OLD Nº 52

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expediente

revista OLD #número 52

equipe editorial direção de arte texto e entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Tábata Gerbasi Angelo José da Silva, Felipe Abreu, Marco A.F. e Paula Hayasaki

capa fotografias

Rodrigo Hill Candice Japiassu, Eduardo Macarios, Marta Bosquet, Roberto Joele e Rodrigo Hill

entrevista email facebook

André Hauck revista.old@gmail.com www.facebook.com/revistaold

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índice

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livros f.c.c. bandeirante exposição

analogias para narrativas especial

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rodrigo hill por tfólio

marta bosquet por tfólio

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candice japiassu por tfólio

andré hauck entrevista

roberto joele por tfólio

100 118

eduardo macarios por tfólio

reflexões coluna



carta ao leitor

Chegamos a mais um final de ano! Feliz Natal, um próspero ano novo e tudo de bom para todos vocês! Como de costume, publicamos 12 edições, com 60 fotógrafos de várias partes do mundo, trazendo visões das mais variadas, sempre acompanhados de uma entrevista especial. Este foi um ano muito bom para a OLD. Crescemos e mudamos muito graças ao Proac que recebemos no início do ano. Fica aqui, mais uma vez, nosso agradecimento à Mari e à Frida Prod. Culturais, que nos ajudaram muito nessa jornada, à Tabata e a todos os colaboradores que entraram para o nosso time. Bem, vamos para a nossa última edição de 2015! Pensando nos movimentos típicos desta época do ano, apre-

sentamos uma série de trabalhos que buscam compreender o conceito de Lar e de como construir casas em lugares e ambientes novos. Estão nesta edição Rodrigo Hill, Marta Bosquet, Candice Japiassu, Roberto Joele e Eduardo Macarios. Entrevistamos para nosso número de Dezembro o fotógrafo André Hauck. Super premiado e com um trabalho belo e instigante, André nos conta um pouco mais sobre sua produção e sua visão sobre o fazer fotográfico. Aproveite esta edição e juízo neste final de ano!

por Felipe Abreu

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livros

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YOU HAVEN’T SEEN THEIR FACES

de Daniel Mayrit

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stamos vivendo um período de grandes medos e incertezas, não só no Brasil, mas em parte considerável do mundo. Esta avalanche de transformações parece afetar parte considerável da população, mas há um grupo que permanece impávido: os mais ricos e poderosos de suas nações. Tentando quebrar está lógica, o fotógrafo espanhol Daniel Mayrit produziu o livro You Haven’t Seen Their Faces. Para criar a obra, Daniel se baseou em um triste episódio da polícia britânica que distribuiu panfletos de jovens que estavam próximos a uma manifestação por toda a cidade, em busca de suspeitos. Subvertendo esta lógica, Daniel apresenta os rostos dos 100 homens e mulheres mais poderosos da Inglaterra e convida o leitor a usar as fotos “como bem entender”. Este jogo de poder levou Daniel ao prêmio de melhor livro de estreia do Paris Photo. Prêmio, aliás, pago pela JP Morgan, que tem seus principais executivos estampados no livro. 1ª edição esgotada. Publicado pela RIOT Books 101 páginas 6


livros

IMAGES OF CONVICTION de LE BAL e Éditions Xavier Barral

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vencedor de Catálogo do Ano no Photobook Awards da Aperture / Paris Photo apresenta uma detalhada catalogação do papel da imagem na condenação de criminosos. O livro foi desenvolvido à partir de uma grande exposição realizada no LE BAL, em Paris. O grande interesse do livro é a discussão de como a fotografia, em especial a científica, pode construiu uma determinada realidade. Assim, as imagens usadas para condenar ou absolver pessoas são sempre uma construção visual, por mais que tentem chegar o mais próximo possível da realidade. O livro vale não só pelas imagens, mas pelos textos e as discussões que suscita, ajudando a construir uma visão cada vez mais crítica e objetiva da fotografia. O design é simples e ajuda a construir uma peça que busca neutralidade, apesar do forte tema discutido por ela.

Disponível no site da Editions Xavier Barral valor R$180 240 páginas 7


homas Farkas

exposição

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F.C.C. BANDEIRANTE: DO ARQUIVO À REDE MASP recupera arquivo do mais importante Foto Clube paulistano e apresenta uma retrospectiva impecável, com curadoria de Rosângela Rennó

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o ano passado o MASP recebeu 275 imagens do Foto Cine Clube Bandeirante em comodato. À partir deste ponto começa um movimento de revitalização, organização e catalogação deste incrível arquivo, que mostra a formação de alguns dos principais nomes da fotografia modernista brasileira. Pouco mais de um ano se passou e em Novembro deste ano chegou ao primeiro andar do MASP a exposição Foto Cine Clube Bandeirante: do Arquivo à Rede. A mostra conta com 279 obras de 85 artistas que passaram pelo Bandeirante. Organizada crono-

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logicamente de acordo com os salões pelos quais cada fotografia passou, a mostra constrói um belo movimento de recuperação destes trabalhos e, principalmente, do próprio Bandeirante, ainda em atividade, mas com seus dias de glória cada vez mais distantes. Estão na seleção nomes como Geraldo de Barros, German Lorca, José Oiticica Filho, Thomas Farkas e tantos outros que construíram não só a história do Bandeirante, mas também de um período de imensa criatividade na fotografia brasileira. Esta é a primeira vez que o MASP apresenta a totalidade do acervo do

Bandeirante recebido no ano passado. Após 50 anos em comodato, o acervo será doado à coleção do museu e será incorporado à coleção Pirelli MASP de Fotografia. A importante mostra acaba de começar seu caminho no Museu e segue até Março do ano que vem. Não deixe de visitar a exposição que apresenta um dos grandes pilares da fotografia brasileira. O MASP fica na Av. Paulista, 1578. FCC Bandeirante: do Arquivo à Rede segue em cartaz até o dia 20 de Março de 2016.


especial

TRÊS ANALOGIAS POSSÍVEIS PARA A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVA EM FOTOGRAFIA O presente texto é uma espécie de rascunho, uma primeira tentativa de refletir formalmente sobre algo que vem me inquietando há tempos: as possibilidades e estratégias narrativas em fotografia. Com “narrativa em fotografia”, refiro-me ao modo como as imagens são organizadas em relação umas às outras para designar um determinado sentido. A criação de narrativa em fotografia pressupõe a disposição de uma seqüência de imagens “dentro de um mesmo tópico, de uma certa perspectiva, ou de um momento específico, fotografado e selecionado pelo fotógrafo com uma coerência intencional, formando uma unidade. A sequência permite o entrelaçamento das

fotografias, formando assim um contexto de e para que elas complementem e amplifiquem umas as outras”, como aponta Lockemann, no livro Imprint: Visual Narratives in Books and Beyond. Em certa medida, todo trabalho fotográfico tem de passar pelo processo de edição ou sequenciamento, não importa qual suporte esteja sendo utilizado ou qual a natureza do trabalho. Segundo o editor estadunidense Doug Rickard, no contexto atual – onde há uma onipresença de ima-



