OLD Nº 70

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expediente

revista OLD #número 70

equipe editorial direção de arte texto e entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu, Laura del Rey e Paula Hayasaki

capa fotografias

Vitor Casemiro Camila Falcão, Fernanda Frazão, Mel Coelho, Ricardo Ribeiro, Vitor Casemiro

entrevista email facebook

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índice

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livros chichico alkmim exposição

vitor casemiro por tfólio

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ricardo ribeiro por tfólio

camila falcão por tfólio

mauro restiffe entrevista

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mel coelho por tfólio

fernanda frazão por tfólio

reflexões coluna



carta ao leitor

Chegamos à edição de número 70. Sempre gosto de usar estes marcos para pensar na trajetória da OLD e posso dizer que, apesar de alguns percalços no caminho, sinto muito orgulho desta revista que está prestes a completar seu sétimo ano de vida. Em um momento tão delicado do nosso país, com espaços e liberdades querendo sumir, a existência de um veículo para divulgar novos artistas se faz central, reforçando a missão inicial da OLD, de ser um espaço de discussão e apresentação do que há de melhor na fotografia contemporânea, liderada pela apresentação de jovens autores e autoras da fotografia atual. Esta é nossa segunda edição de 2018 e conta com um time intenso de traba-

lhos. Estão nas páginas a seguir cruas fotografias de rua, duas viagens pela região amazônica - uma turística e uma de encontro a um estilo de vida mais simples - e uma série de retratos de mulheres trans e travestis. Além de tudo isso há uma profunda conversa entre Laura Del Rey e Mauro Restiffe, apresentada em um tocante relato da criação deste que é um dos grandes fotógrafos brasileiros. Nossa função política continua mais forte do que nunca: ser um espaço de livre discussão e apresentação de trabalhos fotográficos. Espero que gostem do nosso número 70 e nos vemos em Maio, para comemorar sete anos de estrada.

por Felipe Abreu

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livros

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T H E LA S T TE STAMENT de Jonas Bendiksen

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ste livro é a sequência natural dos dois testamentos presentes na Bíblia: o velho e o novo. Este conto moderno apresenta sete figuras que afirmam ser a reencarnação de Cristo em diversos locais ao redor do mundo. O livro dá conta de apresentar não só sua estética e seu cotidiano mas os seus ensinamentos. Sempre entre uma apresentação séria e um leve toque de ironia, Last Testament é um projeto interessante, que une o melhor do fotodocumentarismo atual, a união de boas imagens a bons textos e histórias. Entre os sete messias contemporâneos não poderia faltar o representante brasileiro, Inri Cristo, que apresenta suas ideias, suas seguidoras e sua imagem absolutamente caricata, tão conhecida dos brasileiros.

Disponível no site da Aperture valor R$150 464 páginas 6


livros

EX PE R IME N TAL LAKE

de Guillaume Simoneau

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uillaume Simoneau é um fotógrafo canadense que encontrou na região dos Experimental Lakes em Ontario seu local de interesse fotográfico. Neste grande campo de experimentos e investigações a céu aberto, Simoneau desenvolve um registro que é direto e frio, mas com espaço para uma magia natural presente na área. Suas imagens passam por registros botânicos e de laboratórios, criando um jogo entre o natural e o artificial, entre estudiosos e seus assuntos de atenção. O livro, recém publicado pela MACK, conta com uma direção de arte interessante, com páginas que dividem as imagens, criando pequenas interrupções temporais dentro delas, nos convidando a explorar as possiblidades escondidas neste conjunto de lagos e experimentos.

Disponível no site da Mack valor R$140 80 páginas 7


exposição

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O TEMPO E OLHARES DE CHICHICO ALKMIM O fotógrafo mineiro recebe extensa retrospectiva no IMS Paulista, criando uma viagem de volta à Diamantina da primeira metade do século XX

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Instituto Moreira Salles abriu recentemente seu segundo ciclo de exposições em sua nova sede na Avenida Paulista. Os artistas escolhidos para este ciclo de mostras foram Anri Sala e Chichico Alkmim. Enquanto Sala aposta na imersão sonora e audiovisual para construir suas obras, criando instalações minimalistas em dois andares do Instituto, o trabalho de Chichico nos leva de volta à Diamantina do início do século XX. A exposição Chichico Alkmim, fotógrafo tem curadoria de Eucanaã Ferraz e apresenta uma rica retrospecti-

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va do fotógrafo radicado no interior de Minas Gerais. São apresentados os retratos produzidos por Chichico entre as décadas de 1910 e 50, imagens que apresentam os rostos, comércios e costumes da cidade, de sua classe média à classe trabalhadora. Impressionam nas imagens o contato direto entre fotografado e fotógrafo, os olhares de cada uma das pessoas que posaram para suas lentes. Além disso, observar as transformações nos trejeitos, roupas e costumes da região no último século é um interesse a parte. A arquitetura da mostra, assinada pelo Bloco Gráfico, constrói

uma série de ambientes distintos: o início imponente, com retratos em escala um para um, vai aos poucos dando lugar a uma atmosfera mais intimista, que nos leva até as chapas de vidro originais, em uma sala no final da exposição. Além do valor histórico do trabalho, a mostra impressiona pela estrutura montada, um incrível trabalho de curadoria, arquitetura e direção de arte. O IMS fica na Av. Paulista 2424 e a mostra Chichico Alkmim, fotógrafo segue em cartaz até o dia 15 de Abril.


