UnB investemenos de 2%nos campi

Page 1

Campus SEGUNDA-FEIRA - Brasília, 28 de setembro de 2009

|

Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB

|

WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE

|

ANO 39, EDIÇÃO 339

Ana Carolina Seiça

UnB investe menos de 2% nos campi Dos R$ 28,8 milhões previstos para Ceilândia, Gama e Planaltina no orçamento de 2009, apenas R$ 425 mil foram utilizados até agora Pág 5

Violência na CEU

4

Nos últimos dois anos, foram feitas pelo menos cinco transferências de alunos ameaçados na Casa do Estudante

Vendedores dizem não Maioria dos comerciantes do Minhocão se opõe ao fim do Ceubinho e Udefinho. Projeto será implementado em 2010

3

4

Polêmica URP

A discussão por trás das siglas que quase pararam a UnB neste semestre

Mais baladas GLS Aumenta número de paradas, concursos e público em festas na capital

7


Perspectiva Opinião

Expediente Campus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte. Contato: (61) 3307-2519 Ramal 207/241 – Caixa Postal 01660 CEP: 70910-900 - Campus@unb.br Editora-chefe: Mel Bleil Gallo Secretário de Redação: Guilherme Oliveira Diretor de Arte: Heitor Albernaz Diagramação: Juliana Reis, Laís Miranda, Marcela Ulhoa, Marcella Cunha, Marina Rocha Fotografia: Rafaela Felicciano (editora), Ana Carolina Seiça, Fabiana Closs, Lucas Leon, Ludmilla Alves Perspectiva: Mariana Tokarnia (editora) Cotidiano: Cláudio Vicente (editor), Alessandra Watanabe, Maíra Morais Contexto: Isabela Horta (editora), Camila Santos, Mariana Niederauer, Rafaella Vianna, Renata Zago, Plácida Lopes, Vanessa Vieira Laboratório: Priscila Crispi (editora), Bárbara Lopes, Verônica Honório Bloco C: Gabriel de Sá (editor), Luana Richter, Mariana de Paula, Mariana Haubert Contra Capa: Igor Miguel (editor), João Paulo Vicente, Ludmilla Alves Projeto Gráfico: Ana Clara Martins, Heitor Albernaz, Juliana Reis, Laís Miranda, Marcela Ulhoa, Marcella Cunha, Marina Rocha Revisão: Ana Clara Martins, Manuela Marla, Tiago Padilha Professor responsável: Solano Nascimento Jornalista: José Luiz Silva Monitor: Leonardo Muniz Suporte Técnico e assistência em Fotografia: Pedro França Ilustrações: João Francisco Teixeira, Luisa Malheiros Gráfica Guiapack - 4000 exemplares

Os deuses E de paletó

MARIANA TOKARNIA

les são elegantes. Pelos corredores da UnB, os homens andam sempre de terno e gravata e as mulheres de salto alto e maquiagem. Estudam no chamado “Olimpo”, que como se já não bastasse ser separado do Minhocão por uma longa rampa, ainda abriga salas com ar condicionado e cadeiras acolchoadas. Mas, recentemente, eles, que pareciam distantes, desceram do monte sagrado para se juntar à voz do movimento estudantil. O motivo é simples: atingiram o calcanhar de Aquiles, os futuros advogados dobrarão em número a partir do semestre que vem. O caso do Direito é um claro reflexo de como estudantes estão lidando com o Reuni. Embora saibamos que mais vagas devem ser criadas e que um novo modelo de universidade é quase um grito de desespero, não queremos perder o conforto físico, piorar o que já não temos, e muito menos lotar a agenda dos professores. No entanto, no caso do Direito, serão contratados a partir do semestre que vem 10 novos professores, o que, dividido para os novos 60 alunos, dá um professor para cada seis estudantes no primeiro semestre. Um número bem inferior ao que é exigido pelo MEC. Estamos em um momento bastante crítico para a universidade e não apenas para a UnB, mas para as 41 federais que aderiram ao projeto. É possível e quase inevitável que a mudança seja desconfortável, que temporariamente as salas fiquem cheias e que o ar condicionado não chegue a todos. Devemos continuar pressionando a Universidade, exigir qualidade e infra-estrutura, e que essa situação seja de fato temporária. Abriremos mão do nosso bem estar, mas queremos uma resposta da instituição.

Carta do editor

O

Luisa Malheiros Luisa Malheiros

Campus é diferente de qualquer jornal. É um espaço destinado à experimentação e ao aprendizado. Às vezes, é difícil alcançar unidade na equipe do sexto semestre do curso de Jornalismo. No entanto, a vontade de mostrar o que outros veículos não publicam fez a diferença. Ao contrário do que ocorre na maioria dos estágios em redações, no Campus podemos aprofundar nossas reportagens. Só assim foi possível descobrir os ínfimos gastos aplicados na expansão universitária, conhecer melhor a realidade da CEU e até explicar, enfim, os problemas por trás dos salários dos professores. A experiência do Campus não se restringe a grandes furos. O papel social do jornalista também é debatido nas aulas. Reativamos o Conselho de Leitores do jornal, de forma a ampliar o debate com a comunidade acadêmica. E enfrentamos o polêmico dilema da imparcialidade. Até que ponto o jornalista pode estar pessoalmente envolvido com sua pauta? Essa é a pergunta que vamos tentar responder ao longo do semestre. Não perca as próximas edições!

Campus 40 anos

Carta do leitor EDEMILSON PARANÁ

O Campus deve voltar seu olhar mais profundamente para o universo

acadêmico e a comunidade que o cerca. Pensar na criação, na experimentação aberta e pedagógica do fazer jornalístico, sem esquecer que presta im-

portante serviço à comunidade acadêmica: informação. Esse serviço demanda grandes responsabilidades. Espero encontrar no Campus um jornalismo

cada vez mais contaminado pelo verdadeiro espírito universitário.

esteriótipo de que ciência existe apenas na área das ciências exatas e da saúde. O caminho mais fácil também é o que os repórteres usam para escrever sobre meditação, na editoria de Comportamento e sobre teatro de improviso, na de Cultura. As matérias pouco acrescentam ao leitor e detêm-se em um caráter mais publicitário que jornalístico. Na matéria sobre os residentes na CEU (Casa do Estudante Universitário), o jornal não vai além do

óbvio e pouco acrescenta sobre a complexa questão que existe no local. É lamentável também que o assunto tenha menos espaço que a matéria superficial sobre o aumento do lucro do comércio próximo aos campi da UnB. Fazer um jornal é difícil, pois, inexoravelmente,pensar dói, mas para que serve um jornal acéfalo?