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gens através das mídias e redes digitais – o papel do fotógrafo acaba por ser muito mais de “arquivista, criador e ‘remixer’” do que exatamente de “produtor de imagens”. “Enquanto as imagens se multiplicam implacavelmente, e aumentam os canais de compartilhamento a […] capacidade [do fotógrafo] de manejar e organizar [imagens] com poder, beleza e controle se torna o seu maior ato.” Sai de cena a importância do gesto de fotografar, assim como da imagem única; entra a articulação das imagens e o discurso fotográfico. Porém, pensar em narrativas fotográficas acaba por nos colocar diante de um paradoxo: a ideia de narrativa parece ser indissociável de um certo desenrolar temporal. Sendo assim, como construir uma narrativa por meio de imagens estáticas? A pesquisadora Kátia Lombardi su-

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gere a existência de duas formas amplas e distintas para se alcançar uma dimensão narrativa por meio de fotografias. A primeira seria a fundição de vários movimentos em uma mesma imagem, como os estudos científicos que Edward Muybridge (1830-1904) produziu no final do século XIX. Já na segunda forma, “a narrativa tornase presente quando vemos não uma imagem isolada, mas uma série de imagens que passam a ter um significado horizontal, isto é, uma em relação a outra. […] Entre duas imagens fixas pertencentes a uma mesma série ou seqüência, existe um intervalo temporal que serve para a maturação daquilo que foi visto na imagem anterior. Partimos do princípio de que cada foto extraída da seqüência já tem uma história embrionária, que se manifesta a partir das escolhas do fotógrafo […].”

É a partir dessa segunda proposição que busco construir a presente reflexão, problematizando as possibilidades que se abrem ao pensar a estrutura de uma obra fotográfica. Para tanto, como método de compreensão das particularidades do meio, buscarei paralelos em outras linguagens, seja pelo que as aproxima ou distancia. 1. Cinema Uma abordagem de aproximação entre fotografia e cinema parece evidente, dada a natureza comum que possuem como imagem técnica. Artista e teórico da fotografia, David Bate assume primeiramente que há uma proximidade entre a narrativa fotográfica e a experiência cinematográfica. Para ele, há um forte paralelo principalmente entre um trabalho fotográfico e o – praticamente extin-

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Longe de querer buscar fórmulas para a construção de narrato – cinema mudo, uma vez que este “trabalhava com uma seqüência de imagens para produzir narrativas e estórias que poderia ser compreendidas por todos, como uma espécie de ‘linguagem universal’”. Segundo Bate, muitas obras fotográficas trabalham como filmes mudos, “com um título, texto de introdução, e pequenas legendas e ‘intertítulos’, para assinalar a direção e o fluxo do ‘filme’.” Porém, em seguida, Bate argumenta que o parentesco evidente entre as duas linguagens parece não ser suficiente para estabelecer um elo coerente no que tange a construção narrativa. A começar por uma constatação simples: cinema é, por natureza, movimento. Não apenas imagens em movimento, mas uma seqüência de imagens que vão se sucedendo por si mesmas, restando ao espectador apenas “imergir-se nas cenas,

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tivas, a proposta foi refletir sobre essas possibilidades e, mais do que isso, perceber e afirmar a potência poética presente no ato de criação de uma narrativa fotográfica. uma depois da outra, até que o filme acabe […]” Ou seja, além da questão do movimento (ausente na imagem fotográfica) a experiência de assistir a um filme se dá de forma linear, conforme concebido pelo autor. Em fotografia a ordem proposta pelo autor é facilmente subvertida pelo expectador. Na verdade, ao contrário do cinema, o tempo de contemplação das imagens é ditada pelo expectador, nunca pelo fotógrafo. Segundo David Bate “em fotografia é o espectador que ‘anima’ as fotos ao olhar para elas […]. O ritmo e a ordem para a visualização da sequência de cenas em um livro ou

exposição de fotografias são fundamentalmente diferentes que no cinema: é o espectador que em última análise, controla o fluxo de imagens. [...] Na fotografia o espectador determina o que fazer com as imagens e, finalmente, tem mais controle sobre eles do que em um filme, embora obras fotográficas possuem também uma estrutura interna própria.” Por essa razão, Bate pressupõe que um livro de fotografia, por exemplo, tende a ser mais complexo de fruir do que um filme, dada a quantidade de decisões possíveis de serem tomadas pelo espectador. Sendo assim, podese considerar a experiência de assis-


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tir um filme como algo muito mais passivo que o folhear das páginas de um livro. “Deste modo, a liberdade oferecida por uma obra fotográfica, seja em relação ao sentido de leitura da sequência de imagens ou o tempo despendido sobre elas, oferece um desafio para nossos hábitos de leitura.” Por um lado, essa dinâmica parece criar uma série de dificuldades para aquele que se aventura em fruir uma obra fotográfica. Por outro, sugere uma forte relação de troca entre fotógrafo e espectador. 2. Literatura Uma segunda possibilidade ao se pensar sobre narrativa em fotografia, seria a proposição de um paralelo com a literatura, algo que Walker Evans apresentou na seqüência narrativa de seu primeiro livro, “American Photographs”. Para a criação da narrativa do livro, o fotógrafo estadunidense trabalhou a relação das fotografias como em uma construção textual, em que imagens funcionam

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como frases que no andamento da “leitura” – ou seja, conforme o espectador vai virando as páginas –, podem suscitar metáforas, símbolos ou oxímoros. A leitura de “American Photographs” não ocorre nas imagens em si, mas nas relações entre elas – nos espaços entre uma e outra imagem, poder-se-ia dizer. Por essa razão, pode ser considerado, como argumenta Gerry Badger, o livro que “introduziu ‘dificuldade’ à fotografia, apontando em direção a uma arte fotográfica mais complexa e relevante que o formalismo modernista [vigente na época].” Analisando outro livro de fotografia, “The Americans” de Robert Frank, David Bate relaciona a construção narrativa do livro com a estrutura sintática encontrada na poesia beat e sua disposição fragmentada: “neste livro não há história, como habitualmente definida, com começo, meio e fim, mas sim um conjunto de componentes, fragmentos e destroços de diferentes histórias. O fato de que os