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VITOR CASEMIRO Noites Desperdiçadas

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oites Desperdiçadas é um retrato das partes pouco vistas das noites urbanas. Este recorte do centro velho de Campinas traz bares, bêbados, moradores de rua, grades, violência e medo. O projeto de Vitor Casemiro aposta em uma fotografia direta, tão bruta quanto seus assuntos, para contar esta história de um fotógrafo que vaga em busca de imagens que registrem suas noites passadas em claro na companhia dos que aparecem em suas fotografias.



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Nos bares, cachaça e iconografia reCasemiro, como começou seu interesse pela fotografia? Começou por volta de 2008, quando comecei a praticar parkour. Assim como no skate, no parkour existe a cultura de fotografar e filmar os movimentos na rua. Fotografei e produzi diversos vídeos de parkour até 2012, ano que deixei de treinar. Nesse meio tempo comecei a estudar cinema de forma independente e em 2013 realizei meu primeiro curta metragem. Em 2015 conheci a fotografia de rua, e logo desenvolvi minhas primeiras séries fotográficas. Nos conte sobre a criação de Noites Desperdiçadas. Noites Desperdiçadas nasceu em um

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período onde eu trabalhava o dia todo e só podia fotografar a noite. Passei a frequentar a parte velha do centro de Campinas-SP, sitiada por bares e zonas de prostituição. Instintivamente fotografei tudo que achava que remetia diretamente àquela área da cidade. Existe muito medo urbano por lá, grades, cercas e câmeras de segurança parecem ter vida própria. Nos bares, cachaça e iconografia religiosa se misturam. É um ambiente hostil e sedutor de alguma forma. Nessa mesma época iniciei meus estudos sobre fotolivros, e rapidamente entendi o potencial deste ensaio encadeado como livro. Como você buscou estruturar a narrativa deste ensaio? Que lógica você

ligiosa se misturam. É um ambiente hostil e sedutor de alguma forma. usou para aproximar pessoas, espaços e objetos? Logo que revelei os primeiros negativos, percebi que muitos elementos se repetiam. Percebi também um ponto de vista em primeira pessoa, como se eu estivesse dentro da história, talvez influenciado por um filme que gosto muito chamado Enter the Void, de Gaspar Noe. Então dividi o ensaio em 5 partes, em que cada parte representa uma noite diferente, e, ao longo das noites, a tensão aumenta. Usei a arquitetura hostil desse espaço para situar a história: todas as noites começam com


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portões e cercas. A cada noite, passamos pelos bares e inferninhos, todos eles pontuados por santas, um dos elementos que se repetem. Já entre os personagens e objetos trabalhei com associações formais, criando um caminho de cores ao longo de todo o ensaio. Você lida com personagens em situações delicadas ao longo de todo o ensaio. Que tipo de relação você construiu com eles? O quão próximo você ficou deste ambiente durante a produção de Noites Desperdiçadas? Mesmo depois de encerrada a produção, continuo frequentando um dos bares retratados no ensaio. Consegui construir uma relação amigável com alguns poucos personagens e as vezes encontro com eles nesse bar. Mas a maior parte deles eu só vi uma vez.

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Um ou dois cliques e nunca mais encontrei. Você sente a fotografia de rua como uma grande influência na sua produção? O que te marca desta estética e o que você buscou trazer de novo para o ensaio? Sem dúvida, a fotografia de rua me influencia muito. Ela é divertida e emocionante. Gosto da ideia de sair a esmo e fotografar qualquer coisa que me chame atenção, as vezes é uma luz bonita cortando uma cena colorida, as vezes é uma cena triste, ou só um personagem caricato. Tem de tudo na rua. Sobre estética e abordagens, minhas referências são sempre de fotógrafxs que se colocam na imagem, que estão sempre dentro da cena. No Brasil, adoro o trabalho de Bruna Custódio, Rafael Mattar e Mek

(Diego Coelho). De fora, meus mestres são William Klein, Jill Freedman, Mark Cohen e Bruce Gilden, desses dois últimos vem o uso do flash. Existem muitos ensaios sobre a noite e a maioria deles trabalha com luz natural. Gosto do flash porque denuncia minha presença, me coloca na cena, é invasivo e agressivo, assim como o ambiente retrato. 

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RICARDO RIBEIRO Puxirum

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m Puxirum Ricardo Ribeiro apresenta São Pedro, uma vila no interior do Pará. Deste encontro, Ricardo busca extrair imagens do cotidiano deste espaço, de sua conexão com seus habitantes e as idiossincrasias e transformações sofridas com as mudanças econômicas do Brasil no século XXI. Assim, Ricardo encontra imagens marcantes, que fogem do estereótipo da fotografia documental focada na região amazônica. Seu relato é muito mais próximo, orgânico e sutil.