Aluno do 5º semestre de Jornalismo da UnB

Ombudskvinna*

O inexorável ANA RITA CUNHA

A

o longo das edições, a equipe do primeiro semestre de 2009 do Campus realizou um belo exercício de tirar a terceira perna para conseguir andar. Entretanto, no n°338 do Campus, o grupo colou a perna de volta e fez um jornal tripé firmado no clichê, na fórmula pronta e na superficialidade. A matéria de capa parte de um ótimo assunto,

2

mas fica perdida ao apontar os responsáveis pela falta de assistência médica em Formosa. Além disso, a fonte base para pesquisa é o banco de dados do Ministério da Saúde, Datasus, o mesmo usado em duas matérias de edições anteriores. A galinha dos ovos de ouro acaba por explicitar mais a preguiça dos repórteres que o caráter investigativo do grupo. Outra fórmula pronta aparece nas matérias de ciência. Elas mantêm o

*Ombudskivinna, feminino de Ombudsman. Na imprensa, pessoa que analisa o jornal do ponto de vista do leitor

N

ada original. Hoje, os professores e servidores encaram a possibilidade de uma redução salarial e ameaçam paralisação. Sabemos que isso não é algo inédito na UnB. A edição nº 246, de maio de 2000, do Campus traz na capa uma grande interrogação: entrar ou não em greve? A pergunta se desfez em 2001, quando 60% dos funcionários cruzaram os braços em busca principalmente de reposição das perdas salariais acumuladas entre 1995 e 1999. O resultado foi positivo, houve a incorporação da Gratificação de Atividade Executiva (GAE) às folhas de pagamento. Nesse período, a tradição da greve seguia os anos pares. Antes, ela deu as caras em 1996 e 1998. Os últimos foram ímpares, 2003, 2007... E dessa vez, voltamos aos pares?


Cotidiano

Fim do comércio no Minhocão

Projeto de transferência deixa a maioria dos vendedores insatisfeita Ana Carolina Seiça

MAÍRA MORAIS

A

novidade que veio em forma de boato ao campus Darcy Ribeiro pareceu não agradar muito aos comerciantes do Instituto Central de Ciências (ICC): o Ceubinho e o Udefinho vão acabar. Três prédios serão construídos no segundo semestre de 2010 para substituí-los. A notícia de que o projeto, criado em 1985, sairia do papel tornou-se pública há um mês. A maioria dos vendedores é contra a mudança. Levantamento feito pelo Campus localizou 18 vendedores atuando nos dois locais de comércio. São sete lanchonetes, três copiadoras, duas bancas de revista, duas papelarias, uma livraria, uma loja, uma banca de açaí e uma doceria. Desses 18 vendedores, 11 (61%) são contra a transferência, e os sete restantes se dividem entre a favor e indecisos. Muitos vendedores acham que a distância dos prédios, que ficarão fora do Minhocão, vai diminuir as vendas. E mais: ninguém garante que não serão outros a ocupar o novo espaço, já que vai ser feita uma licitação. “Na é-

A

gosto a novembro. Gente entrando e saindo, descendo do ônibus, indo a pé. Dinheiro, cartão de crédito, vale refeição. Dezembro a março. Funcionários parados, dívidas crescendo e poucos clientes. O comércio local da 406/407 Norte é sazonal e muito dependente da UnB. É o

Coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília (Sintfub) Centenas de estudantes passam pelo Ceubinho todos os dias. Poucos sabem sobre o seu fechamento

poca de chuva ninguém vai sair do Minhocão para tirar xerox. Vão deixar para xerocar em outros lugares. Não adianta melhorar a estrutura, se não tiver para quem vender”, preocupa-se Benonis Piassava, funcionário da LM Comunicação Visual. Para se garantirem no novo espaço, alguns vendedores já estão se mobilizando. “Será criada uma associação dos permissionários para discutir isso. Nós também fazemos parte da UnB”, informa o dono do Caloria Certa, Felipe Jaber. Porém, outros nem enxergam essa realidade, como Neide Queiroz, da Unibanca, que, simpática, fica séria ao to-

car no assunto. “Nem sei se vai haver mesmo essa mudança. Merecemos um comunicado, por respeito, e a Universidade não avisou nada”, reclama. Talvez o aviso esperado seja somente o da licitação, no Diário Oficial. A transferência dos permissionários e os critérios legais de escolha estão a cargo da Secretaria de Gestão Patrimonial (SGP) da UnB, mas a análise dessas questões ainda não começou. “Não há previsão para a apresentação oficial do novo plano aos comerciantes e alunos”, explica José Augusto Abreu, diretor da SGP. Longe dessa discussão, o arquiteto do Centro de

que mostrou levantamento feito pelo Campus, entre os dias 3 e 9 de setembro, com os 83 estabelecimentos em funcionamento. A menos de um quilômetro do Minhocão estão restaurantes, salões de beleza, livrarias, lojas de informática e de artigos esportivos. Das 62 empresas que responderam à pesquisa, 35% poderiam até falir sem a presença da Universidade, uma vez que 40%

ou mais de sua receita depende dela. Quase a metade dos restaurantes dali se encontra nessa situação. “De toda a minha clientela, 60% são estudantes, professores e servidores da UnB. O restaurante foi colocado aqui com o pensamento na Universidade”, conta Wellington Rios, proprietário do Ki-Sabor. Ele se queixa da significativa queda do movimento nas férias, 40%. Os cursos de

Confira o percentual máximo de receita que cada segmento do comércio recebe da comunidade universitária

10%

Outros*

10%

Casa e decoração

30%

Informática

40% Vestuário

Academias e artigos esportivos

70%

Salão de beleza

Livrarias e copiadoras

Alimentação

80%

O ideal seria tentar regularizar o espaço onde os vendedores estão. Em vez de substituir, deve-se complementar. RAUL CARDOSO

A construção desses novos prédios é necessária, mas as pessoas que já têm estabelecimento na UnB deveriam ter seu espaço garantido. COSMO BALBINO

Dependência da UnB 80%

FOTOS: Fabiana Closs

Coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE)

Planejamento Oscar Niemeyer (Ceplan), Alberto Faria, responsável pelo projeto dos novos prédios, acredita que a transferência trará mais conforto aos estudantes e vendedores. “Quando há concursos e eventos, eles são obrigados a fechar. Se estivessem em um bloco específico e adequado, poderiam ficar abertos”, afirma. A principal explicação para a demora de 23 anos na execução do projeto é a falta de recursos. Com o Reuni (Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) e o consequente aumento na quantidade de alunos, o dinheiro veio. “O número total de estudantes de-