fragmentos não se unificam em um único ‘todo’ da história dos ‘americanos’ é uma parte fundamental de sua voz crítica em relação à natureza fragmentária do país.” Dividido em quatro “capítulos” – todos introduzidos por fotografias onde aparece a bandeira estadunidense – , “The Americans” é uma espécie de colagem fragmentária não apenas decenas, mas de ideias, onde os possíveis significados se encontram nas relações possíveis entre as fotografiase não nelas mesmas – assim como no livro de Evans, a quem Frank teve com uma espécie de “mentor”. Outro fotógrafo estadunidense, Alec Soth, também se utiliza da linguagem textual como analogia para a edição de seus livros. Para Soth, é na poesia que a narrativa fotográfica encontra uma correspondência no modo de contar histórias, com suas brechas, que, “por não ser uma mídia temporal, mas onde o tempo é congelado, não conta histórias, mas as sugere. Ou seja, não é narrativo. Então ela


acaba por funcionar mais como a poesia do que como prosa. São apenas impressões que você deixa para o espectador relacionar.” Segundo o fotógrafo, é o próprio fato de a fotografia ter dificuldade para expressar uma narrativa que a torna tão interessante como meio de expressão. É trabalhando com as lacunas, com as omissões e hiatos, queo fotógrafo sugere uma narrativa – sem jamais buscar impor-la. Assim como apontado anteriormente, a participação do espectador é fundamental na construção da obra. Ao refletir sobre o paralelo possível com a literatura, Gerry Badger aponta a importância da narrativa em um projeto fotográfico como forma de aprofundar sentidos e sensações, o que não é possível quando se trabalha na lógica da fotografia única: “uma palavra ou uma frase, [...] não

dizem muito ao leitor, e a fotografia única deve ser visto sob essa luz. É preciso uma série de fotografias, selecionadas com cuidado, discernimento e propósito, para unir a sentença da fotografia única em um parágrafo, e, em seguida, um capítulo.” Porém, sugere o autor, há que se ponderar a relação entre fotografia e literatura. Por mais que seja possível alguns paralelos, fotografias não narram como palavras. 3. Música Inicialmente, uma analogia musical parece não fazer muito sentido quando se fala em narrativa fotográfica. Primeiro pela própria ideia de narrativa, que não faz exatamente parte do vocabulário musical. Segundo, pela própria linguagem fotográfica, ainda tão ligada ao seu aspecto documental, fazendo com que a natureza abs

trata da música pareça distanciar as duas. Porém, como visto anteriormente, quando mencionada a analogia com a poesia, há uma dimensão de leitura abstrata inerente à fotografia, exatamente devido a sua falta de sentido narrativo. Ao pensar a ideia de narrativa dentro do suporte livro, Gerry Badger afirma que a analogia com a música seria a mais adequada, uma vez que “uma peça de musical equipara-se mais com a forma semi-abstrata e não -programática que grande parte dos livros de fotografia são frequentemente construídos. A maior parte das seqüências fotográficas são mais abstratas do que pode parecer, mesmo quando a fotografia é naturalmente ‘documental’.” Ao analisar o livro “Silent Book” dofotógrafo brasileiro Miguel Rio Bran-

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co, Katia Lombardi percebe qualidades musicais no encadeamento da seqüência das fotos. Segundo a pesquisadora “ao observarmos o conjun to da obra percebemos que ela é feita de imagens-chave que repetem certos modos de representação, certas situações de luz, de cores e de texturas no decorrer da seqüência proposta pelo autor. É como se o autor, em um jogo combinatório, insistisse em utilizar os mesmos elementos, porém, de forma evolutiva. Como na música, quando um acorde se repete e vai se transformando sutilmente.” A analogia musical utilizada por Lombardi é algo próximo do que se denomina em música como leitmotiv (motivo condutor, em alemão), ou seja, uma frase ou melodia que, de tempos em tempos, é repetida, servindo como “base” para a música. Ba dger nota uma estratégia semelhante

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à utilizada no livro de Rio Branco em “Sleeping by the Mississipi”, primeiro livro de Alec Soth. Não exatamente aspectos gráficos – como luzes e texturas – funcionam como leitmotiv no livro de Soth, mas um objeto que vai se repetindo nas fotografias ao longo do livro. Segundo Badger, “em ‘Mississipi’, o leitmotiv aparece na terceira fotografia, um objeto que pertencia ao famoso [aviador] do meio-oeste [estadunidense], Charles Lindbergh: a cama de sua infância […]. Fotografias de camas e colchões pontuam a narrativa, funcionando como símbolo tanto de lar como de jornada.” Porém, apesar de produzir uma coerência na estrutura da obra, o uso do leitmotiv é uma questão mais de estratégia narrativa, do que necessariamente o cerne dela.

4. Considerações finais Os três paralelos aqui sugeridas são apenas algumas das possibilidades que o meio fotográfico pode apresentar. Longe de querer buscar fórmulas para a construção de narrativas, a proposta foi refletir sobre essas possibilidades e, mais do que isso, perceber e afirmar a potência poética presente no ato de criação de uma narrativa fotográfica. Walter Benjamin, no ensaio “O narrador” recupera uma dimensão artesanal do ato de narrar. Segundo o filósofo alemão, a narrativa “não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para emseguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.” Ao trabalhar com fotografia,


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não é diferente. A construção narrativa proposta por um fotógrafo é tão autoral quanto o ato de tomada – ou construção – da imagem em si.  Referências Imprint: Visual Narratives in Books and Beyond (Hasselblad Foundation, 2013). Documentário Imaginário (Dissertação de mestrado, 2007). Kátia Lombardi. Marco Antonio Filho é fotógrafo, professor e mestrando em Poéticas Visuais na UFRGS. Seu trabalho já recebeu prêmios como o VI Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia na categoria Tempo Movimento e o XII Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia em 2012. Coordena com Tiago Coelho o Grupo de Estudos em Fotografia da Galeria Mascate, e é professor da Fluxo – Escola de Fotografia Expandida. Vive e trabalha em Porto Alegre. As fotos que ilustram o artigo fazem parte do projeto em andamento “Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera”.

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RODRIGO HILL The Harbor

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odrigo Hill é um fotógrafo viajante. Sua relação com a fotografia surgiu do outro lado do mundo, materializada em uma câmera Pentax. Deste dia até hoje se passaram 13 anos e Rodrigo continua em trânsito. Atualmente vivendo na Nova Zelândia, Rodrigo apresenta na OLD seu trabalho The Harbor, projeto final de sua formação em fotografia Documental e Fotolivros na Wintec da Nova Zelândia. A série aborda a relação entre imigrantes e o espaço que vem ocupam no novo país que escolhem viver.