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ricardo ribeiro

É possível retratar a condição huRicardo, como começou seu interesse pela fotografia? Eu acho que a culpa é do meu pai. Eu era muito pequeno, eram meados dos anos 80, e um dos meus programas preferidos eram suas sessões de slides. Eu adorava a máquina de slides. Nos conte sobre a criação de Puxirum. Puxirum é um projeto de longo prazo iniciado em 2016. Tem lugar em São Pedro, uma comunidade ribeirinha de 120 famílias no rio Arapiuns, no oeste do Pará. Eu cheguei lá pelas mãos do Zair, um professor de literatura, hoje meu amigo, que conheci em Santarém. Enquanto falávamos pela primeira vez, ele tomou uma folha de papel e escreveu para sua

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mãe, Dona Zeneide, pedindo a ela que me desse abrigo pelo tempo que eu julgasse necessário. E assim, com o papel debaixo do braço, eu parti no dia seguinte. Ao todo Dona Zeneide já me acolheu por mais de 150 dias. Meu processo de criação é um tanto caótico. Parto de uma idéia, ou melhor, de um desejo, bastante amplo, e começo a fotografar. Mergulho de cabeça e espero que as imagens que produzo naturalmente reflitam as minhas percepções e aflições. Puxirum foi assim, eu queria fotografar uma comunidade cuja dinâmica social não fosse ditada essencialmente pelas demandas do capitalismo, e só. Todo o resto foi aparecendo com o tempo.

mana sem fazer propaganda do sofrimento Você construiu uma relação muito próxima com os moradores de São Pedro. Como essa relação transformou a construção da narrativa do ensaio? Construir uma relação próxima com as pessoas que fotografo é essencial para mim. Sem isso não me sinto capaz de oferecer uma perspectiva da história. Em São Pedro, na medida em que me aproximava das pessoas, notei uma evolução na narrativa que pode parecer paradoxal: quanto mais eu me sentia parte do meio, menos sentia necessidade de me incluir como personagem da história. No início, enquanto ainda me via como


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observador estranho a tudo e a todos, parecia-me que as minhas próprias descobertas e transformações eram parte importante da narrativa. Na medida em que fui sendo acolhido pela comunidade, senti que a minha história pessoal ali não tinha maior relevância, queria mesmo é falar da gente de lá e do lugar. Você foi criado no interior de São Paulo e atualmente vive na capital paulista. O que te chamou a atenção nesta pequena comunidade no interior do Pará? Esta história de vida distinta dos seus personagens é um ponto positivo ou negativo para a realização de Puxirum? Eu vivi no interior de SP até 1995, ano em que a internet efetivamente chegou ao Brasil. A vida era muito diferente naquela época. Eu cheguei

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a viajar para a capital de trem, com a minha mãe. Era longe, demorava horas, mas eu não me importava, ao contrário, aproveitava cada segundo do caminho. São Pedro preserva muito daquilo, a seu modo. Lá o tempo e o espaço têm uma dimensão muito diferente da que nos acostumamos. A natureza é poderosa, onipresente, é ela quem dita o ritmo da vida, não há muito o que se possa fazer contra a escassez de peixes ou de caça, contra as cheias ou contra o sol forte da metade do dia. O tempo, no entanto, é gentil, é brando, permite a contemplação despropositada do incerto ou até a mera existência. Esse modo de vida tão distinto era importante para mim, e também, quero crer, para o trabalho. Você apresenta uma abordagem pró-

xima da fotografia documental neste ensaio, mas com elementos visuais distintos de uma abordagem mais “clássica”. Quem te influenciou na construção da estética desta série? Quais são os elementos primordiais da visualidade que você construiu? Allen Frame é o meu mentor e amigo. Meu trabalho, incluindo esse, nada tem a ver com o dele, mas ele tem grande responsabilidade na minha formação. Gosto muito também da Justine Kurland; Highway Kind, seu ultimo livro, é uma grande inspiração. Evito estereótipos, especialmente o do sofrimento. É possível retratar a condição humana sem fazer propaganda do sofrimento, assim como é possível retratar o ser humano com doçura sem ser careta ou covarde. Não é tarefa fácil, mas sem dúvida possível. 

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CAMILA FALCÃO Abaixa Que É Tiro

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baixa que é tiro é uma série de retratos de mulheres trans e travestis, com uma abordagem próxima, atenciosa e de uma força marcante. Cada imagem mostra rostos e corpos únicos dando voz – e imagem – a cada um deles. Camila Falcão acompanha estas mulheres a tempos e encontrou na fotografia a forma de trazer espaço e destaque a cada uma delas. Além das imagens, as histórias de cada uma das retratadas é essencial no processo de criação de Camila, além de fotografar Camila entende que ouvir estes relatos é um dos pontos essenciais de sua criação visual.



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Além de me interessar verdadeiramenCamila, como começou seu interesse pela fotografia? Começou na faculdade de artes plásticas. Estudei pintura desde criança e até certo ponto da faculdade era a mídia que mais me interessava, quando os professores dos departamentos de fotografia e videoarte passaram a dar mais atenção ao meu trabalho, percebi uma facilidade de expressão nessas mídias. Um ano depois de me formar mudei para NY com o objetivo de trabalhar com fotógrafos artistas. Eu estava começando a desenvolver meu estilo quando conheci o David Armstrong, do qual fui assistente por quase dois anos. Trabalhar com ele só reforçou meu gosto pelo uso de luz natural e retratos intimistas.

