995. Depois de vinte anos nota-se que muita coisa mudou e outras tantas seguem iguais. Quando Rowell escreve sobre a sorte, ve-

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

mos diante de nós uma síntese das relações que se estabelecem entre as distintas variáveis na realização de uma foto. Inicialmente, temos uma busca do fotógrafo pela compreensão da leitura da boa luz feita pelo sensor ou pelo filme . O equipamento não registra o mundo visível tal qual nossos olhos. Ao compreender esse ponto básico muita coisa se torna mais fácil. Ao apertarmos o botão disparador finalizamos o processo de criação. Temos ali, de forma latente no interior do equipamento, a imagem que construímos com a reunião de nossos conhecimentos técnicos com a visão de mundo que temos, a luz e a sorte. Esta última palavra parece não se encaixar muito bem. Afinal, o que é a sorte nesse contexto? Algo metafísico? Prefiro dizer

que é, talvez, a síntese do conjunto de articulações até então realizadas. Todos os momentos são momentos propícios. Desde que estejamos preparados para lançar mão daquilo que sabemos e sentimos quando se apresenta o momento certo e o lugar certo (tempo, espaço e luz). E, além disso, temos que estar com a câmara na mão, pronta para ter seu botão de disparo pressionado. Construir de maneira consciente e intuitiva cada uma das imagens que produzimos nos faz criar um número maior de “boas oportunidades”. Ou ainda, no momento em que algo fortuito se apresenta diante de nós como uma possibilidade para uma boa foto estamos preparados para realizá-la. Nós é que construímos nossa boa sorte.

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coluna

reflexões

Temos ali, de forma latente no interior do equipamento, a imagem que construímos com a reunião de nossos conhecimentos técnicos com a visão de mundo que temos, a luz e a sorte. 105


MANDE SEU PORTFÓLIO revista.old@gmail.com Fotografia do ensaio A Língua dos Pássaros, de Pan Alves. Ensaio completo na OLD Nº 54.






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