Uma quadra que tira férias ALESSANDRA WATANABE

Aspas

10%

* Farmácia, pet shop, escritórios, distribuidora

É possível fazer um processo transparente e democrático que pode dar preferência às pessoas que já ocupam o minhocão. FLÁVIO BOTELHO Presidente da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (Adunb)

ve dobrar até 2012”, afirma o prefeito da UnB, Silvano Pereira. Cada bloco do novo comércio vai custar R$ 1,1 milhão e terá espaço para três lanchonetes equipadas com cozinha e encanamento (atualmente nenhuma loja tem isso), seis lojas para outros serviços, vestiários e bicicletário. Um bloco ficará próximo aos

pavilhões, outro ao lado do novo prédio do Instituto de Química, e o último, perto da entrada do ICC Norte. Alberto Faria acredita que a novidade não vai diminuir a freqüência dos alunos nas lojas. “Esses lugares ficarão a cerca de dez metros de distância de onde já há lanchonetes. Não fará tanta diferença”, reitera o arquiteto. •

Comerciantes da 406/407 Norte dependem tanto da UnB que poderiam parar junto com ela

verão e o funcionamento de alguns serviços nos departamentos não são suficientes para manter as lojas nessa época. A situação é tão extrema que, na avaliação de estudiosos em economia comportamental, como Paulo Loureiro, compensa fechar as portas junto com a UnB. “Há empresas que pagam para trabalhar e acabam criando ou aumentando dívidas”, explica Loureiro. Cerca de um quarto das empresas reclama da redução ou até mesmo da inexistência das vendas quando o semestre letivo chega ao fim. Questionado sobre o que acontece nesses meses, Rodrigo Borges nem precisa pensar muito. “Dívidas, só dívidas”, garante o funcionário da Planet Cópias, que conta com os alunos em 80% de seu faturamento. Copiadoras, que lideram o ranking das que são mais prejudicadas

com a ausência dos compradores universitários, juntamente com os estabelecimentos de alimentação (confira no gráfico). Para Roberto Ellery, professor do Departamento de Economia da UnB, o impacto refletido na pesquisa é inegável. “Um terço dos estabelecimentos reportam 50% ou mais de sua receita vindo da UnB. É um comércio com uma demanda maior e garantida se comparado com o de outras quadras”, afirma. Porém, para Ellery, o problema dessa dependênia não está nos fins de semana nem nas férias, mas nas greves da instituição. “Não é problema sua receita se concentrar em alguns meses do ano.” Essa é a chamada suavização do consumo, explica Ellery. “O lojista se endivida quando o comércio está em baixa e se capitaliza quando está em

alta. Os comerciantes vivem assim e se programam para isso. O inesperado é que traz efeitos ruins”, finaliza. Apesar das exceções, a regra da 406/407 é ter dinheiro de gente bem próxima entrando em seus caixas, geralmente da Universidade de Brasília. Muitos fazem cálculos de quanto perderiam se estivessem em uma outra quadra qualquer. Mesmo contando com lojas que não dependem diretamente da UnB, o comércio dali não pode, de forma alguma, desprezar seu valor. Nos 200 dias letivos, um único restaurante chega a faturar mais de R$ 700 mil. Destes, quase R$ 600 mil vêm da comunidade acadêmica, considerando um gasto diário de R$ 9 por consumidor. Pelos dados de apenas um estabelecimento, já se tem uma noção do potencial da quadra. •

3


Contexto

A

cicatriz no braço de João* marca uma história violenta, de medo e ameaça. No apartamento em que morava, na Casa do Estudante Universitário (CEU), ele ouviu a sentença: “Só um de nós dois sai vivo daqui”. A ameaça partiu de André*, um rapaz que dividia o imóvel com ele. No dia seguinte, durante outra briga, André sacou uma faca de cozinha. “Só vi o sangue escorrendo”, lembra João, que levou 15 pontos no braço. O universitário foi retirado da CEU pelo Decanato de Assuntos Comunitários (DAC) da UnB, em 2007, para ter sua vida preservada.

Percebi que precisava de proteção, estava sendo perseguido dentro de um lugar que considerava minha casa Outra “exceção”

O perigo

dorme ao lado Ameaçados por colegas de quarto, moradores da CEU que correm risco de morte são transferidos pela UnB Rafaella Vianna

Renata Zago

Nos últimos dois anos, foram registrados pelo menos três casos de ameaças entre moradores da CEU, que provocaram a transferência de cinco pessoas para outro imóvel da Universidade. Dois dos casos resultaram em agressões físicas. Procurados pelo Campus, os acusados das agressões não quiseram se manifestar. Os relatos nesta reportagem são as versões das vítimas. João conta que os conflitos começaram quando, incomodado com o barulho das conversas, festas e jogos que adentravam a madrugada, ele fez reclamações para André e outros dois universitários que moravam no apartamento. As discussões entre João e André tornaram-se rotina. O ex-morador da CEU afirma que a gota d’água foi quando André trocou a fechadura do apartamento sem avisá-lo. “Os moradores falaram que eu não tinha o perfil da casa, não me queriam mais lá.” Depois de ser ameaçado e esfaqueado, João foi dormir em um salão desocupado no térreo do edifício da CEU, com autorização do Serviço de Moradia Estudantil (SME). “Fiquei com medo de continuar morando com ele, então preferi dormir embaixo do prédio, num sofá. Me sentia mais seguro”. No entanto, a confiança de que as coisas iriam melhorar durou pouco. Um dia, enquanto estudava do lado de fora do sa-

Histórias de violência na Casa do Estudante assustam moradores

lão, João recebeu uma pancada na cabeça e desmaiou. “Quando abri os olhos não vi ninguém, só as manchas de sangue nos papéis em cima da mesa”, lembra. Ele foi levado para o hospital e registrou ocorrência na 2ª DP da Asa Norte, mas o crime prescreveu sem que fosse encontrado culpado. André também registrou um boletim de ocorrência, no qual afirma ter sido agredido fisicamente por João. Logo que saiu do hospital, João decidiu buscar ajuda com o então decano de Assuntos Comunitários da UnB, Pedro Sadi. “Percebi que precisava de proteção, estava sendo perseguido dentro de um lugar que considerava minha casa”, desabafa. Sadi providenciou um novo local para João morar, no qual o universitário vive até hoje. “Não pretendo sair daqui antes de me formar.” A decana de Assuntos Comunitários, Rachel Nunes, afirma que situações como a de João são exceções. Ela esclarece que em nenhum dos casos a UnB acionou a polícia e que foram instaurados processos administrativos para resolver o problema internamente. “Nós trabalhamos com a lei, mas nem sempre a lei é a polícia.”