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A história de cada pessoa dentro do Rodrigo, nos conte sobre seu começo na fotografia. Meu começo na fotografia foi meio instintivo. Lembro que um amigo um dia me mostrou uma câmera Pentax que havia comprado e naquele momento senti um “click” , um daqueles momentos na vida que a pessoa sente algo forte e transformador, começou ali a minha caminhada. Na época estava morando na Austrália, isso foi em 2002. Alguns meses depois estava embarcando para a Indonésia, levava comigo uma câmera Pentax que havia comprado e que era igual a desse amigo. Foi então nessa viagem de 2 meses pela Indonésia que minha fotografia apareceu. No fim daquele ano retornei ao Brasil, as viagens tinham me transformado e a fotografia

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então passou a ser minha obsessão de vida, nesse momento tinha descoberto meu caminho. O inicio não foi fácil, muitos paradigmas e expectativas familiares precisavam ser quebrados e descontruídos. Nesse processo um tio meu que era fotografo amador, no melhor sentido da palavra, doou todo seu equipamento analógico, incluindo um kit completo para montar um laboratório preto e branco. Estava ali o incentivo que precisava. Qual sua relação com os personagens da série? Como as suas histórias ajudam a construir o sentido do ensaio? Alguns personagens da serie eu já conhecia por se tratar de viver em uma cidade pequena, todo mundo

projeto e crucial para sua construção, é a espinha dorsal do projeto. mais ou menos se conhece. Portanto, foi uma questão de contatar essas pessoas e estabelecer uma conexão. Outras pessoas eu acabei conhecendo durante o projeto por indicação; ou mesmo pelo simples fato de eu me aproximar da pessoa e propor a participação no projeto. Foi uma mistura de abordagens que variaram desde fotografar amigos até pessoas “estranhas” que estavam caminhando na rua de passagem. A história de cada pessoa dentro do projeto e crucial para sua construção, é a espinha dorsal do projeto. Por todos se tratarem de imigrantes que lidam constante-


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mente com a questão da identidade multicultural, cada um representa um ponto na narrativa. Cada universo individual compõe uma complexa narrativa que só existe graças a cada um desses pontos. Cada individuo traz consigo uma rica narrativa pessoal, histórias de imigrantes, suas razões, suas ansiedades, seus processos psicológicos e culturais. Depois de ouvir muitas dessas histórias me dei conta que elas também fazem parte da minha própria história como imigrante na Nova Zelândia. As histórias, portanto, servem de apoio à narrativa e também como base conceitual calcada nas ideias de dualidade cultural, o sentimento de pertencimento e a construção de novas identidades. Como você buscou traduzir visualmen-

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te os conflitos e tensões das vidas de seus personagens? Essa foi a parte mais difícil do projeto. Como se fotografa um estado psicológico? Foi uma mistura de muita leitura teórica, principalmente o trabalho do escritor Stuart Hall sobre identidade multicultural, com diálogos. As conversas com os participantes ajudaram muito na construção visual do projeto à medida que à partir delas uma imagem era concebida. Ter palavras-conceitos como mantras na minha mente também foi útil na hora de fotografar as pessoas. Somado a isso, passei a refletir sobre os meus próprios dilemas e processos pessoais com o intuito de transformá-los em imagens fotográficas. Penso que a fusão dos retratos com as imagens metafóricas que circundam a narrativa foi uma estratégia para represen-

tar os conceitos em questão. Os retratos, porém, integram a parte mais potente da narrativa. Para esses retratos busquei junto aos participantes incluir elementos que pudessem contribuir frente a suas identidades. Para cada retrato tentei criar um “mood” ou sensação que contribuísse com a ideia psicológica de ser/ estar entre dois sistemas culturais. Um certo tom de ambuiguidade ou mistério aliado ao uso da narrativa não linear contribuem para criar esse ambiente psicológico dualístico. Portanto, as imagens buscam representar o psicológico que se envereda no mutante universo da construção da “identidade diaspórica”. 

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MARTA BOSQUET Lar

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arta Bosquet é uma fotógrafa Catalã que escolheu São Paulo como sua morada pelos últimos anos. Esse embate afetivo entre suas casas se faz presente em sua fotografia e se torna seu motor criativo: buscar compreendemos o que é importante ao construirmos nosso Lar. Marta une nesta série espaço, personagens e afeto, construindo uma narrativa delicada e mutante, que permite as mais variadas leituras na busca do lar de cada um.



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resulta impossível não deixar muito Marta, como começou seu interesse pela fotografia? O interesse nasceu graças à arte, minha mãe é formada em artes e em casa sempre tive a oportunidade de brincar com pinturas, papeis e lápis. Quando cresci consegui uma câmera e junto com a música acabaram sendo duas das áreas de estudo mais importantes ao longo de minha formação. Nos conte sobre a criação do ensaio Lar. O ensaio nasce como amadurecimento de trabalhos anteriores nos quais venho refletindo sobre diferentes conceitos que são tangenciados pelo ato de se deslocar. No caso do livro Lar, me interessa a noção de

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casa pensada sob o viés do nomadismo. Quero pesquisar do que está constituída, se precisa ser um ponto físico no mapa ou se pelo contrário, pode ser uma bagagem que carregamos em forma de família, memória e outras idéias mais etéreas. Habitualmente fotografo olhando de dentro para fora, circunstâncias pessoais que são extrapoláveis a tantas pessoas que atualmente decidiram ter uma vida em movimento, seja mudando de bairro, cidade ou país. Como foi o processo de transformação do ensaio em livro? O que mais te marcou neste processo? Realmente desde o início deste projeto pensei no resultado final como livro. Precisava criar uma narrativa

de nós em cada imagem e trabalho que elaboramos. através da seqüencialidade dando um ritmo no passar das páginas. No final das contas o livro não deixa de ter um componente cinético muito importante que marca um tipo de leitura ao espectador, que ao mesmo tempo consegue criar um vínculo de intimidade com o objeto. Gosto dessa construção antagônica, que por mais que o artista aponte uma leitura através da seqüencialidade, o leitor pode escolher como ver e rever a obra e quanto tempo dedica a ela. Então, talvez foi o movimento oposto o que realizei, passar do livro para o ensaio. Acabou sendo um aprendiza-


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do muito grande já que é minha primeira experiência na elaboração de um livro pessoal. Como foi o processo de edição do ensaio? Como você buscou construir a sua narrativa? Acho que a edição foi o momento mais grato. Colocar as imagens encima da mesa e brincar com elas, ordená-las e organizá-las, ver o que estava faltando, construir uma história coerente sem entrar em obviedades mas também sem perder o foco. E sempre compartilhando o processo com outros fotógrafos e artistas para ter esse olhar externo que acho vital na elaboração de uma narrativa. Eu tive a sorte de construir o livro junto com o Walter Costa, foi um processo enriquecedor onde aprendi muito e consegui trabalhar conjuntamente

minhas paixões: a fotografia e o design. O quanto de você está em cada uma dessas fotografias? Acho que provavelmente todo fotógrafo vai responder com a mesma afirmação, pois resulta impossível não deixar muito de nós em cada imagem e trabalho que elaboramos. 