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Nos conte sobre a criação de Abaixa Que É Tiro. Em 2016 comecei a fazer trabalho voluntário no CRD (Centro de Referência e Defesa da Diversidade) e passei a ter mais contato com mulheres trans e travestis. Documentava uma ação de distribuição de preservativos que ocorre duas vezes por semana em diversos campos da cidade para as meninas que trabalham na rua. Além de documentar a ação comecei a fazer retratos delas e enviá-los por whatsapp. Logo nas primeiras saídas percebi uma grande diversidade entre essas mulheres, diversidade de corpos principalmente. Isso me encantou e comecei a desconstruir um padrão estético totalmente equivocado que eu tinha em relação a elas.

te pelas histórias, sinto que ouvi-las ajuda a aprimorar meu trabalho. Foi então que me dei conta que se eu, que sempre me interessei por esse tema e estética, estava surpresa com tamanha diversidade, imagina quem nunca pensou no assunto. Vi aí uma oportunidade de fazer um trabalho relevante de trazer à tona essa pluralidade e com isso contribuir para a desconstrução de estereótipos e, principalmente, para a construção de novas e mais realistas percepções em relação a essas mulheres. Este é um trabalho essencialmente de retratos. Como se dá sua relação com as retratadas?


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Considero minha relação com elas ótima, antes, durante e após os ensaios. Procuro respeitá-las e faço questão que sejam retratadas sentindo-se à vontade, em todo o processo. No dia do ensaio procuro conversar e ouvi-las o máximo possível. Além de me interessar verdadeiramente pelas histórias, sinto que ouvi-las ajuda a aprimorar meu trabalho. Com algumas já fiz fotos para outros projetos, com outras temos novos projetos em vista e também fiz amigas queridas, como a Onika. Você vê este ensaio como um ato político? Esta possível conexão é importante para você? Acredito que retratar corpos de mulheres trans e travestis com dignidade e respeito seja por si só um ato político. Por vivermos em uma socie-

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dade transfóbica e com um machismo tóxico, atividades corriqueiras como ir ao mercado ou caminhar para o trabalho podem causar sérias consequências a essas pessoas que estão constantemente expostas à violência verbal e física. Sem contar as inúmeras dificuldades que muitas enfrentam diariamente por falta de passabilidade, desrespeito ao uso do nome social, falta de um sistema de saúde que atenda às necessidades específicas e dificuldades de integrar o mercado de trabalho. Isso é inaceitável e é urgente uma conscientização social para que mudanças ocorram. Apesar do tema transgeneridade estar em voga no momento, ainda há muito a ser discutido, essas pessoas precisam de visibilidade porque são praticamente inexistentes em nossa sociedade. Não há informações e

dados precisos sobre a população transgênera brasileira (os dados existentes são resultado de trabalhos independentes feitos por pessoas da própria comunidade). O grau de invisibilidade social das pessoas trans no Brasil é tão grande que não existem censos do IBGE ou estudos do IPEA que possam mapear esse segmento pelo país para fomentar políticas de Direitos Humanos, no combate à violência e na criação de Políticas Públicas para atender às devidas demandas, que são muitas. Sem dúvida esse trabalho é um ato político e isso é importante para mim sim. 

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Os últimos três anos foram particularmente intensos para o fotógrafo paulista Mauro Restiffe (nascido em São José do Rio Pardo), que iniciou a carreira no final da década de 1980. O artista já tinha em sua trajetória diversos projetos e exposições coletivas e individuais, mas foi nos últimos seis anos que se debruçou de maneira mais profunda sobre o próprio material, para revisitá-lo e organizar duas exposições importantes e um livro. Restiffe me recebeu na casa onde mora e mantém um ateliê, no bairro da Pompéia. A oportunidade de visitar o seu espaço de trabalho revelou muito sobre o que foi o cotidiano do artista nesses últimos tempos. Sendo um dos poucos fotógrafos brasileiros que, desde o início da carreira, não abriu mão do uso do filme, Mauro acumula dezenas de pastas com

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contatos e negativos físicos e outros milhares de arquivos digitais de escaneamentos, em um processo de organização e catalogação extenso e que ainda está em curso. Conversamos por quase duas horas sobre o aspecto vivo dos arquivos e sobre como foi feita a seleção das imagens para duas de suas exposições mais recentes (na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Garage Museum of Contemporary Art, em Moscou) e para o livro “Mauro Restiffe”, lançado em 2016 pela editora Cobogó. Embora partindo de pontos distintos, os três processos acabaram se cruzando muito. Foram “pesquisas muito diferentes, mas que aconteceram, digamos, sob a mesma atmosfera”, perpassadas pela questão do contato com o arquivo. “O acervo tem quase um aspecto lí-

quido, a sua natureza não é fixa. A forma como o lemos é muito influenciada pelo momento e pelo contexto. Isso ficou bem claro pra mim no processo da exposição da Pinacoteca. Porque depois de termos feito toda a seleção das imagens, durante quase dois anos, por algum motivo eu tive que revisitar os arquivos e – putz – notei que ainda tinha muita coisa interessante que, nas primeiras triagens, tinha ficado de fora. Acho que isso também é da natureza da fotografia, né? Porque estamos lidando com o registro do momento; é um dos meios que melhor capta essa transposição de um tempo real. Não que seja fidedigno, mas é um documento, um registro. Aí o tempo passa e a leitura que a gente faz daquele registro também se altera – tanto pelo evento, historicamente, como pela

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imagem em si. Revisitar fez com que a minha fotografia mudasse. Até então, eu fotografava, organizava, indexava... mas só olhava de novo as imagens quando tinha uma necessidade específica, nunca com o intuito de tirar dali um material ou um entendimento. Quando comecei a fazer isso, compreendi a importância de ter fotografado certas situações, e isso fez com que eu passasse a fotografar mais”. Perguntei se ele vinha se tornando, de certa maneira, menos objetivo, se permitindo ser mais “despreocupado” ao fazer imagens e gastar rolos fotográficos no dia a dia. “Sim. É como quando você sai de um filme, por exemplo: algo ali te inspira