Uma briga de siglas CAMILA SANTOS

N

as últimas semanas, referências a siglas como URP, Gemas, RTs, TCU e STF se tornaram comuns nos corredores da UnB. O mês de setembro começou com uma assembleia geral da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), que aprovou um indicativo de greve e terminou com a discussão sendo adiada para 2010. O cálculo da Unidade de Referência de Preços (URP), benefício concedido a todos os concursados da UnB desde 1991, é a causa de toda a polêmica. Em fevereiro, o reitor José Geraldo de Sousa incluiu a Gratificação Específica do Magistério Superior (Gemas) e a Retribuição

4

Ana Carolina Seiça

de Titulação (RT) no cálculo da URP sobre os salários dos professores. Em setembro, essa decisão foi cancelada pela reitoria. O problema é definir sobre o que calcular a URP, que equivale a 26,05%. Para o Tribunal de Contas da União (TCU), o valor deve ser calculado sobre o salário sem gratificações. Já a UnB defende o cálculo sobre o salário total dos funcionários. Caso o cálculo do TCU seja seguido na elaboração da folha, cerca de 1.700 docentes efetivos da Universidade poderão ter seus salários reduzidos em até R$ 2 mil. A perda estimada para os quase 2.500 técnicos-administrativos da UnB é de R$ 600, para os concursados de nível superior, e de R$310 para os de nível médio.

Argumentos do TCU Em 2006, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia garantiu aos professores, por meio de liminar, o pagamento da URP da forma como sempre foi feita - 26,05% sobre o salário com gratificações. “Os professores que entraram na Universidade após novembro de 2006 não são contemplados pela decisão da ministra Cármen Lúcia”, explica o secretário de Fiscalização de Pessoal do TCU, Alessandro Giuberti Laranja. “Dessa forma, eles não têm direito a receber o benefício da URP.” Paulo César Marques, assessor da reitoria, esclarece a decisão de José Geraldo de cancelar o cálculo da URP com as novas gra-

Após várias noites sem dormir, Célia*, Daniela* e Maria* ameaçaram tornar público o que estava acontecendo na CEU para que a decana tomasse uma providência. Maria conta que o morador mais antigo do seu apartamento, Oswaldo*, era bagunceiro e acumulava livros, revistas e jornais velhos em um canto da sala do qual ninguém podia se aproximar. Oswaldo acordava perto das 5h30 para trabalhar. No banheiro, fazia “barulhos altos e esquisitos” e ficava escarrando. Não ajudava a comprar nada para o apartamento e também não limpava. “Tudo empilhado em cima da cama, no chão, tudo sujo. Era todo dia isso”. Segundo a universitária, Oswaldo dizia que ela o estava perseguindo e que aquilo não iria ficar assim. “Ficamos com medo de dormir sozinhas com ele. Fomos ao porteiro avisar que, se ele escutasse alguma coisa, podia chamar a polícia.” Oswaldo chegou a defecar sobre a tampa do vaso sanitário e disse às meninas: “Da próxima vez, vou fazer no chão”. Incomodada, Maria procurou o então diretor do Departamento de Desenvolvimento Social (DDS), Rubens Campos, que a encaminhou ao Decanato de Assuntos Comunitários, com relatos dos acontecimentos e fotos do local. “No dia da Aula da Inquietação, ameacei a decana. Disse que ia pegar o microfone e ‘rodar a baiana’. Ela nos levou à reitoria, conversamos e ficou acertado que Oswaldo sairia em 15 dias.” A UnB providenciou hospedagem para as meninas e durante um mês elas moraram fora da CEU. Só voltaram quando Oswaldo foi despejado. Depois de trocadas as fechaduras, Maria pôde finalmente dizer: “Eu sentia ódio e medo dele. Era uma pessoa capaz de fazer qualquer coisa, não quis esperar que fizesse algo comigo”. O Decanato de Assuntos Comunitários pretende fazer um pedido à administração da UnB a fim de que um apartamento seja disponibilizado para alunos em situação como essa. Para a diretora do DDS, Maria Terezinha da Silva, a decisão de remover o aluno da CEU é de caráter emergencial. “Sabemos que tirar a pessoa não é a melhor forma de resolver, mas fazemos isso porque é uma vida que está em risco”, afirma. “Eles só foram retirados em função da situação de perigo em que estavam, mas estamos tentando reintegrá-los à CEU.” • *Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados

TCU quer tirar URP de RTs e Gemas. UnB, Sintfub e ADUnB são contra, e caso pode acabar no STF

tificações. “O reitor seria responsabilizado pelo Tribunal de Contas da União caso os cálculos não fossem alterados”. Essa explicação é contestada por Flávio Botelho. “A reitoria recuou antes da determinação do TCU.” Depois de receber representantes da UnB, o conselheiro do TCU Augusto

Nardes, relator do caso, resolveu suspender a decisão até uma definição do plenário do tribunal, o que não deve ocorrer antes de fevereiro do próximo ano. Até lá, serão ouvidos professores, reitoria e os exreitores Roberto Aguiar e Timothy Mullholland . Os funcionários da UnB continuarão mobilizados.

“Com salários menores, faremos a greve”, avisa Flávio Botelho, presidente da AdUnB. Tanto a associação quanto o Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília (Sintfub) planejam recorrer novamente ao STF se o TCU mantiveram a decisão de cortar os salários. • Vinícius Pedreira | Campus Online Vinícius Pedreira | Campus Online

Reunidos em assembleia, professores discutem a mudança de cálculo da URP sobre seus salários


Contexto

Expansão limitada

UnB investe menos de 2% do valor previsto para as expansões dos novos campi em 2009. Decanato culpa lentidão dos processos licitatórios

MARIANA NIEDERAUER

J

á se passaram mais de oito meses do ano e dos R$ 28,8 milhões de investimentos previstos para a expansão da UnB, os campi de Ceilândia, Gama e Planaltina, apenas R$ 425 mil foram pagos. Isso significa que foram utilizados menos de 2% do orçamento de 2009. Os dados, atualizados até o dia 14 de setembro, foram obtidos pelo Campus no portal da Câmara dos Deputados, que reúne números oficiais do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).