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CANDICE JAPIASSU Concavidades

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andice aborda em seu trabalho o sentimento - ou a ilusão - de segurança que uma casa nos proporciona. Partindo dessa lógica, ela desconstrói o espaço e seu corpo, para assim unir-los em uma nova forma e um novo ambiente. Concavidades, série apresentada na OLD, é o trabalho de conclusão de Candice na Pós-graduação em fotografia na FAAP, terminada em 2013.



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Candice, como começou seu interesse pela fotografia? Isso foi há mais de 10 anos atrás. Eu cursava administração de empresas, me sentia deslocada e sabia que algo faltava. Resolvi, paralelamente, entrar na faculdade de fotografia no Senac. Cursei um ano e por diversos motivos tranquei o curso. Mas minha relação com a fotografia já estava estabelecida. Ela estava sempre ali, me acompanhando, ainda que por vezes um pouco adormecida. Entre idas e vindas, fiz alguns workshops no Brasil e fora, e um curso de um ano em Barcelona-ES. Mas foi realmente em 2011 que considero que voltei 100% e me apropriei da minha identidade artista/fotógrafa. O que me impulsionou para isso foi justamente essa

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série Concavidades, iniciada neste mesmo ano e que virou tema da minha pós-graduação em Fotografia na FAAP, concluída em 2013. Atualmente curso o mestrado em Fotografia na Central Saint Martins em Londres. Nos conte sobre o desenvolvimento do ensaio Concavidades. O ponto de partida é o sentimento de vertigem que abate meu corpo e o desconecta de sua existência no mundo. Nessa desconexão, a consciência de morte se potencializa assim como a percepção da fragilidade do que é existir neste mundo. Instintivamente o corpo busca então um morada para se proteger. A casa vem como sinônimo de segurança, na verdade, um “devaneio de segurança”. O lu-

Para alcançar tal morada sonhada, e me sentir compreendida, me vi numa necessidade de desconstruir para reconstruir, tanto o meu ser, quanto a minha morada. gar que me garantiria abrigo contra a indiferença do universo. Um ser que se vê na convexidade do mundo real, e precisa da concavidade de um lar para se proteger. Para alcançar tal morada sonhada, e me sentir compreendida, me vi numa necessidade de desconstruir para reconstruir, tanto o meu ser, quanto a minha morada. As performances vieram muito impulsivamente desencandeadas pelo desejo de fotografar. A ansiedade de pertencimento e segurança, provocaram em mim sentimentos intensos e urgentes que foram traduzidos com o registro fotográfico de todo esse


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processo. Era um ritual sempre solitário: ia ao apartamento em reforma e fazia a performance para a câmera, clicando através de um controle remoto. Toda essa desconstrução/construção era um modo de “reformular” minha existência no mundo, transferindo esse processo para dentro dos limites e formas daquele espaço. Assim como um ninho que é precário “desencadeia em nós um sentimento de segurança”, a casa – na precariedade de uma desconstrução, de uma reforma – refletia em mim a segurança almejada. Queria dar uma forma e uma solidez ao meu corpo dentro das formas da morada. Enfim, era um conhecimento de terreno, na tentativa de ser reconhecida, compreendida, encaixada e acolhida; eu e minha futura morada nos moldando para nos recebermos através

de um ritual. Eu, em busca de um lugar e o lugar, em busca de um corpo. Quais os papeis do tempo e da memória nesta série? Aqui tudo é construção, a relação do corpo com o espaço, com o tempo e com a memória. Consciente da minha ficção, a memória foi inventada. O embate/reconhecimento entre corpo e espaço foi performado para que, no fim, eu tivesse o registro de todo esse processo, ou seja, uma memória afetiva criada pela fotografia. Foi um tempo inventado, retido unicamente nos limites daquele espaço. A poeira que dali sai faz tudo parecer ruína, uma ruína que não é ruína, dado seu caráter proposital e não fruto do tempo, ou seja, eu como responsável dessa destruição. O registro fotográfico final sempre foi a intenção por

trás da minha performance. Foi um tempo-memória construído num embate, mas também numa convergência, dado o seu devir otimista, afinal, eu construiria a minha casa sonhada, a casa do futuro, como define Gaston Bachelard em seu livro A Poética do Espaço: “Por vezes, a casa do futuro é mais sólida, mais clara, mais vasta que todas as casas do passado. No oposto da casa natal trabalha a imagem da casa sonhada. No entardecer da vida e com uma coragem invencível, dizemos ainda: o que ainda não fizemos será feito. Construiremos a casa.”

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André Hauck é um dos grandes pensadores e produtores de fotografia no Brasil. Seu trabalho versa sobre o processo de urbanização, na maioria das vezes desordenado, que vivenciamos diariamente. Sua produção já foi premiada diversas vezes e transita muito bem entre exposições e publicações. Conversamos com André por e-mail para conhecer um pouco mais da sua visão sobre fotografia e sobre sua produção visual. André, como começou seu interesse pela fotografia? Meu interesse em fotografia se iniciou em 2002 quando eu tive o contato na 25O Bienal de São Paulo com os trabalhos dos artistas Frank Thiel, Andreas Gursky, Michael Wesely, Thomas Ruff e David Goldblatt que apresentaram fotografias em grande formato que abordavam questões

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relacionadas ao processo de urbanização. A partir dai comecei a me interessar por este tema e forma de abordagem apesar de naquele momento, estar cursando o bacharelado em escultura na Universidade Federal de Minas Gerais UFMG-EBA em Belo Horizonte. Foi somente a partir de 2006 que assumi a fotografia como meio expressivo e realizei as séries Paisagem Morta que abordava territórios ocupados por mineradoras e Desertos Urbanos e Arquiteturas em Declínio que partia de registros de interiores de casas e prédios desocupados em centros urbanos. Posteriormente, em 2010, realizei um mestrado em Artes Visuais abordando o tema da fotografia contemporânea alemã partindo da obra do casal Bern e Hilla Becher, e foi nesta época, por influência, adquiri uma câmera de grande formato e iniciei o projeto