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e você quer fotografar sob a influência daquela informação. O que acontece aqui [ no ateliê ] é muito parecido. Às vezes eu passo o dia olhando o arquivo, imerso naquilo... e, quando saio, pego a câmera. Não necessariamente pra fotografar algo específico, mas porque sei que estou sob a influência daquela leitura, daquela experiência que eu passei naquela tarde. É quase um colecionismo, também. No final, tem esse aspecto de constituir um acervo de imagens que compõe um registro de uma vivência. Eu tenho muito problema de memória, então a fotografia me ajuda a voltar no tempo, a ter uma certa cronologia dos eventos”. De fato, ao observarmos as pastas do fotógrafo (organizadas em prateleiras e numeradas com os anos em que

as fotografias foram feitas), notamos que a produção vem aumentando; se antes uma pasta chegava a abrigar até uma década de print files do artista, agora cada ano precisa de diversas pastas, especialmente a partir de 2010. Até pouco tempo atrás, os retratos, inclusive familiares, não eram a parte mais conhecida do trabalho do fotógrafo. Formado em Cinema pela FAAP, Mauro nunca trabalhou no meio; desde o início da graduação já conseguiu uma vaga em um estúdio fotográfico, foi para Nova Iorque estudar e seguiu na área, se destacando principalmente pelos trabalhos com espaços urbanos e arquitetura. Esse registro do dia a dia, no entanto, acompanha o artista desde o início da carreira, em uma infinidade de


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imagens cuja naturalidade chama a atenção. “A maioria dos retratos que faço é de pessoas que conheço e com as quais eu convivo; pessoas que têm uma confiança em mim e que permitem esse tipo de abordagem. Também gosto de fotografar desconhecidos na rua e tentar pegar algum momento... mas sempre com permissão, consenso. Claro que nem sempre consigo, mas em geral eu prefiro fotografar coisas do meu universo do que de universos que não me pertencem. Isso não se limita ao retrato; se traduz também na arquitetura, na paisagem e nas cidades. Acho que o pertencimento traz essa espontaneidade, essa naturalidade de que você fala.

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Às vezes tem a coisa do imediatismo, também, de ir uma primeira vez num lugar e conseguir primeiras impressões interessantes, das quais gosto muito. Ainda assim, procuro que seja sempre em um universo com o qual eu tenho alguma relação; mesmo que nun-ca tenha estado ali antes, mas pelo qual eu sinta empatia”. Foi assim com a exposição na Rússia. O convite partiu do próprio Museu Garage, que queria ter o seu processo de reforma registrado pelo fotógrafo (como ele já havia feito antes com o MAC, em São Paulo). Mauro começou a ir para Moscou, com o intuito de realizar essas imagens. Ao longo do processo, no entanto, o trabalho se transformou. É que o artista já havia morado na cidade, na década de 1990, e teve a ideia de investigar o material daquele período para colocá

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-lo em contato com as fotografias que estava fazendo. Perguntei sobre esse retorno a um mesmo espaço tantos anos depois e se, diante do material produzido nos dois períodos, ele podia notar alguma diferença ou reafirmação de características da sua fotografia. “Na verdade [ risos ], eu acho o material dos anos 1990 muito especial. Então, o que mais me intimidava era saber se eu ia conseguir fazer algo que chegasse perto daquilo. Porque aquelas fotografias têm um certo frescor e vêm de um tempo de espontaneidade, que... de certa forma, já não existe. Como lidar com essas coisas?” O fotógrafo, então, não queria propriamente “retornar aos lugares de antes pra ver como estavam e foto-

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grafá-los”, mas sim dialogar com o sentimento das imagens da década de 1990, criando relações temporais e atemporais entre elas e as novas. Para isso, era preciso extravasar o espaço do Museu e estar novamente pela cidade. Mauro conseguiu, inclusive, voltar à casa em que havia morado antes e reencontrar a mesma família com que conviveu. Conseguiu, ali e em outros espaços, resgatar a carga emocional que buscava. Na proposta expositiva, as fotografias de cada década foram diferenciadas pelas molduras e pela presença ou ausência de passe-partout, mas montadas em agrupamentos que as misturavam. Esse recurso já havia sido experimentado por ele em 2015, no Masp, e também foi levado para a exposição da Pinacoteca e para a edição do livro editado pela Cobogó (onde o

artista o chamou de “embaralhamento”): “Eu considero essa a minha primeira publicação; a minha primeira monografia, no sentido de ser um projeto em que eu tive autonomia de ser o editor, juntamente com o Charles Cosac e a Elaine Ramos. Como o meu meio de atuação sempre foi o espaço expositivo, tem uma questão física tridimensional com a qual eu estava acostumado e que o livro muda. Pensei muito sobre como fazer essa transposição, e desde o início quis um trabalho que desconstruísse, de alguma maneira, a ideia de narrativa linear. O livro não é cronológico, não tem texto… mas sim a busca por uma certa fluidez na passagem entre as fotografias, nesse embaralhamento. O livro foi pensado como


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uma sequência de imagens, que vai sofrendo oscilações que determinam certos ritmos de leitura. Quisemos criar, também, rebatimentos de imagens. Isso foi uma maneira de ativar questões recorrentes que venho trabalhando na minha fotografia (como a imagem dentro da imagem e a ideia de espelhos), mas no suporte do livro. Então uma imagem de paisagem tem um detalhe que ‘carrega’ o fluxo, por exemplo, para as imagens de arquitetura; ou um vidro leva à ideia do modernismo… e assim por diante”. Mauro explica que transita entre muitos gêneros distintos, e que pensar o livro foi uma maneira de repensar possíveis conexões entre eles. Entre 30 e 40% das imagens selecionadas para a publicação eram inéditas; posteriormente, foram aproveitadas para a exposição na Pinacoteca.