A situação é pior no campus de Ceilândia, que usou menos de 1% do previsto no orçamento. O campus de Planaltina usou pouco mais de 1%, e o do Gama foi o que mais utilizou recursos, cerca de 6%. Também é baixo o percentual de recursos empenhados, ou seja, a quantia que ainda não foi paga, mas que a administração pública reserva para determinada despesa após a conclusão do processo licitatório. Os campi de Ceilândia e Planaltina empenharam cerca de 9% dos recursos, e o do Gama comprometeu aproximaAna Carolina Seiça

Em Planaltina, obras de futuras instalações estão em andamento

damente 20%. Se o empenho não ocorrer até o final do ano os valores previstos não poderão ser utilizados pela UnB. Recursos para investimentos são todos os que se referem a obras e novos projetos. Não abrangem pagamento de funcionários e despesas de manutenção. As construções dos três novos campi ainda não foram concluídas e as instalações temporárias estão no máximo da capacidade física. O de Planaltina já tem um prédio próprio e aguarda o término da construção da Unidade Acadêmica (UAC), prevista para março de 2010. “Aumenta o número de alunos, mas a estrutura é a mesma. Tem que expandir, mas expandir com qualidade”, reclama o estudante Felippe Damião, 20 anos, aluno do 2º semestre de Gestão do Agronegócio. O vice-diretor do campus, Jean-Louis Le Guerroué, também se queixa. “Estamos no limite do espaço físico.” No Gama, alguns alunos têm aula no vão da arquibancada do estádio de futebol Bezerrão. “É muito aberto. Tem projetor e tudo, mas não tem parede”, diz Evandro Neto, 19 anos, estudante do 3º semestre de Engenharia Eletrônica. Segundo o diretor do campus, Alessandro Oliveira, a previsão é que o prédio esteja pronto para receber os novos alunos no ano que vem. Segundo ele, dos R$ 4 mi-

lhões em investimentos no campus, R$ 3,5 milhões ainda estão em processo de licitação. Em Ceilândia, os alunos também reclamam da estrutura. “Falta espaço, não cabe mais ninguém”, conta Fernanda Victorio, 21 anos, aluna do 2º semestre do curso de Terapia Ocupacional. A diretora do campus Diana Lúcia Pinho acredita que o espaço onde o campus está instalado é suficiente para os alunos. “Na situação que ele está hoje, atende bem aos 720 alunos que nós temos. Para ter que fazer outro semestre, esse espaço não é suficiente”.

Promessa Marta Emília Teixeira, assessora do Decanato de Administração (DAF), explica que o processo licitatório é demorado e acaba dificultando o empenho dos recursos. No entanto, a assessora garante que este ano os orçamentos dos três campi terão o empenho antes do fim de dezembro. “Estamos fazendo contatos periódicos com os diretores para não perder os prazos”, afirma. No ano passado, mais de R$ 15 milhões do orçamento destinados a investimentos no campus de Ceilândia não foram empenhados. A diretora do campus também apontou o atraso no processo licitatório como principal problema. “Nós corremos e fizemos a solicitação

Afaste de mim esse copo

dos equipamentos, mas o MEC (Ministério da Educação) só liberou os recursos em dezembro. O DAF só pode liberar a licitação depois e não houve tempo de concluir o processo licitatório”, afirma Diana. O Campus entrou em contato com o MEC, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. Esses recursos, porém, entraram no orçamento de 2009 como créditos adicionais e remanejamentos. Segundo a diretora, o MEC fez uma reprogramação dos recursos e há dois meses eles foram acrescidos ao orçamento da UnB. Ela garante que o atraso não atrapalhou a continuidade das atividades acadêmicas, já que os recursos eram destinados principalmente à compra de equipamentos para o novo campus, que deve ficar pronto apenas em janeiro do ano que vem. O mesmo problema ocorreu com o campus de Planaltina, que deixou de empenhar cerca de R$ 2,5 milhões do orçamento do ano passado, recursos que foram incluídos este ano em créditos adicionais e remanejamentos. Essa reprogramação não é regra. Segundo a Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, a chance de os recursos não empenhados em um ano serem resgatados no orçamento do ano seguinte é baixa. O problema não é exclusivo da Universidade de Brasília. O Campus

elaborou um ranking com todas as 68 expansões do Ensino Superior registradas no Orçamento da União de 2009, e é possível constatar que 45 não usaram nem 10% do orçamento autorizado. As 11 primeiras não pagaram nada até hoje e, dessas, nove sequer tiveram recursos empenhados. • Ilustração: Luísa Torres

Fonte: DRM/UnB

Vinícius Pedreira | Campus Online

Com a baixa adesão ao uso de canecas, UnB cortará distribuição de copos descartáveis no RU, no próximo ano. O desperdício de saquinhos plásticos ainda é preocupante

MEL BLEIL GALLO

A

pesar das campanhas de incentivo do Núcleo da Agenda Ambiental, vinculado ao Decanato de Extensão da UnB, o uso da caneca não contagiou os usuários do Restaurante Universitário (RU). Dados da diretoria do restaurante mostram que, em 2008, o consumo foi de 1,94 copo por refeição servida. Este ano, o número aumentou para 1,97.

Em 2010, o RU deixará de distribuir copos plásticos, e serão economizadas mais de 1 milhão de unidades anuais. Para Anderson Paz, estudante de Biologia e integrante do projeto de extensão Tome Consciência, isso não deve ser um problema. “Todo mundo tem copo ou caneca em casa e muitas vezes não traz por comodidade. Apesar de poder parecer impositiva, a medida serve para os estudantes questionarem essa como-

didade.” Além disso, os kits dos calouros distribuídos semestralmente pela reitoria da UnB incluirão canecas. Há também a proposta de montar pontos de venda subsidiados, onde as canecas custariam entre R$ 0,50 e R$ 2,00. Agora, a questão é o uso de sacos plásticos para embalar os talheres. A utilização de saquinhos a cada refeição pulou de 0,8 em 2007 para 2,26 em 2009. Só este ano, foram consumidos 907 mil

saquinhos plásticos. Cristiane Moreira, diretora do RU, explica que no projeto de reforma do restaurante está sendo estudada a possibilidade de comprar carrinhos especiais para o ano que vem. Com eles, os talheres já ficam protegidos e dispensam uma embalagem. “Dessa forma a gente acaba com o desperdício, preservando o meio ambiente, e ainda economiza com gastos em mão de obra”, explica a diretora do refeitório. •

Funcionários do RU embrulham talheres em plásticos individuais

5


no Rafa ela F elicc ia

Laboratório

Os ansiosos que se cuidem

Multiusos do bambu Pesquisa utiliza planta para fazer casas e instrumentos musicais

As exigências do cotidiano transformam a ansiedade em um sério problema, muitas vezes agravado pelo contexto universitário