Limítrofe. Seu projeto Áreas de Intermitência foi um dos contemplados com o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2014. Como foi o processo de realização da exposição e do catálogo? Ter recebido o prêmio foi bem gratificante e estimulante, pois pude concretizar um projeto que incluía alguns trabalhos que vinha desenvolvendo desde 2010. A exposição realizada em 2015, continha obras das séries Limítrofe, Sombras e Desvios. O processo de elaboração da expografia permitiu explorar uma forma de montagem que se relacionava diretamente com o espaço, ponto de partida das pesquisas que venho desenvolvendo no campo da paisagem e arquitetura urbana. E contou com a curadoria de Júlio Martins. A produção do catálogo, realizada

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juntamente com Felipe Chimicatti foi bem frutífera porem, tive de acompanhar a impressão de longe pois a impressão foi em Belo Horizonte e coincidiu com a realização da Residência Artística na FAAP em São Paulo. De qualquer forma, foi bom poder pensar nas imagens impressas pois estou iniciando um processo de publicação de um livro que será lançado em Junho do próximo ano contendo fotografias realizadas por mim entre 2010 e 2015. André, nos conte sobre a produção das séries Desvios, Limítrofe e Sombras. Venho a algum tempo propondo uma relação entre a fotografia documental e as artes visuais com o objetivo de instigar o pensamento sobre os diversos aspectos das territorialidades das cidades, enfatizando as dinâmicas de integração e fragmentação do

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espaço urbano. Penso a fotografia de forma alegórica como propulsora de significados que muitas vezes estão fora da imagem. Neste sentido, o projeto limítrofe tem como objetivo mapear diferentes áreas periféricas de grandes cidades e propor um questionamento sobre a produção e o descarte de resíduos gerados pelo processo de urbanização, bem como os habitantes das cidades moldam e configuram os espaços onde vivem. Em Desvios, procurei abordar a ocupação do espaço urbano pela arquitetura construída por não-arquitetos. A ideia deste trabalho é propor uma reflexão sobre como as características técnicas fragmentárias destas estruturas, bem como a ausência de um projeto prévio, possibilitam que cada construção tenha uma aparência própria e mutante. Já a série Sombras foi realiza-

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da no entorno do bairro da Lagoinha em Belo horizonte, local que durante muitos anos abrigou a cultura boêmia da cidade. Após a implantação de um túnel e de viadutos que ligavam o centro à zona norte, juntamente com o metro, o cenário do bairro entrou em extrema decadência, tornando um dos maiores pontos de consumo de crack da capital. Com isso, vários moradores de rua começaram a se abrigar embaixo dos viadutos construindo barracas e fazendo fogueiras nos pilares de concreto. O objetivo desta pesquisa foi produzir registros fotográficos que não se apresentassem de forma direta sobre estas situações sociais extremas e através dos vestígios, refletir sobre a situação de visibilidade e invisibilidade destes indivíduos. Como estas três séries constroem o

projeto Áreas de Intermitência? Como você constrói os diálogos entre cada uma delas? Acredito que os trabalhos se complementam e de certa forma falam das mesmas questões, na exposição eles foram separados por expográfias distintas. Em Desvios desloquei as fotos das paredes para o espaço por meio de cavaletes desenvolvidos especialmente para isso, a ideia foi trazer a sensação espacial arquitetônica referente às imagens da série. A série Limítrofe como era um trabalho mais extenso dividi as fotos em duas mesas e duas paredes, destacando o caráter da pesquisa. Já em Sombras mantive as fotos na parede. As séries apresentadas na exposição foram produzidas entre 2010 e 2014, na grande BH. Você via o espaço que fotografava mudando ao longo do


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desenvolvimento do projeto? Como o longo período de trabalho alterou a produção das séries? Na verdade, algumas imagens foram realizadas em outras cidades mas a grande maioria foi em Belo Horizonte. De qualquer forma, acredito que as problemáticas que os trabalhos apresentam podem ser encontradas na maioria dos países que têm configurações parecidas com o Brasil. O projeto limítrofe ainda esta em andamento e como tenho o costume de retornar às áreas fotografadas fica claro as transformações, pois elas estão relacionadas com o crescimento das cidades e as relações sócio econômicas da população. Os resíduos gerados pelo processo de urbanização são quase sempre empurrados para as bordas das cidades acompanhando o alargamento de seus limites, e as estruturas arquitetônicas abordadas

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estão em constante transformação, mudam conforme a situação financeira ou familiar dos moradores, e, em outros casos, são demolidas para dar espaço a uma nova avenida. Como foi o processo de produção e realização de Escavar o Invisível? Como começou sua parceria com Camila Otto? A parceria com a Camila se iniciou em uma residência artística que realizamos em 2012 em Buenos Aires. Inicialmente eu tinha proposto fotografar com a minha câmera de grande formato o entorno do bairro San Fernando, local da residência. A Camila tinha um projeto mais voltado para a população e que não envolvia diretamente a fotografia. Mas durante o processo eu a emprestei uma câmera de 35mm amadora que tinha levado e ela me acompanhou alguns dias pelo

bairro fotografando. No final percebemos que as nossas fotos se relacionavam de forma muito interessante e dai surgiu o coletivo. Posteriormente, realizamos uma outra residência no JA.CA Centro de Arte e Tecnologia onde propusemos uma abordagem que envolvia procedimentos arqueológicos. Logo depois fui contemplado pelo XIII Prêmio Marc Ferrez e convidei a Camila para participar do projeto Entre Lugares, realizado na região de tríplice fronteira em Foz do Iguaçu e que teve como resultado um livro. O processo do projeto Escavar o Invisível, contemplado pela Bolsa Funarte de Estímulo as Artes Visuais 2014, proposto por nós dois, foi bem interessante e enriquecedor, propusemos um retorno ao bairro Jardim Canada onde realizamos a residência do JA.CA, mas desta vez desenvolve-


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mos uma documentação visual do espaço que também resultou em um livro. Como a edição de Walter Costa ajudou a dar forma ao trabalho? Quais as vantagens de ter um editor, auxiliando os fotógrafos neste processo? Durante o processo de produção do livro fizemos várias parcerias, o Yudi Rafael escreveu o texto, o Fábio Messias nos ajudou com o design da capa e o Walter Costa com a edição. Trabalhar com eles foi incrível e muito enriquecedor. O Walter nos ajudou não só na edição mas também na concepção estética do livro. Fomos em sua casa e ficamos analisando as diversas possibilidades de publicações em sua biblioteca pessoal composta por diversos títulos no campo da fotografia.

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Penso que ao desenvolver um projeto, normalmente ficamos muito imersos no processo e, muitas vezes, um olhar externo pode ser importante. Acredito que um bom editor deve trabalhar conjuntamente com o fotografo apresentando novas possibilidades de leitura, complementando o projeto. O livro da série acaba de ser lançado. Como foi a experiência de produção? Como o projeto se transformou dentro do processo de realização do livro? Acredito que desenvolvemos o projeto gráfico do livro em tempo recorde, editamos, definimos o design, diagramamos, imprimimos e lançamos tudo em menos de dois meses. Inicialmente a ideia era uma publicação parecida com a do Entre Lugares, capa dura e pequeno formato.