“Os meus interesses são muito variados. O Rodrigo Moura [curador da exposição na Pinacoteca] diz que é difícil situar e classificar os gêneros com que eu trabalho, porque abarco muitos. Mas tento trazer pra um mesmo corpo. O livro fala muito disso também, dessa abrangência dos temas. A minha intenção maior é pensar uma unidade possível entre as coisas, e o que me ajuda a dar esse tom é a própria técnica. Porque eu mantive uma mesma câmera, lente e filme ao longo de 20 anos. A única variação é uma Rolleiflex, que eu uso às vezes também”. Sobre a escolha pelo negativo, o fotógrafo explica que tem muito a ver com a própria origem da fotografia. “Não por uma nostalgia de querer se afirmar num meio que está se tornando obsoleto, mas no sentido de

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tentar fazer uma ponte com o que era a função originária desse ato de fotografar, como um documento histórico mesmo (que pode ser facilmente transposto pra uma questão artística, mas que tem essa relação com a histó -ria do meio)”. Chegar à Pinacoteca foi “um misto de convite e de uma proposta que eu fiz pra eles, em cima do arquivo. Porque nessas minhas pesquisas, acabei encontrando uma fotografia da reconstrução do prédio da Pinacoteca, que eu havia feito em 2000. Em meio às nossas conversas, apresentei isso pra eles, que se interessaram e fizeram o convite”. A montagem aproveitou soluções expositivas anteriores, mas também lançou mão de ideias novas, como a presença de pinturas do acervo da

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instituição ao lado das fotografias de Restiffe. Mauro enfatiza que nenhuma pintura esteve sozinha na parede; elas sempre foram “apropriadas” para dentro do trabalho fotográfico [as salas eram divididas em paisagem/multidões; retratos/álbum; e arquitetura/construção/natureza morta]. Os agrupamentos (ou blocos, como chama o artista) têm sub-unidades claras, mas “muitas imagens que estão no ‘álbum’ poderiam estar na parede da natureza morta, ou vice-versa. Sinto que as relações entre os gêneros se desdobraram… retrato/espelho, paisagem/ história… mas sempre voltando pro centro do trabalho”. A primeira imagem da exposição era um autorretrato do artista feito em 1989, e a última era a fotografia “Lab

mirrors” [Restiffe nomeia todas as suas obras], que mostra duas grandes fotografias secando, reverberando o tema da imagem dentro da imagem. “Desde o começo dos anos 1990 uma das questões centrais do meu trabalho já era essa: pensar como a fotografia é um meio que enquadra algo, mas também que esse algo, por natureza, já está enquadrado. Ou seja, pensar a fotografia como meio de multiplicar ou re-contextualizar – seja uma pintura, uma outra fotografia ou um cartaz. E a Pinacoteca é um dos museus do Brasil com o acervo de pinturas mais consistente, de um grande valor histórico, e que fala sobre o país em diversos gêneros da pintura e da escultura. Nós pensamos, então, em incluir essa amplitude na minha exposição, pra fazer uma relação e pontuar a disposição

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das fotografias. A pintura entrou quase como uma modulação, além de ter trazido cor [ embora Mauro também fotografe com filmes coloridos e já tenha inclusive exposto esses trabalhos – no Masp e no Pivô, por exemplo, na Pinacoteca só estavam imagens preto e branco ]. Conseguimos fazer paralelos ou associações entre as fotos e as pinturas, e isso fez com que a exposição ganhasse ritmo, uma certa circularidade”. Um exemplo disso foi a famosa fotografia da posse do ex-presidente Lula posta ao lado de uma pintura da proclamação da República, para estabelecer contato entre dois eventos históricos importantes, mas que “saem de um horizonte natural e vão pra um palco totalmente montado, um evento”.

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Às vezes eu passo o dia olhando o arquivo, imerso naquilo... e, quando saio, pego a câmera. Não necessariamente pra fotografar algo específico, mas porque sei que estou sob a influência daquela leitura, daquela experiência que eu passei naquela tarde.

Sobre esses grandes espaços públicos, que são também parte marcante do trabalho de Restiffe, o fotógrafo comenta: “Eu sempre me sinto muito confortável nessas situações, mesmo quando são mais tensas. Tento encarar de uma forma natural – como aconteceu em uma passeata em Moscou, em que eu era uma das poucas pessoas fotografando e tentava fazer isso bem de frente. Eu não me sentia invadindo

o espaço de ninguém, porque estava com o mesmo ponto de vista deles. Eu não subi no alto de um prédio, ali ou na posse do Lula, pra estar num lugar em que ninguém mais estivesse. Gosto de captar as coisas com o viés do pertencimento, e não alheio”.

por Laura Del Rey


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MEL COELHO Caos Astral

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aos Astral reflete um momento de crise e reflexão na vida da fotógrafa Mel Coelho. Seus personagens estranhos, as sombras, o grão e o intenso contraste em preto e branco trazem a dimensão de uma crise interna, que acaba se expressando através da fotografia. Cada uma destas imagens tem a força de nos colocar para refletir, um momento de tensão em que cada escolha faz toda a diferença.