João Fra ncis co

VERÔNICA HONÓRIO

C

omeçou com uma latinha de energético. No final do semestre, o estudante de Direito Alípio Coelho chegava a tomar quase oito latas de Red Bull todos os dias. A meta era conseguir ficar acordado para ler textos e fazer trabalhos. “Fui reprovado em uma matéria por falta”, diz o estudante, que depois de um tempo nessa rotina dormia tarde e não conseguia mais acordar cedo. Alípio trabalha durante o período da tarde e faz matérias de manhã e à noite na Universidade. O tempo que sobra ainda é reduzido pelo fato de morar em Santa Maria, longe do campus Darcy Ribeiro. Ele aproveita a viagem de quase uma hora no ônibus para estudar. “Fico ansioso, pensando se vou conseguir fazer tudo o que tenho para fazer”, conta o estudante. As pressões e as cobranças diárias têm transformado a ansiedade em uma doença crônica. O psicólogo Alder Bonfim explica que o sentimento é algo natural. “É uma emoção de todo ser humano, que ocorre em determinados períodos para a pessoa ficar ligada”, explica. O problema, segundo ele, é quando a pessoa vive em um estado ansioso, transformando a ansiedade em patologia e interferindo nas atividades cotidianas. A doença pode ocasionar sintomas psíquicos, físicos e comportamentais. O ansioso tende a ficar irritado facilmente, apreensivo, com medo de situações, preocupado, sempre achando que alguma coisa ruim vai acontecer. Por ficar em constante estado

6

Tei xe ir a

de alerta, o sono e a concentração acabam sendo prejudicados. Além disso, o paciente pode apresentar taquicardia, falta de ar, dor de cabeça, tremores, sudorese, vontade de ir ao banheiro constantemente e compulsão por alimentos, jogos ou sexo. A ansiedade ainda pode levar a desenvolver outras doenças relacionadas à emoção. “A origem da depressão em 40% a 50% das pessoas está ligada a problemas de ansiedade”, afirma o psicólogo. Fobia, transtorno do pânico e ciúme patológico também estão relacionados. A boa notícia é que há tratamento para a doença. “Em primeiro lugar a pessoa precisa se ajudar. Tem que perceber a situação em que se encontra, observar o seu comportamento e refletir sobre como era e como está agora”, explica Bonfim. Depois disso, deve procurar um psicólogo ou psiquiatra. O tratamento geralmente é feito à base de medicamentos e psicoterapia.

Doença e estudos Pedro Vianna está no 11º semestre de Artes Plásticas. Há um ano ele foi jubilado do curso, por não conseguir conciliar suas atividades acadêmicas e profissionais. “Vieram muitas oportunidades e não me programei direito. Era teatro, UnB e ainda uma bolsa permanência como programador visual. Foi um semestre tenso”, conta. No semestre seguinte, voltou como aluno em condição e pegou o mínimo de créditos ofertados. Ter que realizar as atividades que a graduação impõe, unidas ao traba-

lho ou estágio, é uma das principais fontes de apreensão. Além disso, outras características da universidade contribuem para o quadro. “É um contexto totalmente diferente do Ensino Médio. Há seis ou sete professores, que cobram de formas diversas, as cobranças pessoais e familiares, a preocupação com a escolha profissional, com o mercado de trabalho. Também é o lugar onde o jovem passa pela fase de transição para a vida adulta”, explica a professora de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Katie Almondes. Em busca de resultados concretos sobre o nível de ansiedade encontrado em estudantes universitários, a professora Katie, junto com um grupo de estudos, realizou uma pesquisa em 2004 com alunos de vários cursos da UFRN. A versão final do estudo foi publicada em 2007. Os resultados demonstravam que as médias de ansiedade estavam dentro do esperado. No entanto, constatou-se que alguns estudantes apresentavam níveis acima do padrão. “A pessoa pode ter um histórico que predispõe àquela situação, é difícil definir uma causa específica”, explica a psicóloga Karen Welzenmann. Ela faz parte do Plantão Psicossocial, que funciona no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e atende o público interno da UnB. Ali é fornecido atendimento psicológico e psiquiátrico, na hora da necessidade, não sendo preciso agendar consulta. De maio a agosto deste ano, foram atendidos 22 alunos, a maioria com algum problema relacionado à ansiedade. • SERVIÇO Plantão Psicosocial no Ambulatório II do HUB Atendimento: segunda a sexta-feira, de 8h às 18h.

BÁRBARA LOPES

V

ersátil, resistente e flexível. Essas são as características que fazem com que o interesse por produtos de bambu cresça cada vez mais. Ele pode ser encontrado na fabricação de papel, móveis, instrumentos, objetos de decoração e até mesmo na indústria alimentícia e farmacêutica. No Brasil são 80 espécies nativas conhecidas. Com o objetivo de integrar todas as pesquisas ligadas ao bambu dispersas pelas unidades acadêmicas, em 2006 a UnB criou o Centro de Pesquisas e Aplicação de Bambu e Fibras Naturais (CPAB). Atualmente existem linhas de pesquisas na Faculdade de Arquitetura (FAU), com o estudo direcionado para estruturas arquitetônicas e construções; na Engenharia Florestal, que trabalha com a utilização sustentável dos recursos florestais; na Botânica, que estuda a anatomia da planta, e no Departamento de Música.

Duas frentes Jaime Almeida, coordenador do CPAB, explica que o centro, além de oferecer cursos básicos de capacitação e cursos de extensão de artesanato, tem duas frentes de trabalho: a identificação de bambus nativos, trabalho realizado em parceria com o SEBRAE/Acre, e a aplicação do bambu como material de construção. Um dos resultados alcançados pelas pesquisas, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, foi o desen-

volvimento do Bam-bu Laminado Colado (BLC), que é transformado em chapas ou tábuas e pode ser usado para substituir a madeira. O próximo projeto do centro é realizar uma construção de 60 m² no campus Darcy Ribeiro, totalmente estruturada em BLC. O projeto, chamado de Casa do Visitante do Campus da UnB, estará em funcionamento no primeiro semestre de 2010. No semestre que vem, o CPAB será responsável pela disciplina Oficina Básica de Bambu 1. A matéria de graduação será ofertada para os cursos de Arquitetura e Urbanismo, Biologia e Engenharia Florestal. A disciplina trará conhecimentos básicos e atividades práticas, utilizando-se da oficina de protótipo do centro.

Som pela vibração O músico e professor Carlos Augusto de Melo também é um entusiasta da planta. Há seis anos ele criou o grupo musical Bambuzal, hoje fechado por falta de patrocínio. O intuito era mostrar que os instrumentos de bambu funcionavam. “Não bastava só fazê-los. As pessoas precisavam ver que podem realmente substituir a madeira pelo bambu”, explica. Melo também ministra na UnB o curso de confecção de instrumentos musicais ideofônicos, nos quais o som é produzido pela vibração do corpo do próprio instrumento. “Por ser um dos materiais mais versáteis para o trabalho artesanal, em duas semanas o aluno está em condições de criar os mais diversos instrumentos de bambu”, completa. • Fabiana Closs

Funcionários do CPAB afinam os instrumentos durante a aula


Bloco C

Malabarismos pelo cinema

Conheça pessoas que rifaram leitoa, venderam doces com recheio rosa e parafusaram móveis no teto para fazer filmes

MARIANA DE PAULA

A

h, se só com uma câmera e uma boa história fosse possível fazer um filme... Na vida real, para se ter um produto de qualidade, é preciso muito mais do que isso. As preocupações vão desde a comida no set até o aluguel de equipamentos, mas os cineastas não se intimidam com as dificuldades e batem de porta em porta. Pechincham daqui, choram dali, pedem ajuda para familiares e amigos. E, quando não têm, improvisam.