Posteriormente mudamos o design após as conversas com o Walter e optamos por um papel melhor, um formato maior e uma montagem sem costura. A parte da impressão gráfica também é bem importante e acompanhamos tudo de perto. O lançamento foi no prédio da residência artística da Faap com um bate papo com todos envolvidos. Você e a Camila Otto irão realizar um workshop de processos metodológicos na fotografia contemporânea em Dezembro. Como surgiu o curso? Quais são os principais pontos que vocês querem tocar? Após a realização do workshop no Paraty em Foco 2015 eu e a Camila fomos convidados pelo Estúdio Madalena para realizar outro workshop. A proposta é discutir sobre alguns

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processos metodológicos empregados no campo da fotografia contemporânea que em alguns casos envolvem outras áreas do conhecimento ligados a ciência como a arqueologia, antropologia, geografia, biologia, arquitetura, urbanismo, topografia, astrofísica, dentre outros. Posteriormente, iremos analisar as propostas desenvolvidas pelos participantes focando sempre na ideia de instigar a pesquisa e a confluência de conceitos interdisciplinares. Destacando a importância do dispositivo como método de trabalho mas também discutindo a inserção de conceitos complementares ou antagônicos afim de repensar parâmetros pré-estabelecidos e deslocar expectativas e proposições. Como o uso e o conhecimento de áre-

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Penso que ao desenvolver um projeto, normalmente ficamos muito imersos no processo e, muitas vezes, um olhar externo pode ser importante. Acredito que um bom editor deve trabalhar conjuntamente com o fotografo apresentando novas possibilidades de leitura, complementando o projeto. as como a arqueologia, a antropologia e a geografia podem transformar a produção de um fotógrafo? Para você, qual a importância de desenvolver trabalhos multidisciplinares? Ao meu ver o trabalho de um fotografo, assim como de qualquer outro profissional, aproxima de uma realidade multidisciplinar. Pensar conceitos da antropologia, geografia, arqueologia ao trabalho em fotografia e pensar no fotografo de uma maneira mais ampla, é contemplar o espaço,

ambiente, corpo, lugar, tempo, etc. Algo que se faz necessário também para repensar o uso da imagem, a fotografia, dentro da contemporaneidade. 


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Europa tem um papel central na fotografia de Roberto Joele. Foi ao mudar-se para o velho continente que a relação nasceu, ainda na busca pela construção de diários de viagem. Depois deste primeiro contato, Roberto se viu estudando fotografia em Madrid, em um master, no qual desenvolveu esta série com trabalho final. You Are Welcome fala de distância, de adaptação e das dificuldades e satisfações de migrar, conhecer e construir uma nova casa.



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Roberto, nos conte sobre seu começo na fotografia. A fotografia entrou com mais força na minha vida quando fui morar na Europa. Tinha 20 anos, estava passando por um momento de muitas mudanças pessoais e descobrimentos. Comprei a minha primeira reflex e meu maior interesse eram os diários de viagens. Estava chegando ao velho e desconhecido mundo para mim até o momento, e muitas coisas me fascinavam. Este foi o combustível necessário para aprimorar meus conhecimentos básicos e descobrir algumas possibilidades da fotografia. O namoro durou cerca de três anos e, por circunstâncias da vida comecei a estudar fotografia na escola EFTI, em Madrid, Espanha. Foram

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dois anos de intenso contato e estudo que me fizeram descobrir a imensidão que é a fotografia hoje em dia, assim como as infinitas possibilidades na hora de escolher um tema e de como desenvolvê-lo. Como foi o processo de criação de You Are Welcome? You Are Welcome surge, basicamente, no meu segundo ano de estudos na EFTI, quando cursava o Máster em Fotografia Contemporânea e Projetos Pessoais. Éramos incentivados a desenvolver um projeto com tema que fosse de nosso interesse. O tema da imigração na Europa já era algo que me fascinava desde que lá cheguei, pois quando morava no Brasil não tinha a oportunidade de

Muitos me disseram que as visitas eram como ir a um psicólogo, pois nestes encontros refletiam e falavam sobre coisas que, em muitos casos, não estavam acostumados. conviver com tantas pessoas de diferentes partes do mundo. Contudo, na Europa isto é muito mais comum e corriqueiro, e me chocava de maneira positiva a possibilidade de relacionarme com pessoas com as quais seria impossível se não estivesse morando lá. Decidi que gostaria de conhecer mais pessoas de outros países que, por consequências da vida, estavam vivendo na Espanha, principalmente em Madri. Interessava-me saber seus motivos para deixar o país de nascimento e para não voltar, de que maneira o fato de estar vivendo em outro país ia mudando e moldando


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suas personalidades, discutir sobre as maiores dificuldades e também as melhores recompensas, etc... As redes sociais têm uma especial importância neste trabalho, pois a maioria dos participantes foram encontrados na web. O desafio aqui era encontrar pessoas que estivessem dispostas a abrir as portas de suas casas para um completo estranho que queria conversar com elas sobre suas experiências pessoais como imigrante e, para completar, tirar uma foto. É fácil imaginar que muitas das pessoas que receberam o convite simplesmente me ignoraram! Você vê as histórias de seus personagens como mais ou igualmente importantes às fotografias da série? O desejo de compartilhar minha história e escutar a dos outros é o que

motiva o nascimento desta. Muitos me disseram que as visitas eram como ir a um psicólogo, pois nestes encontros refletiam e falavam sobre coisas que, em muitos casos, não estavam acostumados. As fotos são uma representação ilustrativa dos encontros. Mostram o entorno onde vivem os participantes, que para mim tem um valor simbólico muito importante. Por mais que existam algumas imagens visualmente potentes na série, este não é o objetivo principal. Portanto, creio que o mais importante não são as fotos e nem as histórias transcritas, mas sim a troca de ideias e reflexões que acontecem em cada encontro, algo que infelizmente acho quase impossível ser transcrito ou fotografado. Recentemente comecei a fazer entrevistas com alguns dos participantes. Essa ideia surge de uma

necessidade pessoal de compartilhar um pouco mais sobre cada história que me comoveu. A carta parecia pouco. O vídeo é um dispositivo que permite, de alguma maneira, transmitir uma grande quantidade de sensações e emoções em pouco tempo. Não pretende ser um substituto da foto ou da carta, mas sim um complemento. 