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Mel, como começou sua relação com a fotografia? Ganhei minha primeira câmera quando tinha uns 12 anos, era uma analógica da Kodak e uma das coisas que eu mais fazia eram duplas exposições. Acabava um filme e eu logo queria clicar mais um, então rebobinava e batia fotos em cima. Só fui me relacionar profissionalmente com a fotografia em 2014, quando deixei o emprego formal em escritório para viver do que eu apenas considerava como um hobbie. Foi uma escolha consciente, eu sabia que gostava de fotografar e comecei a pensar na possibilidade de ser freelancer. Acreditava que só assim poderia ter mais tempo para produzir e estudar.

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Nos conte sobre a criação de Caos Astral. Em 2017 completei 31 anos e foi o início de um ciclo cheio de dúvidas e inseguranças quanto a minha profissão e a minha vida. Eu diria que foi um momento de muita crise existencial. Desde 2016 vinha produzindo imagens como estas do ensaio. Sempre com personagens estranhos, tratamentos pesados, com muito grão, movimento e todas em pb. Isso me atraia esteticamente. De certa forma eu sabia, intuitivamente, que estava produzindo um grupo de imagens que poderiam se tornar um ensaio. A convite da revista OLD eu decidi organizar essas fotografias em um todo que fizesse sentido para mim. Essa foi a forma que encontrei para

Foi um momento de repensar escolhas e refletir sobre as consequências que elas tinham trazido para a minha vida. construir uma narrativa com imagens aleatórias que eu vinha produzindo nas ruas. Eu o encaro muito mais como um exercício de edição e de busca de sentido do que um projeto. Meu trabalho está relacionado com a estética da fotografia de rua, onde muitas vezes produzo milhares de imagens aleatórias e desconexas para posteriormente organizá-las em ensaios. Este é um ensaio de imagens tensas, pesadas. Quais são os sentimentos que você deseja transmitir com ele? Enquanto editava o ensaio fui elen-


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cando uma série de palavras que se relacionavam com o que eu sentia e com as imagens que eu tinha produzido durante esses dois anos. Tensão, dor, confusão, medo, máscaras, tristeza, sonhos, místico e por fim o esclarecimento, que se materializa no meu autorretrato. Na época conversei com alguns amigos e amigas fotógrafas e discutimos bastante sobre a dificuldade de se chegar a essa idade e conviver harmoniosamente com todas as pressões sociais que a gente sente. A busca pela estabilidade, sucesso financeiro, emocional, etc. Foi um momento de repensar escolhas e refletir sobre as consequências que elas tinham trazido para a minha vida. Apesar de ser algo muito subjetivo, pois é um trabalho que se relaciona com as minhas emoções, acredito que essas imagens representam um pouco do

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ritmo social da modernidade. A persistência de querer de viver da nossa própria arte muitas vezes nos coloca em desequilíbrio, pois o que buscamos para a nossa vida pessoal vai de encontro com o que a sociedade espera de nós. O quanto você acredita que estas imagens falam da vida nas grandes cidades do Brasil? Sinto que estamos todos jogados nesse caos moderno onde há muito sofrimento das pessoas que sonham em se libertar. Estamos todos presos a um sistema de consumo que nos leva cada vez mais para o fundo do poço, fisicamente e espiritualmente. Quando escolhemos romper com essa ideia de trabalho e consumo excessivo na esperança de que teremos uma certa liberdade criativa, caímos

em outro caos que é o do universo artístico, que também tende a transformar toda forma de arte em mercado e disputa de ego. E olha que eu ainda falo de um lugar de privilégios, já que pude escolher viver de fotografia e posso contar com familiares que me apoiam sempre que possível, no entanto continuo na peleja para conseguir viver do que amo. O fato é que morar em grandes cidades nos coloca sempre em uma situação de dualidade e a grande dificuldade que enfrento, e imagino que muitos artistas que aqui vivem também enfrentam, é a de balancear as suas vontades individuais e ao mesmo tempo ganhar dinheiro com o que você faz. É essa balança entre mercado e necessidades pessoais que sempre fica em desequilíbrio. 

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FERNANDA FRAZÃO

Amazônia Lado B

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mazônia Lado B é uma divertida viagem por um cruzeiro de classe média em que a imagem do turista é explorada de maneira leve, porém ainda assim dotada de crítica. Em cada uma das imagens há um primeiro momento de rejeição, em seguida de identificação: quase todos nós já fizemos uma viagem deste tipo, já estivemos em alguma situação como as apresentadas nas imagens. Assim, Fernanda Frazão apresenta sua visão sobre a classe média brasileira, um grupo social pouco apresentado na fotografia brasileira, mas com uma infinidade de possibilidades a serem apresentadas.



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Fernanda, como começou seu interesse pela fotografia? Colando as fotos de férias nas paredes do quarto, eu acho. Depois fui uma adolescente obcecada em fotografar qualquer momento. Até que ganhei uma câmera SLR e entrei num circo da cidade me oferecendo para fotografar em troca do ingresso. Quando revelei o filme todas as fotos saíram tremidas. Eu não entendia nada de técnica e fui estudar. Não pensava em ser fotógrafa profissional, mas tinha terminado a faculdade de Comunicação Audiovisual e sentia vontade produzir de forma mais autônoma. Me atraia pelo departamento de câmera e direção, mas foi fugindo da estrutura burocrática da área que cai na fotografia.