Alunos da disciplina Laboratório de Realização em Cinema do curso de Audiovisual da UnB estão abusando da criatividade para conseguir dinheiro para seus filmes. Serão dois curtas durante este semestre: Menarca e Grande Amigo Santo Antônio. O primeiro foi orçado em R$ 16 mil. Para a arrecadação, além de uma festa batizada de Minha Primeira Menstruação, que gerou cerca de R$ 4 mil, os jovens produtores optaram por rifas, a R$ 2 cada uma. Os prêmios não foram nada convencionais: jantares para dois, um dia Gabriel de Sá

A estudante Nina mostra o sonho e a camiseta feitos para o filme

em um salão de beleza ou um banquete em um bar de temática medieval. A previsão é conseguir pelo menos R$ 3 mil. Para o segundo filme, foram vendidas bolsas e blusas com a logomarca do Grande Amigo Santo Antônio. “A divulgação do filme é lucro. O objetivo mesmo é juntar o dinheiro”, diz Nina Esselin, 22, produtora executiva do Menarca e diretora de arte do outro curta. Serão vendidos, também, sonhos de padaria com recheio rosa - que é o que a protagonista da película come -, tortas e bombons. As produções contam com a contribuição de várias pessoas, como pais e professores. “Criamos também o fundo Amigos do Grande Amigo Santo Antônio, para as pessoas doarem dinheiro. Já que não temos como pagar, a gente faz as coisas nascerem no nada”, conta Nina. De Mojimirim, interior de São Paulo, veio uma das ajudas mais inusitadas. O avô de Mariana Tesch, diretora do Menarca, rifou uma leitoa, o que rendeu R$ 1 mil para o filme. De improvisos, Carolina Olivon, 24, entende bastante. Mesmo sendo estudante de Publicidade

e Propaganda da UnB, ela participa da produção de filmes. “É muito difícil conseguir patrocínio se não for pelas leis de incentivo à cultura, então nós tentamos convencer as pessoas de que elas devem acreditar em nossos projetos e nos ajudar de alguma forma”, explica. Carolina já teve que correr atrás de uma Kombi na avenida W3 para conseguir um frete mais barato. “Levamos um bolo do pessoal da UnB que ficou de levar nossos equipamentos até a locação do filme. No desespero, vi uma Kombi passando, dei uma fechada e gritei pela janela por quanto o motorista faria o frete. Ficou barato e fechamos o negócio ali mesmo”, recorda. De pedir coisas para amigos e parentes, ela já se cansou. “Fomos filmar no escritório de um amigo, durante o final de semana. Só que o prédio desligava automaticamente a energia e a água. Ficamos presos, sem elevador e sem banheiro. Tivemos que ficar lá até ligarem tudo”, lembra ela. Falando em fria, Pedro Lucena, 23, se meteu em uma das boas. No último semestre de Jornalismo do Centro Universitário de

Diversão sem homofobia Luana Richter

N

este ano, Brasília voltou a realizar o concurso Miss Gay e aumentou de dois para sete o número das paradas homossexuais no DF. Festas GLS chegam a ter cinco mil pessoas, das quais grande parte é heterossexual, e um site especializado no assunto registra mais de 60 mil acessos por mês. Esses são alguns dos indicativos de um novo fenômeno no circuito de entretenimento na cidade. Foram instituídas paradas LGBTTTS (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Trangêneros e Simpatizantes) em Sobradinho, Ceilândia, Gama, Recanto das Emas e Paranoá. As paradas de Brasília e Taguatinga, que já existiam, mobilizaram juntas quase 35 mil pesso-

as nas edições deste ano. “Brasília não é um destino gay, mas a cena GLS é muito bem desenvolvida aqui. Como capital da República, é importantíssimo que a gente tenha essa visibilidade”, diz Ricardo Lucas, promotor de festas. Um levantamento divulgado no último dia 12 pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT) revelou que o Brasil é o país que tem o maior número de paradas gays no mundo. Esse título é brasileiro pelo terceiro ano consecutivo. O DF não realizava nenhuma edição do Miss Gay desde 2005. Já neste ano, foram eleitas Miss Gay Sobradinho e Miss Gay Taguatinga. “Em 2010, a edição de Brasília vai escolher a participante que irá para o concurso nacional”, diz a organizadora do evento, a drag

queen Nicole Franciny. Thales Sabino, editorchefe do portal especializado Parou Tudo, acredita que sempre existiram eventos GLS em Brasília e o que está aumentando é a divulgação. “Desde que nós abrimos o portal e passamos a divulgar o que acontece em nosso universo, trouxemos mais visibilidade e mais público para os eventos”, comenta ele. “Nós recebemos 60 mil visitas por mês. São milhares de pessoas que se informam da agenda cultural gay de Brasília.” De cinco anos para cá, as chamadas baladas GLS se tornaram sinônimo de multidão. Um dos eventos que mais atrai pessoas em Brasília é a Festa da Lili, uma noite eletrônica que só é anunciada pela internet, poucos dias antes de acontecer. “Nós já tivemos edições com mais de cinco mil pessoas”, conta

a produtora Liliane Santana, a Lili. Uma das características das festas é a mistura de heterossexuais e homossexuais. “Isso é muito positivo, diminui o preconceito e naturaliza as relações humanas”, diz Ricardo Lucas. Thiago Rodrigues, o DJ Tits, diz que é comum

Dicas MARIANA HAUBERT

Site Brasília (UniCeub), ele resolveu fazer um documentário na tribo indígena Kraho, no Tocantins, para participar de um concurso. O problema é que ele foi sem avisar e não foi aceito logo de cara: teve de passar por uma espécie de julgamento. Nem voltar ele podia, porque tinha usado todo o dinheiro na viagem de ida. No final deu tudo certo. Pedro foi aceito pelos índios depois de 24 horas trancado em uma escola da tribo, fez o documentário e ficou em 12º lugar no concurso. “O filme foi selecionado para um festival de cinema da Amazônia”, conta ele. Dizo Dal Moro, 43, é um apaixonado pela profissão: “Se cinema desse dinheiro, vivia só disso”. Formado em Rádio, Cinema e TV e Jornalismo pela UnB, ele lembra de um filme sobre um aparelho de televisão que andava pelo teto. “Pedimos emprestada a casa do cunhado de uma menina da produção. Falamos que íamos ficar algumas semanas e acabamos ficando alguns meses. Pegamos os móveis do cara e parafusamos no teto”, relembra. “Acho que ele nunca mais vai emprestar a casa para ninguém.” •

ForgottenBooks.org O objetivo do site é preservar obras raras esquecidas, que abordam de folclore a mitologia. Porém, o material está disponível apenas em inglês.