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duardo Macarios encontra na rua e no contato corriqueiro com as pessoas que encontra as principais inspirações para o seu trabalho. Munido de sua lente normal e seus filmes PB, Eduardo apresenta uma visão irônica e divertida do mundo público das grandes cidades. Chaos and Classic é uma seleção de suas imagens produzidas entre 2008 e 2014, criando um universo próprio sobre as ruas constantemente visitadas pelo autor.



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Sempre busquei os grandes centros Eduardo, nos conte sobre seu começo na fotografia. Tive pequenos encontros com a fotografia a partir de 2004, fiz cursos, etc. Mas foi só em 2008 que descobri o que realmente queria trabalhar com ela. Nesse período eu morava na Inglaterra e estudava no Arts University Bournemouth. Foi nesse momento que conheci o “The Americans”, do Robert Frank e lembro que me influenciou demais, eu tinha 22 anos. Até então, eu só tinha fotografado com câmera digital e decidi ir pelo caminho inverso: troquei meu equipamento por uma câmera 35mm, uma lente normal e filme preto e branco. Durante um ano, fotografei assim praticamente todos os dias. Revelava e ampliava tudo que

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eu produzia. Experimentava muito e estudava muito também. Quando não estava no laboratório, estava na biblioteca. Sempre achei Bournemouth uma cidade bem sem graça e isso me ajudou muito a focar, não tinha distrações. Nos finais de semana, ia para Londres fotografar e ver exposições, vivia na Photographer’s Gallery e na National Portrait Gallery. Foi o melhor aprendizado. No ano seguinte, de volta ao Brasil, comecei a trabalhar profissionalmente com fotografia e continuei desenvolvendo projetos autorais. Como foi a produção do ensaio Chaos and Classic? Chaos & Classic é um recorte do meu trabalho produzido entre 2008

urbanos e como as pessoas desses lugares se relacionam com isso tudo. e 2014. Durante esses anos, fotografei praticamente todas as cidades por onde passei. Sempre busquei os grandes centros urbanos e como as pessoas desses lugares se relacionam com isso tudo. Nessas situações quase ninguém percebe você fotografando, e por isso eu chegava muito perto das pessoas. Elas achavam que eu estava fotografando algo muito além delas. Estava sempre em movimento, aos poucos aprendi a controlar isso e trabalhar melhor a cena. Raramente me aprofundava na história das pessoas, não me interessava o nome ou a história delas, mas sim aonde e como


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elas estavam em relação aos outros e ao espaço público. Em 2014, fui convidado a expor na Galeria Portfolio, em Curitiba, e aproveitei essa chance para rever tudo que já tinha feito. De certa forma, a exposição Chaos & Classic foi o encerramento desse período. O processo de rever as fotos antigas foi incrível, a gente aprende muito sobre si mesmo fazendo esse exercício. O que mais te instiga na fotografia de rua? O ato fotográfico em si. Pra mim é quase um estado de transe. O Garry Winogrand dizia que ao fotografar na rua ele se sentia “completamente fora de si mesmo, era o mais próximo que ele chegava da sua não-existência” (“Iget totally out of myself. It’s the closest I come to not existing”).

Da forma como eu vejo, é exatamente isso. Quando eu estou completamente envolvido não penso em mais nada.Écomoumvício. Nãosoutãoapegadoaoresultado,nafotografiaderua,o que sair, saiu. Gosto do processo e do desafio da imagem. Das cenas inusitadas que se apresentam na sua frente ou aquelas que só a gente como fotógrafo pode criar. A minha estratégia é bem simples e discreta, não falo muito, sorrio bastante. Fotografo com uma Leica M6, uma lente 35mm e mais nada. Como você buscou construir uma narrativa unindo fotografias de pontos e momentos tão distintos? Esse é um dos processos que eu mais gosto na fotografia, aquele momento em que as cópias estão espalhadas na mesa e a gente começa a construir a

narrativa. Pra mim é como fotografar de volta. No caso da exposição Chaos & Classic, o processo foi natural. Eu tinha uma quantidade de imagens e faltava amarrar tudo isso. Fiz uma das fotos mais antigas desse série no Guggenheim de Nova York em 2010. Naquela época, tinha uma exposição em cartaz chamada “Chaos & Classicsism”. Encontrei essa fotografia em uma folha de contato antiga. Ao rever, notei a foto pela primeira vez. Por causa do corte que eu fiz naquele momento a frase ficou incompleta: “Chaos & Classic”. Isso resultou no título do ensaio/exposição e deu o tom da edição. Busquei no meu arquivo fotografias que dialogam com o caos e o clássico, com o inusitado e o clichê. 

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FOTOGRAFANDO RUÍNAS

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caminhar, mesmo não sendo a construção física de um espaço, implica uma transformação do lugar e dos seus significados. A presença física do homem num espaço não mapeado – e o variar das percepções que daí ele recebe ao atravessá-lo – é uma forma de transformação da paisagem que, embora não deixe sinais tangíveis, modifica culturalmente o significado do espaço e, consequentemente, o espaço em si, transformando-o em lugar”. Francesco Careri, Walkscapes – o caminhar como prática estética.

Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.

“A ruína cria a forma presente de uma vida passada, não segundo seus conteúdos ou restos, mas segundo seu passado como tal. Isto constitui também a sedução das antiguidades (...) O passado com seus destinos e suas mudanças é reunido neste momento de observação estética”. Georg Simmel, A Ruína. A partir desse mix de ideias, sensações, caminhadas e fotos brota esse texto sobre o caminhar pela cidade e fotografar. Como revivemos sentimentos ao caminhar/fotografar pelas ruas de uma cidade. Como ressentimos. A foto fala ao inconsciente porque fixa em sais de prata o que o olho não vê. A imagem fala diretamente ao desejo. O que o olho vê ele afasta do incons-

ciente. O que a foto mostra, às vezes, fratura a racionalização tranqüilizadora. Atravessa o inconsciente. A foto a seguir é de meu último filme em preto e branco fotografado. O contato tem a ordem das tiras invertidas pela pessoa que o revelou e copiou. As fotos, que “abrem e fecham” a tira do filme, são de bonecos, representações humanas. A primeira uma marionete chinesa. A última, um iogue cobrindo o rosto com as mãos. Consegui encontrar apenas uma pessoa “de verdade” nas fotos observadas apressadamente. A pressa da cidade que imagina ver tudo. As fotos foram tomadas mais ou menos ao acaso, sem um projeto a me guiar, apenas meus olhos. Ruínas, destroços, futuras ruínas, imagens que evocam sentimentos.

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reflexões

A foto fala ao inconsciente porque fixa em sais de prata o que o olho não vê. A imagem fala diretamente ao desejo. 119


MANDE SEU PORTFร LIO revista.old@gmail.com Fotografia de Danilo Luna. Ensaio completo na OLD Nยบ 53.






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