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Nos conte sobre a produção de Amazônia Lado B. Faço fotografia de viagem há alguns anos e tenho oportunidade de viajar de maneiras muito diferentes. Em 2016 eu estava na Amazônia e embarquei num cruzeiro all inclusive. Nao esperava encontrar esta história por lá. Ela apareceu e fui seduzida, a achando mais interessante que a Amazônia do meu imaginário a cada dia. Um navio é um microcosmos e me dispus a explorar o que acontecia ali durante a semana que passamos navegando pelo Rio Negro. Há um certo escracho, um absurdo, na maioria das fotos do ensaio. É essencial para você criar esta atmosfera? O que você deseja transmitir com ela?

Tem uma ambiguidade neste ensaio que acho muito interessante. É uma encruzilhada sobre crítica e auto-crítica. Acho que está presente sim, mas não só. Vejo também atmosferas diversas como felicidade, nostalgia, ironia, cômica... Essa complexidade é o que permite transmitir sentimentos ambíguos sobre um mesmo tema. Talvez nós sejamos mesmo um tanto ridículos aos olhos dos outros. Neste sentido penso que não há homogeneidade no conceito de absurdo, essa afirmação implica subjetividade. A textura dos sofás e das roupas, por exemplo, me remetiam a minha própria história e fui entrando nessa viagem nostálgica de olhar o presente de um lugar estético que para mim


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já passou. Ao mesmo tempo, me vejo nadando com o boto, como aquelas pessoas na foto, e questionando quão absurdo pode ser aquilo. Seu ensaio fala da classe média brasileira e um novo poder aquisitivo. O que você vê de específico, em termos imagéticos, neste novo grupo de viajantes? Você vê a produção de Martin Parr e suas praias britânicas como uma referência neste trabalho? Tenho pensado na liberdade com que esses grupos viajam a lazer, eles se permitem desfrutar prazeres, antes restrito às classes mais abastadas, sem amarras ou julgamentos. Martin Parr é uma referência, sim. Assim como ele, também sou fascinada pelos mitos em que a indústria do turismo é construída. Por exemplo, nas fotos de viagem das redes sociais ou folders de

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viagens, que vendem as viagens como um sonho, mas que na verdade, são a própria reprodução desses mitos. Parr tem um viés crítico em cima das muitas camadas de artificialidade das multidões ou pontos icônicos do turismo. Para mim, o Amazônia Lado B fala mais da tentação dos prazeres de viajar, da pré-disposição à felicidade, dessa ideia de comprar a felicidade. Ninguém sai para fazer uma viagem a lazer e estar triste. Independente do seu tipo de viagem, se for a lazer, é como uma celebração.

que acho muito interessante. É uma encruzilhada sobre crítica e auto-crítica. Reflete muito nossos comportamentos sociais e preconceitos. Num primeiro momento a crítica e o desejo de se diferenciar e rir do outro. Mas ao longo das fotos acho que esse sentimento se transforma em empatia, em olhar e rir de si mesmo, de nos reconhecermos nesse cotidiano de alguma forma. 

Você sente que estas imagens geram mais empatia ou desdém pelo comportamento dos personagens? Afinal, muitos de nós já estivemos neste tipo de viagem, apesar de nem sempre gostar de admitir. Tem uma ambiguidade neste ensaio

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A FÊNIX E A LINGUAGEM DAS IMAGENS

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leitura de um livro muito antigo de Farid ud-Din Attar, permitiu-me trazer para este texto um pouco das imagens que não tem data de nascimento mas que circulam pelo mundo trilhando os caminhos da memória. Quando comecei a organizar isso tudo para escrever chegou até mim vivamente a imagem da fênix brotando da terra, renascendo das cinzas. Voltei ao livro, alimentei-me das imagens do texto e, lentamente, minha imaginação foi

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

preenchida por todo um conjunto de associações e outras tantas imagens ligadas aos significados desse mito. Nesse universo místico/mítico umas das características dessa ave é possuir um bico imenso e cheio de furos que, ao modo de uma flauta, emite sons que revelam segredos para aqueles que os ouvem, que são tocados ou se permitem tocar por essa música. A relação entre vida e morte é o mais forte e significativo deles. A fênix vive mil anos em solidão, sem amores, sem parceiros, sem filhos. O conhecimento das coisas desse mundo é sua única companhia. Para alguns, tudo isso é muito pouco. Para outros, o essencial, o caminho da humanidade ou aquilo que nos torna humanos. Quando renasce das

cinzas é um novo ciclo que se abre, igual em sua finitude e infinito em seus movimentos. Talvez um desses segredos/sons tenha chegado sutilmente aos criadores de imagens e tenha ampliado as possibilidades de conhecimento sensível, sensual. Fotografia como veículo, meio, carro e estrada para a criação de si, de memórias, com os sopros – sopros de vida – da fênix que nos revelam segredos de nós e dos outros, da vida e da morte. Às vezes, sinto-me como aqueles personagens da mitologia que foram alcançados pela alegria serena de segredos revelados, como em uma imagem fotográfica. 

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coluna

reflexĂľes

Quando renasce das cinzas ĂŠ um novo ciclo que se abre, igual em sua finitude e infinito em seus movimentos. 125


MANDE SEU PORTFÓLIO revista.old@gmail.com Fotografia da série Fátima, de Isabella Lanave. Ensaio completo na OLD Nº 71.



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