Livro

Cinefilô (2009) O livro de Ollivier Pourriol, que tem como subtítulo As mais belas questões da filosofia no cinema, analisa dilemas por trás de filmes consagrados, como Clube da Luta e O Sexto Sentido.

Álbum

Ruido Blanco (2008) Já ouviu falar em música instrumental minimalista? O terceiro trabalho do projeto espanhol Bosques de mi Mente é um bom começo. O álbum lançado pela licença Creative Commons pode ser baixado online.

Com sete paradas gays e público crescente em festas, a capital amplia seu circuito GLS ver homens heterossexuais nas baladas. “Eu já escutei muito homem dizendo que é bem mais fácil para conquistar as mulheres.” Para ele, a mistura gera pessoas mais tolerantes. “Essa democratização só tende a aumentar. Quanto mais as pessoas aceitarem a diversidade, mais elas

serão felizes consigo mesmas”, acredita. “É uma questão de evolução, a mudança dessa ditadura de que só o heterossexual é o certo, de que só sendo heterossexual se é feliz”, comenta Evaldo Amorim, secretário-geral da Federação LGBT do DF e Entorno. • Fabiana Closs

Em plena quinta-feira, festa na Oficina Club atrai uma multidão de homossexuais e simpatizantes

7


ContraCapa

Comprei este livro em Londres, numa loja de livros velhos. Fiquei fascinada por ele. Pertenceu a uma Marcia, em 1909. Acho tudo isso misterioso e belo. Passou pra mim setenta anos depois, atravessou o mar e agora é teu. Põe teu nome e data

JOÃO PAULO VICENTE

Ensaio Fotográfico: Ludmilla Alves

Julinho querido nunca se esqueça que o lugar mais místico e mais importante do mundo sempre será seu coração. Leia com carinho, sua mãe.

LUDMILLA ALVES

Palavras perdidas

No começo de um livro, no espaço de páginas que ainda não conta, do conteúdo, muito mais do que título, autor e edição, bem ali, nomes, datas e palavras feitas à mão marcam o traço de outra história. Guardado na estante do sebo, o livro acumula o cheiro do tempo e se distancia dos personagens reais da mensagem assinada. Deslocadas da ocasião em que, talvez, tenham significado um tanto para alguém, as dedicatórias podem se perder nos caminhos do tempo, virar lixo, virar rasura. Podem passar por alguém que não as perceba, ou por alguém a quem incomode o escrito no livro de segunda, terceira mão.

8

As palavras ou a simples assinatura datada, em livro importante ou qualquer, podem ser encontradas por alguém que olha e, reparando, sente que um livro assim já vivido vale mais. E talvez inscreva, no papel, mais um pedaço de história a ser contada em silêncio, pelos dias. Na entrada do sebo Cope Espaço Cultural, Tiago Botelho carrega uma caixa cheia de livros. Pretende vendê-los porque em casa já começa a faltar espaço. Enquanto separava as brochuras, conferia um por um, arrancando com estilete as páginas com mensagens pessoais. Sobrou algum com memórias perdidas? Tiago prefere acreditar que não.

(retirada do livro Lugares Místicos, Mistérios do desconhecido)

Se a dedicatória escapa, ganha vida própria, vira protagonista do acaso alheio. Elizabeth Hazin falava ao telefone com uma colega que nunca encontrara pessoalmente. Na falta de papel para uma anotação, puxou um livro da estante. Aberto casualmente na última página, o exemplar levava a assinatura da pessoa que estava do outro lado da linha. Esse livro, perdido em um avião que ia do Rio de Janeiro para a Bahia, ainda percorreu caminhos maiores: foi parar no Recife e, comprado em uma loja de usados, hoje figura na casa de Elizabeth, em Brasília. Nem sempre tais coincidências são possíveis. Se uns donos de sebo preservam as dedicatórias, outros optam por apagá-las ou mesmo rasgar a página. Alguns só apagam os nomes. Assim a rasura, com ar de estrago na página, ganha um tanto de beleza: vira dedicatória de ninguém, pra qualquer um. Gilvan Ema, proprietário do Sebão, costuma apagar dedicatórias. Faz isso porque não gosta da situação constrangedora que é, para o escritor, encontrar ali um livro com seu autógrafo. Lembra a ocasião em que um famoso poeta da cidade achou, na prateleira, um livro seu que havia dedicado a um conhecido. Comprou-o na mesma hora e mandou de volta ao desparceiro. Bem humorado, Gilvan conta outra. Conferia alguns livros recém-adquiridos e, na página de rosto, a frase:

Nessa vida eu queria morrer igual a um rabo de vaca. Em cima de uma buceta O livreiro caiu na gargalhada. Um cliente que estava na loja, interessado, perguntou o que era. Acabou comprando o livro só por causa da anotação.

A memória de um livro não guarda apenas dedicatórias. Vendidos – ou perdidos – porque o dono morreu, o dinheiro acabou, o uso já não interessa ou porque o amor, virado desprezo, prefere distância dos tempos de romance, os livros quase sempre chegam aos sebos carregando um tanto mais que as páginas. Ivan da Presença, dono do Quiosque Cultural, tem uma caixa povoada de etiquetas, fotografias e cartas. Vai escrever um livro sobre o assunto, um dia. Tem foto do glorioso time do Gama nos anos 80 – com a lembrança, na parte de trás, de alguém que, hoje senhor, era atleta; tem calendário maia; cartões com mensagens de amor; telefones perdidos; reflexões existenciais. Uma carta, redigida à máquina, tem recomendações a serem trazidas, do Recife, para Brasília. A urgência era tanta que o remetente até diz não poder esperar pelo correio, vai ao aeroporto ver se algum desconhecido leva a correspondência em tempo.

O curso da vida de um livro jamais se revela por inteiro. Deparar com esses fragmentos de histórias desperta interesse, curiosidade, imaginação. Quem não demora, um pouco que seja, tentando imaginar os eventos que acompanharam a frase ali escrita? Como nas melhores ficções, a realidade que se apresenta transforma em co-autor quem nela deseja aventurar-se. De mães para filhos, de professores para alunos, de amigos, desconhecidos, amantes. As dedicatórias, fragmentos de vidas correndo na páginaw, carimbam o livro de uma marca única: nenhum outro passou pelos mesmos olhos, foi presenteado ou comprado pelo mesmo motivo. E assim os livros, feito pessoas, não vivem nem repetem a mesma vida.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.